Acessibilidade / Reportar erro

Gênero, sexo e raça e a formação de subjetividades femininas em Cuba, século XIX

Gender, sex and race and the formation of females subjectivities in Cuba, XIX Century

Resumo:

Os estudos de gênero sobre o século XIX cubano têm privilegiado as mulheres escritoras. Para a aproximação a esses discursos, existem várias teorias nos campos literários e feministas. Porém, a incidência da classe, da raça, do sexo nas relações de gênero1 1 Simone de Beauvoir (1980) estudou a construção das diferenças sexuais como um processo social e cultural, por descansar na configuração das relações de poder existentes em uma determinada sociedade e não na sua irredutibilidade biológica. A condição de gênero se obtém cumprindo trajetórias sociais determinadas por umas normas e expectativas de gênero socialmente legitimadas que associamos à masculinidade ou feminidade (p. 35-36). e na formação das subjetividades2 2 Parece-me irrelevante considerar a subjetividade como um fenômeno restrito ao indivíduo; sem dúvida que a subjetividade é um produto de interações e sempre coletivo. femininas entre setores populares é um tema menos estudado e, sobretudo, a permanência das matrizes africanas na nova situação. Neste trabalho, busco relacionar esses conceitos com o foco nas negras e nas pardas escravas, sem abandonar a interpretação social mais abrangente. As fontes escritas sobre o assunto são fragmentadas, além das distorções sofridas pela interpretação de um terceiro: procurador de justiça, síndico de escravos, escrevente e até historiadores e editores que participaram na organização das mesmas. O estudo aborda os processos de transformação das relações de gênero e das subjetividades femininas, criando formas diferentes dentro do gênero, pela autonomia de negras e mulatas em relação às normativas masculinas brancas dominantes. Tenta-se dar uma orientação mais fluida aos conceitos com o intuito de aprofundar as transformações operadas, tanto na relação entre os sexos como entre os gêneros, assim como nos paradoxos que derivaram das mudanças sociais no século XIX cubano. Interessa conhecer o processo pelo qual as mulheres negras e pardas, ainda na marginalidade social à qual foram lançadas, já livres ou na escravidão, foram capazes de reconstruir relações sociais com um grande peso do acervo cultural africano, embora este fosse rejeitado pelas instituições dominantes: a Igreja, a família branca e o Estado.

Palavras-chave:
Cuba; século XIX; gênero; raça; sexo; subjetividades femininas

Abstract:

Studies of gender in the XIX century have privileged women writers. To approach these discourses there are several theories in the literary and feminist fields. However, this incidence of class, race, sex in gender relations and in the formation of feminine subjectivities is a theme which has been less studied. In this article I aim to relate these concepts with a focus on Black and Brown-skinned slaves, without abandoning the wider social interpretation. The written sources on this issue are fragmentary, in addition to distortions suffered by the interpretation of a third person: public prosecutor, liquidator of slaves, scribe and even historians and editors who participated in the organization of these written sources. The study presented deals with the processes of transformation of gender relations and feminine subjectivities with the unusual increase in the number of slaves in the nineteenth century Cuban.

Key words:
Cuba; XIX siècle; race; gender; sex; feminine’s subjectivities

Introdução

O presente estudo tenta dar uma orientação mais fluida aos conceitos de gênero e sexo com o intuito de aprofundar as transformações operadas entre os mesmos, assim como nos paradoxos que derivaram das mudanças sociais no século XIX cubano. Interessa conhecer o processo pelo qual as mulheres negras e pardas, ainda na marginalidade social à qual foram lançadas, já livres ou na escravidão, foram capazes de reconstruir relações sociais com um grande peso do acervo cultural africano, embora este fosse rejeitado pelas instituições dominantes: a Igreja, a família branca e o Estado.

Para tanto, precisei da incorporação do conceito gênero (Gaile RUBIN, 1975RUBIN, Gaile. “The traffic in woman: Notes on the political econmy of sex”. In: REITER, Reyna (Ed.). Toward an anthropology of women. New York: Monthly Review Press, 1975.) que parte da ideia da construção, rompendo com a concepção de essência biológica característica dos primeiros estudos feministas.3 3 A teoria funcionalista dos papéis sociais do funcionalismo (Talcott PARSONS; Robert Freed BALES, 1955) e as teorias psicoanalíticas feministas (Nancy CHODOROW, 1999). O gênero trouxe estudos mais aprofundados etnográficos e, sobretudo, no que diz respeito à interdisciplinaridade. Não é possível estudar este tema sem violentar os marcos restritos disciplinares. Há momentos de diálogo com as abordagens antropológicas e aprofundo na etnografía, ou com a história, a literatura que está evidente no artigo. A importância desse conceito, no caso cubano, ajudou-me na compreensão das mudanças no patriarcalismo (orientado pela heterossexualidade) com o incremento da escravidão africana no final do século XVIII. A presença da dicotomia heterossexual/homossexual na cultura cubana do século XIX (o macho em oposição ao afeminado) tem sido assinalada por Victor FOWLER (1998FOWLER, Victor. La maldición: una historia del placer como conquista. La Habana: Editorial Letras Cubanas , 1998.), a partir dos escritos dos filósofos e figuras mais destacadas do século XIX cubano, assim como expedientes do Arquivo Nacional. Nos escritos do Padre Varela, é mencionada essa dicotomia: o autor, com uma grande dose de nojo e de burla, descreve minuciosamente o homem afeminado (Cintio VITIER; Fina GARCÍA MARRUZ; Roberto FRIOL, 1990VITIER, Cintio; GARCÍA MARRUZ, Fina; FRIOL, Roberto. La literatura en el Papel Periódico de la Habana, 1790-1895. La Habana: Letras Cubanas, 1990., p. 75). Outro exemplo é o do Padre José Agustín CABALLERO (1791CABALLERO, José Agustín. “Carta Crítica del hombre-mujer”. Papel Periódico de la Habana. La Habana, 10 de abril de 1791.), que vincula o homem feminino e a falta de patriotismo (p. 6). O expediente criminal do ano de 1822 (A. Nacional. Fundo Assuntos Políticos, Legajo nº 3483ARCHIVO Nacional de Cuba. Fondo Asuntos Políticos, Legajo nº 3483.) contra uma médica estrangeira por ter-se mascarado de homem no carnaval revela que a transgressão das normativas do patriarcalismo heterossexual poderia derivar em assunto de Polícia. Por último, os estudos do médico cubano Luís MONTANÈ (1890MONTANÈ, Luís. “La pederastía en Cuba”. In: PRIMER CONGRESO MÉDICO REGIONAL DE LA ISLA DE CUBA EN ENERO DE 1890. La Habana: Imprenta de A. Álvarez y Compañía, 1890.), que caracteriza de histéricos, traço considerado feminino, os homens homossexuais.

O estudo crítico de Abdul R. JANMOHAMED (1992) voltou-se à possibilidade de eliminar as dicotomias provocadas pelas concepções biológicas de sexo e de gênero procedentes do século XIX. Por isso, tentei perceber o sexo vinculado ao gênero e como construções históricas e sociais neste estudo se articulam com o intuito de obter um estudo mais apurado do processo de formação da subjetividade feminina de negras e mulatas, escravas e livres. Para tanto, tive que violentar o arianismo das interpretações ocidentais apresentadas como única opção, que são universais, nas quais homens e mulheres negros(as) são incorporados como sub-humanos.

A escravidão africana e as mudanças no patriarcado. Incidência nas relações de gênero e raciais

O tema das relações de gênero e raciais foi recorrente na minha obra; sempre retornava, ainda que nunca como única abordagem. No ano de 1991, publiquei um artigo, no primeiro número da Revista Historia e Fuentes Orales, da Universidade de Barcelona, no qual abordei a mulher operária na indústria cubana do tabaco.

Entre as trabalhadoras do tabaco, observei diferenças nas relações de gênero que se explicavam pela raça, embora fossem do mesmo sexo feminino e da mesma classe social. Como consequência, o comportamento e a subjetividade dessas mulheres manifestaram-se de maneira diversa. Na relação familiar, as despalilladoras4 4 Despalilladoras é o nome que recebe a trabalhadora que, na indústria ou nas casas de despalillo, separam, no tabaco, a folha da rama. Estas podem ser mais ou menos qualificadas. As mais qualificadas são as que separam as folhas dedicadas a servir de capa dos “havanos” ou “puros”, nome que recebe o tabaco de alta qualidade no mercado. brancas foram mais dependentes de seus maridos, no entanto, negras e mulatas, segundo o estudo mencionado antes, jamais pediram autorização a homem algum para realizar qualquer atividade. Essa constatação levantou alguns problemas: durante a construção do documento oral, nesse momento da escuta e análise das entrevistas, apareceram questões que, ainda percebidas antes, naquela etapa da pesquisa, não forneciam condições de estabelecer fazer conexões com outras evidências. Dentre elas, destacaram-se as formas diferenciadas adotadas nos relatos das mulheres brancas em relação aos das negras e das mulatas, todas elas trabalhadoras na mesma indústria de tabacos. As mulheres negras e mulatas revelaram ter autonomia nas suas ações, tal como evidenciavam suas narrativas. Conversaram com tranquilidade sobre a sexualidade,5 5 Na obra El Ingenio, de Moreno Fraginals, pode ser encontrado um arsenal de palavras referidas ao ato sexual procedentes da plantação escravista. Há variedade de palavras que exemplificam as múltiplas posições criadas no coito. violentaram os espaços reservados ao homem, não calaram nem ante as agressões obscenas da Polícia e do Exército, integraram a liderança dos sindicatos; organizaram e participaram de greves. No entanto, as brancas que compartilhavam com elas o trabalho rejeitaram assinar qualquer documento de compromisso com o sindicato, sem antes obter autorização do “homem da casa”. Desde o século XIX, as negras e mulatas operárias participaram nas manifestações de rua, muito antes das estudantes brancas de classe media na década de 30 do século XX (Olga CABRERA, 1985CABRERA, Olga. Los que viven por sus manos. La Habana: Editorial Ciencias Sociales, 1985.). O estudo sobre as mulheres na indústria do tabaco ajudou-me na análise dos documentos do passado com outro olhar, mais próximo dos estudos de gênero do Caribe. O mito dominante da história branca cubana em relação à negra do Caribe tem favorecido o predomínio das teorias e conceitos ocidentais, e, com isso, impedido perceber as diferenças nas subjetividades femininas.6 6 Nunca foi possível ocultar o fato de Cuba ter recebido mais escravos que todos os países do Caribe. O demógrafo cubano Juan PÉREZ DE LA RIVA (1974) calculou 1.300,000 no século XIX. Pode parecer pouco frente ao Brasil, com mais de 6.000,000, porém, Cuba é muito menor que qualquer uma das províncias brasileiras da época. A história cubana sempre foi configurada como branca ocidental e “latino-americana”, apesar de que mais da metade da população tem alguma origem em uma etnia africana. Daí a expressão popular “Em Cuba quem não tem de congo tem de carabali”.

Em Cuba, nos primeiros séculos de colonização, houve referências sobre a formação de famílias escravas e inter-raciais. Nesses primeiros séculos, a pureza da raça branca não exigiu provas documentais que pudessem comprová-la; os traços fenotípicos foram suficientes. No ano de 1776, com a devolução inglesa de Havana para o domínio espanhol, acrescentou-se a importação de escravos. Foi nesse mesmo ano que apareceram as primeiras restrições legais aos casamentos inter-raciais, os quais, apesar destas, continuaram realizando-se. Também, uns anos mais tarde, em 1787, uma Real Cédula proibia a introdução de mulheres africanas em Cuba (Consuelo NARANJO; Armando GARCIA, 1996NARANJO, Consuelo; GARCIA, Armando. Racismo e Inmigración en Cuba en el siglo XIX. Madrid: Doce Calles, 1996., p. 75).

Esses casamentos e uniões inter-raciais com mulheres negras e pardas livres não podem ser vistos como um fenômeno apenas demográfico. A formação da sexualidade feminina está estreitamente vinculada à visibilidade dos corpos de negras e mulatas não apenas nos engenhos, mas, também, nas ruas, e à invisibilidade dos das brancas, como pode ser confirmado pela leitura de Richard Henry DANA (1859DANA, Richard Henry. To Cuba and Back. A vacation voyage. London: Smith Helder and Co., 1859.) e Samuel HAZARD (1866HAZARD, Samuel. Cuba with pen and pencil. Sampson: Maislon, Low & Searle, 1866. ).7 7 A revisão da obra de Samuel Hazard oferece mais contrastes sobre a situação da mulher cubana branca em contraste com a de outros países, especialmente com a de seu país. O autor admira a ausência desta dos espaços públicos. Ver pagina 42, sobre confinamento da mulher, e páginas 50-51, acerca dos pequenos espaços de “performance” da mulher; página 69, sobre as mulheres observadas dentro das casas; páginas 84-85, em que são abordados os controles que se comparam à escravidão – exercidos sobre esposas e filhas. Evidências dessas diferenças podem ser igualmente constatadas nas inúmeras imagens deixadas nas gravuras e nas litografias da época, principalmente as do artista basco Víctor Patricio de Landaluze8 8 Víctor Patricio de Landaluze foi um pintor e litógrafo espanhol cuja carreira se desenvolveu em Cuba. Seu trabalho representou a sociedade cubana do século XIX e, sobretudo, a agricultura em solo cubano. na recriação do cotidiano cubano.

A ausência da mulher branca dos espaços públicos, tal como pode ser comprovado na revisão de representações litográficas e narrativas, revela a visão do patriarcalismo branco com o acirramento da oposição entre corpo e mente (razão) que atuou como dispositivo estrutural provocando assimetrias dentro e entre os gêneros. O feminino foi reduzido ao corpo, no entanto, o masculino branco transcende-o para aceder ao universo racional e colonial e, simultaneamente, dispor com exclusividade do poder de refletir sobre o mundo.

As perdas culturais provocadas pela escravidão podem ser analisadas de forma diferente. Os homens africanos tiveram mais perdas que as mulheres africanas. A formação da masculinidade na África exigia experiências e práticas que foram interrompidas no contexto americano.9 9 Ver, para aprofundar mais a temática, uma seleção do próprio autor: Edouard GLISSANT (1989). Raphael CONFIANT (2006CONFIANT, Raphael. “Interview with Raphael Confiant”. In: THOMAS, Bonnie. Breadfruit or Chestnut?: Gender Construction in the French Caribbean Novel. Boulder, New York, Toronto, Oxford: Rowman & Littlefield Publishers, INC, 2006.) tem atribuído vantagens no trabalho escravo para as mulheres, interpretação rejeitada por muitos autores.10 10 O peso que da à mulher escrava seu colega Chamoiseau também parece desmentir essa afirmação de Confiant (2006). A leitura de uma passagem de Anselmo SUÁREZ y ROMERO sobre as escravas nos cortes de cana (apud Manuel MORENO FRAGINALS, 1980MORENO FRAGINALS, Manuel. El Ingenio. La Habana: Editorial Ciencias Sociales, 1980.; DANA, 1859DANA, Richard Henry. To Cuba and Back. A vacation voyage. London: Smith Helder and Co., 1859.) revela que, em Cuba, este não foi um trabalho exclusivo masculino. Os autores registram a desproporção entre homens e mulheres nos engenhos. Segundo Alejandro de Humboldt (1960HUMBOLDT, Alejandro de. Ensayo politico sobre la Isla de Cuba. Habana: Imprenta Nacional de Cuba, 1960., p. 166), que visitou Cuba durante os anos de 1800-1801, a proporção era de 4 a 1. No resto do Caribe, houve equilíbrio entre os sexos, mas a tarefa do corte da cana correspondeu principalmente à mulher (Digna CASTAÑEDA, 2008CASTAÑEDA, Digna. “La mujer negra esclava en el siglo XIX cubano: su papel en la economía”. Revista Brasileira do Caribe, v. VIII, n. 16, p. 339-362, jan./jun. 2008., p. 339-376).

Em Cuba, homens e mulheres escravos foram corpos reduzidos pela violência do patriarcalismo heterossexual que atuou de maneira paralela à institucionalização da sociedade branca, embora negras e mulatas fossem sujeitas aos apetites sexuais de seus proprietários brancos. Somente com as brancas houve uma relação interpessoal dentro do contexto estrutural das assimetrias entre os gêneros e da hierarquia masculina da elite branca. Contudo, ainda subalternas e restritas suas capacidades, negras e mulatas assumiram muitos dos elementos do matriarcalismo africano e da unidade corpo e razão de suas culturas ancestrais. Para responder às duras urgências do novo presente, decidiram não ter filhos escravos. Assim, comprometeram seus órgãos sexuais aplicando plantas nocivas (MORENO FRAGINALS, 1980MORENO FRAGINALS, Manuel. El Ingenio. La Habana: Editorial Ciencias Sociales, 1980.; NARANJO, GARCIA, 1996NARANJO, Consuelo; GARCIA, Armando. Racismo e Inmigración en Cuba en el siglo XIX. Madrid: Doce Calles, 1996., p. 74), ou tentaram criar uma estrutura de família, enfrentando o sistema escravista, em alguns casos, ou, ainda, utilizaram as poucas vias que este abriu em outros para negociar a liberdade própria e a dos filhos. As mães eram obrigadas ao corte de cana durante prolongadas jornadas, desde o traslado até a casa grande, para dar de mamar ao filho da branca, no entanto, suas crianças foram deixadas aos cuidados de uma escrava velha. Todavia, nas duras circunstâncias da separação por venda dos filhos,11 11 Muitas das reclamações maternas de liberdade para os filhos aconteceram muitos anos após a separação provocada pela venda da mãe ou do filho(a). criaram redes de relacionamentos para manter os laços familiares. Preservaram muitos elementos ancestrais nas expressões de sua sexualidade. A imposição da descendência matrilinear pelo sistema escravista (para garantir a permanência da condição escrava do filho, ainda que o pai fosse um homem livre) estimulou a mulher negra e mulata à construção de sua autonomia ainda nas circunstâncias da escravidão. Assim, nela recaiu a criação de alternativas para conseguir a liberdade dos filhos. Enfim, apoiou-se nas suas reservas culturais africanas para a construção de experiências e práticas culturais, enfrentando o sistema escravista em alguns casos e ainda utilizaram as poucas possibilidades que este permitiu em outros para negociar a liberdade própria e a dos filhos.

A situação da mulher na escravidão foi instável. Ainda livre, poderia ser escravizada novamente. Nas cidades, compartilhava o trabalho com os homens,12 12 Entre os documentos do Governo Civil que se referem à aprendizagem, há muitos casos referenciados sobre os tênues limites existentes entre escravidão e liberdade para a mulher. como operária nas fábricas, como vendedora ambulante (tanto livres quanto escravas) nas praças públicas. Dançava nas ruas o Dia de Reis e nas famosas festas, frequentadas, também, por jovens da burguesia branca. O maior destaque da mulher negra e mulata viria pela música, pela dança e pelas performances de rua. O antropólogo Peter WADE (2000WADE, Peter. Music, Race, and Nation: Musica Tropical en Colombia. Chicago: The University of Chicago Press, 2000.) afirma que estas expressões artísticas “foram percebidas no interior como ligadas à negritude e, em consequência, como moralmente suspeitosas e sexualmente explícitas, porém também como excitantes vitais e liberadoras” (p. 27).

O homem africano, porém, foi derrotado e transformado em escravo. Dominado pela cultura patriarcal branca, perdeu suas relações tradicionais étnicas. Impedido de incorporar suas práticas ancestrais de masculinidade e de continuidade das relações com o gênero feminino; todas as condicionantes da escravidão contribuíram para sua “castração simbólica” (Bonnie THOMAS, 2006THOMAS, Bonnie. Breadfruit or chestnut? Gender construction in thee french Caribbean Novel. Lanham, Boulder, New York, Toronto, Oxford: Lexington Books, 2006.). Obtida a liberdade, o homem negro reproduziu o machismo recebido do patriarcado branco e manteve uma maior inconstância nas relações familiares.13 13 Bonnie Thomas (2006), em Breadfruit or chestnut? Gender construction in thee french Caribbean Novel, remonta à escravidão a situação atual das relações de gênero. Não penso igual, porém, estudá-las como tema central, derivando as relações de gênero da formação nacional que exclui, subordina e deforma todos os outros acontecimentos, também é uma grave anomalia. Para a mulher branca não foi melhor. No discurso da família, do Estado e da Igreja, passou a sofrer com a subordinação e o controle do homem, esposo, pai, irmão. Sem os recursos culturais das mulheres negras, sua sexualidade foi reprimida, tal como revelam as limitações para ser vista na rua e na própria casa. Mais grave foi o efeito do discurso que a obrigou ao abandono do próprio corpo (CABRERA, 2006______. “Entre la invisibilidad y el miedo”. In: Caribe Sintonias e dissonâncias. Goiânia: CECAB, 2006.).

O patriarcalismo escravista e as mudanças na

instituição familiar

Em Cuba há uma tendência historiográfica nos estudos de gênero que localiza a família patriarcal nuclear como a mais importante peça para o estudo da família cubana.14 14 Podemos citar como exemplo a obra de María del Carmen Barcia (2003). A própria autora, na página 61, assinala que, no Bairro de San Isidro, 20,15% dos africanos recém-chegados a Cuba estavam casados, no entanto, entre os crioulos nascidos em Cuba, apenas 10,7% eram casados. Por outro lado, Fernando GONZÁLEZ QUIÑONES, Pilar PEREZ FUENTES e Dolores VALVERDE LANFUS (1998) também revelam a presença de maior número de moradias de mulheres sem homens. As moradias as quais obtiveram representaram 12,3% do total das localizadas fora das Muralhas e albergavam 5,3% da população da zona de extramuros com mais população, 138.144 ‘personas’ e 12.354 ‘fincas urbanas’. Delas 4,91% eram de famílias escravas: 60; destas, 39 eram famílias presididas por mulheres, e, a restante, quer dizer, 21, estavam presididas por homens. Isso quase 40 anos após a proibição do comércio de escravos e apenas sete anos antes do começo da primeira guerra anticolonial que declarou todos os homens livres, provocando a crise da escravidão. Contudo, isso tem provocado não perceber as diferenças que “a raça” (ler ‘escravidão africana’ porque o conceito exige ser usado em relação ao contexto) introduziu entre as mulheres e os homens. Mais importante, nessas interpretações, é que podem ficar fora da análise os processos de formação subjetiva das masculinidades e das feminilidades.

Este estudo aborda as diferenças nas relações de gênero ao focalizar o protagonismo de mulheres negras e pardas na estruturação de laços familiares e na obtenção da libertação dos filhos. Manifestações de mães que contribuíram, criando novas relações familiares, à formação de uma complexa subjetividade feminina. O gesto de busca de liberdade pela mulher escrava tem sido visto isolado da contínua luta por obter a dos filhos. Deixa de se relacionar o fato de que, primeiro, tinha que ser livre a mãe para, depois, demonstrar os direitos dos(as) filhos(as).15 15 O peso do evolucionismo e da ideia de progresso que encerra está presente nestes enfoques. Há que se demonstrar que eram homens e mulheres inteligentes, avançados, que aprendiam rápido as formas superiores de organização social, como é o caso da família nuclear para estas interpretações. Sem dúvida que a família nuclear ocidental nasceu como uma imposição nas circunstâncias da escravidão (e não apenas nesse sistema social), porém, não deixou de ser, também, imposta para a mulher branca como o foi para a negra e parda tanto escrava como livre, assim como para o homem negro. No século XIX formou-se um tipo de família da negra e da mulata centrada na mãe. Evidências empíricas encontradas entre as operárias das fábricas de tabaco revelam sua permanência no século XX. Esse tipo de família não corresponde à definição de chefe de família criada pela sociologia dos Estados Unidos e utilizada em Cuba para definir todos os casos que rompem com o padrão da família nuclear. Este conceito e sua aplicação ao Caribe francês também tem sido questionado por Maryse CONDÉ (2006CONDÉ, Maryse. “Interview with Maryse Condé”. In: THOMAS, Bonnie. Breadfruit or Chestnut?: Gender Construction in the French Caribbean Novel. Boulder, New York, Toronto, Oxford: Rowman & Littlefield Publishers, INC, 2006. [2001]).16 16 Maryse Condé, em 27/06/2001, p. 169 (publicado, posteriormente, em 2006, afirma: “I think (the french caribbean woman as head of the Family) is a rather mythical image which intelectual have spread [...]”. A solidariedade entre as mulheres, nessa família criada em torno da mãe, foi fundamental para manter essa forma diferente construída à margem da sociedade escravista, nos resíduos que esta deixou. A mulher negra encontrou nas reservas de sua cultura ancestral muitos elementos que serviram de sustentação à configuração dessa família. Como assinalado pelos teóricos caribenhos (Edouard GLISSANT, 2000; Wilson HARRIS, 1983______. The womb of space: The cross cultural imagination. Westpoint: Greenwood Press, 1983.; Henry PAGET, 1999) e confirmam os autores reunidos para o estudo de fontes, textos, ritos religiosos, intercâmbio econômico, dança e música de Middle Passage, cujo resultado foi a obra Black Imagination and the Middle Passage, editada por Maria DIEDRICH, Henry Louis GATES JR. e Carl PEDERSEN (1999DIEDRICH, Maria; GATES, Henry Louis Jr., PEDERSEN, Carl. Black Imagination and the Middle Passage. New York: Oxford University Press, 1999.), o barco negreiro foi o inicial laboratório no qual diferentes etnias, povos, nações, línguas africanas se reconheceram e identificaram como “os outros”, criando irmandades, os carabelas em Cuba, novas línguas e práticas a partir das matrizes culturais afirmadas na memória. Por isso, foi frequente que nos cabildos, ainda sob o nome de uma determinada nação africana, foram acolhidas, também, pessoas de outras etnias e povos africanos; de forma similar aconteceu com a religião.17 17 Até uma associação tão fechada, como a secreta, dos “ñañigos”, de procedência carabali, aceitou outros de etnias e povos diferentes. Em Havana, principalmente, a extensão de experiências procedentes do matriarcado esteve relacionada à impossibilidade da poligamia e outras formas de famílias nas condições da escravidão. Sem dúvida, as estratégias seguidas por essas mulheres deveriam ter alguns precedentes.

Nas minhas relações com algumas amigas mães de santo (tive convivência na favela localizada na Rua San Rafael até que foi removida para um prédio construído para as famílias a uns quarteirões de onde moraram18 18 Uma grande amiga, Mercedes, cuidou de minha filha Isabel muitas vezes quando tinha alguma atividade como a de vigilância do centro de trabalho (obrigatória para todos os trabalhadores); outras vezes, fiquei a dormir no quarto na casa de vecindad ou solar porque era muito tarde para retornar, à noite, com uma criança de colo. ), me permitiram conhecer que “La Pura” (a mãe) com uma tradição em Cuba, era, na maioria dos casos, a única referência que tinham os filhos, em geral de pais diferentes. No século XIX, essa situação apresentou-se mais frequentemente. A partir da década de 1970, os lares presididos por mulheres foram registrados nos censos sob o indicador de mulheres chefes de família. Após a revolução, a mulher “chefe de família”, em Cuba, aumentou pelo número de divórcios também entre as mulheres brancas, porém o fenômeno social das relações entre negras e mulatas, irmanadas pela religião, a convivência próxima na favela, a responsabilidade compartilhada com os filhos, as redes de solidariedade construídas no trabalho não tem relação com o alcance do conceito sociológico, também não é igual à “outra família” do branco com recursos econômicos (com a negra, a mulata ou a branca pobre) e que, apesar de sua forte presença na história cubana, está ausente, também, dos censos.

A configuração da família negra que se formou em Cuba choca com as construções baseadas em padrões ocidentais que culminam no modelo evolucionista da família nuclear como a única, além de progressiva, civilizada e moderna. Durante o período de predomínio do patriarcalismo heterossexual branco, a marginação das mulheres negras e mulatas teve a finalidade de permitir o livre uso e abuso dos corpos “sub-humanos” sexualizados. Porém, a incorporação de muitos elementos culturais de matriz africana foi parcialmente reconstruída na nova situação, tal como ocorreu com alguns traços matriarcais da família africana na escrava. Sobre esse assunto, Moreno Fraginals (1980, p. 44) afirmou que as famílias nucleares foram categorias dos brancos impostas aos escravos e que não correspondiam aos padrões culturais negros. Discuto o enfoque de predomínio da família nuclear na escravidão porque tende a dar traços românticos às condições dessas famílias, embora, na plantação, poderia se vender o pai, a mãe ou o filho, sem importar que os genitores fossem um casal de escravos. Houve escravistas que fizeram um lucrativo negócio disso. O famoso escravista Santa Cruz de Oviedo,19 19 Alcançou uma maior fama que o pai pelo grande número de filhos que teve com escravas. Estas eram violentadas quando recém entravam na adolescência. Um julgamento não pelos estupros, mas pelos golpes que marcaram os corpos de suas vítimas, consta em um dos expedientes apresentados na obra já mencionada de Gloria García (2003). na segunda metade do século XIX, se dedicou à criação de negros, casando, em muitos casos, os escravos. Fundou a Santíssima Trindade, aliás, Vista Hermosa, a maior criação de escravos de Cuba. Tinha mais de 1000 escravos “que vendia[m], apenas alguns ficaram no engenho” (MORENO FRAGINALS, 1980MORENO FRAGINALS, Manuel. El Ingenio. La Habana: Editorial Ciencias Sociales, 1980., p. 43). A venda era postergada até as crianças desenvolverem seus corpos e obter um melhor preço (MORENO FRAGINALS, 1980, p. 43). Um manual açucareiro, divulgado na época, explicava as vantagens econômicas da família escrava para fixar os escravos ao engenho, torná-los mais dóceis e manipuláveis, fomentar o desenvolvimento de culturas de sobrevivência e pequenas criações de animais e trazer um clima de maior segurança para a plantação, descontado o fato mais importante: garantir a reprodução do escravo, na época da redução do comércio de escravos (apud MORENO FRAGINALS, p. 43-44). No ano de 1865, José Luis Alfonso, o mais proeminente dos membros do maior clã de escravistas cubanos, converteu-se em um partidário dos casamentos de escravos, e se orgulhou de ter celebrado, em um de seus engenhos, 29 casamentos. Segundo assinalou, tinha adotado duas medidas para o logro de seu objetivo (o que indica que não foi aceito espontaneamente): a persuasão católica e outra mais prática: fazer que durmam juntas e fechadas em um grande galpão, bem vigiado, todas as negras jovens, para dificultar as relações sexuais extramatrimoniais. Mas, para as escravas, como mostra a documentação, o casamento não foi garantia de que os filhos não fossem vendidos e por isso desenvolveram sua sexualidade na busca de controles da natalidade. A romancista sueca Fredrika BREMER (1998) ficou horrorizada quando, na sua visita a engenhos de Havana e Matanças, no ano de 1851, confirmou a quase inexistência de casais de escravos: “Los hombres y las mujeres se juntan y separan según su gusto y capricho” (p. 104).

O obstáculo de maior peso ao casamento escravo deveu-se à escassez das mulheres africanas até a segunda metade do século XIX. Os fazendeiros cubanos acreditaram que as mulheres nos engenhos açucareiros eram um fator de desordem, mas, também, tinham medo do incremento da população negra.20 20 Os censos revelaram que, no entanto, a população escrava não apresentou crescimento demográfico; a população livre, de cor, teve um acréscimo populacional maior que a branca. Sem dúvida, a mão de obra manteve um preço estável até a década de 1820, quando se impôs a proibição inglesa ao comércio escravo. A nova situação de importar mulheres africanas, na década de 1860, foi apresentada como obra filantrópica endereçada a melhorar as condições dos escravos nos engenhos. Os fazendeiros, com o aumento do preço do escravo africano, compreenderam as vantagens financeiras da família escrava (MORENO FRAGINALS, 1980MORENO FRAGINALS, Manuel. El Ingenio. La Habana: Editorial Ciencias Sociales, 1980., p. 43; Pablo TORNERO TINAJERO, 1996TORNERO TINAJERO, Pablo. Crecimiento económico y trasformaciones sociales: esclavos, hacendados y comerciantes en la Cuba colonial (1760-1840). Madrid: Ministerio del Trabajo y Seguridad Social, 1996.). Porém, em Cuba, essa prática se prolongou por pouco tempo, sendo que, já no ano de 1868, a crise da escravidão deflagrou com o início da guerra anticolonial e a medida adotada de aceitar escravos nas forças cubanas (pouco depois seguida pelo Exército Espanhol).

O estímulo à prática do casamento escravo, após a quinta década do século XIX, pode ser percebido nos relatos médicos da época. Assim, neles são descritos os perigos da vida sexual livre da mulher escrava, sem o dogma da virgindade e sem freios e inibições; os médicos divulgaram, também, a baixa reprodução escrava e as práticas para impedir a gravidez com o uso da fruta do mamão papaya em Cuba (o mesmo nome que se dá ao órgão sexual feminino). A escrava massageava a vulva com a fruta. Nos engenhos, como revelam os informes médicos, grande parte das mulheres escravas apresentava o útero caído (MORENO FRAGINALS, 1980MORENO FRAGINALS, Manuel. El Ingenio. La Habana: Editorial Ciencias Sociales, 1980., p. 53; NARANJO, GARCÍA, 1996NARANJO, Consuelo; GARCIA, Armando. Racismo e Inmigración en Cuba en el siglo XIX. Madrid: Doce Calles, 1996., p. 74-75).

Cuba foi o país caribenho que, proporcionalmente, trouxe menos mulheres escravas (disputadas também pelo homem branco). Não tenho interesse em desconhecer que nas plantações escravistas os trabalhos mais qualificados foram desempenhados pelos homens negros, até porque foi uma decisão baseada, também, em imposições e não na incapacidade sexual feminina. Moreno Fraginals (1980, p. 44) deixa transcender outra opinião, na qual pesa seu critério de superioridade do homem para as tarefas mais qualificadas, embora não desconheça que o treinamento foi exclusivo para o sexo masculino.

Ao discurso moral (ou razão) masculino ocidental não foram sujeitas as negras e mulatas, pois foram consideradas selvagens, depravadas sexuais e o homem negro um estuprador potencial da branca. Dessa forma, a família, o Estado e a Igreja não exerceram controles sobre os excessos dos brancos com suas escravas. Os escravistas criaram o paradoxo de, ao marginalizar a negra e a mulata, deixar-lhes um espaço de autonomia e liberdade. Diferente da mulher branca, resguardada e mantida quase prisioneira pelos emblemas da honra e da virtude familiares (mãe, esposa, irmã), a mulher negra podia ter espaços de liberdade para suas experiências sexuais, controles de natalidade, formação de família e do sentimento de maternidade.

Em Cuba, em meados do século XIX, muitos artigos da elite cubana lamentaram a ignorância da mulher branca, analfabeta ou quase analfabeta. Naqueles momentos, houve uma preocupação da burguesia liberal pelo papel negativo que se lhe atribuiu na formação dos filhos.21 21 No Centón Epistolario de Domingo del Monte encontram-se múltiplas preocupações sobre esse particular. A família nuclear, que veio diretamente de Espanha, acomodou-se bem às expectativas de uma elite colonial nascida de uma grande mobilidade social pelos benefícios ilimitados que puderam obter pela exploração dos escravos. Essas expectativas foram mantidas mediante a reprodução social e a perpetuação do status da família nuclear branca. Assim, também foi muito efetiva a articulação dos interesses entre a elite nascida na colônia, os funcionários enviados pela Metrópole e os procedentes de segundos filhos de famílias elitistas espanholas, assim como comerciantes também da península - os primeiros foram os bascos e, depois, chegaram os catalães mais tarde.22 22 Existem inúmeros exemplos destes nexos. Nessas estratégias dirigidas à proteção patrimonial, foi utilizada, frequentemente, a filha ou irmã branca. Não é tão romântica nem idealista a família nuclear branca, nem a inter-racial nuclear - embora esta última mostrasse um exercício de liberdade ausente na família nuclear das elites. Entre os mais pobres, imigrantes da península, internar-se nos locais mais afastados com a negra ou a mulata foi comum, como afirmou o Bispo de Santiago de Cuba na defesa dos sacerdotes na causa judicial iniciada pelo Governo Superior Civil (Gobierno Superior, Legajo 916, nº 31858ARCHIVO Nacional de Cuba. Gobierno Superior Civil. Legajo 916, nº 31858.) acusados de realizar mais de 10.000 casamentos inter-raciais. É reconhecido o peso econômico dos filhos nos sítios ou pequenas propriedades familiares (Idem). Outras famílias, como muitos documentos revelam, formavam-se pelo interesse no patrimônio da família mulata frente à carência do imigrante pobre espanhol. Não quer dizer que esse tipo de família fora toda baseada no interesse, porém, na formação social cubana, se o homem tinha recursos econômicos, não tinha dificuldades morais para manter a outra mulher, a da paixão. Por outra parte, houve, no século XIX, uma ampla propaganda pela mestiçagem com a mulher negra e parda, como um caminho para o desaparecimento do negro.23 23 Dentre os representantes da elite que se pronunciaram por essa posição, podem ser mencionados: Francisco de Arango e Parreño, José Antonio Saco, Antonio Bachiller e Morales e muitos mais. No século XIX, segundo documentos revisados de solicitação de autorização para casamentos inter-raciais, pode se perceber a presença, já, de uma estratégia de “adiantar a raça”. No século XX, esta foi amplamente utilizada entre famílias negras e mulatas que acreditaram que os filhos sofreriam menos os efeitos da discriminação racial (Daisy RUBIERA, 2000RUBIERA, Daisy. Reyita simplemente. Testimonio de una nonagenaria. La Habana: Verde Olivo, 2000., p. 62; BARÓ, Dionisio Lázaro Poey BARÓ, 2009BARÓ, Dionisio Lázaro Poey. Estratégias de sobrevivência das mulheres negras cubanas no século XX, 2009. Tese (Doutorado), Pós-Graduação em História, UnB, Brasília, 2009.).

Verena Stolcke (1992STOLCKE, Verena. Racismo y sexualidad en la Cuba colonial. Cambridge: University Press 1974; Madrid: Alianza Editorial, 1992.) relata os obstáculos colocados aos casamentos inter-raciais. Porém, se nos determos na rica documentação apresentada pela autora, compreenderemos as motivações que atuam na complexa estrutura de relações dos casamentos de família nucleares tanto inter-raciais como intrarraciais. Esse tipo de família não foi o modelo ideal, como tem sido apresentado.

Na África, antes do comércio de escravos para o Ocidente, que transformou o panorama do continente, as mulheres, escravizadas durante as guerras, mantiveram uma importância maior a dos homens. Alcançaram preços mais altos, por isso muitos guerreiros vencidos eram assassinados ou vendidos no comércio com os árabes, principalmente. No entanto, a mulher passou a constituir a família subalterna do homem que a comprou ou o guerreiro que a ganhou em combate.

Diferente do Brasil, sobretudo no interior onde o homem com recursos financeiros mantinha duas famílias (a primeira com a branca e a segunda com a mulata ou negra), em Cuba, com a proibição legal do casamento inter-racial, isto não foi possível. Ao termo da escravidão, a família com a negra e a mulata passou a ser oculta. O conceito “dupla moral” de uso comum na Cuba pós-1959 para definir os comportamentos da burocracia pode ter tido suas origens nas práticas familiares da masculinidade hegemônica branca pós-escravidão. Mas, no século XIX, entre a população negra e parda, percebe-se a recorrência à família centrada na mulher, tal como revela o estudo das fontes. Os estudos de María del Carmen BARCIA (2003BARCIA, María del Carmen. La otra familia: parientes redes y descendencia de los esclavos en Cuba. La Habana: Ministerio de Cultura, 2003.) e de outros autores que apresentam o predomínio da família nuclear apoiam-se em muitos poucos exemplos. Não estou interessada em desconhecer a família nuclear, apenas assinalar que a interpretação sobre a exclusiva legitimidade da família nuclear tem deixado fora a alteridade de outras formas culturais, como as configuradas pelas mulheres africanas e suas descendentes. Quiçá Moreno Fraginals (1980) exagera um pouco desestimando totalmente a família nuclear, porém não quando destaca que é uma possível derivação de um regime de imposições sexuais: “nos engenhos houve todas as gamas de uniões sexuais: desde o amancebamento arbitrário até os contatos controlados geneticamente, desde a poliandra consentida até a monogamia imposta” (p. 43).

Até a primeira metade do século XVIII, no comércio de escravos destinado a Cuba, houve certo equilíbrio entre mulheres e homens, porém, a partir da segunda metade, a maioria era homens, o que impossibilitou a formação do casal, premissa da família nuclear. Até a década de 1860, houve um desequilíbrio entre homens e mulheres nos engenhos. Menciona Fraginals Moreno (1980) alguns deles, como “La Divina Pastora”, de Arriaga e Facende, e o “San Miguel”, de Gonzalo Luis Alfonso (MORENO FRAGINALS, 1980MORENO FRAGINALS, Manuel. El Ingenio. La Habana: Editorial Ciencias Sociales, 1980., p. 39), os quais tinham quase exclusivamente homens na dotação. O dado de uma amostra aleatória de 14 engenhos revela que, entre os anos 1798 e 1822, 87,56% de sua população era masculina A exceção foi o engenho “La Ninfa”, de Arango y Parreño, segundo os documentos apresentados por Moreno Fraginals (1980, p. 47).

Outro dado que revela os obstáculos à formação da familia nuclear é a ausência de crianças nas dotações dos engenhos. Sobre este tema também escreveram Humboldt e outros autores. 50% das dotações tinham entre 16 e 25 anos, e os outros 50% entre 26 e 40 anos (MORENO FRAGINALS, 1980MORENO FRAGINALS, Manuel. El Ingenio. La Habana: Editorial Ciencias Sociales, 1980., p. 39).

Para explicar essa ausência de mulheres nos engenhos cubanos, Moreno Fraginals (1980, p. 39) argumenta que, secularmente, a elite açucareira estimou que as mulheres fossem “de baixa produtividade”. E ainda as consideraram perturbadoras da ordem, se introduzidas em pequenos grupos, provocavam conflitos; e se massivamente, afetariam a estrutura do controle dos escravos. Analisado o problema financeiramente pelos escravistas em Cuba, a única vantagem que reportava à mulher africana era a possibilidade de parir escravos, reproduzindo o capital (MORENO FRAGINALS, 1980MORENO FRAGINALS, Manuel. El Ingenio. La Habana: Editorial Ciencias Sociales, 1980., p. 39). Esse comportamento dos escravistas em Cuba foi diferente ao observado nas outras Ilhas do Caribe, onde o corte da cana foi realizado, como já mencionado, principalmente por mulheres. Contudo, a permanência dessa prática de importar mais homens contribuiu para o baixo preço na reposição da mão de obra escrava, ainda após a proibição inglesa para o comércio de escravos.

Não pretendo argumentar que a família nuclear ficou ausente, até porque a transmissão de bens para os filhos (nos casos que foram obtidos) exigiu ajustar a situação conforme a legalidade branca. Meu objetivo visa destacar que este tipo de família não foi o único e, muito menos, predominante no século XIX.

A maternidade na formação da subjetividade feminina da mulher negra e mulata

O apelo à memória ancestral foi o mais importante recurso no novo e violento contexto para a mulher negra e mulata, tanto escrava como livre. As divindades africanas femininas, produtos de uma história mítica, eram homens e mulheres, com um sexo às vezes indefinido, umas vezes femininas e capazes das maiores entregas ao homem e outras, masculinizadas guerreiras, valentes, audazes. Sem elas, o orixá teria sucumbido. Esse aspecto é importante para entender a fluidez entre os sexos, que não podem ser simplesmente encaixados no modelo dicotômico ocidental. Em Cuba, na santeria, o orixá de maior presença é Xangô, identificado guerreiro masculino e, simultaneamente, Santa Bárbara, feminina e santa.

Entre muitos povos africanos, a família matriarcal assume a forma principal na organização social. Nela, os irmãos têm importantes tarefas, mas a centralidade social é da mãe. Por isso, esse tipo de família centrada na mulher, por uma parte, se afirma em matrizes africanas, e, por outra, transcende na sexualidade e na formação de uma peculiar subjetividade feminina apoiada na maternidade (Ifi AMADIUME, 1987AMADIUME, Ifi. African matriarcal foundations. The case of Igbo Societies. London: Karnak House, 1987.).24 24 Ifi Amadiume faz uma interessante crítica à obra Na casa do pai (1997). Os vínculos das mulheres com seus antecedentes culturais africanos podem ser percebidos no estudo dos expedientes do Arquivo Nacional de Cuba. A luta pela obtenção da liberdade dos filhos(as) possui inúmeras páginas. Tanto nos fundos do Governo Superior Civil, como em Audiência de La Havana, existem muitos casos de mulheres que, após obter a liberdade, quesito prévio obrigatório, iniciam as gestões para a dos filhos(as). Vou me referir a alguns desses casos, que mostram as diferentes estratégias elaboradas pelas mães para obter a liberdade dos filhos. Num primeiro tipo, trata-se das chamadas mulheres “emancipadas”. Estas tinham sido apreendidas nos barcos negreiros interceptados depois da proibição inglesa para o comércio de escravos (1834). Nesse caso, a mulher não poderia ser legalmente escrava, porém, era entregue a alguma família ou fábrica para ser explorada como tal. Durante um período, sem o conhecimento da língua, sem maiores informações, permanecia nesse estado. Mais tarde, e já, geralmente, com filhos, conhecedora de seus direitos, reclamava a liberdade para ela e para os filhos. A presença de documentos sobre esses casos abunda pela negativa de conceder a liberdade aos filhos. Muitas vezes, a reclamação pela liberdade se prolongava durante anos; em outras, a situação se complicava pela venda a um terceiro. Há o caso de uma mulher submetida à escravidão durante anos após ser retirada do barracão de emancipados – homens, mulheres, crianças permaneciam depositados como se fossem objetos: sem alimento, roupas, condições de higiene etc. – que, finalmente, foi reconhecida emancipada, porém o escravista tinha vendido um dos quatro filhos a um terceiro. O processo consta de várias folhas e a reclamação estendeu-se por vários anos, apesar da ilegalidade da venda de uma criança nascida de mãe livre. A tramitação do caso transcorreu também pelo síndico de escravos, apesar de se referir a uma mulher legalmente livre. Outra das estratégias seguidas para obter a liberdade do filho procede de mulheres que receberam documentos como livres para viajar à Europa em companhia de suas proprietárias. Ao retorno, elas apelaram à prerrogativa de que uma pessoa livre não poderia ser novamente escravizada. Em um dos casos, a proprietária tinha permanecido com a negra Paulina na França. Ao retorno, esta tem um filho e reclama o direito à liberdade de ambos porque, pelas leis, uma pessoa livre não pode ser posteriormente escrava (Gobierno Superior Civil, Legajo 948, nº 33535, Julio 10 1852). Esse também é o caso de Gumersinda (Gobierno Superior Civil, Legajo 948, nº 472ARCHIVO Nacional de Cuba. Gobierno Superior Civil. Legajo 948, nº 472.). Os limites legais entre escravidão e liberdade não são muito bem definidos quando a maioria dessas causas no Arquivo Nacional de Cuba responde à negativa da liberdade à descendência da escrava.

Outra das estratégias utilizadas pelas mães escravas foi o cuidado intensivo da proprietária doente durante períodos prolongados com o compromisso da liberdade da escrava e sua prole. Deixava-se prescrito perante testemunhas e, muitas vezes, no testamento que, à morte da escravista, escrava e descendência ficariam livres. Alguns casos, ainda com a existência do testamento e das testemunhas (em todos os casos revisados estas eram brancas), complicaram-se. O herdeiro, em geral, o filho, respondeu o testamento ou o documento que continha a promessa de liberdade assinado por testemunhas. Um expediente (Legajo 31, nº 3ARCHIVO Nacional de Cuba. Audiencia de la Habana. Legajo 31, nº 3., de Audiencia de la Habana) narra as aventuras (encontros com testemunhas, visitas ao procurador de Justiça, ao Síndico de escravos) de duas escravas, Regina e Mauricia, para o cumprimento da promessa de liberdade que envolvia, também, a dos filhos. A causa foi iniciada pelo filho, herdeiro da proprietária, sob o argumento de que diminuía muito seu patrimônio com a perda dos escravos. Acusou as testemunhas (algumas parentes próximos) de conivência com as escravas. Na moral da época, o cumprimento da vontade do morto(a) tinha muito peso. (Audiencia de la Habana, Legajo 22, nº 11ARCHIVO Nacional de Cuba. Audiencia de la Habana. Legajo 22, nº 11.). Outro caso similar foi o da negra Olaya com sua filha, cujas liberdades foram-lhe prometidas pela proprietária antes de morrer (Audiencia de la Habana, Legajo 17, nº 16ARCHIVO Nacional de Cuba. Audiência de la Habana. Legajo 17, nº 16.). O da morena Maria Crescencia Benitez e seus filhos contra a sucessão de dom Felipe Socarrás, que se negou a cumprir o testamento da mãe. Outro documento (Audiencia de la Habana, Legajo 17, nº 18ARCHIVO Nacional de Cuba. Audiência de la Habana. Legajo 17, nº 18.) é o de Guadalupe Elousa em representação dos filhos porque estes permaneceram escravos.

Outro dos mecanismos que a lei contemplava, e que poucas escravas seguiram (somente encontrei dois casos), é por ter mais de 10 filhos. Guadalupe obteve sua liberdade em idade avançada. De imediato, apresentou-se ao procurador de pobres para reclamar a dos filhos e netos, 50 em total (Audiencia de la Habana, Legajo 17, nº 16) . O procurador de Justiça deu ganho de causa com sucesso para a escrava porque era “de humanidade”, “seguramente deve desfrutar desse precioso bem, ser reconhecida como mãe livre. Entre filhos e netos conta 50 descendentes de modo que nunca, comenta o procurador, “se tem ocupado o Superior de Justiça de uma causa tão digna de sua humanidade e de seu ideal de justiça”. Agrupadas nesse mesmo “legajo” há outras reclamações de liberdade para os filhos, como é o caso de Maria Crescencia Benitez, que tenta obter a liberdade dos filhos com a intermediação do procurador de pobres porque carece de recursos como ex-escrava para iniciar o processo. O drama de Rita: teve 4 (quatro) filhos e um deles foi vendido pela esposa do proprietário deles. Outra escrava teve filho com um trabalhador branco; juntos, tentaram fugir e foi devolvida com o filho escravo. O trabalhador ainda teve que pagar pelas perdas causadas ao proprietário da escrava.

Outro recurso muito utilizado é o da coartación, após a década de 1840, a única via para obter a liberdade. O escravista fixava o preço - que se duplicou, triplicou - pelo escravo. Num caso, o proprietário vendeu o filho(a) da ex-escrava, apesar de estar sendo cumprido o acordo da coartação, como o caso descrito no fundo do Governo Superior Civil, Legajo 948, nº 33497 (mayo 19-1853). Em outro caso, uma escrava parda, livre, Josefa Ramirez, reclama a liberdade da filha coartada por ela porque o amo a tinha vendido a um terceiro, apesar de a mãe ter coberto o preço total fixado (Governo Superior Civil. Legajo 94, nº 3472ARCHIVO Nacional de Cuba. Gobierno Superior Civil. Legajo 94, nº 3472.). Outro caso (Gobierno Superior Civil, Legajo 927, exp. 33052ARCHIVO Nacional de Cuba. Gobierno Superior Civil. Legajo 927, nº 33052.) foi o da mãe que tentou recuperar a liberdade do filho, já coartado ao preço acordado, e o proprietário o alterou com um aumento imprevisto. Dois casos, citados na obra de Gloria GARCÍA (2003, p. 164), é o de Dominga Gangá, com 4 (quatro) filhos e suas tentativas por obter a liberdade deles (Gobierno Superior Civil, Legajo 948, nº 33490ARCHIVO Nacional de Cuba. Gobierno superior Civil. Legajo 948, nº 33490.), e o da escrava Clara (GARCÍA, p. 164-165) e suas gestões de mãe pela liberdade do filho. Ainda há muitos expedientes com essas reclamações no Governo Superior Civil (Legajo 566, exp nº 28174ARCHIVO Nacional de Cuba. Gobierno superior Civil. Legajo 948, nº 33490.). É significativo que a maioria desses processos foi encabeçada por mulheres.

Há uma história singular que alude a um recurso muito pouco utilizado; trata-se de uma reclamação que fez a mãe para obter a liberdade da filha e do neto, cujo proprietário era o pai e o avô. Alguns casos dizem respeito a filhos de escravistas; a lei, porém, de fato não reconhecia nenhum direito por essa filiação. Apenas contava a descendência escrava pela mãe, a matrilinearidade. Neste caso, a causa foi iniciada por se tratar de uma mãe livre que reclamava os direitos da filha e neto. Ao final, foi admitida a prova do fenótipo, apoiando-se no Código Carolino. Seis anos mais tarde, foi eliminada a possibilidade desse recurso. O caso é o de uma mulher escrava que foi vendida e afastada de sua família, apesar de ter recebido a promessa do escravista de dar a liberdade à filha de ambos. Maria Quirina, o nome da escrava, comprou sua liberdade no ano de 1836 da nova proprietária, Maria Brito. O argumento legal que ela coloca para obter as liberdades da filha e do neto é o direito que eles tinham por ser descendentes de uma mãe livre. Perante a negativa por parte do escravista, a reclamante acrescentou, baseada no Código Carolino, que era o próprio pai e avô quem os mantinha cativos. A Lei 9 do Código Carolino, elaborado pelo Cabildo de Santo Domingo, no ano de 1768 (Javier MALAGÓN BARCELÓ, 1974MALAGÓN BARCELÓ, Javier. Codigo Negro Carolino 1784. Santo Domingo: Taller, 1974.), ainda em vigor no ano desse acontecimento, 1836, estabelecia que a escrava não poderia alcançar sua liberdade nem casar com o proprietário, porém, deixava expedito o caminho da liberdade da descendência do relacionamento entre amo e escrava. Diante da negativa ao reconhecimento da paternidade pelo escravista, a mãe coloca a prova do fenótipo da filha: ter o cabelo liso como o pai. O escravista tinha incorporado um documento de que o pai era um escravo negro que, durante a gravidez de Maria Quirina, foi obrigado a casar (com 8 (oito) meses de gravidez).

O regulamento publicado no ano de 1842 (anexo do bando de Gobernación y Policia de la Isla de Cuba) endureceu os mecanismos para a obtenção de liberdade dos filhos. A alienação da mãe incluía apenas a do filho menor, de 3 anos. Desde então, foram criadas dificuldades para a liberdade desses casos. O Artigo 36 desse regulamento especificou, também, que filhos de mães coartadas não desfrutariam do benefício da liberdade e seriam igualmente vendidos como qualquer outro escravo. Por isso, aumentaram os casos de “coartación” para obter a liberdade dos filhos. Essa situação se manteve até o regulamento de 1880.

A sexualidade na formação da subjetividade feminina

Os autores coincidem em considerar como aspectos relacionados à sexualidade os relativos ao prazer sexual, à reprodução e aos meios para seu controle (Ana María ARAUJO; Luis E. BEHARES; Graciela SAPRIZA, 1988ARAUJO, Ana María; BEHARES, Luis E.; SAPRIZA, Graciela. Genero y sexualidad en el Uruguay. Durazno: Trilce, 1988.). A análise anticolonialista da sexualidade rompe com as dicotomias que, no século XIX, serviram de base às concepções patriarcal, heterossexual branca.25 25 Victor Fowler escreveu sobre a presença da dicotomia heterossexual/homossexual desde o século XIX: “Desde el siglo XIX este termino (machismo) aparece como um cuño que acompanha a los niños y los convierte em machos desde el nacimiento” (1998). É possível, hoje, relacionar sexo e gênero sem provocar algum contrassenso histórico.

Para a aproximação ao estudo da sexualidade no século XIX, a interdisciplinaridade com a conexão História e Cultura pode contribuir para a denúncia das desigualdades das condições raciais e de gênero. A história dos marginalizados (africanos e descendentes) revela-os como indivíduos e coletivos culturais. É bom esclarecer que abordar a sexualidade não significa fazer um estudo biológico do corpo, suas zonas erógenas e capacidades sexuais. Trata-se, pelo contrário, de sublinhar a apropriação ou coisificação de corpos humanos de negras e mulatas sob o signo colonial da dominação masculina branca com a justificativa de serem isentos de razão, o que Greg THOMAS (2007THOMAS, Greg. The sexual demon of colonial power. Pan-African embodiment and erotic eschemes of empire. Indiana: Indiana University Press, 2007.) denominou “esquemas eróticos do império”. Mais importante é que, apesar dessas condicionantes negativas, essas mulheres mostraram independência e autonomia nas suas ações.26 26 O acréscimo da prostituição em Cuba e, sobretudo, da erotização para exploração turística dos corpos de negras e mulatas, tem desenvolvido uma literatura contra essas ideologias degradantes e discriminatórias. Penso que é o momento para estudar o quanto qualquer movimento autônomo das mulheres em Cuba vai ter como base a diferença cultural, criada e desenvolvida pelas escravas africanas e suas descendentes.

A partir da compreensão da presença de uma sexualidade feminina racializada, quer dizer, das diferenças na sexualidade no século XIX a partir da raça, é possível, também, entender que houve uma errônea aplicação universal das teorias particulares ocidentais sobre a sexualidade. Por isso, o estudo pretende abordá-la na sua dimensão histórica, no contexto de uma sociedade racializada. No entanto, a mulher branca da elite ficou destinada à preservação do patrimônio, já que era ela a que poderia fazer realidade à permanência da herança fenotípica branca - as negras e mulatas ficaram fora desse esquema. Assim, quase todos os aspectos relacionados ao corpo da branca foram abordados, desde o campo da dominação masculina dominante como reafirmação do predomínio patriarcal no sistema escravista. A Igreja apresentou a relação sexual entre os corpos como suja, considerada pecaminosa e apenas não o era quando precedida do sacramento do matrimônio com a finalidade expressa da procriação, desestimulando o prazer sexual. Toda jovem branca que tivesse relações sexuais fora do casamento, ainda que fosse por estupro, era abandonada pela família, sendo depositada na Casa de Recogidas, prisão que acolhia acusadas de: prostituição, homens/mulheres e durante um período, até loucos (Pedro MARQUÉS DE ARMAS, 2014MARQUÉS DE ARMAS, Pedro. Ciencia y poder en Cuba: Racismo, homofobia, nación. Madrid: Verbun, 2014.).

Desde o século XVIII, segundo Michel FOUCAULT (1985FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1. Rio de Janeiro: Graal, 1985.), ficou evidenciado o movimento ideológico de divórcio entre o prazer sexual e a reprodução. O erro interpretativo assinalado ao autor se deve à apresentação desse fenômeno ocidental como universal, como possível de aplicação a todas as culturas (JANMOHAMED, 1992JANMOHAMED, Abdul R. “Sexuality on/of the social racial border: Foucault, Wright and the articulation of Racialized sexuality”. In: STANTON, Donna (Ed.). Discourses of sexuality from Aristotle to AIDS. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1992. p. 94-116.; BUTLER, 2006, p. 29427 27 A importância de Judith BUTLER (1999) influencia não apenas a desconstrução dos movimentos feministas que outros(as) autores(as) tinham tentado antes, como Gayle Rubin (1975), por exemplo. Ela abordou, também, os conceitos: gênero e sexo à condição de construtos, orientando-os como mediadores epistemológicos e aprofundando a crítica às leituras que os reduziram à simples símbolos, em uns casos da linguagem e em outros da psicanálise pós-Freud (Lacan foi muito influente entre as feministas francesas). Em sequência, compreende que os seguidores do discurso normativo e regulador (Foucault) também mantêm uma presença nesse cenário da teoria. A diferença entre esta autora e outras feministas é sua contextualização dos conceitos feministas, sendo que em nenhum momento pretende colocar sua teoria como válida para qualquer contexto espacial ou temporal. Para ela, um dos graves erros das feministas de Ocidente consiste na sua ambição de ir além de suas fronteiras contextuais, quando, de fato, suas teorias têm um alcance limitado e sua conversão um conceito universal que poderia suprimir ou restringir articulações claras de assimetria entre gêneros em diferentes contextos culturais. Para concluir neste aspecto, a autora não apenas descontrói a teoria ocidental, mas delimita seu uso ao espaço cultural de Ocidente. Inclusive, preocupou-se com noção de patriarcado que, neste estudo, continuou utilizando porque o alcance do conceito no século XIX engloba as normativas criadas pela elite branca masculina no domínio da feminina branca. Porém, a noção de patriarcalismo provoca certo estranhamento em relação aos dados empíricos do período sobre as mulheres negras e mulatas. Por isso, optei por uma abordagem que as deixava fora, à margem dessas normativas. ). Outra tendência que justificou a universalização ocidental nas interpretações sobre a sexualidade, incluindo negras e mulatas, tem sido baseada na consideração da carência de vínculos entre etnias, povos e nações africanas antes do tráfico. Olabiyi BABALOLA YAI (2004BABALOLA YAI, Olabiyi. “Religión y nación multicultural, un paradigma del África precolonial”. In: AROCHA, Jaime (Comp.). Utopía para los excluídos. El multiculturalismo en África y américa Latina . Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, Facultad de Ciencias Humanas, 2004., p. 83-84),28 28 Embaixador de Benin na UNESCO cita: “[...] los pueblos y entidades geopolíticas del África Occidental situados entre el río Níger y el río /volta al oeste, del siglo XV al XIX […] los reinos y pueblos Ewe, Aja Tado, Alada, Xogbonu, Danxome, Oyo, Ijebu, Ife, Tapa, Bini […] cuna de las religiones orisa y vodun que sobrevivieron en América […] orisa y vodun circulan libremente entre los pueblos que se los transfieren unos a otros […] Una característica básica de estas religiones iniciáticas consiste en que cada individuo se identifica con una diosa o un dios quien es dueño de su persona: ori (ABIMBOLA, 1976; ABIODUM, 1987; DREWAL, PEMBERTON e ABIODUM; 1989; LAWAL, 1985). En ellas, lo más importante es el individuo y su relación con su dios y con todos los que el mismo dios há selecionado y que, por tanto, se vuelven parte de su “família”, sin importar el Estado donde residan (BABAOLA YAI, In AROCHA, 2004). no ensaio: “Religión y nación multicultural. Un paradigma del África Precolonial” (AROCHA, 2004AROCHA, Jaime (Comp.). Utopía para los excluídos. El multiculturalismo en África y américa Latina. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, Facultad de Ciencias Humanas, 2004., p. 84-85), questiona estas posições, apoiando-se em destacados historiadores e teóricos africanos.29 29 Muitos autores africanos poderiam se incorporar a esta tendência interpretativa que demonstra os vínculos que transcendiam fronteiras étnicas e outras. Para mencionar alguns: Wandé ABIMBOLA (1971); Rowland ABIODUN (1987); Henry John DREWAL; John Pemberton e Rowland Abiodun (1994); Babatundé LAWAL (1996); Cheik Anta DIOP; Joseph KI-ZERBO; Ferdinand OYONO et al. (1980). Pode ser acrescentada a obra de Paget HENRY (2002), na qual pode ser consultada essa posição sobre a transcendência de ideias, conceitos, que conformam uma filosofia que pode ser denominada africana e que pode ser analisada como matriz das teorias caribenhas. Por um lado, ambas confirmam um corpo teórico independente do Ocidente, por outra, os teóricos caribenhos insistem na sua diferença com a filosofia africana, justamente pela ênfase da “relação” no Caribe. Neste sentido, podem ser orientadoras as obras de Wilson Harris (1983; 1999) e Edouard Glissant (1989; 2010). Ele afirma:

[...] los pueblos y entidades geopolíticas del África Occidental situados entre el río Níger y el río Volta al oeste, del siglo XV al XIX [...] los reinos y pueblos Ewe, Aja Tado, Alada, Xogbonu, Danxome, Oyo, Ijebu, Ife, Tapa, Bini [...] cuna de las religiones orisa y vodun que sobrevivieron en América [...] orisa y vodun circulan libremente entre los pueblos que se los transfieren unos a otros [...] Una característica básica de estas religiones iniciáticas consiste en que cada individuo se identifica con una diosa o un dios quien es dueño de su persona ori y que por tanto se vuelven parte de su “familia”, sin importar el Estado donde resida.

Esses vínculos, relações, conexões foram mais imperativas para os negros(as) após o tráfico de escravos para América porque, com o objetivo de obstaculizar as rebeliões dentro do barco negreiro (The middle passage) - desde o local de embarque, na costa africana, foram violentamente separadas as famílias, etnias, povos (DIEDRICH, GATES, PEDERSEN, 1999DIEDRICH, Maria; GATES, Henry Louis Jr., PEDERSEN, Carl. Black Imagination and the Middle Passage. New York: Oxford University Press, 1999.). A solidariedade, a comunicação, o diálogo, foram essenciais para conservar a vida nas penosas condições dos porões dos barcos. A dança da coberta, à qual eram obrigados com chicote os escravos,30 30 Genevieve Fabre (1999) descreve a ampla função da dança nas sociedades africanas: “Dance was thus used to solicit intercession, to thwart or punishment that human action might have incurred, to flatter or to appease. Dancers not only communicated with the spirits but also impersonated them through specific body movements, rhythms, or masks and became possessed themselves”. como afirma Genevieve FABRE (1999FABRE, Genevieve. “The Slave Ship Dance”. In: DIEDRICH, Maria; GATES JR., Henry Louis; PEDERSEN, Carl . Black Imagination and the Middle Passage. New York: Oxford University Press, 1999., p. 34), contribuiu à configuração da nova cultura construída com a memória de formas e significados trazidos da África, incorporados às experiências da escravidão. A relação dos escravos de diferentes etnias e povos durante a dança escrava criava conexões e lealdades baseada na origem comum, exprimida no conceito com o qual foram chamados por seus captores, negros, e identificados na injusta sorte corrida por todos.

O sistema escravista em Cuba centrou na mulher branca o papel de reprodutora da família racialmente pura. Por isso, aumentou o poder da Igreja dentro da família branca, enfatizando a representação da sexualidade em geral e do prazer sexual como pecados. Essas configurações limitantes para a autonomia da mulher chegaram ao século XX, sobretudo entre setores conservadores da sociedade cubana.31 31 Os romances Las Honradas (2013) e Las Impuras (2011), de Manuel de Carrión, recriaram essa temática no primeiro quarto do século XX.

As mulheres negras e mulatas, diferente da branca, ficaram livres da rígida normatização masculina branca. Estas mulheres, afastadas da influência ideológica da Igreja Católica e das normativas do patriarcalismo da elite, resignificaram muitos elementos de suas culturas tradicionais no novo espaço cultural. A documentação revela que, apesar das recomendações do governo civil, houve ausência do sacerdote nas plantações. O rito católico foi percebido prejudicial porque significava redução da jornada de trabalho do escravo. As mulheres negras e mulatas, sobre as quais a ordem patriarcal da branca não exerceu influência alguma, tiveram que apelar aos seus referenciais, apoiados nas crenças religiosas ancestrais africanas, nas quais a dicotomia entre corpo e alma é inexistente (HENRY, 2002HENRY, Paget. Caliban´s Reason. Introducing Afro-Caribbean Philosophy. New York; London: Routledge, 2002.).32 32 Na obra de Paget Henry (2002) pode ser consultada essa posição sobre a transcendência de ideias, conceitos, que conformam uma filosofia que pode ser denominada africana e que pode ser analisada como matriz das teorias caribenhas. Por uma parte, ambas confirmam um corpo teórico independente de Ocidente, por outra, os teóricos caribenhos insistem na sua diferença com a filosofia africana, justamente pela ênfase da “relação” no Caribe. Neste sentido, podem ser orientadoras as obras de Wilson Harris (1999) e Edouard Glissant (2010). A mulher negra e mulata emergiu, desde os primeiros anos da colonização, na música popular (Alejo CARPENTIER, 1946______. La musica en Cuba. Mexico: Fundo de Cultura Econômica, 1946. p. 11. ; Tony EVORA, 1997EVORA, Tony. Orígenes de la música cubana. Los amores de las cuerdas y el tambor. Madrid: Alianza Editorial, 1997.). Mais tarde, ainda no período colonial, nas lutas pela independência e no sindicalismo. Recentemente, tem sido reconhecida sua bem- sucedida irrupção na literatura. Estas mulheres acompanharam as tropas do Exército e desenvolveram inúmeras tarefas na sua retaguarda (Daisy RUBIERA, 2000RUBIERA, Daisy. Reyita simplemente. Testimonio de una nonagenaria. La Habana: Verde Olivo, 2000.). Nos sindicatos, mulheres negras e mulatas “despalilladoras”, passadeiras e lavadeiras destacaram-se como sindicalistas. Além dos movimentos massivos femininos, algumas figuras se sobressaíram: Mariana Grajales, mãe dos Maceo; Paulina Pedroso, negra, amiga de José Martí; Inocência Valdés, militante do partido político criado por José Martí, líder operária durante o primeiro quartel do século XX.

A evidência da sexualidade feminina em negras e mulatas pode ser estudada estreitamente vinculada às visibilidades dos corpos destas frente às invisibilidades dos das brancas. Esse contraste chamou cedo à atenção de visitantes estrangeiros (DANA, 1859DANA, Richard Henry. To Cuba and Back. A vacation voyage. London: Smith Helder and Co., 1859.;33 33 Richard Dana (1859): “There are no women walking in the streets, except negresses”. HAZARD, 1871). Ambos confirmaram a ausência da branca cubana nos espaços públicos: “It is against the etiquette for ladies to walk in public in Havana” (HAZARD, 1871). Aliás, Hazard (1871) enfatizou a indecência das performances de negras e mulatas nos cabildos e nas ruas. As narrativas de estrangeiros, unidas às imagens de gravuras e litografias, mostram-nas vestidas à moda ocidental, mas incorporando elementos que as diferenciavam da branca: maior número de enfeites, acompanhados de um visual que deixava à vista algumas partes do corpo: amplos decotes e os braços nus. Essa forma de vestir era inaceitável, na época, para a branca. Landaluze chegou a Cuba no ano de 1850, onde morou até sua morte, no ano de 1889. Deixou muitos registros, em imagens, dessas jovens nas ruas, mercados, parques de Guanabacoa e Havana. O protagonismo dessas mulheres é indiscutível, segundo revelam as cenas de trabalho nas fábricas de charutos, no comércio ambulante e nas danças do Dia de Reis. Os espaços públicos são ocupados exclusivamente por elas e os homens, tanto brancos como negros e pardos. Inclusive, é possível ver sua participação nos enterros, como na famosa pintura, também de Landaluze, que permanece no cemitério de Colón.

O protagonismo da mulher negra e mulata também é reconhecido nos registros da época. A música foi um cenário de destaque para estas mulheres. O primeiro son, o da Má Teodora (CARPENTIER, 1946______. La musica en Cuba. Mexico: Fundo de Cultura Econômica, 1946. p. 11. ), é uma evidência da importância da mulher nas orquestras de rua: “onde está a má Teodora, rajando la leña está”. Quer dizer, tocando o tambor e levando o ritmo ao paroxismo de todos os sentidos. Foram mulheres negras e mulatas as primeiras executantes nas orquestras das igrejas, até que foi imposta a substituição por homens. Sem dúvida, significou uma provocação à forma de vestir, andar, falar, assim como os gestos dessas mulheres.

Na música e na dança destacou-se Maria la O,34 34 Ver a obra de Alejo Carpentier (1966). Revisar, também o artigo de Olga PORTUONDO (2010), El carnaval de Santiaguedo, origen y resistência. famosa mulata que transcendeu o mito e a lenda. Deixava todos admirados com a música denominada “la conga”. Utilizou-se do cinquillo. Ainda que a música e a dança da senzala basearam-se nessa forma musical, foram os haitianos os que a transladaram para as zonas urbanas da província oriental. No entanto, nas zonas urbanas de Ocidente, continuou a influência da contradança, denominada cubana. O cinquillo alterna notas não sincopadas com outras sincopadas de ritmo regular (o “tumbao” da música cubana). Esta música era menos dependente que a música europeia do equilíbrio entre seções diferentes, por exemplo, a conga (da qual procedem as diferentes manifestações da rumba) admitiu a agregação de elementos similares de outras procedências. A conga adotou também um caráter funcional nas suas aplicações nas músicas de trabalho ao permitir ações durante a execução da dança.

Durante a execução, a mulher que cantava e dançava tinha tanta importância como os executantes dos tambores.35 35 O caráter fônico das línguas africanas facilitam esse vínculo entre voz e tambor. Verificam-se nas músicas do século XIX diálogos produtivos entre voz e tambor (Conjunto folclórico nacional. Música yoruba, música conga, música abakua, rumbas. Areito Habana Cuba [s.f.]). Muitas vezes a voz marca as mudanças no ritmo dos tambores. A percussão rítmica e melódica já vai sendo executada no século XIX mais pelos homens que as mulheres. Porém, a destreza de seus executantes se coloca à prova continuamente pelo outro rumo que pode dar o(a) solista da voz e da dança (como aconteceu com Maria la O). Estas foram, muitas vezes, mulheres. Interessante a testemunha sobre a dança e a música produzidas pelos escravos (mulheres e homens nos engenhos) da romancista sueca Fredrikra Bremer (1998, p. 119), que visitou o Ocidente de Cuba na quinta década do século XIX. Esta mulher, desprovida do preconceito dos viajantes Dana e Hazard, destaca a arte das danças da senzala e as compara ao ballet da Ópera de Paris. Na sociedade escravista cubana do século XIX, a mulher negra e mulata se projetou como individualidade. Nos relatos da romancista sueca, destaca a ênfase sensual da performance dos dançarinos negros (tanto a do homem como a da mulher).

As músicas e os tambores yukas e as danças makutas produzidas nas senzalas (serviram mais tarde de base rítmica das danças de rua e do carnaval, como a de Maria la O antes mencionada), dão centralidade ao corpo, de onde irradiam todas as sensações, emoções, razão e, sobretudo, a comunicação com outras esferas, a dos mortos, as divindades, a natureza. No corpo radica tanto a capacidade para o diálogo, a relação com os outros seres e até a potencialidade para incorporá-los. O corpo é exaltado na arte, nos movimentos da dança, nas performances, e também nas diversas linguagens da arte e na vida cotidiana.

A linguagem musical provoca euforia, pertencimento místico e evasão hipnótica. A interação entre canto e tambor (sentido e ritmo) resume a estrutura dinâmica interna da realidade e da vida. O(a) solista que improvisa narra musicalmente fatos passados, amores perdidos, êxtase de comunicação com outras pessoas e outros espaços (da morte, das divindades). Estas, como as pessoas de carne e osso, odeiam, amam, traem, possuem sentimentos humanos. A pessoa afiliada da divindade solicita ajuda desta (o rito), mas ela é responsável pelas consequências. Lydia CABRERA (2000CABRERA, Lydia. El Monte. Miami: Ediciones Universal, 2000.) revela várias testemunhas de casos de afiliadas de um orixá que sofreram castigos posteriormente do próprio orixá porque suas petições provocaram prejuízos em outras pessoas.

A dimensão política da sexualidade da branca esteve orientada ao controle social. Assim, o poder nas mãos do homem branco se exerceu sobre a sexualidade da mulher branca, no entanto, as negras e mulatas colocadas na marginalidade sub-humana, proibidas pelas leis de casar com brancos, foram estupradas, objetos dos apetites sexuais, sem poder contar com a intervenção das instituições. Essas práticas masculinas cimentaram-se na superioridade racial colonial e na erotização do corpo dessas mulheres, ignorando a diversidade de suas expressões culturais.

A dimensão cultural, o universo de significações imaginárias e simbólicas em relação à sexualidade de mulatas e negras e seus efeitos na produção de subjetividades de gênero feminino transcenderam nas artes e nas performances de rua, no trabalho, embora tenham sido pouco estudados. A falta de controles exercidos sobre a sexualidade de negras e mulatas operou no exercício da maior liberdade sexual e autonomia destas para tomar suas próprias decisões. Isto explica a criatividade nos controles exercidos sobre sua reprodução, sem contar para nada com a opinião do homem, sobretudo porque a mulher não quis ter um filho escravo. As mulheres negras e mulatas controlaram a gravidez indesejável como também desenvolveram suas experiências sexuais sem as contradições religiosas da branca, apesar de sofrerem estupros contínuos e violentos.36 36 Não se trata de omitir que pode e deve ter existido violência sexual contra o homem e criança negra, apenas não encontrei, tal como existem no Brasil, documentos sobre esses casos. Penso que a forte presença ideológica da heterossexualidade deve ter atuado como limitante para que esses casos fossem públicos. Ver os escritos contra os homens afeminados de filósofos como Caballero (1791) para compreender a forte presença da heterossexualidade. Médicos da época informavam que mulheres de vida sexual livre, sem o dogma da virgindade, nem os freios e inibições da sociedade branca, exibiam uma baixíssima fecundidade (MORENO FRAGINALS, 1980MORENO FRAGINALS, Manuel. El Ingenio. La Habana: Editorial Ciencias Sociales, 1980., p. 51).

Concordo com Randy P. CONNER (2004CONNER, Randy P. “Rainbow children: diversity of gender and sexuality in African Diasporic Spiritual Traditions”. In: BELLEGARDE-SMITH, Patrick. Fragments of Bone. Urbana and Chicago: University of Illinois Press, 2004. p. 143-161., p. 143-161) que as práticas, e não só as religiosas, senão as culturais, sociais, econômicas das mulheres africanas e suas descendentes exprimem, também, as diversidades de sexo e de gênero. A herança africana inscrita no corpo e na mente, no contato com o complexo situacional da escravidão, foi o recurso para a criação e a configuração de ideias e de práticas sexuais.37 37 Na obra organizada e escrita por mais de cinco autores de países africanos diferentes se exprime sobre o papel da mulher africana, independente de ser família matriarcal ou patriarcal: “Et la femme est l´égale de l´homme […] On n´achète pas la femme, on dédommage seulement sa famille. La preuve en est que, lorsqu´elle a subi qualquer offense de son mari, elle se reitre chez ses parents; et lui doit venir s´humillier, offrir une réparation […] Cést que la femme est la Mére, depositaire de la vie,et la gardienne de la tradition”. “La société nègre: la famille africaine” (DIOP ; KI-ZERBO; OYONO et al., 1980). As mulheres brancas, pela lei, pelos costumes, pela religião (o cristianismo), eram impedidas de transformar-se e exprimir sua sexualidade. Porém, a mulher negra e mulata, independente da percepção masculina, se manifestou através do corpo, que se constituiu em dimensão de contato com outras pessoas e outras esferas (divindades, mortos). Nas culturas africanas em geral, o profano e o sagrado têm um intenso diálogo. As performances também são, muitas vezes, expressivas da presença de mulher como o sujeito que deseja. Os cantos de yuka têm um alto contido sensual e as mulheres têm um papel essencial neles, inclusive na provocação de aproximar-se e afastar-se com movimentos pélvicos provocantes. Ao final, produzia-se o choque violento dos corpos sempre que o homem fosse muito bom na dança. Vacunao é o nome que recebe esse momento em que se unem ao ritmo violento da percussão os corpos masculino e feminino. Com o interesse de denegrir essas danças, alguns relatos literários que as qualificaram de práticas selvagens, afirmaram que terminavam no coito, porém, não há evidências disso. Até na música conga religiosa, na dança da makuta, a convulsão nos movimentos dos casais é muito sensual.

Muitas mulheres que foram violentadas, submetidas a golpes e estupradas pelo amo reagiram de forma a exprimir uma individualidade com uma subjetividade diferente da branca; pelo menos não temos encontrado nenhum relato de alguma branca, apesar de que existiram muitos casos de violações.38 38 Na pesquisa, ainda não finalizada, no Archivo Nacional de Cuba, tenho encontrado muitos casos de estupros de brancas. Nas narrativas dos fatos que têm chegado pelos documentos, revela-se a presença de uma sexualidade feminina presente nos sentimentos, nas emoções, nos gostos. Estes justificam a rejeição ao homem que as violentou.

O caso excepcional que tem chegado aos nossos dias é o do julgamento de um escravista, Santa Cruz de Oviedo. Isso aconteceu pela tortura utilizada com suas escravas e não pelos estupros em série cometidos contra meninas de sua dotação. Nesse julgamento, uma testemunha, Maria de la Cruz, violentada pelo escravista ainda criança,39 39 É o mesmo criador do mais importante criollero de escravos, Santa Cruz, já mencionado antes, que teve filhos com mais de 100 de suas escravas. expõe que seu amo “a gozou contra sua vontade sem ser mulher, pois não se pode querer a quem trata mal, que a conquistou a força de chicote, como o manifesta seu corpo” (GARCÍA, 2003GARCÍA, Gloria. La esclavitud desde la esclavitud. La Habana: Editorial Ciencias Sociales, 2003., p. 164). Outras mulheres estupradas pelo escravista referem-se essas mesmas experiências.

Na moral da época, o estupro de mulheres negras e mulatas não era censurado. Os homens se orgulhavam disso porque era expressão da masculinidade heterossexual colonial marcada pelo domínio racial branco. O símbolo do “macho”, como já era exaltado, apenas era questionado se havia sido usada a tortura, a violência que deixava marcas no corpo, como as mostradas por estas mulheres. A imagem colonial “queimar chapapote” (petróleo), usada ainda nos nossos dias, oferece a visão da persistência do colonialismo erótico racial masculino e seu conteúdo de discriminação racial feminino.

As escravas de Santa Cruz, apesar dos castigos, buscaram ter relações sexuais com escravos, ainda se aventurando a serem torturadas, como aconteceu com a escrava Maria de la Cruz. Em terra americana, onde a branca cobria todo seu corpo com roupas, a exposição do corpo da negra e mulata era praxe, era a mercadoria para ser tocada, sovada, para ser avaliada. No caso da escrava, mulher, ou, ainda, menina, não houve preocupação de que seus corpos ficassem expostos, nus, tinham que estar sujeitos à comprovação da qualidade. Apesar da violência utilizada contra elas, o corpo continuou sendo referente para sua autoidentificação. Se, em relação aos controles da reprodução, chegaram a dominar o conhecimento de plantas que poderiam impedir a gravidez, também utilizaram outras formas de prazer para não engravidar, como o coito anal heterossexual que se estendeu pelas plantações açucareiras e ganhou as ruas das cidades. Em relação à extensão das práticas de prazer sexual, há muitas que nasceram nos engenhos açucareiros e, por isso, o vocabulário popular de expressões sexuais em Cuba parodia às utilizadas na plantação açucareira.

Ao modo de conclusão: as diferenças visíveis, exprimidas em diversas manifestações, entre mulheres negras e pardas, por um lado, e as brancas, pelo outro, tem como base a presença, também, de diferentes referenciais culturais entre elas.40 40 É de destacar o caráter fálico de Exu e suas artimanhas que dão ensejo ao ato sexual; a sexualidade feminina está representada em Oxum e Iemanjá; são conhecidos os meios destes para alcançar o amor; o mel é um dos recursos preferidos. No entanto, na religião judeu-cristã, o corpo é portador de pecado que deve estar sempre vigiado; na africana, cada parte do corpo tem uma história que lhe confere autonomia. Em várias passagens da Bíblia o corpo feminino torna-se imundo como quando se mencionam os cuidados após o parto e com a menstruação. Isso não acontece nas culturas afro-americanas. Assim, ‘ekodidé’ (a pena vermelha dos ritos de iniciação) está associada ao sangue da orixá Oxum, que transformou a vergonha de sujeira de sangue na cadeira, onde sentaria Oxalá, numas belas plumas vermelhas. O desaparecimento dos contrários irreconciliáveis da cultura ocidental é frequente na interpretação do mundo dos povos africanos. Muitas das manifestações da sexualidade feminina da negra e da mulata (prazer sexual, maternidade, controles de reprodução e natalidade) tiveram origens que transitaram desde as culturas ancestrais até serem reconfiguradas nas dificílimas condições da escravidão africana. Segundo, as experiências traumatizantes, ainda que o seu registro fosse excepcional, pela condição repressiva na escravidão, sugerem a sinergia entre ação e representação em mulheres negras e mulatas, aspecto que não deve ser omitido. Estas mulheres revelaram um projeto de vida: concorreram como acusadoras de seu verdugo, obtendo, num caso excepcional, serem escutadas e, pela primeira vez, suas vozes diferentes expuseram, ainda colocando suas vidas em risco, uma humanidade nunca imaginada em mulheres dessa época.

Porém, conhecemos dessas violências e da rejeição a partir de lendas, mitos, contos e estórias que temos conhecido desde crianças, ainda que a escrita, esfera do poder, ficou restrita a uns quantos casos; o que essas escravas, contudo, não aceitaram, na maioria dos casos, do sexo imposto. De fato, no caso de escrita sobre os abusos sexuais, questionaram a propriedade sobre seus corpos que a escravidão legitimou. Sem dúvida, há um elo entre esses comportamentos e as ações que as mães desenvolveram para a obtenção da liberdade de seus filhos.

O valor exemplar dessas lembranças traumatizantes encerra justiça, ou, como enfatiza Ricoeur (1994RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa. Campinas/São Paulo: Papirus, 1994. p. 148., p. 198), a memória transforma-se em projeto e, esse projeto de justiça dá ao dever da memória a forma de futuro e de imperativo.

Nas cartas dos intelectuais cubanos que integraram a tertúlia de Domingo del Monte, publicadas sob o título de Centón Epistolario (1916), destaca-se uma descrição da mulher branca da elite, a única visível como mulher, ignorante até a estupidez, nada maternal, ainda que consentia e aprovava todas os desmandes dos filhos exercitados contra os escravos(as). Certamente, essa leitura confirma que as mulheres cubanas atuais, por esses processos ardilosos da história, devem muito mais à herança africana do que tem sido revelado até hoje.

Referências

  • ABIMBOLA, Wandé. “The yoruba concepto of human personality”. In: La personne en afrique. Colloques Internatioanux du Centre Nacional de la Recherche Scientifique, n. 544, p. 73-89, 1971.
  • ABIODUN, Rowland. “Verbal and Visual Metaphors: mythical Allusion in Yoruba ritualistic Art of Orí”. In: Word and Image Journal of verbal-Visual Inquiry, v. 3, n. 3, p. 252-270, 1987.
  • AMADIUME, Ifi. African matriarcal foundations. The case of Igbo Societies London: Karnak House, 1987.
  • APPIAH, Kwame Anthony. Na casa de meu pai Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
  • ARAUJO, Ana María; BEHARES, Luis E.; SAPRIZA, Graciela. Genero y sexualidad en el Uruguay Durazno: Trilce, 1988.
  • ARCHIVO Nacional de Cuba. Fondo Asuntos Políticos, Legajo nº 3483.
  • ARCHIVO Nacional de Cuba. Gobierno Superior Civil. Legajo 916, nº 31858.
  • ARCHIVO Nacional de Cuba. Gobierno Superior Civil. Legajo 948, nº 35535.
  • ARCHIVO Nacional de Cuba. Gobierno Superior Civil. Legajo 948, nº 472.
  • ARCHIVO Nacional de Cuba. Audiencia de la Habana. Legajo 31, nº 3.
  • ARCHIVO Nacional de Cuba. Audiencia de la Habana. Legajo 22, nº 11.
  • ARCHIVO Nacional de Cuba. Audiência de la Habana. Legajo 17, nº 16.
  • ARCHIVO Nacional de Cuba. Audiência de la Habana. Legajo 17, nº 18.
  • ARCHIVO Nacional de Cuba. Gobierno Superior Civil. Legajo 348, nº 33497.
  • ARCHIVO Nacional de Cuba. Gobierno Superior Civil. Legajo 94, nº 3472.
  • ARCHIVO Nacional de Cuba. Gobierno Superior Civil. Legajo 927, nº 33052.
  • ARCHIVO Nacional de Cuba. Gobierno superior Civil. Legajo 948, nº 33490.
  • ARCHIVO Nacional de Cuba. Gobierno Superior Civil. Legajo 566, nº 28174.
  • AROCHA, Jaime (Comp.). Utopía para los excluídos. El multiculturalismo en África y américa Latina Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, Facultad de Ciencias Humanas, 2004.
  • BABALOLA YAI, Olabiyi. “Religión y nación multicultural, un paradigma del África precolonial”. In: AROCHA, Jaime (Comp.). Utopía para los excluídos. El multiculturalismo en África y américa Latina . Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, Facultad de Ciencias Humanas, 2004.
  • BARCIA, María del Carmen. La otra familia: parientes redes y descendencia de los esclavos en Cuba La Habana: Ministerio de Cultura, 2003.
  • BARÓ, Dionisio Lázaro Poey. Estratégias de sobrevivência das mulheres negras cubanas no século XX, 2009. Tese (Doutorado), Pós-Graduação em História, UnB, Brasília, 2009.
  • BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo, v. I., 3.ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
  • BREMER, Fredrika. Cartas desde Cuba La Habana: Arte y Literatura, 1981.
  • BUTLER Judith. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity New York: Routledge, Chapman & Hall, 1990.
  • CABALLERO, José Agustín. “Carta Crítica del hombre-mujer”. Papel Periódico de la Habana La Habana, 10 de abril de 1791.
  • CABRERA, Lydia. El Monte Miami: Ediciones Universal, 2000.
  • CABRERA, Olga. Los que viven por sus manos La Habana: Editorial Ciencias Sociales, 1985.
  • ______. “Entre la invisibilidad y el miedo”. In: Caribe Sintonias e dissonâncias Goiânia: CECAB, 2006.
  • CARPENTIER, Alejo. La musica en Cuba La Habana: Editorial Letras Cubanas, 1966. p. 91.
  • ______. La musica en Cuba Mexico: Fundo de Cultura Econômica, 1946. p. 11.
  • CARRIÓN, Manuel de. Las honradas México: Lectorum, SA de C.V., 1998. p. 27.
  • ______. Las impuras Madrid: Cátedra, 2011.
  • CASTAÑEDA, Digna. “La mujer negra esclava en el siglo XIX cubano: su papel en la economía”. Revista Brasileira do Caribe, v. VIII, n. 16, p. 339-362, jan./jun. 2008.
  • CONDÉ, Maryse. “Interview with Maryse Condé”. In: THOMAS, Bonnie. Breadfruit or Chestnut?: Gender Construction in the French Caribbean Novel Boulder, New York, Toronto, Oxford: Rowman & Littlefield Publishers, INC, 2006.
  • CONFIANT, Raphael. “Interview with Raphael Confiant”. In: THOMAS, Bonnie. Breadfruit or Chestnut?: Gender Construction in the French Caribbean Novel Boulder, New York, Toronto, Oxford: Rowman & Littlefield Publishers, INC, 2006.
  • CONNER, Randy P. “Rainbow children: diversity of gender and sexuality in African Diasporic Spiritual Traditions”. In: BELLEGARDE-SMITH, Patrick. Fragments of Bone Urbana and Chicago: University of Illinois Press, 2004. p. 143-161.
  • CHODOROW, Nancy. The Reproduction of Mothering: Psychoanalysis and the Sociology of Gender 2.ed. California: University of California Press, 1999.
  • DANA, Richard Henry. To Cuba and Back A vacation voyage London: Smith Helder and Co., 1859.
  • DEL MONTE, Domingo. Centón Epistolario La Habana: Academia de La Historia, 1916.
  • DIEDRICH, Maria; GATES, Henry Louis Jr., PEDERSEN, Carl. Black Imagination and the Middle Passage New York: Oxford University Press, 1999.
  • DIOP, Cheik Anta; KI-ZERBO, Joseph; OYONO, Ferdinand et al. Literature Africaine. L'engagement Dakar: Nouvelles Editions Africaines, 1980.
  • DREWAL, Henry John; PEMBERTON, John; ABIODUN, Rowland. Yoruba nine centuries of African Art and Thought New York: Center for African Arts,1998.
  • EVORA, Tony. Orígenes de la música cubana. Los amores de las cuerdas y el tambor Madrid: Alianza Editorial, 1997.
  • FABRE, Genevieve. “The Slave Ship Dance”. In: DIEDRICH, Maria; GATES JR., Henry Louis; PEDERSEN, Carl . Black Imagination and the Middle Passage New York: Oxford University Press, 1999.
  • FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
  • FOWLER, Victor. La maldición: una historia del placer como conquista La Habana: Editorial Letras Cubanas , 1998.
  • GARCÍA, Gloria. La esclavitud desde la esclavitud La Habana: Editorial Ciencias Sociales, 2003.
  • GLISSANT, Edouard. El discurso antillano La Habana: Casa de las Américas, 2010.
  • ______. Poétique de la relation Paris: Gallimard, 1990.
  • ______. Caribbean Discourse. Select Essays Virginia: University Press of Virginia, 1989.
  • GONZÁLEZ QUIÑONES, Fernando; PÉREZ-FUENTES, Pilar; VALVERDE LAMSFÚS, Dolores. “Familia, matrimonio y cohabitación en la Habana del siglo XIX. Una aproximación a traves del censo de 1861”. In: SEMINAR ON CHANGES AND CONTINUITY IN AMERICAN DEMOGRAPHIC BEHAVIOURS. The five Century Experience, International Union for the Scientific Study of Population. Córdoba, 1998.
  • HARRIS, Wilson. Selected Essays of Wilson Harris BUNDY, Andrew (Ed.) London: Routledge, 1999.
  • ______. The womb of space: The cross cultural imagination Westpoint: Greenwood Press, 1983.
  • HAZARD, Samuel. Cuba with pen and pencil Sampson: Maislon, Low & Searle, 1866.
  • HENRY, Paget. Caliban´s Reason. Introducing Afro-Caribbean Philosophy New York; London: Routledge, 2002.
  • HUMBOLDT, Alejandro de. Ensayo politico sobre la Isla de Cuba Habana: Imprenta Nacional de Cuba, 1960.
  • JANMOHAMED, Abdul R. “Sexuality on/of the social racial border: Foucault, Wright and the articulation of Racialized sexuality”. In: STANTON, Donna (Ed.). Discourses of sexuality from Aristotle to AIDS Ann Arbor: University of Michigan Press, 1992. p. 94-116.
  • LAWAL, Babatundé. “Orí: the significance of the head in yoruba sculpture”. Journal of Anthropological Research, v. 41, n. 1, 1985, p. 91-103.
  • ______. The Gèlèdé spectacle: art, gender, and social harmony in an African culture Seattle: University of Washington Press, 1996.
  • MALAGÓN BARCELÓ, Javier. Codigo Negro Carolino 1784 Santo Domingo: Taller, 1974.
  • MARQUÉS DE ARMAS, Pedro. Ciencia y poder en Cuba: Racismo, homofobia, nación Madrid: Verbun, 2014.
  • MONTANÈ, Luís. “La pederastía en Cuba”. In: PRIMER CONGRESO MÉDICO REGIONAL DE LA ISLA DE CUBA EN ENERO DE 1890. La Habana: Imprenta de A. Álvarez y Compañía, 1890.
  • MORENO FRAGINALS, Manuel. El Ingenio La Habana: Editorial Ciencias Sociales, 1980.
  • NARANJO, Consuelo; GARCIA, Armando. Racismo e Inmigración en Cuba en el siglo XIX Madrid: Doce Calles, 1996.
  • PARSONS, Talcott; BALES, Robert Freed. Family, socialization and interaction process New York: Free Press, 1955.
  • PÉREZ DE LA RIVA, Juan. “El monto de la inmigración forzada en el siglo XIX”. Revista de la Biblioteca Nacional José Marti, Havana, v. 65, n. 1, p. 77-110, 1974.
  • PORTUONDO, Olga. “El carnaval santiaguero, origen y resistência”. Revista Brasileira do Caribe , v. 10, n. 20, p. 158-199, jan./jun. 2010.
  • RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa Campinas/São Paulo: Papirus, 1994. p. 148.
  • RUBIN, Gaile. “The traffic in woman: Notes on the political econmy of sex”. In: REITER, Reyna (Ed.). Toward an anthropology of women New York: Monthly Review Press, 1975.
  • RUBIERA, Daisy. Reyita simplemente. Testimonio de una nonagenaria La Habana: Verde Olivo, 2000.
  • STOLCKE, Verena. Racismo y sexualidad en la Cuba colonial Cambridge: University Press 1974; Madrid: Alianza Editorial, 1992.
  • THOMAS, Bonnie. Breadfruit or chestnut? Gender construction in thee french Caribbean Novel Lanham, Boulder, New York, Toronto, Oxford: Lexington Books, 2006.
  • THOMAS, Greg. The sexual demon of colonial power. Pan-African embodiment and erotic eschemes of empire Indiana: Indiana University Press, 2007.
  • TORNERO TINAJERO, Pablo. Crecimiento económico y trasformaciones sociales: esclavos, hacendados y comerciantes en la Cuba colonial (1760-1840) Madrid: Ministerio del Trabajo y Seguridad Social, 1996.
  • VITIER, Cintio; GARCÍA MARRUZ, Fina; FRIOL, Roberto. La literatura en el Papel Periódico de la Habana, 1790-1895 La Habana: Letras Cubanas, 1990.
  • WADE, Peter. Music, Race, and Nation: Musica Tropical en Colombia Chicago: The University of Chicago Press, 2000.
  • 1
    Simone de Beauvoir (1980BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo, v. I., 3.ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.) estudou a construção das diferenças sexuais como um processo social e cultural, por descansar na configuração das relações de poder existentes em uma determinada sociedade e não na sua irredutibilidade biológica. A condição de gênero se obtém cumprindo trajetórias sociais determinadas por umas normas e expectativas de gênero socialmente legitimadas que associamos à masculinidade ou feminidade (p. 35-36).
  • 2
    Parece-me irrelevante considerar a subjetividade como um fenômeno restrito ao indivíduo; sem dúvida que a subjetividade é um produto de interações e sempre coletivo.
  • 3
    A teoria funcionalista dos papéis sociais do funcionalismo (Talcott PARSONS; Robert Freed BALES, 1955PARSONS, Talcott; BALES, Robert Freed. Family, socialization and interaction process. New York: Free Press, 1955.) e as teorias psicoanalíticas feministas (Nancy CHODOROW, 1999CHODOROW, Nancy. The Reproduction of Mothering: Psychoanalysis and the Sociology of Gender. 2.ed. California: University of California Press, 1999.). O gênero trouxe estudos mais aprofundados etnográficos e, sobretudo, no que diz respeito à interdisciplinaridade. Não é possível estudar este tema sem violentar os marcos restritos disciplinares. Há momentos de diálogo com as abordagens antropológicas e aprofundo na etnografía, ou com a história, a literatura que está evidente no artigo.
  • 4
    Despalilladoras é o nome que recebe a trabalhadora que, na indústria ou nas casas de despalillo, separam, no tabaco, a folha da rama. Estas podem ser mais ou menos qualificadas. As mais qualificadas são as que separam as folhas dedicadas a servir de capa dos “havanos” ou “puros”, nome que recebe o tabaco de alta qualidade no mercado.
  • 5
    Na obra El Ingenio, de Moreno Fraginals, pode ser encontrado um arsenal de palavras referidas ao ato sexual procedentes da plantação escravista. Há variedade de palavras que exemplificam as múltiplas posições criadas no coito.
  • 6
    Nunca foi possível ocultar o fato de Cuba ter recebido mais escravos que todos os países do Caribe. O demógrafo cubano Juan PÉREZ DE LA RIVA (1974PÉREZ DE LA RIVA, Juan. “El monto de la inmigración forzada en el siglo XIX”. Revista de la Biblioteca Nacional José Marti, Havana, v. 65, n. 1, p. 77-110, 1974.) calculou 1.300,000 no século XIX. Pode parecer pouco frente ao Brasil, com mais de 6.000,000, porém, Cuba é muito menor que qualquer uma das províncias brasileiras da época.
  • 7
    A revisão da obra de Samuel Hazard oferece mais contrastes sobre a situação da mulher cubana branca em contraste com a de outros países, especialmente com a de seu país. O autor admira a ausência desta dos espaços públicos. Ver pagina 42, sobre confinamento da mulher, e páginas 50-51, acerca dos pequenos espaços de “performance” da mulher; página 69, sobre as mulheres observadas dentro das casas; páginas 84-85, em que são abordados os controles que se comparam à escravidão – exercidos sobre esposas e filhas.
  • 8
    Víctor Patricio de Landaluze foi um pintor e litógrafo espanhol cuja carreira se desenvolveu em Cuba. Seu trabalho representou a sociedade cubana do século XIX e, sobretudo, a agricultura em solo cubano.
  • 9
    Ver, para aprofundar mais a temática, uma seleção do próprio autor: Edouard GLISSANT (1989______. Caribbean Discourse. Select Essays. Virginia: University Press of Virginia, 1989.).
  • 10
    O peso que da à mulher escrava seu colega Chamoiseau também parece desmentir essa afirmação de Confiant (2006).
  • 11
    Muitas das reclamações maternas de liberdade para os filhos aconteceram muitos anos após a separação provocada pela venda da mãe ou do filho(a).
  • 12
    Entre os documentos do Governo Civil que se referem à aprendizagem, há muitos casos referenciados sobre os tênues limites existentes entre escravidão e liberdade para a mulher.
  • 13
    Bonnie Thomas (2006), em Breadfruit or chestnut? Gender construction in thee french Caribbean Novel, remonta à escravidão a situação atual das relações de gênero. Não penso igual, porém, estudá-las como tema central, derivando as relações de gênero da formação nacional que exclui, subordina e deforma todos os outros acontecimentos, também é uma grave anomalia.
  • 14
    Podemos citar como exemplo a obra de María del Carmen Barcia (2003). A própria autora, na página 61, assinala que, no Bairro de San Isidro, 20,15% dos africanos recém-chegados a Cuba estavam casados, no entanto, entre os crioulos nascidos em Cuba, apenas 10,7% eram casados. Por outro lado, Fernando GONZÁLEZ QUIÑONES, Pilar PEREZ FUENTES e Dolores VALVERDE LANFUS (1998GONZÁLEZ QUIÑONES, Fernando; PÉREZ-FUENTES, Pilar; VALVERDE LAMSFÚS, Dolores. “Familia, matrimonio y cohabitación en la Habana del siglo XIX. Una aproximación a traves del censo de 1861”. In: SEMINAR ON CHANGES AND CONTINUITY IN AMERICAN DEMOGRAPHIC BEHAVIOURS. The five Century Experience, International Union for the Scientific Study of Population. Córdoba, 1998.) também revelam a presença de maior número de moradias de mulheres sem homens. As moradias as quais obtiveram representaram 12,3% do total das localizadas fora das Muralhas e albergavam 5,3% da população da zona de extramuros com mais população, 138.144 ‘personas’ e 12.354 ‘fincas urbanas’. Delas 4,91% eram de famílias escravas: 60; destas, 39 eram famílias presididas por mulheres, e, a restante, quer dizer, 21, estavam presididas por homens. Isso quase 40 anos após a proibição do comércio de escravos e apenas sete anos antes do começo da primeira guerra anticolonial que declarou todos os homens livres, provocando a crise da escravidão.
  • 15
    O peso do evolucionismo e da ideia de progresso que encerra está presente nestes enfoques. Há que se demonstrar que eram homens e mulheres inteligentes, avançados, que aprendiam rápido as formas superiores de organização social, como é o caso da família nuclear para estas interpretações.
  • 16
    Maryse Condé, em 27/06/2001, p. 169 (publicado, posteriormente, em 2006, afirma: “I think (the french caribbean woman as head of the Family) is a rather mythical image which intelectual have spread [...]”.
  • 17
    Até uma associação tão fechada, como a secreta, dos “ñañigos”, de procedência carabali, aceitou outros de etnias e povos diferentes.
  • 18
    Uma grande amiga, Mercedes, cuidou de minha filha Isabel muitas vezes quando tinha alguma atividade como a de vigilância do centro de trabalho (obrigatória para todos os trabalhadores); outras vezes, fiquei a dormir no quarto na casa de vecindad ou solar porque era muito tarde para retornar, à noite, com uma criança de colo.
  • 19
    Alcançou uma maior fama que o pai pelo grande número de filhos que teve com escravas. Estas eram violentadas quando recém entravam na adolescência. Um julgamento não pelos estupros, mas pelos golpes que marcaram os corpos de suas vítimas, consta em um dos expedientes apresentados na obra já mencionada de Gloria García (2003).
  • 20
    Os censos revelaram que, no entanto, a população escrava não apresentou crescimento demográfico; a população livre, de cor, teve um acréscimo populacional maior que a branca.
  • 21
    No Centón Epistolario de Domingo del Monte encontram-se múltiplas preocupações sobre esse particular.
  • 22
    Existem inúmeros exemplos destes nexos.
  • 23
    Dentre os representantes da elite que se pronunciaram por essa posição, podem ser mencionados: Francisco de Arango e Parreño, José Antonio Saco, Antonio Bachiller e Morales e muitos mais.
  • 24
    Ifi Amadiume faz uma interessante crítica à obra Na casa do pai (1997).
  • 25
    Victor Fowler escreveu sobre a presença da dicotomia heterossexual/homossexual desde o século XIX: “Desde el siglo XIX este termino (machismo) aparece como um cuño que acompanha a los niños y los convierte em machos desde el nacimiento” (1998).
  • 26
    O acréscimo da prostituição em Cuba e, sobretudo, da erotização para exploração turística dos corpos de negras e mulatas, tem desenvolvido uma literatura contra essas ideologias degradantes e discriminatórias. Penso que é o momento para estudar o quanto qualquer movimento autônomo das mulheres em Cuba vai ter como base a diferença cultural, criada e desenvolvida pelas escravas africanas e suas descendentes.
  • 27
    A importância de Judith BUTLER (1999) influencia não apenas a desconstrução dos movimentos feministas que outros(as) autores(as) tinham tentado antes, como Gayle Rubin (1975), por exemplo. Ela abordou, também, os conceitos: gênero e sexo à condição de construtos, orientando-os como mediadores epistemológicos e aprofundando a crítica às leituras que os reduziram à simples símbolos, em uns casos da linguagem e em outros da psicanálise pós-Freud (Lacan foi muito influente entre as feministas francesas). Em sequência, compreende que os seguidores do discurso normativo e regulador (Foucault) também mantêm uma presença nesse cenário da teoria. A diferença entre esta autora e outras feministas é sua contextualização dos conceitos feministas, sendo que em nenhum momento pretende colocar sua teoria como válida para qualquer contexto espacial ou temporal. Para ela, um dos graves erros das feministas de Ocidente consiste na sua ambição de ir além de suas fronteiras contextuais, quando, de fato, suas teorias têm um alcance limitado e sua conversão um conceito universal que poderia suprimir ou restringir articulações claras de assimetria entre gêneros em diferentes contextos culturais. Para concluir neste aspecto, a autora não apenas descontrói a teoria ocidental, mas delimita seu uso ao espaço cultural de Ocidente. Inclusive, preocupou-se com noção de patriarcado que, neste estudo, continuou utilizando porque o alcance do conceito no século XIX engloba as normativas criadas pela elite branca masculina no domínio da feminina branca. Porém, a noção de patriarcalismo provoca certo estranhamento em relação aos dados empíricos do período sobre as mulheres negras e mulatas. Por isso, optei por uma abordagem que as deixava fora, à margem dessas normativas.
  • 28
    Embaixador de Benin na UNESCO cita: “[...] los pueblos y entidades geopolíticas del África Occidental situados entre el río Níger y el río /volta al oeste, del siglo XV al XIX […] los reinos y pueblos Ewe, Aja Tado, Alada, Xogbonu, Danxome, Oyo, Ijebu, Ife, Tapa, Bini […] cuna de las religiones orisa y vodun que sobrevivieron en América […] orisa y vodun circulan libremente entre los pueblos que se los transfieren unos a otros […] Una característica básica de estas religiones iniciáticas consiste en que cada individuo se identifica con una diosa o un dios quien es dueño de su persona: ori (ABIMBOLA, 1976; ABIODUM, 1987; DREWAL, PEMBERTON e ABIODUM; 1989DREWAL, Henry John; PEMBERTON, John; ABIODUN, Rowland. Yoruba nine centuries of African Art and Thought. New York: Center for African Arts,1998.; LAWAL, 1985LAWAL, Babatundé. “Orí: the significance of the head in yoruba sculpture”. Journal of Anthropological Research, v. 41, n. 1, 1985, p. 91-103.). En ellas, lo más importante es el individuo y su relación con su dios y con todos los que el mismo dios há selecionado y que, por tanto, se vuelven parte de su “família”, sin importar el Estado donde residan (BABAOLA YAI, In AROCHA, 2004).
  • 29
    Muitos autores africanos poderiam se incorporar a esta tendência interpretativa que demonstra os vínculos que transcendiam fronteiras étnicas e outras. Para mencionar alguns: Wandé ABIMBOLA (1971ABIMBOLA, Wandé. “The yoruba concepto of human personality”. In: La personne en afrique. Colloques Internatioanux du Centre Nacional de la Recherche Scientifique, n. 544, p. 73-89, 1971.); Rowland ABIODUN (1987ABIODUN, Rowland. “Verbal and Visual Metaphors: mythical Allusion in Yoruba ritualistic Art of Orí”. In: Word and Image Journal of verbal-Visual Inquiry, v. 3, n. 3, p. 252-270, 1987.); Henry John DREWAL; John Pemberton e Rowland Abiodun (1994); Babatundé LAWAL (1996______. The Gèlèdé spectacle: art, gender, and social harmony in an African culture. Seattle: University of Washington Press, 1996.); Cheik Anta DIOP; Joseph KI-ZERBO; Ferdinand OYONO et al. (1980DIOP, Cheik Anta; KI-ZERBO, Joseph; OYONO, Ferdinand et al. Literature Africaine. L'engagement. Dakar: Nouvelles Editions Africaines, 1980.). Pode ser acrescentada a obra de Paget HENRY (2002), na qual pode ser consultada essa posição sobre a transcendência de ideias, conceitos, que conformam uma filosofia que pode ser denominada africana e que pode ser analisada como matriz das teorias caribenhas. Por um lado, ambas confirmam um corpo teórico independente do Ocidente, por outra, os teóricos caribenhos insistem na sua diferença com a filosofia africana, justamente pela ênfase da “relação” no Caribe. Neste sentido, podem ser orientadoras as obras de Wilson Harris (1983; 1999HARRIS, Wilson. Selected Essays of Wilson Harris. BUNDY, Andrew (Ed.) London: Routledge, 1999.) e Edouard Glissant (1989; 2010GLISSANT, Edouard. El discurso antillano. La Habana: Casa de las Américas, 2010.).
  • 30
    Genevieve Fabre (1999) descreve a ampla função da dança nas sociedades africanas: “Dance was thus used to solicit intercession, to thwart or punishment that human action might have incurred, to flatter or to appease. Dancers not only communicated with the spirits but also impersonated them through specific body movements, rhythms, or masks and became possessed themselves”.
  • 31
    Os romances Las Honradas (2013) e Las Impuras (2011______. Las impuras. Madrid: Cátedra, 2011.), de Manuel de Carrión, recriaram essa temática no primeiro quarto do século XX.
  • 32
    Na obra de Paget Henry (2002) pode ser consultada essa posição sobre a transcendência de ideias, conceitos, que conformam uma filosofia que pode ser denominada africana e que pode ser analisada como matriz das teorias caribenhas. Por uma parte, ambas confirmam um corpo teórico independente de Ocidente, por outra, os teóricos caribenhos insistem na sua diferença com a filosofia africana, justamente pela ênfase da “relação” no Caribe. Neste sentido, podem ser orientadoras as obras de Wilson Harris (1999) e Edouard Glissant (2010).
  • 33
    Richard Dana (1859): “There are no women walking in the streets, except negresses”.
  • 34
    Ver a obra de Alejo Carpentier (1966)CARPENTIER, Alejo. La musica en Cuba. La Habana: Editorial Letras Cubanas, 1966. p. 91.. Revisar, também o artigo de Olga PORTUONDO (2010PORTUONDO, Olga. “El carnaval santiaguero, origen y resistência”. Revista Brasileira do Caribe , v. 10, n. 20, p. 158-199, jan./jun. 2010.), El carnaval de Santiaguedo, origen y resistência.
  • 35
    O caráter fônico das línguas africanas facilitam esse vínculo entre voz e tambor.
  • 36
    Não se trata de omitir que pode e deve ter existido violência sexual contra o homem e criança negra, apenas não encontrei, tal como existem no Brasil, documentos sobre esses casos. Penso que a forte presença ideológica da heterossexualidade deve ter atuado como limitante para que esses casos fossem públicos. Ver os escritos contra os homens afeminados de filósofos como Caballero (1791) para compreender a forte presença da heterossexualidade.
  • 37
    Na obra organizada e escrita por mais de cinco autores de países africanos diferentes se exprime sobre o papel da mulher africana, independente de ser família matriarcal ou patriarcal: “Et la femme est l´égale de l´homme […] On n´achète pas la femme, on dédommage seulement sa famille. La preuve en est que, lorsqu´elle a subi qualquer offense de son mari, elle se reitre chez ses parents; et lui doit venir s´humillier, offrir une réparation […] Cést que la femme est la Mére, depositaire de la vie,et la gardienne de la tradition”. “La société nègre: la famille africaine” (DIOP ; KI-ZERBO; OYONO et al., 1980).
  • 38
    Na pesquisa, ainda não finalizada, no Archivo Nacional de Cuba, tenho encontrado muitos casos de estupros de brancas.
  • 39
    É o mesmo criador do mais importante criollero de escravos, Santa Cruz, já mencionado antes, que teve filhos com mais de 100 de suas escravas.
  • 40
    É de destacar o caráter fálico de Exu e suas artimanhas que dão ensejo ao ato sexual; a sexualidade feminina está representada em Oxum e Iemanjá; são conhecidos os meios destes para alcançar o amor; o mel é um dos recursos preferidos. No entanto, na religião judeu-cristã, o corpo é portador de pecado que deve estar sempre vigiado; na africana, cada parte do corpo tem uma história que lhe confere autonomia. Em várias passagens da Bíblia o corpo feminino torna-se imundo como quando se mencionam os cuidados após o parto e com a menstruação. Isso não acontece nas culturas afro-americanas. Assim, ‘ekodidé’ (a pena vermelha dos ritos de iniciação) está associada ao sangue da orixá Oxum, que transformou a vergonha de sujeira de sangue na cadeira, onde sentaria Oxalá, numas belas plumas vermelhas. O desaparecimento dos contrários irreconciliáveis da cultura ocidental é frequente na interpretação do mundo dos povos africanos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    02 Maio 2014
  • Revisado
    29 Set 2015
  • Aceito
    24 Jun 2016
Centro de Filosofia e Ciências Humanas e Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário - Trindade, 88040-970 Florianópolis SC - Brasil, Tel. (55 48) 3331-8211, Fax: (55 48) 3331-9751 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: ref@cfh.ufsc.br