Acessibilidade / Reportar erro

Narrar a REF e fazer a REF: uma história coletiva

Narrating the REF and Doing the REF: a collective story

Resumos

Este artigo procura acrescentar a outras narrativas produzidas sobre a Revista Estudos Feministas, e nelas apoiado, um novo relato sobre as benesses e agruras da edição coletiva desse periódico acadêmico na UFSC. Com base em pesquisas documentais realizadas na e sobre a REF, apresenta brevemente aspectos de algumas de suas seções, detendo-se na participação de homens como autores nesta revista que se intitula feminista.

edição; revista acadêmica; trabalho coletivo


This article seeks to add to the other stories written about the Revista Estudos Feministas and, supported on them, create a new report about the blessings and bitterness of this collective scholarly journal publishing at UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina. Based on out documentary searches conducted in the and about REF, features briefly some aspects of its sections, pausing at the participation of men as authors in this magazine that calls itself as feminist.

Editing; Academic Journal; Collective Work


SEÇÃO ESPECIAL REF 20 ANOS

Narrar a REF e fazer a REF: uma história coletiva

Narrating the REF and Doing the REF: A Collective Story

Mara Coelho de Souza Lago

Universidade Federal de Santa Catarina

RESUMO

Este artigo procura acrescentar a outras narrativas produzidas sobre a Revista Estudos Feministas, e nelas apoiado, um novo relato sobre as benesses e agruras da edição coletiva desse periódico acadêmico na UFSC. Com base em pesquisas documentais realizadas na e sobre a REF, apresenta brevemente aspectos de algumas de suas seções, detendo-se na participação de homens como autores nesta revista que se intitula feminista.

Palavras-chave: edição; revista acadêmica; trabalho coletivo.

ABSTRACT

This article seeks to add to the other stories written about the Revista Estudos Feministas and, supported on them, create a new report about the blessings and bitterness of this collective scholarly journal publishing at UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina. Based on out documentary searches conducted in the and about REF, features briefly some aspects of its sections, pausing at the participation of men as authors in this magazine that calls itself as feminist.

Key Words: Editing; Academic Journal; Collective Work.

"... Trajetória – o processo de configuração

de uma experiência social singular"

Suely Kofes, 2001, p. 27

Seria melhor dizer fazendo a REF, sem seccionar reflexão e experiência, sem separar o planejar (anterior), o rememorar, (d)escrever, narrar (posterior), das ações de ler, avaliar, escolher os artigos, organizar/programar o material, elaborar sumário, escolher as capas, enviar para revisão, diagramação, gráfica, assinantes... enfim, todas as atividades que a edição de uma revista acadêmica exige. Os verbos se sucedem e embaralham as ações práticas e reflexivas, corroborando Joan Scott quando recusa "a separação entre experiência e linguagem" e incita a "insistir na qualidade produtiva do discurso", já que a "experiência é um evento linguístico que não acontece fora dos significados, embora não esteja confinada a uma ordem fixa de significados".1 1 SCOTT, 1999, p. 40.

A REF, um projeto coletivo, tem sido narrada por muitas vozes, em variadas escritas, objetivadas em muitos artigos na própria revista e em outras publicações, relacionada a outros periódicos brasileiros, como Cadernos Pagu, Gênero, Espaço Feminino, Labrys, com os quais dividiu o Portal de Publicações Feministas e divide agora o Portal do IEG, relacionada a publicações de ONGs feministas e a revistas estrangeiras, com as quais tem dividido momentos reflexivos de troca de experiências sobre publicações feministas e de gênero. Refiro-me aos produtos dos dois encontros de publicações feministas, realizados em 2002 e 2003 em Florianópolis,2 2 Sobre esta experiência, componente de um projeto amplo de divulgação das publicações feministas, conferir Luzinete MINELLA e Miriam GROSSI, 2003. Conferir também Luzinete MINELLA, Miriam GROSSI, Carmem RAMOS e Juliana LOSSO, 2004. e à produção acadêmica que sucedeu as comemorações dos 10 anos (2002) e 15 anos (2007) da REF (Revista Estudos Feministas, vol. 11, n. 1, 2003; vol. 12, número especial, 2004; vol. 16, n. 1, 2008), totalizando 43 artigos, envolvendo 51 autoras/es.

A REF é, repito, fruto de um projeto coletivo de mulheres, e tem sido sempre uma produção coletiva, desde que foi criada em 1992, no Rio de Janeiro.

Se, de acordo com Suely Kofes,3 3 KOFES, 2001, p. 12. "não narrar alguém ou algo é um mecanismo eficaz de instituí-los, metaforicamente, como 'mortos'", narrar é manter alguém ou algo vivo da mesma forma que, no caso de uma revista acadêmica, construí-la passo a passo, periodicamente.

Já me debrucei sobre a REF para tecer uma narrativa a seu respeito4 4 LAGO, 2009. publicada no dossiê "Os estudos sobre as mulheres, de gênero e feministas em revista", comemorativo dos 10 anos da Ex Aequo (n.19, 2009). Já realizei pesquisas na REF, inicialmente sobre as entrevistas publicadas na revista, perguntando se contribuiriam para as viagens das teorias feministas ao/no Brasil. Pesquisei também a pequena participação da psicologia na revista, conforme estudos de Débora Diniz e Paula Foltran,5 5 DINIZ e FOLTRAN, 2004. e a participação inexpressiva de homens como autores na revista até 2003, destacada por essas pesquisadoras. Essas pesquisas consideraram também a Cadernos Pagu, pois, conforme Albertina Costa,6 6 COSTA, 2008. REF e Pagu devem ser analisadas em conjunto.

O número 0/92 da revista, que se constituiu no belíssimo projeto gráfico e de conteúdo qualificado, apresentado a edital de financiamento da Fundação Ford, contém o editorial de Lena Lavinas,7 7 LAVINAS, 1992. em uma primeira narrativa da proposta e objetivos da revista. Nesse editorial, que apresentava as justificativas e proposições da REF, além de defender a sua não institucionalização, prevendo o rodízio de editoras e de instituições sediadoras (o que ocorreu em todo o período em que foi editada no Rio de Janeiro, de 1992 a 1998), Lena Lavinas, sua primeira editora, explica o encarte inserido na revista contendo a tradução de artigos em inglês, com a intenção de dar divulgação internacional à produção brasileira no campo dos estudos de gênero.

Esse encarte, que encarecia a edição da revista, deixou de ser publicado quando a REF fez a viagem do Rio de Janeiro para Florianópolis, onde passou a ser editada em parceria entre os Centros de Filosofia e Ciências Humanas, e Comunicação e Expressão (CFH/CCE) da UFSC,8 8 GROSSI, 2004. por um coletivo de pesquisadoras que foi se ampliando para outros centros e instituições, como a Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

Na mudança para Florianópolis a REF foi institucionalizada, distanciando-se assim das intenções iniciais de suas idealizadoras. Esse caminho, no entanto, poderia ser a alternativa para viabilizá-la, como já fora assinalado por Albertina Costa, em função das dificuldades para mantê-la sem o financiamento que recebia inicialmente da Fundação Ford, e apesar do apoio do CNPq e outras organizações.

A verdade é que temos tido muita dificuldade para editá-la, mesmo com a UFSC nos proporcionando (parco) espaço físico, o trabalho fundamental da secretária Carmem Ramos, computadores, telefone, luz, bolsistas, postagem nos Correios para assinantes, trocas, etc. (dificuldades já relatadas em vários artigos e nos editoriais da revista).

Em Florianópolis, a revista viveu uma metamorfose editorial, narrada por sua propositora Luzinete Minella,9 9 MINELLA, 2008. assumindo uma gestão descentralizada, pela definição de diferentes editorias, encarregadas de suas distintas seções: uma coordenação editorial, editorias de dossiês, de entrevistas, debates, resenhas, etc., todas assumidas por mais de uma pessoa. Dessa forma, um grande grupo de profissionais está diretamente envolvido com a publicação da revista, havendo rodízio de pesquisadoras entre as diferentes editorias.

Foi em Florianópolis também que, desde 2004 (com o número especial do volume 12), e a partir de exigências do indexador SciElo, a REF tornou-se quadrimestral, passando a publicar três números por ano. Custos e trabalhos tiveram, assim, um significativo acréscimo, reforçando o que já havia sido ressaltado por Joana Pedro,10 10 PEDRO, 2008. em artigo em que discutia as possibilidades de sobrevivência da revista, destacando a importância do trabalho voluntário para sua continuidade.

A REF em diálogo com autoras/es e teorias de outras terras

Com a eliminação do encarte em inglês, a divulgação internacional da revista tem sido realizada atualmente pela seleção e tradução para o inglês de artigos para publicação na SciELO Social Sciences (SSS), disponibilizando textos produzidos por autoras brasileiras para leitura de público internacional. Assim, desde 2006 a revista tem publicado a versão eletrônica de artigos selecionados, com o objetivo de disponibilizar textos da produção brasileira na área de estudos feministas e de gênero para leitoras/es estrangeiras/os. Foram publicados cinco números da revista eletrônica SSS com artigos da REF, contemplando textos relacionados a temas nacionais e regionais, num total de 34 artigos traduzidos, distribuídos entre os dois números de 2006 e os números produzidos em 2007, 2008 e 2010 pela SciELO Social SCiences.

As entrevistas com teóricas/os de várias nacionalidades, assim como a tradução para o português de artigos de teóricas estrangeiras importantes colocadas em diálogo com estudiosas brasileiras e de outras nacionalidades, realizada principalmente pela seção Debates, acredito que perseguem também o objetivo de "garantir acesso ao público brasileiro de temas de caráter teórico e metodológico presentes no debate feminista internacional", conforme explicava Lavinas11 11 LAVINAS, 1992, p. 3. em seu editorial histórico.

Falando das entrevistas (e entrevistadas/os)

Desde o vol. 6, n. 1/1998, quando Joan Wallach Scott foi entrevistada por Miriam Grossi, Maria Luiza Heilborn e Carmen Rial,12 12 GROSSI, HEILBORN e RIAL, 1998. e se iniciou o processo de institucionalização da entrevista como carro-chefe da seção Ponto de Vista da REF, foram publicadas, até o número atual da revista, 37 entrevistas. Isso sem contar a publicação, no Dossiê Leila Diniz do vol. 2, n. 2/1994 da REF, da "Entrevista de toda uma geração", concedida por Leila Diniz ao extinto jornal O Pasquim.

Foram entrevistadas 32 pessoas que se identificaram como mulheres e cinco identificadas como homens, contemplando-se também nessas designações dicotômicas os movimentos de transgenerização que flexibilizam as identificações de gênero. Das/os 37 entrevistadas/os, a maioria (27%) foi de americanas/o, ou acadêmicas que trabalhavam nos Estados Unidos (somente um homem americano trabalhando em universidade brasileira). Brasileiras foram sete entrevistadas (quase 19% do total); franceses/as, cinco (13,51%); espanholas, três (8,10%); inglesas, duas, e canadenses uma dupla de um homem e uma mulher (5,40%). As demais nacionalidades que aparecem, Portugal, Grã-Bretanha, Itália, Noruega, Irã, tiveram apenas uma pessoa entrevistada (2,70%). Assim, temos um percentual expressivo de entrevistadas/os que atuam nos países do norte, Europa (43,21%) e EUA/Canadá (32,40%), num total de 94,60% das entrevistas realizadas.13 13 Judit Butler e Ella Shohat tiveram, cada uma, duas entrevistas publicadas na REF. Uma das entrevistas com Butler consta no vol. 10, n. 1/2002 (Baukje PRINS e Irene MEIJER, 2002), tradução de entrevista publicada em Signs, vol. 23, n. 2, 1998, e a outra foi publicada na REF vol. 18, n. 1, 2010 (Patrícia KNUDSEN, 2010). Ella Shohat foi entrevistada pela REF (Sônia MALUF e Claudia COSTA, 2001) e tem sua entrevista com Robert Stam, realizada na Universidade de Ultrech, Holanda, publicada na seção Debates do presente número da revista. É muito reduzido o percentual também de entrevistas realizadas com latino-americanas, com apenas uma das entrevistadas oriunda do continente, acadêmica em universidade da Argentina.

No entanto, mostrando uma tendência diferente da assinalada por Diniz e Foltran14 14 DINIZ e FOLTRAN, 2004. em sua pesquisa, as latino-americanas são hoje autoras frequentes nas páginas da REF, especialmente na seção Artigos. Atualmente, com uma média de sete, oito artigos publicados nessa seção, temos cerca de três escritos por autoras/es oriundas/os de países da América Latina.

Com relação à área de formação e/ou atuação profissional de pessoas entrevistadas, tivemos um número mais expressivo de historiadoras/es (dez, compondo um percentual de 27% de entrevistadas/os), seguido de seis filósofas (16,21%), cinco sociólogas/os (13,51%). Com apenas duas/dois entrevistadas/os (5,40%) tivemos acadêmicas/os com formação em antropologia, literatura, cinema, estudos culturais, enquanto em outros campos disciplinares, como psicologia, educação, economia, administração, direito, comunicação, foi entrevistada/o apenas um/a profissional (2,70%).

A grande maioria das entrevistas foi realizada com mulheres e homens atuantes na academia, muitas delas/es envolvidas/os também com movimentos sociais (Movimentos Feministas, Negros, Homossexuais, Transgêneros, de Humanização do Parto, Fórum de Mulheres, das Católicas pelo Direito de Decidir). Entrevistaram-se também algumas mulheres feministas brasileiras envolvidas diretamente com a política.15 15 A deputada Heloneida Studart (Roselane NECKEL, 2008), escritora de renome, e Dona Adélia Schmitz, uma liderança do Movimento das Mulheres Agricultoras de Santa Catarina (MMA, atualmente MMC) (Maria Ignez PAULINO e Cristiani Bereta da SILVA, 2007), além de Martin Dufresne, um jornalista ativista do movimento de homens feministas do Canadá (Carmen Susana TORNQUIST, 2008).

Sobre as trocas teóricas e de experiências de publicações no campo dos estudos de gênero e feministas entre os países do norte e do sul, e a unilateralidade que as caracteriza, destaco as reflexões de Maria Margaret Lopes e Adriana Piscitelli,16 16 LOPES e PISCITELLI, 2004. no artigo em que analisam a produção de revistas científicas nos países das "margens", a partir de suas experiências editoriais com a produção dos Cadernos Pagu. As autoras destacam a inegável "posição desvantajosa na estratificação internacional" das revistas acadêmicas produzidas fora dos países "centrais".

A questão das traduções culturais e das viagens das teorias, implicadas na produção de periódicos acadêmicos em geral e nas publicações feministas, tem sido crescentemente discutida nas páginas da REF, especialmente com a introdução da seção Debates, a partir seu vol. 13, n. 3/2005.

Falando da seção Debates

Em artigo na Seção Especial que comemorava os 15 anos da revista, Simone Schmidt, analisando a inclusão dessa seção na REF, explica:

Debates pretende colocar no centro da discussão um texto clássico, referencial do feminismo ou dos estudos de gênero, ou [...] que aborde um tema de grande atualidade ou clássico [...], em diálogo imediato com intelectuais feministas do Brasil e/ou de países latino-americanos. Com esta seção a revista segue aprofundando um papel que desde sua criação se dedicou a cumprir, [...] o de fazer circular, o de promover a recepção das teorias feministas e dos estudos de gênero.17 17 SCHMIDT, 2008, p. 117.

Em 2005, tendo como organizadoras duas editoras dessa nova seção da revista,18 18 Claudia de Lima COSTA e Eliana ÁVILA, 2005. foi posto em Debate o texto de Glória Anzaldúa, La conciencia de La mestiza/Rumo a uma nova consciência19 19 ANZALDÚA, 2005. (vol. 13, n. 3/2005). O texto e os debates em torno dele colocam em questão o reverso das traduções culturais, aquelas pensadas em outras direções, de sul a norte, sobre as fronteiras, as relações locais globais em novos contextos, pós-coloniais, transnacionais.

Foram produzidas quatro seções Debates, incluindo a que integra este volume, estabelecendo discussões com artigos de autoras americanas que, no entanto, contestam concepções canônicas como as da morte do feminismo20 20 Mary HAWKESWORTH, 2006. ou as de uma história linear do feminismo ocidental,21 21 Clare HEMMINGS, 2009. que faz subsumirem outras estórias, outros lugares, outras lutas.

A REF on line

Entre os diferentes artigos produzidos a partir dos encontros e comemorações das revistas feministas, algumas autoras22 22 Claudia de Lima COSTA e Rita Xavier MACHADO, 2004; Sônia Weidner MALUF, 2008, entre outras. refletiram sobre a relação entre as edições impressas e eletrônicas dos periódicos, ressaltando Sônia Maluf, na conclusão de seu artigo de 2008, que a versão on line da REF não estava concorrendo com a impressa, antes fortalecia a divulgação desta.

No entanto, a partir do número 2 do vol. 17 de 2009, as editoras da REF optaram pela redução da tiragem da revista, de 1.000 para 500 exemplares, levando em conta uma multiplicidade de fatores, entre eles o econômico, o espaço de estocagem, etc. O número 3 do vol. 17 de 2009 constituiu exceção, pois foi publicado com recursos da SPM e da UNIFEM, instituições com as quais foram divididos os 1.000 exemplares produzidos, impressos em gráfica de Brasília. Da mesma forma, o volume 21 da revista está sendo editado com a tiragem de 1.000 exemplares, em função do aumento do número de assinaturas, articuladas que foram às inscrições no Encontro Internacional Fazendo Gênero 10.

Autores homens na REF

Nas considerações finais do artigo em que apresentaram uma análise dos primeiros 10 anos de publicação da REF, Diniz e Foltran23 23 DINIZ e FOLTRAN, 2004, p. 25. ressaltaram que "há poucos homens autores no campo dos estudos de gênero e feminismo que publicaram na REF, um claro indicativo da divisão sexual do campo no Brasil. Esses poucos que nela publicaram o fizeram na perspectiva das questões masculinas e sobre assuntos com um recorte de masculinidades". No artigo que está sendo publicado nesta Seção Especial, em que traça o "Perfil da REF dos anos 1999-2012", Lucila Scavone,24 24 SCAVONE, 2013. buscando caracterizar as/os autoras/es dos artigos da revista, observa que, sendo os homens minoria entre essas/es, é interessante observar a curva ascendente da participação masculina na produção dos artigos publicados no período, constatação a que também cheguei realizando pesquisa documental na REF com o auxílio de alunas/o bolsistas de Iniciação Científica.25 25 Conferir os Relatórios IC/CNPQ de Lívia Espíndola MONTE, 2010; Yuri Eller VERZOLA, 2011; e Geni Daniela Nuñez LONGHINI, 2012.

Em tese defendida em 2005 na Área de Cancentração em Estudos de Gênero do Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH/UFSC), estudando a entrada de psicólogas acadêmicas brasileiras no campo dos estudos de gênero, Adriano Nuernberg26 26 NUERNBERG, 2005. distinguiu duas gerações de mulheres pesquisadoras: as precursoras, com estudos sobre mulheres abordados principalmente nas temáticas de família, trabalho e educação, que foram em geral as orientadoras da geração seguinte; e a segunda geração, de estudiosas de gênero propriamente. Nuernberg distinguiu ainda uma terceira geração, composta também por homens que adentraram os estudos de gênero na psicologia brasileira. Parece-me que isso aconteceu de modo semelhante, com pequenas variações, nos diferentes campos disciplinares das ciências sociais e humanas, após a incorporação da categoria gênero, marcando a dimensão relacional desse constructo nas diferentes áreas de estudos.

Na REF pudemos constatar, assim, a crescente participação dos homens como autores de artigos, nas suas diversas seções, e de resenhas. Se até 2002 eles constituíam apenas 5% dos colaboradores do periódico,27 27 DINIZ e FOLTRAN, 2004. o gráfico apresentado por Lucila Scavone28 28 SCAVONE, 2013, p. 587-596. nesta Seção Especial da REF mostra a curva ascendente do adentramento de autores nos estudos de gênero. Sua colaboração, que se fazia presente em alguns dossiês, como os que discutem questões raciais e desigualdades sociais, tem-se tornado mais constante nos números e seções do periódico que refletem sobre os temas das masculinidades, das homossexualidades e transexualidades. No primeiro número de 2013, com uma Seção de Artigos Temáticos sobre masculinidades, a autoria masculina dos textos da REF atinge o patamar de 42,85%.

Dos 161 homens que publicaram artigos, ensaios e resenhas na revista entre 2003 e 2013 (número 1 do vol. 21), 25,46% têm formação/atuação em sociologia, ciências sociais e ciências políticas; 12,42% são antropólogos; 15,02% provêm das áreas de letras, literatura, comunicação, artes e cinema; 12,42% são psicólogos; 12,42%, historiadores; 8,69% da área da educação (incluindo educação física); em menores percentuais temos a presença de filósofos, 3,72%; de formação em direito, economia e saúde, 2,48% em cada campo disciplinar; em serviço social e com formação em cursos interdisciplinares, temos três autores, num percentual de 1,86% para cada uma dessas áreas de conhecimento e atuação. A maioria dos autores que publicaram na REF é constituída por acadêmicos brasileiros, seguida dos latino-americanos e de outras nacionalidades.

De modo geral, podemos perceber que o campo dos estudos feministas e de gênero, onde outrora era quase exclusiva a participação de mulheres, tem se construído com o ingresso gradativamente maior de homens.

Concluindo...

Na narrativa que produzi para a Ex Aequo,29 29 LAGO, 2009. ressaltei que ali só falaria das conquistas e gratificações relacionadas à produção da revista, que contribuíram para dar visibilidade e respeito acadêmico para o grupo de pesquisadoras do Instituto de Estudos de Gênero (IEG), criado posteriormente para aglutinar suas diversas atividades na UFSC. Deixaria as "amargas" para outro momento. Não que o momento de comemoração dos 20 anos da REF fosse o mais adequado para isso, mas acreditando que as dificuldades devessem ser também narradas.

Temos sido incluídas, pelos editais do CNPq, entre os periódicos que recebem financiamento da instituição, verbas que, assinale-se, não têm sido suficientes para a produção da revista. Podemos falar não só do gozo, mas, parodiando Maria Ignês Paulilo,30 30 PAULILO, 1987. do peso do trabalho voluntário.

Com relação aos apoios imprescindíveis que a UFSC nos proporciona, à acolhida de nossos pedidos pelo CFH, desde a gestão de Joana Pedro como sua diretora (sucedida por Maria Juracy Toneli, Roselane Neckel e, agora, Sônia Maluf como participante da gestão de Paulo P. Machado), e ao auxílio que temos recebido da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da UFSC, temos tido, nos últimos anos, uma colaboração importante do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas, de cuja Área de Concentração em Estudos de Gênero muitas de nós participam. O PPGICH tem incluído, no rol de publicações que submete à licitação conjunta de serviços gráficos pela Universidade, as despesas com dois números/ano da REF, o que tem sido um alívio na ronda mendicante que temos de fazer pela instituição, em alguns momentos.

Além das dificuldades financeiras, e apesar da gestão descentralizada, vivenciamos na coordenadoria editorial da revista vários momentos de experiência de stress: todo o trabalho da editoria de artigos para avaliação dos mesmos; seu envio a pareceristas ad hoc (ressaltando novamente aqui mais uma vez o trabalho de recepção e organização da secretária da revista, seu contato repetitivo com autoras/es e pareceristas); a edição de pareceres negativos, nem sempre bem aceitos pelas autoras e autores; a preocupação com os prazos para manter a periodicidade da revista, exigindo tempos para os trabalhos técnicos de revisão, diagramação e gráfica – prazos difíceis de atender e que muitas vezes não são levados em conta por nossas próprias companheiras e articulistas. Por fim, os erros que acontecem e dos quais temos sempre que nos desculpar... (quando não tentamos remediá-los artesanalmente).

Mas, enfim, em meio a gratificações e dificuldades, chegamos aos 21 anos de publicação da Revista Estudos Feministas. O número 2 do vol. 20 de 2012 (maio a agosto) atingiu a marca de 50 números editados pela REF, e com este número 2 do vol. 21, mantendo a duras penas a periodicidade da publicação, chegamos aos 52 números da revista. Este número da revista, trazendo novamente uma Seção Especial sobre a REF e outras publicações feministas, vem somar suas narrativas àqueles que o precederam, em 2003, 2004, 2008. A tempo de participar do lançamento de livros e revistas na décima edição do Encontro Internacional Fazendo Gênero: Dilemas Atuais dos Feminismos, de 16 a 20 de setembro de 2013, na UFSC.

Certamente, temos muitos motivos para comemorar!

[Recebido e aprovado em abril de 2013]

  • ANZALDÚA, Glória. "La conciencia de La mestiza/Rumo a uma nova consciência". Revista Estudos Feministas, v. 13, n. 3, p. 704-719, 2005.
  • COSTA, Albertina de Oliveira. "O campo de estudos de gênero e suas duas revistas: uma pauta de pesquisa". Revista Estudos Feministas, v. 16, n. 1, p. 129-130, 2008.
  • COSTA, Claudia de Lima; ÁVILA, Eliana. "A consciência mestiça e o 'feminismo da diferença'". Revista Estudos Feministas, v. 13, n. 3, p. 691-703, 2005.
  • COSTA, Claudia de Lima; MACHADO, Rita Maria Xavier. "www.portalfeminista.org.br: uma biblioteca virtual dos estudos feministas e de gênero no Brasil". Revista Estudos Feministas, v. 12, número especial, p. 185-191, 2004.
  • DINIZ, Débora; FOLTRAN, Paula. "Gênero e feminismo no Brasil: uma análise da Revista Estudos Feministas". Revista Estudos Feministas, v. 12, número especial, p. 245-253, 2004.
  • GROSSI, Miriam Pillar. "A Revista Estudos Feministas faz 10 anos uma breve história do feminismo no Brasil". Revista Estudos Feministas, v. 12, número especial, p. 211-221, 2004.
  • GROSSI, Miriam; HEILBORN, Maria Luiza; RIAL, Carmen. "Entrevista com Joan Wallach Scott". Revista Estudos Feministas, v. 6, n. 1, p. 114-124, 1998.
  • HAWKESWORTH, Mary. "A semiótica de um enterro prematuro: o feminismo em uma era pós-feminista". Revista Estudos Feministas, v. 14, n. 3, p. 737-763, 2006.
  • HEMMINGS, Clare. "Contando estórias feministas". Revista Estudos Feministas, v. 17, n. 1, p. 215-241, 2009.
  • LAVINAS, Lena. "Editorial". Revista Estudos Feministas, n. 0, p. 3-4, 1992.
  • KOFES, Suely. Uma trajetória em narrativas. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2001.
  • KNUDSEN, Patrícia Porchat Pereira da Silva. "Conversando sobre psicanálise: entrevista com Judith Butler". Revista Estudos Feministas, v. 18, n. 1, p. 161-170, 2010.
  • LAGO, Mara Coelho de Souza. "Revista Estudos Feministas, Brasil, 16 anos: uma narrativa". Ex Aequo Revista da Associação Potuguesa de Estudos sobre as Mulheres, n. 19, p. 51-62, 2009.
  • LONGHINI, Geni Daniela Nuñez. Psicologia e estudos de masculinidades: uma análise documental da Revista Estudos Feministas (2003-2010). Relatório final de pesquisa. Bolsista IC/CNPQ. Departamento de Psicologia/UFSC. Orientadora: Mara Coelho de Souza Lago. Florianópolis, 2012.
  • LOPES, Maria Margaret; PISCITELLI, Adriana. "Revistas científicas e a constituição de um campo de estudos de gênero: um olhar desde as 'margens'". Revista Estudos Feministas, v. 12, número especial, p. 115-121, 2004.
  • MALUF, Sônia Weidner; COSTA, Claudia de Lima. "Feminismo fora do centro: entrevista com Ella Shohat". Revista Estudos Feministas, v. 9, n. 1, p. 147-163, 2001.
  • MALUF, Sônia Weidner. "As edições eletrônicas da REF (e a democratização do acesso à produção acadêmica e científica)". Revista Estudos Feministas, v. 16, n. 1, p. 123-127, 2008.
  • MINELLA, Luzinete Simões. "Fazer a REF é fazer política: memórias de uma metamorfose editorial". Revista Estudos Feministas, v. 16, n. 1, p. 105-116, 2008.
  • MINELLA, Luzinete Simões; GROSSI, Miriam Pillar. "Publicações feministas brasileiras: compartilhando experiências". Revista Estudos Feministas, v. 11, n. 1, p. 217-223, 2003.
  • MINELLA, Luzinete Simões; GROSSI, Miriam Pillar; RAMOS, Carmem Vera Gonçalves V.; LOSSO, Juliana Cavillha M. "Feminismos e publicações: pulsações de teorias e movimentos". Revista Estudos Feministas, v. 12, número especial, p. 7-13, 2004.
  • MONTE, Lívia Espíndola. Depoimentos sobre as viagens das teorias de gênero Relatório final de pesquisa. Bolsista IC/CNPq. Departamento de Psicologia/UFSC. Orientadora: Mara Coelho de Souza Lago. Florianópolis, 2010.
  • NECKEL, Roselane. "'Entra, menino', 'Xô, galinha' e 'Sim, senhor': entrevista com Heloneida Studart". Revista Estudos Feministas, v. 16, n. 1, p. 265-269, 2008.
  • NUERNBERG, Adriano Henrique. Gênero no contexto da produção científica brasileira em Psicologia 2005. Tese de Doutorado Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
  • PAULILO, Maria Ignez. "O peso do trabalho leve". Revista Ciência Hoje, Rio de Janeiro: SBPC, v. 5, n. 28, p. 64-70, 1987.
  • PAULILO, Maria Ignez; SILVA, Cristiani Bereta da. "A luta das mulheres agricultoras: entrevista com Dona Adélia Schmitz". Revista Estudos Feministas, v. 15, n. 2, p. 399-417, 2007.
  • PEDRO, Joana Maria. "Militância feminista e academia: sobrevivência e trabalho voluntário". Revista Estudos Feministas, v. 16, n. 1, p. 87-95, 2008.
  • PRINS, Baukje; MEIJER, Irene Costera. "Como os corpos se tornam matéria: entrevista com Judith Butler". Revista Estudos Feministas, v. 10, n. 1, p. 155-167, 2002.
  • SCAVONE, Lucila. "Perfil da REF dos anos 1999-2012". Revista Estudos Feministas, v. 21, n.2, p. 587-596, 2013.
  • SCOTT, Joan W. "Experiência". In: SILVA, Alcione L.; LAGO, Mara C. de S.; RAMOS, Tânia Regina de O. (Orgs.). Falas de gênero. Florianópolis: Editora Mulheres, 1999. p. 21-55.
  • SCHMIDT, Simone Pereira. "A seção Debates em revista: práticas feministas da tradução". Revista Estudos Feministas, v. 16, n. 1, p. 117-122, 2008.
  • TORNQUIST, Carmen Susana. "Em nome dos filhos ou o 'retorno da lei do pai': entrevista com Martin Dufresne". Revista Estudos Feministas, v. 16, n. 2, p. 613-629, 2008.
  • VERZOLA, Yuri Eller. Psicologia e estudos de masculinidades: uma análise documental da Revista Estudos Feministas (2003-2010). Relatório parcial de pesquisa. Bolsista IC/CNPQ. Departamento de Psicologia/UFSC. Orientadora: Mara Coelho de Souza Lago. Florianópolis, 2011.
  • 1
    SCOTT, 1999, p. 40.
  • 2
    Sobre esta experiência, componente de um projeto amplo de divulgação das publicações feministas, conferir Luzinete MINELLA e Miriam GROSSI, 2003. Conferir também Luzinete MINELLA, Miriam GROSSI, Carmem RAMOS e Juliana LOSSO, 2004.
  • 3
    KOFES, 2001, p. 12.
  • 4
    LAGO, 2009.
  • 5
    DINIZ e FOLTRAN, 2004.
  • 6
    COSTA, 2008.
  • 7
    LAVINAS, 1992.
  • 8
    GROSSI, 2004.
  • 9
    MINELLA, 2008.
  • 10
    PEDRO, 2008.
  • 11
    LAVINAS, 1992, p. 3.
  • 12
    GROSSI, HEILBORN e RIAL, 1998.
  • 13
    Judit Butler e Ella Shohat tiveram, cada uma, duas entrevistas publicadas na REF. Uma das entrevistas com Butler consta no vol. 10, n. 1/2002 (Baukje PRINS e Irene MEIJER, 2002), tradução de entrevista publicada em
    Signs, vol. 23, n. 2, 1998, e a outra foi publicada na REF vol. 18, n. 1, 2010 (Patrícia KNUDSEN, 2010). Ella Shohat foi entrevistada pela REF (Sônia MALUF e Claudia COSTA, 2001) e tem sua entrevista com Robert Stam, realizada na Universidade de Ultrech, Holanda, publicada na seção Debates do presente número da revista.
  • 14
    DINIZ e FOLTRAN, 2004.
  • 15
    A deputada Heloneida Studart (Roselane NECKEL, 2008), escritora de renome, e Dona Adélia Schmitz, uma liderança do Movimento das Mulheres Agricultoras de Santa Catarina (MMA, atualmente MMC) (Maria Ignez PAULINO e Cristiani Bereta da SILVA, 2007), além de Martin Dufresne, um jornalista ativista do movimento de homens feministas do Canadá (Carmen Susana TORNQUIST, 2008).
  • 16
    LOPES e PISCITELLI, 2004.
  • 17
    SCHMIDT, 2008, p. 117.
  • 18
    Claudia de Lima COSTA e Eliana ÁVILA, 2005.
  • 19
    ANZALDÚA, 2005.
  • 20
    Mary HAWKESWORTH, 2006.
  • 21
    Clare HEMMINGS, 2009.
  • 22
    Claudia de Lima COSTA e Rita Xavier MACHADO, 2004; Sônia Weidner MALUF, 2008, entre outras.
  • 23
    DINIZ e FOLTRAN, 2004, p. 25.
  • 24
    SCAVONE, 2013.
  • 25
    Conferir os Relatórios IC/CNPQ de Lívia Espíndola MONTE, 2010; Yuri Eller VERZOLA, 2011; e Geni Daniela Nuñez LONGHINI, 2012.
  • 26
    NUERNBERG, 2005.
  • 27
    DINIZ e FOLTRAN, 2004.
  • 28
    SCAVONE, 2013, p. 587-596.
  • 29
    LAGO, 2009.
  • 30
    PAULILO, 1987.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Set 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 2013

    Histórico

    • Recebido
      Abr 2013
    • Aceito
      Abr 2013
    Centro de Filosofia e Ciências Humanas e Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário - Trindade, 88040-970 Florianópolis SC - Brasil, Tel. (55 48) 3331-8211, Fax: (55 48) 3331-9751 - Florianópolis - SC - Brazil
    E-mail: ref@cfh.ufsc.br