Open-access Representações sociais de pessoas com diabetes acerca do apoio familiar percebido em relação ao tratamento

Representaciones sociales de personas con diabetes respecto del apoyo familiar percibido en relación al tratamiento

Resumos

Estudo qualitativo, que teve como objetivo identificar as representações sociais de pessoas com diabetes acerca do apoio familiar percebido em relação ao tratamento. Como referencial teórico-metodológico utilizou-se a Teoria das Representações Sociais. Participaram 41 pessoas com diabetes atendidas em um centro universitário do interior paulista em 2007. O grupo focal foi utilizado como estratégia de coleta dos dados. Os dados foram submetidos à análise de conteúdo temática. Os resultados possibilitaram identificar três categorias: o apoio da família está presente no cotidiano da pessoa com diabetes; a família nem sempre apóia a pessoa com diabetes em suas necessidades; a própria pessoa com diabetes toma para si a responsabilidade de despertar o apoio da família. Os participantes reconhecem o apoio familiar como um fator relevante para o tratamento, porém também apontam que o excesso de controle exercido pelos familiares restringe sua autonomia e desperta sentimentos ambíguos. A equipe multiprofissional precisa considerar que o conhecimento das representações socialmente construídas contribui para potencializar a atenção em saúde à pessoa com diabetes.

Diabetes mellitus; Atenção primária à saúde; Família; Apoio social


Estudio cualitativo que objetivó identificar las representaciones sociales de personas con diabetes respecto del apoyo familiar percibido en relación al tratamiento. Se utilizó como referencial teórico-metodológico la Teoría de las Representaciones Sociales. Participaron 41 diabéticos atendidos en centro universitario del interior paulista en 2007. Para recolección de datos se usó el grupo focal. Los datos fueron sometidos a análisis de contenido temático. Los resultados identificaron tres categorías: el apoyo familiar está presente en el cotidiano del diabético; la familia no siempre apoya al diabético en sus necesidades; la propia persona diabética toma la responsabilidad de despertar el apoyo familiar. Los participantes destacan al apoyo familiar como factor relevante para el tratamiento, sin embargo reportan que el exceso de control ejercido por familiares restringe su autonomía y despierta sentimientos ambiguos. El equipo multidisciplinario necesita considerar que el conocimiento de las representaciones socialmente construidas contribuye a potencializar la atención sanitaria al diabético.

Diabetes mellitus; Atención primaria de salud; Familia; Apoyo social


The objective of this qualitative study was to identify the social representations that people with diabetes have on their perception of family support for the treatment. The Theory of Social Representations was used as the theoretical and methodological framework. Participants were 41 people with diabetes assisted at a university in the state of São Paulo in 2007. The focal group strategy was used for data collection, and thematic content analysis was performed. Results revealed three categories: family support is present in the everyday life of people with diabetes; the family does not always support the person with diabetes in his or her needs; the person with diabetes assumes the responsibility to trigger family support. Participants see family support as a relevant factor for the treatment, but they also point out that excessive control from relatives limits their autonomy and originates ambiguous feelings. The multiprofessional team must take into consideration that knowing social representations helps improve the health care delivered to people with diabetes.

Diabetes mellitus; Primary health care; Family; Social support


ARTIGO ORIGINAL

Representações sociais de pessoas com diabetes acerca do apoio familiar percebido em relação ao tratamento

Representaciones sociales de personas con diabetes respecto del apoyo familiar percibido en relación al tratamiento

Manoel Antônio dos SantosI; Roberta Cancella Pinheiro AlvesII; Valmir Aparecido de OliveiraIII; Camila Rezende Pimentel RibasIV; Carla Regina de Souza TeixeiraV; Maria Lúcia ZanettiVI

IProfessor Doutor do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto, SP, Brasil. masantos@ffclrp.usp.br

IIGraduanda do Curso de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil. robertacancella@yahoo.com.br

IIIMestrando do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Fundamental do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil. valoliveir@hotmail.com

IVMestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Fundamental do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil. camila.p.ribas@usp.br

VProfessora Doutora do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil. carlarst@eerp.usp.br

VIProfessora Associada do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem. Ribeirão Preto, SP, Brasil. zanetti@eerp.usp.br

Correspondência Correspondência: Maria Lúcia Zanetti Av. Bandeirantes, 3900 - Monte Alegre CEP 14040-902 - Ribeirão Preto, SP, Brasil

RESUMO

Estudo qualitativo, que teve como objetivo identificar as representações sociais de pessoas com diabetes acerca do apoio familiar percebido em relação ao tratamento. Como referencial teórico-metodológico utilizou-se a Teoria das Representações Sociais. Participaram 41 pessoas com diabetes atendidas em um centro universitário do interior paulista em 2007. O grupo focal foi utilizado como estratégia de coleta dos dados. Os dados foram submetidos à análise de conteúdo temática. Os resultados possibilitaram identificar três categorias: o apoio da família está presente no cotidiano da pessoa com diabetes; a família nem sempre apóia a pessoa com diabetes em suas necessidades; a própria pessoa com diabetes toma para si a responsabilidade de despertar o apoio da família. Os participantes reconhecem o apoio familiar como um fator relevante para o tratamento, porém também apontam que o excesso de controle exercido pelos familiares restringe sua autonomia e desperta sentimentos ambíguos. A equipe multiprofissional precisa considerar que o conhecimento das representações socialmente construídas contribui para potencializar a atenção em saúde à pessoa com diabetes.

Descritores: Diabetes mellitus; Atenção primária à saúde; Família; Apoio social.

RESUMEN

Estudio cualitativo que objetivó identificar las representaciones sociales de personas con diabetes respecto del apoyo familiar percibido en relación al tratamiento. Se utilizó como referencial teórico-metodológico la Teoría de las Representaciones Sociales. Participaron 41 diabéticos atendidos en centro universitario del interior paulista en 2007. Para recolección de datos se usó el grupo focal. Los datos fueron sometidos a análisis de contenido temático. Los resultados identificaron tres categorías: el apoyo familiar está presente en el cotidiano del diabético; la familia no siempre apoya al diabético en sus necesidades; la propia persona diabética toma la responsabilidad de despertar el apoyo familiar. Los participantes destacan al apoyo familiar como factor relevante para el tratamiento, sin embargo reportan que el exceso de control ejercido por familiares restringe su autonomía y despierta sentimientos ambiguos. El equipo multidisciplinario necesita considerar que el conocimiento de las representaciones socialmente construidas contribuye a potencializar la atención sanitaria al diabético.

Descriptores: Diabetes mellitus; Atención primaria de salud; Familia; Apoyo social.

INTRODUÇÃO

O Diabetes Mellitus (DM) é uma doença crônica que exige ajustamentos na dinâmica e organização familiar do paciente, pois impõe cuidados permanentes e contínuos(1). Esse processo de adaptação à nova condição inicia-se a partir do estabelecimento do diagnóstico e pode desencadear algum nível de desorganização na dinâmica familiar. Dependendo da maneira como paciente e família atribuem significados à doença e ao tratamento, o acometimento possibilitará uma oportunidade de aprendizagem e convivência com a condição crônica. Passado o impacto inicial da confirmação do diagnóstico, pacientes e familiares se mobilizam no sentido de buscar modos de enfrentamento que propiciem o ajustamento psicossocial frente às demandas que a complexidade do tratamento impõe(1-2).

A busca de apoio social(3) é um dos modos de lidar com os fatores adversos acarretados pela complexidade do tratamento. Inclui, entre outros aspectos, a procura de recursos profissionais para o tratamento, dentre os quais se destaca o grupo de educação em diabetes. Na perspectiva da integralidade em saúde, um grupo de educação precisa oferecer apoio nos aspectos físicos, psicológicos, espirituais, entre outros, incluindo a família como unidade de tratamento(4).

Tendo em vista que a organização familiar influencia fortemente o comportamento de saúde de seus membros e que o estado de saúde de cada indivíduo, por sua vez, também influencia o funcionamento da unidade familiar, os estudos mostram que a família é uma instituição que possui uma importância estratégica, no sentido de que pode ajudar ou não uma pessoa com DM a manejar corretamente a complexidade da doença e alcançar as metas do tratamento(2,5).

Estudos apontam a importância crescente da participação e integração da família no plano de tratamento da pessoa com DM, tendo em vista a necessidade de contextualizar o cuidado em saúde (6-8). As características do contexto familiar estão significantemente relacionadas com comportamento de autocuidado do paciente(7).

A família, quando bem orientada, pode constituir uma unidade de suporte às ações de cuidado no cotidiano da pessoa com diabetes, tais como estímulo à realização de atividades físicas, motivação para seguimento do plano alimentar, incentivo no ajuste da terapêutica medicamentosa quando da realização da monitorização da glicemia capilar no domicílio, desenvolvimento de habilidades para o manejo da insulina e cuidados com os pés, entre outras medidas(1-2).

Apoio familiar pode ser definido como uma dimensão do apoio social que, por sua vez, se refere às informações ou recursos materiais fornecidos por grupos (família, amigos, profissionais de saúde, entre outros), que trazem benefícios emocionais ou comportamentais para quem os recebe. É um processo recíproco e, portanto, proativo, no qual as duas partes se beneficiam com efeitos positivos, fortalecendo o sentido de controle sobre a própria vida tanto para quem oferece como para quem o recebe(9).

No presente estudo focalizamos o apoio familiar percebido pela pessoa com DM tipo 2. Altos níveis de apoio familiar percebido e auto-eficácia aumentada estão significantemente associados com níveis mais elevados de comportamentos de autocuidado, como dieta e prática de exercício físico. O comportamento familiar, por sua vez, está associado com autocuidado do paciente na alimentação e atividade física(10). Estudo demonstrou que a associação entre apoio familiar e de amigos e o desempenho em estratégias de autocuidado foi mais forte para monitoração da glicose do que para as outras estratégias, demonstrando a importância de incrementar este tipo de apoio(8).

Além do apoio familiar, a pessoa com DM, bem como seus cuidadores, ainda necessitam contar com apoio psicológico para se fortalecerem emocionalmente, de modo a fazer frente às exigências terapêuticas de autocuidado(11). Nessa vertente, reconhecendo a importância de prover um acompanhamento psicológico às pessoas com DM, implementou-se um grupo de apoio psicológico em um centro universitário no interior paulista. A equipe multiprofissional que oferece esse atendimento reconhece que, além dos cuidados especializados, a rede de apoio social, incluindo a família, colabora para o enfrentamento das dificuldades encontradas em função das alterações necessárias no cotidiano para o manejo da doença.

A experiência com pessoas que participam de grupos de educação em DM têm evidenciado que a representação acerca da participação da família no tratamento nem sempre corresponde às suas necessidades de saúde. Por outro lado, a literatura é escassa em relação a essa temática, sugerindo a necessidade de estudos que busquem elucidar que significados a pessoa com DM atribui à participação da família no seu tratamento.

Diante do exposto, este estudo teve como objetivo identificar as representações sociais de pessoas com DM acerca do apoio familiar percebido em relação ao tratamento.

MÉTODO

Estudo descritivo, exploratório, com enfoque qualitativo. Como referencial teórico-metodológico utilizou-se a Teoria das Representações Sociais (TRS)(12-13). Este referencial foi privilegiado por viabilizar maior compreensão dos aspectos psicossociais e dos significados atribuídos pela pessoa com DM ao apoio social da família no seu tratamento. Acredita-se que o marco referencial adotado possibilita desvendar como as pessoas com DM constroem suas representações sociais, considerando crenças e valores socialmente construídos.

Dentre as diversas vertentes da TRS, o enfoque teórico adotado compreende as representações sociais como modalidades de conhecimento prático, orientadas para a comunicação e para o entendimento do contexto social, material e ideativo em que as pessoas vivem(12). As representações sociais são formas de conhecimento que se manifestam como elementos cognitivos, imagens, conceitos, categorias e teorias. Esse referencial teórico tem sido aplicado no contexto da saúde, em particular em estudos com pessoas com condições crônica, inclusive DM(11,14).

Parte-se da premissa de que conhecer as representações que as pessoas com DM constroem acerca do apoio recebido da família acerca dos cuidados contribui para promover novos olhares e enfoques dos profissionais em relação à intervenção educativa necessária para o manejo da doença, por meio de ações mais humanizadas, eficazes e, portanto, mais próximas ao cotidiano dos indivíduos.

O estudo foi realizado em um Centro de Pesquisa e Extensão Universitária de uma cidade do interior paulista, em novembro de 2007. Esse Centro foi eleito como local de estudo porque as pessoas com diabetes são atendidas por uma equipe multiprofissional constituída por enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, educadores físicos e alunos de graduação em Enfermagem e Psicologia. Nesse Centro é oferecido um Programa de Educação em Diabetes. O número de pessoas com DM atendidas está condicionado ao espaço físico e aos recursos humanos disponíveis.

Nesse Programa as pessoas são subdivididas em quatro grupos. Essa divisão em pequenos grupos visa facilitar uma boa comunicação entre a pessoa com diabetes e a equipe de trabalho. A cada terça-feira os quatro grupos são atendidos simultaneamente, em esquema de rodízio pelas especialidades: Enfermagem, Nutrição, Psicologia e Educação Física.

Foram incluídas pessoas com DM tipo 2, adultos, cadastrados no Programa de Educação em Diabetes e que aceitaram participar da investigação.

Participaram 41 pessoas com DM tipo 2 recrutadas no referido Centro, sendo 30 mulheres e 11 homens, com idade entre 32 e 80 anos, com escolaridade predominante equivalente ao Ensino Fundamental incompleto. A maioria dos participantes era casada e se declarou católica. Essa casuística representa a população cadastrada no período do estudo no Grupo de Educação em Diabetes.

Utilizou-se como estratégia de investigação para coleta de informações o grupo focal (15), segundo a abordagem de grupos auto-referentes(16). Esse tipo de grupo focal é empregado como fonte principal de coleta de dados em pesquisa qualitativa. Grupos focais auto-referentes têm como finalidade explorar novas áreas, ainda pouco conhecidas pelo pesquisador, e investigar questões, opiniões, atitudes, experiências anteriores e perspectivas futuras. Os grupos foram constituídos por participantes que tinham características em comum. Foram conduzidos por psicólogos que, no papel de moderadores, incentivavam os participantes a conversarem entre si, valorizando a troca de experiências, idéias, sentimentos, valores, bem como a expressão de facilidades e dificuldades encontradas no contexto familiar.

Os pacientes foram subdivididos em quatro grupos fechados, com uma média de 10 participantes por grupo. Os grupos foram heterogêneos quanto à idade e sexo e homogêneos quanto à patologia. Os dados foram coletados em encontros de aproximadamente 90 minutos, realizados às terças-feiras, das 14h00 às 15h30, totalizando quatro encontros.

Os participantes foram informados acerca dos objetivos e natureza do estudo. Foi assegurada a liberdade de decisão de participar do estudo, sendo esclarecido que a recusa não implicaria em prejuízos ao atendimento. Uma vez obtida a concordância com a realização da investigação, foi feita uma leitura coletiva do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e esclarecidas as dúvidas dos participantes, sempre que necessário. Foi garantido o anonimato dos colaboradores, que serão identificados por meio de nomes fictícios.

Após aquecimento inicial, os participantes do grupo focal foram convidados a refletirem sobre a questão disparadora: Como eu vejo a participação da minha família no meu tratamento. Os coordenadores buscavam manter um ambiente acolhedor e permissivo, encorajando a livre expressão de pensamentos e sentimentos. Para registro das verbalizações foi utilizado um gravador, mediante anuência prévia dos participantes. Os registros dos encontros foram transcritos na íntegra e de forma literal, constituindo o corpus de análise.

Posteriormente, empreendeu-se a análise temática(17), identificando-se os núcleos de sentido contidos nas falas dos participantes. O método utilizado desdobra-se em três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Na pré-análise foram realizadas leituras sucessivas do material coletado, que permitiram estabelecer um contato exaustivo com os conteúdos evocados e identificar os núcleos de sentido, palavras-chave ou frases que explicitavam idéias, pensamentos e significados relevantes para a elucidação dos objetivos do estudo; em seguida, foram recortados e agrupados os segmentos que continham idéias centrais em comum, que constituíram os temas que delimitaram o contexto do estudo. Na segunda etapa, foram analisados os recortes e estabelecidos os critérios para classificá-los. Na terceira fase da análise os recortes extraídos na etapa anterior foram categorizados, o que permitiu definir as representações sociais das pessoas com DM sobre o apoio familiar percebido.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (protocolo nº 0667/2006).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram identificadas três categorias: O apoio da família está presente no cotidiano da pessoa com diabetes mellitus; A família nem sempre apóia a pessoa com diabetes mellitus em suas necessidades; A própria pessoa com diabetes mellitus toma para si a responsabilidade de despertar o apoio da família.

1. O apoio da família está presente no cotidiano da pessoa com diabetes mellitus

Nessa categoria estão contempladas as falas que sugerem que o apoio familiar acontece na forma de um controle excessivo por parte dos membros familiares. O eixo central das representações sociais que a pessoa com DM elabora acerca do modo como a família se aproxima do tratamento é alicerçado na noção de um controle coercitivo e punitivo, que priva a pessoa acometida da satisfação plena dos prazeres relacionados à conduta alimentar e convívio social.

É porque minha mulher pega no pé mesmo... quer saber se eu medo a glicemia, se eu tomei insulina [...] até minha netinha de cinco anos já pega no meu pé, fala: Você não pode beber refrigerante! (José).

Ela (esposa) é controladora demais, tudo o que você vai fazer ela pergunta e fala (João).

Quando vou a uma festinha de aniversário não posso nem me aproximar da mesa de doces que já ficam me olhando e podando... (Márcia).

As representações sociais trazidas pelos participantes colocam a família em um lugar de instância vigilante, que monitora e, eventualmente, pune os excessos e transgressões cometidas pela pessoa com DM. Esta, por sua vez, é vista como alguém a quem se deve manter sob vigilância constante, pois não tem capacidade de autocontrole, o que coloca em risco o êxito do tratamento. A pessoa com DM, portanto, é vista com um olhar de suspeita, como se estivesse sempre prestes a ceder às tentações e incorrer em alguma transgressão alimentar. Esses dados são congruentes com os obtidos por outros estudos(11,18).

Minha neta ia na pia e colocava um pedacinho: ‘Vó, você só pode esse pedacinho’ (Joana).

Toda hora eu ia lá pegar um pedacinho escondido também, viu. Toda hora eu escutava um grito: Eh, Cláudio! (Cláudio).

E a [irmã] me dava bronca, saia falando pra todo mundo: não vai comer isso, não vai comer isso e ficava assim, me policiando, né, e tirava também as coisas, né: Ah, não, você não vai comer não; e tirava assim, falando: Você não vai comer [...] Falava: Não, você não vai comer; Ela não pode, ela é diabética. Então, esses negocinhos de ser diabética soavam pesado, né (Cristina).

De acordo com a TRS pode-se apreender, na fala abaixo, que a atitude enfática do familiar não respeita o livre arbítrio e a liberdade de decisão do outro, mas, ao contrário, procura impor-lhe uma decisão, dar uma direção para seu comportamento, sufocando-o em sua autonomia:

Você não pode - quando vão passando o cafezinho, vai passando e você fica quieto, antes de você escolher o adoçante a pessoa que está ali fala: Não, ela não pode! (Luana).

Falavam: Não come. A ponto de tirar da frente assim e falar: não! Teve um dia, um aniversário, iam me servindo o bolo e falava pra mim: Não, não pode. [...] uma preocupação também deles, da importância que eles dão pra mim também, né (Cristina).

Nessa última fala pode-se apreender uma outra dimensão da representação que o paciente constrói em relação à atitude dos familiares, segundo a qual o controle excessivo pode representar também cuidado, zelo, proteção em relação à sua saúde. Esse achado é relevante, pois demonstra que as representações sociais de apoio familiar não têm um caráter unívoco, mas são polissêmicas. Os profissionais de saúde precisam estar atentos para essas nuanças contidas nas representações sociais das pessoas com DM, que nem sempre são facilmente apreensíveis na fala cotidiana, passando muitas vezes despercebidas.

O controle sobre o comportamento alimentar da pessoa com DM muitas vezes é de tal forma cristalizado e naturalizado, que pode ser facilmente transferido também para outras pessoas do convívio familiar que não são aparentadas, como se constata na seguinte fala:

Eu gosto muito de doce de fio, aí a moça que trabalha lá em casa jogou aquele doce tudo verdinho no lixo, aí eu olhei e disse: Meu doce! Ela falou: Tá estragado. Eu falei assim: Eu comprei ontem. Ela olhou e falou: Você não pode comer (Luana).

O fato de se verem continuamente expostos aos rigores do controle alimentar exercido por terceiros pode suscitar reações emocionais intensas. A frustração resultante pode levar a pessoa com DM a vivenciar sentimentos de raiva ou revolta:

Isso [controle familiar] dá tanta raiva na gente e tem outra coisa também: Já tomou insulina? Eu SEI da minha responsabilidade e que eu tenho hora pra tomar, precisa me lembrar? Ah, mas lá em casa é uma neura (Luana).

A representação social do cuidado oferecido pelos familiares é incorporada pela pessoa com DM como um fardo muitas vezes insuportável, que compromete a sua auto-estima em vez de contribuir para ajudá-la a diminuir sua dependência e organizar seu cotidiano considerando suas limitações. Desse modo, o controle imposto de forma impositiva e recorrente parece não fortalecer sua competência pessoal para o autocuidado. Nas representações dos participantes pode-se apreender a necessidade de ser reconhecido como sujeitos capazes de se apropriarem de seu tratamento, mantendo preservada sua margem de autonomia e liberdade de escolha. Ao se verem confrontados em seu cotidiano com sucessivas imposições do outro, sentem-se inferiorizados e infantilizados frente às múltiplas demandas do tratamento.

2. A família nem sempre apóia a pessoa com diabetes mellitus em suas necessidades

A rede de apoio familiar constitui um dos pilares que sustentam o cuidado em condições crônicas de saúde. Considerando que esse cuidado é permanente, oneroso e que pode acarretar um desgaste emocional intenso nos cuidadores(1-3,.5), implicando em sobrecarga física e emocional, a pessoa com DM nem sempre tem suas necessidades de apoio familiar convenientemente atendidas.

As representações sociais indicativas de ausência de apoio familiar dos participantes são ilustradas nos seguintes excertos:

Eu, né, cada vez mais largada. [...] Eu perdi tudo: mãe, irmão, tudo. [...] Ninguém quer cuidar de gente doente, não (Susana).

Solidão, eu digo solidão porque eu sou viúva, né, viúva, eu não tenho aquele ombro amigo, né... Então eu me sinto solitária... solitária, não tenho com quem falar, não tenho com quem desabafar (Laura).

Sentimentos de abandono, desamparo e solidão permeiam essas representações, indicando seu potencial efeito deletério sobre a vida emocional dessas pessoas, o que pode comprometer a motivação para o tratamento. Esses sentimentos negativos, quando cristalizados, podem predispor à formação de sintomas depressivos, como baixa auto-estima, desânimo, desesperança, baixa expectativa frente ao futuro, perda de tônus vital e de interesse pelas atividades diárias - incluindo aquelas consideradas importantes para a manutenção de um bom controle metabólico.

As dificuldades de comunicação no contexto familiar podem reforçar os sentimentos de solidão e desamparo vivenciados pela pessoa com DM, conforme mostram as falas relacionadas:

Meu marido é um bom marido, bom pai, ele só não tem diálogo, mas ele é um bom marido, às vezes um pouco estabanado... O meu marido já é um problema de família, é falta de diálogo, de orientação, não tinha na família dele isso, você entendeu? (Mara).

A gente tem que conviver com pessoa que te põe pra cima, que te dá ânimo, que não te deixa deprimida, né (Sônia).

O sofrimento psíquico acarretado pelos problemas de comunicação intrafamiliar é intenso e persistente no discurso de alguns participantes. Esse achado permite postular que um dos fatores que motivam a busca pelos grupos de apoio em DM é a busca de apoio social, compartilhamento de problemas comuns e oportunidade de sociabilidade, o que é congruente com os resultados de outros estudos que salientam o potencial dos grupos em termos de oferecimento desses fatores terapêuticos(4).

Por outro lado, as representações sociais indicativas da presença de apoio familiar também tiveram proeminência.

É, meus filhos, né, eles viram que eu fico muito agoniada com a doença; então, hoje, eles tentam me ajudar, me levam pra todo lado, sabe... é um modo de agradecer o que eu fiz (Mara).

Os meus [filhos] já fala: Mãe, você tá sentindo alguma coisa? Quer ir ao médico? (Paula).

Eles [filhos] se preocupam com nossa saúde, se estamos indo bem... experimenta ficar na cama mais um pouquinho de manhã, se um deles não vai lá ver? (Mário).

O carinho que eles têm, que os netos têm com o avô, que os filhos têm com a gente (Júlio).

Eu tenho o meu filho que mora, nós moramos junto no mesmo apartamento, ele é uma pessoa que nos ajuda muito nessa parte porque ele trabalha com doente. [...] Ele conforta a gente, quer saber como é que tá, como que passou (José).

...eles acabam cuidando da gente, né (Mara).

Desse modo, os filhos aparecem como fontes importantes de apoio familiar, tanto para homens quanto para mulheres. Essa proximidade mantida pelos filhos é sentida como um alento, um conforto que ajuda a mitigar a aspereza do convívio com as limitações acarretadas pelo DM.

Uma outra figura de apoio salientada é o cônjuge:

Meu marido falou pra mim: Começa a tomar leite desnatado! (Mara).

Meu marido também, começou a aplicar insulina porque eu não sentia bem em enfiar aquela agulha... Uns dias, assim, ele falou: Você tem que fazer sozinha (Renata).

Outros familiares podem enriquecer o círculo de apoio social da pessoa com DM, incluindo crianças, que parecem ter uma percepção aguçada das necessidades do doente:

Tenho uma netinha de cinco anos... ela fala: Eu te amo, vovó. Nossa, aquilo, ai! [suspiro] É uma benção! Então, eu acho que tudo isso ajuda, tudo isso é bom! (Júlia).

As atitudes do familiar em relação ao tratamento podem representar um estímulo poderoso à independência e à busca de autonomia, como se pode perceber na fala do marido que aconselha a esposa a tomar leite desnatado e do outro, que estimula a aplicação de insulina. A relação conjugal é representada como um exercício de tolerância mútua, particularmente nos relacionamentos prolongados, nos quais, após décadas de convívio, aprendeu-se a lidar com as diferenças, minimizando as fontes de discórdia que perturbam a harmonia do casal.

Ela [esposa] me tolera e às vezes eu tolero também, isso que faz a gente conviver, quando ela dá a mancada dela, eu suporto e ela também (José).

Essa tolerância aprendida no relacionamento conjugal pode ser um fator de proteção nos momentos de maior vulnerabilidade da pessoa com DM, que se expressam nos episódios de transgressão alimentar ou esquecimento de uso de medicamentos - as mancadas cometidas pela pessoa, conforme a expressão utilizada por José, bem como nas limitações físicas relacionadas à perda da acuidade visual, no comprometimento da sensibilidade dos membros inferiores, entre outras complicações.

Observa-se, assim, que os participantes elaboram representações sociais da família como instância cuidadora, afetuosa e envolvente, o que torna o convívio com o tratamento menos penoso, facilitando a incorporação dos cuidados ao cotidiano da pessoa com DM.

Quando peço pra me levar [para a consulta], me levam (Ruth).

Ah, a ajuda da família né, todo mundo tentava ajudar da melhor maneira, né (Helena).

No entanto, como se pôde perceber nas representações relacionadas à ausência de apoio familiar, nem sempre a presença do cuidado desperta apenas sentimentos de conforto e bem-estar subjetivo. Há outra vertente, que é a do excesso de cuidado, que tangencia a superproteção e desperta sentimentos intensos e ambíguos. A fala a seguir é ilustrativa dessa problemática, ao revelar sentimentos de insegurança produzidos pela excessiva dependência de cuidados providos pelo familiar.

Não tenho coragem de aplicar ela [insulina], a minha filha que prepara. Eu fico aqui, na minha cabeça, o dia que a minha filha casar... ela namora faz cinco anos, os planos dela de casamento, como que vai ser quando ela sair de casa? Como é que eu vou tomar insulina? (Flávia).

Em síntese, as representações sociais mostram que tanto a ausência quanto a presença de apoio familiar estão conectadas com a forma como a pessoa com DM lida com a condição crônica e a complexidade do tratamento. A presença ou ausência desse apoio está relacionada a diversos fatores, tais como: ambiente e convivência familiar, padrão de comunicação existente entre os membros, despreparo da família para conviver com a condição crônica, dentre outros. Portanto, as representações sociais acerca da presença ou ausência do apoio familiar estão relacionadas a conforto ou desconforto psicológico. A perda do bem-estar e apoio social é freqüentemente associada às condições crônicas de saúde(19). Por essa razão, algumas pessoas buscam suprir no grupo de apoio e educação em diabetes, além de suas necessidades de saúde, o apoio de que sentem falta no ambiente familiar(1-2).

Nota-se, ainda, que existem acomodações no contexto familiar face à doença. Na fala a seguir há uma representação social de progressivas adaptações do ambiente familiar em relação às necessidades da pessoa com DM.

As pessoas que você convive já começam, já começam a se adequar a sua doença, começa a fazer as comidas de acordo. Na minha casa mesmo, mudou totalmente o que era; antigamente, era fritura, massa... mas hoje percebo que minha mãe não faz aquilo que ela fazia. Doce, já não faz mais, por quê? Ela já não faz com medo de me dar vontade de eu ir lá e comer e fazer mal pra mim... Todo lugar que eu vou, eu já percebi que já mudou; mudou a forma, a forma de viver deles em relação a minha doença (Raul).

Quando tem festa fica um monte de gente preocupada com o quê que eu posso comer (Zélia).

As adaptações ocorridas no contexto familiar não são isoladas, mas têm um impacto sistêmico. Não é apenas a pessoa com DM que sente as conseqüências da doença, a família também é influenciada pelo adoecimento crônico de uns dos seus membros(1-2,6-8). Quando um dos integrantes do sistema familiar fica diabético, não só o indivíduo, mas todo o sistema terá que se reorganizar para assimilar essa nova informação e aprender a conviver com ela(19).

3. A própria pessoa com diabetes mellitus toma para si a responsabilidade de despertar o apoio da família

O eixo central dessas representações sociais está alicerçado na maneira como o indivíduo chama para si a responsabilidade de produzir as condições que favorecem o apoio que os familiares lhe direcionam no contexto do enfrentamento da doença.

Como fica explícito na fala abaixo, a transformação é produzida a partir de uma deliberação de mudança pessoal do participante, que repercute em seu contexto familiar. Nesse caso, a pessoa com DM não espera que os familiares mudem a partir de um movimento próprio e espontâneo, mas atua ativamente no sentido de promover essas transformações.

Eu me coloco em primeiro lugar lá em casa... a comida tá faltando um pouquinho de sal? Faça o favor, põe o sal no seu prato; eu sou diabética, hipertensa; a minha não tem conserto, então, ponho menos sal (Joana).

Meu filhos reclamam: Mãe, você não faz um doce, não faz um bolo (Ruth).

Em síntese, na análise da terceira categoria temática observaram-se dois movimentos distintos das alterações que a doença produz no contexto familiar: um movimento que parte do sujeito afetado pelo DM, que vai se propagando como uma onda que atinge os demais membros da família, envolvendo-os e convidando-os a mudar, juntos, certos hábitos de vida já cristalizados. Já o outro movimento segue uma direção diversa: o sujeito não fica simplesmente esperando que seus familiares se sensibilizem e se tornem permeáveis à necessidade de mudança de seus hábitos, mas de algum modo se co-responsabiliza pela produção de seu autocuidado.

O conjunto das representações sociais de pessoas com DM tipo 2 em relação ao apoio familiar percebido sugere que a equipe multiprofissional deve reconhecer a dimensão sociocultural do cuidado. As intervenções delineadas devem ser direcionadas ao fortalecimento do apoio familiar, de modo a reduzir as barreiras em relação ao autocuidado(5,10) relacionadas a crenças e valores socioculturais estabelecidos, particularmente quanto à alimentação.

Nessa vertente, o estudo das representações do apoio familiar mostrou que as pessoas adultas com DM não só apresentam diferentes concepções sobre esse suporte, como essas representações podem sustentar atitudes diversas, que variam desde assumir uma postura mais passiva e resignada em relação à disponibilidade de ajuda por parte dos familiares até uma postura ativa no sentido de produzir condições que favoreçam a oferta desse apoio no contexto familiar.

Dependendo do tipo de representação social que prevalece, a pessoa com DM estará mais vulnerável a sentimentos negativos, tais como tristeza, desesperança e revolta, decorrentes do convívio reiterado com as exigências impostas por um tratamento rigoroso, que impõe disciplina, renúncia a determinados prazeres e uma boa dose de sacrifício pessoal.

O apoio familiar, quando percebido como presente, é visto como recurso que traz alento, promovendo bem-estar e melhoria da qualidade de vida. Sua ausência parece interferir diretamente na motivação para manter os comportamentos de adesão ao tratamento. Desse modo, o presente estudo demonstrou que o núcleo central da representação social de apoio familiar está alicerçado no desejo de preservação de uma fonte externa - a família - que estimule a manutenção do comportamento de busca de saúde.

Dessa forma, comportamentos relacionados ao autocuidado podem estar fortemente impregnados por representações de apoio familiar, que precisam ser adequadamente acolhidas e compreendidas pela equipe de saúde. Identificar essas representações sociais permite conhecer o modo como as pessoas com DM recriam os conhecimentos científicos, difundidos pelos meios de comunicação de massa e transmitidos pelo contato com os profissionais de saúde, conjugando-os com o saber popular, o que é denominado de ancoragem(12-13). No quadro da TRS, esse fenômeno da ancoragem possibilita que as pessoas com DM apropriem-se da experiência do adoecer e do tratamento(11,20) por meio da elaboração de um conhecimento que é construído e constantemente reconstruído no espaço coletivo.

O DM influencia as diversas dimensões que constituem o cotidiano do indivíduo afetado, desde a sua rotina mais trivial até o desejo de continuar a viver e manter sua qualidade de vida. A pessoa acometida convive com embates cotidianos entre seus próprios impulsos básicos, por um lado, e a necessidade imperiosa de ter controle sobre seus desejos, resultando em dificuldades de aceitar limites(18). Por essa razão, o desejo de viver e o compromisso assumido em relação à própria vida são elementos essenciais no tratamento das doenças crônicas(11).

Por ser uma condição para a qual não se tem cura e considerando a necessidade de comprometimento com a terapêutica medicamentosa, plano alimentar e atividade física, o DM requer da pessoa acometida uma renovada capacidade de enfrentamento durante toda a vida(3). O compromisso de seguir criteriosamente as prescrições ou, ao contrário, o desejo de interromper o tratamento, mesmo que seja por curto período, está sempre presente no cotidiano da pessoa com DM, o que exige uma negociação diária com sua parte doente e um concomitante fortalecimento de sua parte saudável. Nesse contexto, a família emerge como uma das fontes de apoio mais importantes para a manutenção da atitude de perseverança necessária para a adesão ao tratament (1-2) e a preservação do espírito de luta e a manutenção de expectativa otimista em relação ao futuro.

CONCLUSÃO

Ao identificar as representações sociais elaboradas pela pessoa com DM acerca da participação da família no tratamento, evidenciaram-se três categorias temáticas, que encerram as representações centrais, a saber: o apoio da família está presente no cotidiano da pessoa com diabetes mellitus; a família nem sempre apóia a pessoa com diabetes mellitus em suas necessidades; a própria pessoa com diabetes mellitus toma para si a responsabilidade de despertar o apoio da família.

Em relação à categoria: o apoio da família está presente no cotidiano da pessoa com diabetes mellitus, constatou-se que os participantes identificam aspectos positivos no zelo que os familiares assumem em relação ao tratamento, mas também expressam que o cuidado familiar pode promover sofrimento psíquico e restrição da liberdade e autonomia pessoal. Assim, quando se agrega a família ao cuidado, é preciso ter claro que as representações sociais acerca do apoio dos familiares no tratamento não são unívocas, na medida em que comportam dimensões complexas e multifacetadas, freqüentemente ambíguas e até contraditórias.

No que concerne à categoria: a família nem sempre apóia a pessoa com diabetes mellitus em suas necessidades, as representações sociais encontradas se mostraram polarizadas. Os participantes que sentem a presença de apoio familiar evocaram os benefícios do mesmo, traduzidos como estímulo à independência, respeito à autonomia e exercício cotidiano da tolerância às diferenças existentes entre as pessoas; também foi possível apreender um outro tipo de representação social relacionado à presença do apoio familiar como gerador de dependência do cuidado de saúde, caracterizando uma atitude superprotetora que, no limite, desprotege a pessoa, na medida que dificulta seu processo de aprendizado. Já aqueles que percebem ausência de apoio familiar elaboram representações sociais ancoradas em sentimentos de abandono, desamparo e dificuldades de comunicação intrafamiliar, tornando o conviver com a doença uma tarefa árdua, solitária e desafiadora.

No que diz respeito à categoria: a própria pessoa com diabetes mellitus toma para si a responsabilidade de despertar o apoio da família, pôde-se apreender dois eixos básicos: a dependência e a autonomia. No primeiro movimento, a pessoa com DM tem a expectativa de que é a partir da família que vão ocorrer as mudanças. E no segundo movimento é ela própria quem se responsabiliza por fazer as mudanças acontecerem no contexto familiar. Nesse último caso, o paciente se percebe como agente da própria mudança e se apropria de um lugar de potência e responsabilização para com seu autocuidado em relação ao tratamento.

A equipe de saúde, ao aplicar os grupos de educação em DM, deve atentar para além das necessidades de saúde dos pacientes, porque o que eles buscam muitas vezes tem a ver com a representação social dos familiares acerca do tratamento e não das suas reais necessidades. Se o paciente internaliza como suas as representações dos familiares sobre o tratamento (por exemplo, a necessidade de aprender a controlar a qualquer custo seu comportamento alimentar), a equipe pode trabalhar com uma demanda irreal, pois nesse caso não houve ainda, por parte do paciente, a formação de uma consciência autêntica acerca de suas próprias necessidades. O profissional pode, inadvertidamente, reproduzir um padrão de comportamento do familiar, por exemplo, quando tenta impor regras muito rígidas para o controle alimentar ou quando se torna conivente com as atitudes superprotetoras dos familiares. Essa atitude pode levar o paciente a resistir ou transgredir o esquema terapêutico proposto ou até mesmo a abandonar o tratamento.

Conhecer as representações sociais de pessoas com DM em relação ao apoio da família no tratamento e explorar seus significados simbólicos favorece a integralidade do cuidado, na medida em que sensibiliza a equipe, levando-a a refletir sobre a dimensão sociocultural do cuidado. Desse modo, possibilita integrar a família à assistência, de maneira que ela possa também se constituir em uma unidade de tratamento que agrega qualidade à saúde, com menor estresse e desconforto para todos.

Por outro lado, constituem-se limites do estudo contemplar apenas o ponto de vista das pessoas com DM, não possibilitando comparações com as representações sociais das famílias em relação ao tratamento. Também seria importante conhecer as características dessas famílias, suas peculiaridades de funcionamento e demandas, na perspectiva dos próprios familiares. Considerando a família como rede de apoio ao paciente com DM, é necessário aprofundar essa investigação e conhecer o tipo de apoio que o paciente dispõe no domicílio e de que forma a disponibilidade desse apoio contribui para reforçar suas atividades de autocuidado. Desse modo, recomendam-se outros estudos futuros que possam explorar, de forma mais abrangente, a problemática investigada, na perspectiva da díade paciente-família. Outro aspecto a ser salientado é que os resultados apresentados refletem as características do grupo investigado e não podem ser generalizados para outros contextos.

Recebido: 18/02/2009

Aprovado: 05/10/2010

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  • Correspondência:
    Maria Lúcia Zanetti
    Av. Bandeirantes, 3900 - Monte Alegre
    CEP 14040-902 - Ribeirão Preto, SP, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jun 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Aceito
      05 Out 2010
    • Recebido
      18 Fev 2009
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