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Guerras, invisibilização, protagonismo e resistência feminina no romance Cunhataí

War, invisibility, protagonism and female resistance in the novel Cunhataí

Guerra, invisibilidad, protagonismo y resistencia femenina en Cunhataí

Resumo:

A partir da análise do livro Cunhataí: um romance da Guerra do Paraguai (2003), de Maria Filomena Bouissou Lepecki, temos por objetivo debater criticamente o lugar excêntrico que a história oficial destinou às mulheres, em particular, no espaço da Guerra do Paraguai/Guerra Guasu (1864-1870), cenário a partir do qual se desenvolve o enredo. O romance é aqui empreendido como um produto cultural ético, estético e político que se constitui por meio de uma (re)visitação/(re)escritura do episódio bélico a partir da ótica feminina, mobilizando, dessa maneira, vozes outras, formas outras de ser e sentir marcadas nesses corpos dissidentes. Sob essa perspectiva, nossa proposta é apresentar o debate historiográfico em torno do conflito platino com vistas a discutir como a ficção literária de Maria Filomena Bouissou Lepecki questiona a narrativa oficial da Guerra do Paraguai/Guerra Guasu ao tornar visível o papel das mulheres nesse conflito bélico.

Palavras-chave:
mulheres; Guerra do Paraguai; Guerra Guasu; invisibilidade; resistência feminina

Abstract:

Based on the analysis of the book Cunhataí: um romance da Guerra do Paraguai (2003), by Maria Filomena Bouissou Lepecki, this work aims to critically debate the eccentric place that official history assigned to women, in particular, in the space of the War of Paraguay/Guerra Guasu (1864-1870), scenario from which the plot is developed. The novel is undertaken here as an ethical, aesthetic and political cultural product that is constituted through a (re)visitation/(re)writing of the war episode from a female perspective, thus mobilizing other voices, other forms of being and feeling marked in these dissident bodies. From this perspective, our proposal is to present the historiographical debate around the Platine conflict in order to discuss how the literary fiction of Maria Filomena Bouissou Lepecki questions the official narrative of the Paraguayan War/Guasu War by making visible the role of women in this war conflict.

Keywords:
Women; Paraguayan War; Guasu War; invisibility; female resistance

Resumen:

A partir del análisis del libro Cunhataí: um romance da Guerra do Paraguai (2003), de Maria Filomena Bouissou Lepecki, este trabajo tiene como objetivo debatir críticamente el lugar excéntrico que la historia oficial asignó a las mujeres, en particular, en el espacio de Guerra del Paraguay/Guerra Guasu (1864-1870), escenario a partir del cual se desarrolla la trama. La novela se emprende aquí como un producto cultural ético, estético y político que se constituye a partir de una (re)visitación/(re)escritura del episodio bélico desde una perspectiva femenina, movilizando así otras voces, otras formas de ser y sentir marcadas en estos cuerpos disidentes. Desde esta perspectiva, nuestra propuesta es presentar el debate historiográfico en torno al conflicto del Platino para discutir cómo la ficción literaria de María Filomena Bouissou Lepecki cuestiona la narrativa oficial de la Guerra del Paraguay/Guerra del Guasu visibilizando el papel de la mujer en esta guerra.

Palabras clave:
mujeres; Guerra Paraguaya; Guerra Guasu; invisibilidad, resistencia femenina

1 Ponto de partida

O livro Cunhataí: um romance da Guerra do Paraguai, de Maria Filomena Bouissou Lepecki (2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003.), confronta a narrativa oficial da Guerra do Paraguai, assim denominada oficialmente no Brasil, e Guerra Guasu no Paraguai,1 1 Em relação ao uso de diferentes denominações (Guerra da Tríplice Aliança, Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai, Guerra Guasu, Grande Guerra), destacamos que tais denominações do conflito são alvo de inúmeras disputas político-ideológicas, o que, por si só, já mereceria ser objeto de pesquisas. apresentando uma narrativa ficcional sobre a presença das mulheres no episódio secundário desse conflito bélico conhecido como “A retirada da Laguna”. As personagens da narrativa, como Micaela, Ana Preta e Madrinha, trazem inscrições de marcadores sociais da (in)diferença, a exemplo de gênero, classe, raça/etnia, religião, escolarização, lugar e epistemologia que merecem debate, sobretudo em tempos de retorno a discursos fundamentalistas, sexistas e preconceituosos, como se vê na atual sociedade brasileira da gestão do Presidente da República Jair Messias Bolsonaro.

Nossa intenção, portanto, é pensar como esses corpos femininos, ainda que ficcionalizados por intermédio da literatura, suscitam reflexões sobre o modo como a história oficial invisibilizou as mulheres que participaram da Guerra do Paraguai/Guerra Guasu. Para isso, se faz necessário apresentarmos o debate historiográfico em torno do conflito platino.

Registramos que tal conflito é considerado o maior na América Latina e tido por estudiosos/as como Luc Capdevila (2010CAPDEVILA, Luc. Uma guerra total: Paraguay, 1864-1870: ensayo de historia del tempo presente. 1 ed. Buenos Aires: SB, 2010.) e Ana Barreto Valinotti (2021BARRETO VALINOTTI, Ana. Conspiraciones en los tempos de la Guerra Guasu. Asunción: Grupo Editorial Atlas, 2021. (Colección: Conspiraciones y Política)) como uma Guerra Total.2 2 Para Valinotti, já no ano de 1867, em meio à guerra: “el apoyo popular había obtenido el mariscal presidente el año anterior, con el voto de confianza que trajeron la victoria de Curupayty, la revelación de las cláusulas y términos del Tratado de la Triple Alianza y el fracasso de la conferencia de paz en Yataity Corá, se resintió enormemente com el passo de las enfermerdades sobre la población civil, especialmente con la viruela, que había golpeado severamente a las clases inferiores. El cólera se sumó esse año, pero el mayor castigo lo efectuó en el ejército estacionado en el Ñeembucú. Para esta época la guerra era total y el país se encotraba soportando um bloqueo económico [...]” (2021, p. 21). Ocorreu entre fins de 1864 e início de 1870, envolvendo Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina.

Os episódios desta guerra foram escritos por homens e o que prevaleceu, segundo Maria Teresa Dourado (2005DOURADO, Maria Teresa Garritano. Mulheres comuns, senhoras respeitáveis: a presença feminina na guerra do Paraguai. Campo Grande: Editora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. 2005, p. 24., p. 24), foram “[...] homens escrevendo sobre homens, sendo as mulheres, quando mencionadas, meros detalhes, que nada contribuem para a compreensão do episódio ou, mesmo, do processo histórico [...] a mulher foi omitida, discriminada e ironizada”. Em diálogo com a História, a narrativa de Cunhataí aponta, de um lado, essas questões postas por Dourado (2005): marginalização, esquecimento, opressão e exploração das mulheres no espaço bélico, e de outro, indica o protagonismo e a resistência femininas.

Como é notório, infelizmente, a história é escrita pelos vencedores e marcada por uma presença excessivamente masculina; por isso, sobre a Guerra do Paraguai/Guerra Guasu, temos acesso, no Brasil, àqueles tidos como os “grandes nomes” e que se consolidaram na história: d. Pedro II, Conde d’Eu, Duque de Caxias, Almirante Tamandaré, General Osório, Polidoro, André Rebouças, Dionísio Cerqueira, Benjamin Constant, Alfredo d’Escragnolle Taunay, Guia Lopes da Laguna, Antônio João Ribeiro, Camisão, entre outros, que marcaram a escrita da história oficial dessa contenda bélica.

De seu término e passados os 150 anos do conflito, a Guerra do Paraguai/Guerra Guasu foi alvo de inúmeras e diferenciadas (re)interpretações, seja pela produção das escritas de si (memórias, cartas, reminiscências, diários), pelas obras históricas e historiográficas sobre o tema, seja pela produção de uma historiografia didática que se debruçou sobre este assunto. Em seguida ao seu término - ocorrido em 01 de março de 1870 -, muitos memorialistas, militares ou não, elaboraram suas interpretações sobre aquele passado histórico recente (Ana Paula SQUINELO, 2020SQUINELO, Ana Paula. “O que as narrativas didáticas de história contam sobre a Guerra Guasu 150 anos depois? Mulheres, crianças, negros e indígenas em uma mirada comparada: Brasil, Paraguai e Uruguai”. Diálogos, v. 24, n. 3, p. 242-264, 2020. DOI: 10.4025/dialogos.v24i3.56815.
https://doi.org/10.4025/dialogos.v24i3.5...
, p. 3). No Brasil, podemos apontar três momentos ou versões/visões/vertentes historiográficas: a “Patriótica”, a “Imperialista” ou “Revisionista” e “Neorrevisionista”. Esta última e atual interpretação historiográfica o historiador Francisco Doratioto (2009DORATIOTO, Francisco. “História e Ideologia: a produção brasileira sobre a Guerra do Paraguai”. Nuevo Mundo Mundos Nuevos, 2009. Disponível em Disponível em http://journals.openedition.org/nuevomundo/49012 . DOI: 10.4000/nuevomundo.49012. Acesso em 10/01/2022.
http://journals.openedition.org/nuevomun...
) define como Nova Historiografia ou Interpretação Sistêmica Regional cujo início, segundo o autor, foi

[...] com a publicação, em 1985, do livro “O expansionismo brasileiro: o papel do Brasil na bacia do Prata; da colonização ao Império” (Rio de Janeiro: Philobiblion), de Luiz Alberto Moniz Bandeira [...]. Esse trabalho pioneiro permaneceu solitário até a década de 1990, quando apareceram estudos que, embora de historiadores de diferentes universidades do país e sem contato entre si, possuem interpretações semelhantes para as origens da guerra e são críticos ao revisionismo. São eles, em ordem cronológica: Ricardo Salles com “Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na formação do Exército” (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990); Francisco Doratioto com “Guerra do Paraguai; 2ª. Visão” (São Paulo: Brasiliense, 1991); Wilma Peres CostaCOSTA, Wilma Peres. A espada de Dâmocles: o exército, a guerra do Paraguai e a crise do império. São Paulo: Hucitec; Editora da UNICAMP, 1996. com “A espada de Dâmocles: o Exército, a Guerra do Paraguai e a crise do Império” (São Paulo: Hucitec, 1996); Victor Izeckson com “O cerne da discórdia: a Guerra do Paraguai e o núcleo profissional do Exército brasileiro” (Rio de Janeiro: E-papers); Alfredo da Mota Menezes com “Guerra do Paraguai: como construímos esse conflito” (São Paulo: Contexto, 1998); André Toral com “Imagens em Desordem: a iconografia na Guerra do Paraguai (São Paulo: Humanitas, 2001) e Ana Paula Squinelo com “A Guerra do Paraguai, essa desconhecida... ensino, memória e história de um conflito secular” (Campo Grande: UCDB, 2002). Em 2002 publiquei meu livro “Maldita Guerra, nova história da Guerra do Paraguai” (São Paulo: Cia das Letras), que teve grande repercussão e que, como se vê, não é um trabalho isolado, encontrando-se inserido em uma tendência historiográfica brasileira. Mais recentemente, Ricardo Salles publicou a bela obra intitulada “Guerra do Paraguai: memória & imagens (Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 2003) (DORATIOTO, 2009DORATIOTO, Francisco. “História e Ideologia: a produção brasileira sobre a Guerra do Paraguai”. Nuevo Mundo Mundos Nuevos, 2009. Disponível em Disponível em http://journals.openedition.org/nuevomundo/49012 . DOI: 10.4000/nuevomundo.49012. Acesso em 10/01/2022.
http://journals.openedition.org/nuevomun...
, p. 7-8).

Vale ressaltar que o estudioso Moniz Bandeira (1985BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O expansionismo brasileiro: o papel do Brasil na bacia do Prata; da colonização ao Império. Rio de Janeiro: Philobiblion, 1985.), na referida obra, foi o primeiro autor a problematizar o eixo explicativo economicista relacionado à Guerra. Para Bandeira, a origem da contenda estava intrinsicamente relacionada à dinâmica do Prata: os problemas e conflitos existentes entre as nações recém-formadas, no caso Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai, de acordo com sua tese, eram suficientes para a eclosão do conflito. Alinhados a essas perspectivas, muitos/as investigadores/as de diferentes áreas do saber debruçaram-se sobre o tema, como demonstrado acima, a partir de novos objetos, metodologias, enfoques e abordagens. Velhos temas foram revisitados e outros vieram à baila; diferenciados sujeitos foram visibilizados, ganhando um protagonismo no cenário do conflito em questão. Nessa perspectiva, as análises sobre a Guerra do Paraguai/Guerra Guasu romperam e superaram os tradicionais vieses militar e diplomático, e investigaram o conflito platino a partir de outras perspectivas e olhares, como, por exemplo: a formação do exército imperial; a participação dos escravizados no exército; as imagens da Guerra (fotografias, quadros, pinturas, desenhos, litografias, charges, caricaturas etc.); o papel da imprensa; o cinema; o cotidiano; o comércio; a medicina (doenças, enfermarias, hospitais de sangue); os desertores e prisioneiros de guerra, tanto brasileiros, como paraguaios; a literatura; a participação e protagonismo de mulheres, indígenas, religiosos e crianças.

Mesmo diante desse significativo avanço na abordagem sobre o tema, a guerra, numa compreensão ampla, é considerada ainda por muitos/as investigadores/as como um espaço essencialmente masculino e, portanto, o que averiguamos é um desmedido destaque para a abordagem e a descrição das batalhas, das datas, da atuação dos comandantes militares e da realização de seus feitos, seja na literatura ou na história, como averiguamos, por exemplo, nos escritos de Dionísio Cerqueira (1980CERQUEIRA, Dionísio. Reminiscências da Campanha do Paraguai. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980.) e Alfredo d’Escragnolle Taunay (1997TAUNAY, Alfredo d’Escragnolle. A retirada da Laguna: episódio da Guerra do Paraguai. Tradução e organização de Sergio Medeiros. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.).

Entretanto, nos incomodam algumas indagações: ao lado desses homens não havia mulheres? Mulheres não lutaram na Guerra? Mulheres não cuidavam de seus filhos e entes queridos? Os militares e soldados que marcharam para o teatro de operações o fizeram sozinhos? Essas mulheres não levavam seus filhos e filhas? Não tinham seus filhos nos campos de batalha? Onde estavam as crianças que acompanhavam os exércitos ou mesmo que nasceram em meio ao teatro de operações?

No contexto da Guerra do Paraguai/Guerra Guasu, as mulheres estiveram presentes no front de guerra: como esposas, mães, filhas, enfermeiras, acompanhantes, cuidadoras, prostitutas, escravas, prisioneiras, amantes, e também como combatentes, vivendo e protagonizando o dia a dia e a crueza do conflito. Outras permaneceram em seus habitats e foram responsáveis por gerir suas casas, propriedades, bens, e manter a agricultura e o comércio locais funcionando, como se vê na narrativa de Cunhataí. O fato de Lepecki criar uma protagonista mulher como força motriz para seu livro lança luz sobre essas questões. À medida que a narrativa se desenvolve, outras vozes femininas vão surgindo.

Apesar da clara intenção dos relatos oficiais em invisibilizar e marginalizar os corpos femininos, podemos acessar fontes como os relatos, as memórias, os diários, as cartas, as fotografias, as imagens publicadas na imprensa da época (caricaturas, charges, ilustrações), os documentos oficiais, os filmes, os desenhos, pois esses, por exemplo, nos apresentam pistas para identificar e compreender o protagonismo feminino na Guerra do Paraguai/Guerra Guasu.

Muito embora a literatura tenha livre passagem em torno de todas essas fontes para a composição de seu próprio corpus, como o fez Lepecki, é preciso dizer que a prática literária opera justamente na suspensão, nas entrelinhas e nas lacunas desses materiais. É válido sinalizar que literatura e história possuem, salvaguardadas as diferentes funções do discurso (a estética e a historiográfica), recursos narrativos similares. Para além disso, se é possível dizer que um/a historiador/a é um intérprete de fontes e documentos e apresenta um relato pormenorizado de um evento que possui um referente fora do texto (por exemplo, a Guerra do Paraguai/Guerra Guasu), no campo do romance, um/a autor/a também pode interpretar a realidade a partir de seu projeto ético, político e estético. Tal condição não implica dizer que a narrativa literária não possa produzir tensionamentos e correr em paralelo com o discurso oficial ao sublinhar ausências, complexificar personagens ou rever os fatos sobre outras perspectivas. É justamente nesse contexto que apreendemos a obra de Lepecki.

Nesse sentido, o projeto intelectual de Lepecki, que é ficcional e político, nos leva a pensar na invisibilidade das mulheres nos discursos historiográficos da Guerra do Paraguai/Guerra Guasu. Trata-se de uma literatura que se coloca como um ato de insubordinação e resistência ao mesmo tempo que evidencia hospedagem, deslocamento e abertura ao outro porque desarquiva histórias não contadas e expõe opressões e violências perpetradas às mulheres, como veremos na análise sobre as personagens Micaela, Madrinha e Ana Preta.

Como tem sido amplamente discutido pelos movimentos/ativismos/teorias feministas, as sociedades de raízes patriarcais têm, ao longo dos tempos, naturalizado dicotomias e hierarquias entre sujeitos com base nas categorias de gênero, raça/etnia, classe e sexualidade de modo a nos invisibilizar. Existe um “império” político, econômico, cultural e social que mantém a desigualdade de gênero, silencia as diferentes formas de expressão da sexualidade e, por extensão, mata os corpos excêntricos, dissidentes, a exemplo da comunidade LGBTQIA+ e as mulheres (mulheres negras, brancas, indígenas, pobres, ricas, mulheres trans, mulheres lésbicas, mulheres deficientes, mulheres do campo, mulheres da cidade, mulheres cristãs, mulçumanas, ateias, mulheres do norte e do sul).

Se for válida a afirmativa de que existir na literatura é, efetivamente, existir no mundo, como acreditamos, a narrativa de Cunhataí apresenta-se como um produto cultural para pensarmos e aprendermos a ficção como um ato de (re)existência no qual encontramos as representatividades femininas em suas diversas e diferentes demandas. No texto “Quando da morte acordamos: a escrita como re-visão”, Adrienne Rich (2017RICH, Adrienne. “Quando da morte acordamos: a escrita como re-visão”. Tradução de Susana Bornéo Funck. In: BRANDÃO, Izabel; CAVALCANTI, Ildney; COSTA, Claudia de Lima; LIMA, Ana Cecília Acioli de. Traduções da cultura: perspectivas críticas feministas (1970-2010). Florianópolis: Editora da Universidade Federal de Alagoas, Mulheres, Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, 2017.) propõe despertar, por meio do que ela denomina de re-visão, os sonâmbulos da história, ou, melhor dito, as sonâmbulas da literatura. Para a autora, a literatura é um indício de como vivemos, como temos vivido, como nós mulheres temos sido levadas a nos imaginar e, sobretudo, como nossa linguagem tem nos aprisionado ou libertado (RICH, 2017RICH, Adrienne. “Quando da morte acordamos: a escrita como re-visão”. Tradução de Susana Bornéo Funck. In: BRANDÃO, Izabel; CAVALCANTI, Ildney; COSTA, Claudia de Lima; LIMA, Ana Cecília Acioli de. Traduções da cultura: perspectivas críticas feministas (1970-2010). Florianópolis: Editora da Universidade Federal de Alagoas, Mulheres, Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, 2017., p. 67). É exatamente esse o caminho que queremos aqui trilhar: despertar aquelas que não puderam falar, mas que hoje conquistam lugar através de narrativas culturais como a de Lepecki (2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003.).

Por intermédio de estreitas relações entre o ético, o estético e o político, quer seja em seu contexto espacial (da fronteira entre Brasil/Paraguai), temporal (entre passado e presente) ou corporal (das personagens), o romance de Lepecki revê o passado para além das lentes cristalizadas, evoca vozes silenciadas, toca em assuntos e eventos marginalizados e abre caminhos para o debate em torno da descolonização de paradigmas hierárquicos em relação a classe/raça/lugar/gênero, como se verá no próximo tópico.

2 Uma breve abordagem sobre Cunhataí: um romance da Guerra do Paraguai

Ao reivindicar espaço e autoria sobre suas próprias histórias, as produções das mulheres atribuem novos sentidos às experiências e peculiaridades de cada localização (pública e privada) e, por extensão, de múltiplas identidades marcadas por categorias de classe, gênero, raça/etnia, sexualidade. Certamente, ao (re)contar algumas das histórias da Guerra do Paraguai por meio de personagens como Micaela, Ana Preta e Madrinha, por exemplo, a escritura de Lepecki em Cunhataí: um romance da Guerra do Paraguai gera instabilidades epistemológicas marcadas pelo corpo e pela experiencialização femininas.3 3 Em 1999, a autora participou de uma expedição militar que refez, a pé, 224 km percorridos pelas tropas brasileiras no século XIX, entre a fazenda da Laguna, no Paraguai, até Nioaque (MS), com a intenção de recolher materiais para a feitura de seu primeiro livro, ganhador do prêmio Fundação Conrado Wessel de Literatura. Na contracapa do romance (2003), Beatriz Resende afirma: “Cunhataí atualiza as características da novela fundacional na voz de uma narradora feminina. Um romanção, no melhor sentido da palavra”.

O romance apresenta dois planos narrativos: o primeiro se refere ao encontro entre as amigas Coralina e Rosália; o segundo é composto por um retorno ao passado, movido pela história que Coralina conta à amiga sobre a participação de Micaela e outras mulheres na Guerra do Paraguai/Guerra Guasu. O primeiro plano é interrompido, naturalmente, para dar lugar à narrativa do segundo plano, na qual a trama da vida de Micaela na guerra vai sendo contada. O encontro entre as amigas, que não se viam há muito tempo, se deu porque Rosália se deparou com um texto de Coralina publicado no jornal Gazeta Pantaneira. O artigo é uma rememoração da Retirada da Laguna, um episódio secundário no contexto da Guerra do Paraguai/Guerra Guasu:

Na manhã de sol fervente, as únicas sombras eram projetadas pelo vôo sinistro dos urubus. Onze horas e tudo em volta parecia calmo. Calmo demais. O guia farejou perigo. Seu cavalo resfolegou, inquieto, mas não houve tempo para alertar o coronel. [...] A cavalaria paraguaia posicionou-se à frente e nos flancos, empurrando os brasileiros para o centro descampado - comprimindo-os - como um braço gigantesco de tamanduá. [...] Muitas mulheres esconderam-se embaixo dos carroções. Uma delas, mesmo assustada, dispôs-se a enfrentar a balbúrdia da praça de guerra, expondo-se ao perigo e rasgando as próprias roupas para estancar o sangue dos feridos que surgiam por todo o lado. [...] Tudo parecia mover-se em câmera lenta. Percebeu que a cavalaria escarlate, dividida em duas colunas, avançava pelas laterais para uma investida por ali. Para enfrentá-los havia uma dúzia de soldados combalidos e as mulheres. Seria um massacre!

Invocou a proteção de Deus e de todos os anjos que haviam esquecido daquele descampado nos confins do país.

Era tarde!

Anos depois, este episódio ficou conhecido como a batalha do “Nhandepá” - “Anhan de Apá” - porque o diabo foi no Apa (LEPECKI, 2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003., p. 11-12).

Ao ler essa reportagem na manhã de um domingo, na fazenda Boqueirão, a viúva Rosália reconhece a assinatura da antiga amiga de faculdade, responsável por apresentar-lhe ao fazendeiro Inácio, com quem foi casada por vinte e cinco anos. Movida pela curiosidade em conhecer o novo ofício de Coralina e compreender o combate bélico descrito no periódico, a personagem decide sair de seu isolamento e visitar a amiga escritora na fazenda São Miguel: “Li o artigo e fiquei curiosa. Mais ainda quando vi o nome da autora. [...] A velha amiga que me trouxe para este deserto. Um lugar onde nada acontece” (LEPECKI, 2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003., p. 13). É a partir desse encontro entre as amigas da juventude que a guerra do Paraguai passa a ser (re)contada em um segundo plano narrativo, tal qual uma história dentro de outra história. Durante quase uma semana, Coralina narra à amiga o romance entre a brasileira Micaela, uma sinhazinha que se junta às tropas militares rumo ao Mato Grosso trajada de roupas masculinas, “[...] mesmo daquele jeito, desprovida de adornos, de cabelos curtos e desalinhados, executando gestos masculinos, ainda tinha seus encantos” (LEPECKI, 2003, p. 268) e o espião paraguaio Ângelo, infiltrado no Brasil por ordens de Francisco Solano López.

Aos poucos, o/a leitor/a é informado/a de que a narrativa contada por Coralina tem por base os diários de Micaela escritos durante a batalha. Ao longo de suas quatrocentas e seis páginas, primeiro e segundo planos se alternam, porém, a maior parte do romance é dedicada à história de Micaela e suas vivências bélicas, com destaque à participação de mulheres no território que hoje corresponde à fronteira entre Brasil (Mato Grosso do Sul) / Paraguai, mesma região em que a narradora e a interlocutora do romance vivem em suas fazendas.

A obra está dividida em três partes. A primeira parte, intitulada “O Caminho”, como o próprio nome sugere, narra o trajeto percorrido pelas Forças Expedicionárias em direção ao sul de Mato Grosso, uma narrativa marcada pelas aspirações e expectativas daqueles que rumavam para o front de guerra; os encontros, festas, bailes e a apresentação dos personagens; a segunda, “O Território”, descreve minuciosamente o então Mato Grosso, especificamente a região sul que foi palco da Guerra. A geografia, os marcos, as aves, a fauna, a flora, os rios, as corredeiras, as serras, o pantanal, as cidades, o sertanejo e seus costumes são apresentados pela narradora em diálogo com o cotidiano das tropas em terras nas quais ocorreu o primeiro encontro com as forças paraguaias. Por fim, a terceira etapa, “A Guerra”, narra o trágico episódio que se configurou na Retirada da Laguna (fazenda de propriedade de Solano López); as indecisões do comandante Camisão, as agruras, os imprevistos e improvisos, a fragilidade da coluna, bem como as dificuldades de ordem distintas (estrutura, doenças, falta de alimento, insalubridade, entre outros) que marcaram a Retirada, assim como as dificuldades e embates enfrentados pela coluna em solo paraguaio e, depois, brasileiro. Tem-se, assim, uma narrativa que acompanha a atuação da Coluna Expedicionária rumo ao Mato Grosso e depois em Mato Grosso e solo paraguaio, desde a sua constituição até sua diluição.

A escrita de Cunhataí apresenta uma significativa influência dos escritos do engenheiro militar que participou de toda a expedição, Taunay (1997TAUNAY, Alfredo d’Escragnolle. A retirada da Laguna: episódio da Guerra do Paraguai. Tradução e organização de Sergio Medeiros. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.), sobretudo do clássico de sua autoria A Retirada da Laguna, a estrutura da obra que descreve a situação da coluna desde o impasse em Campinas até o desfecho final da expedição segue o caminho, a descrição e o tom da obra de Taunay, contudo, Lepecki, foi mais descritiva e detalhista no que concerne às peculiaridades e particularidades da região mato-grossense, apresentando ao leitor/a pormenores do ambiente, ao mesmo tempo que o/a insere nesse universo relacionado ao sertão e ao sertanejo.

O Estado de Mato Grosso do Sul, localizado na região Centro-Oeste do Brasil, tem sua história intimamente ligada ao Mato Grosso, pois pertencia àquele território. Em outubro de 1977, foi sancionada a Lei Complementar nº 31, assinada pelo Presidente da República Ernesto Geisel, que dividiu o então Mato Grosso em duas unidades federativas. A partir desse contexto histórico, a nova unidade federativa - Mato Grosso do Sul - vê seu processo histórico e sua história apropriada por Mato Grosso e, no processo de construção de uma história e uma memória para a nova região, escritores memorialistas apropriaram-se da Guerra do Paraguai/Guerra Guasu como um tema recorrente em seus escritos. Nele forjaram uma escrita da história masculina, de grandes nomes e heróis, na qual a presença e o protagonismo femininos foram invisibilizados.

Ao retornar ao passado, o livro de Lepecki questiona a história oficial e expõe narrativas apagadas e esquecidas, a exemplo do envolvimento das mulheres em Guerras. A postura ativa de Micaela, desde sua decisão de seguir a coluna, rendia-lhe elogios proferidos por Taunay, tenente com quem manteve diálogo profícuo durante a narrativa, seja sobre suas qualidades, seja sobre as ervas. O tenente afirmava a seu respeito:

- Ah, senhora… deveria estar nesse momento a passear pelos corredores do palácio de São Cristóvão, a desfilar sua beleza e sua altivez pelos salões requintados da Corte, a exibir sua coragem e inteligência para o imperador! No entanto está aqui, indo para a guerra… Lidando com peixes! (LEPECKI, 2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003., p. 263).

E completou sua opinião, destacando que o que fazia eram: “Elogios, madame, elogios. Se todas as brasileiras bem nascidas tivessem tal energia, desembaraço e intrepidez, esta guerra já estaria vencida! Sinto-me honrado. Deveras!” (LEPECKI, 2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003., p. 264). Naquele contexto, Taunay aconselhou ainda que Micaela aprendesse a lidar com as armas, afinal, o inimigo estava perto:

- Senhora, se me permite sugerir, por que não aprende a recarregar os fuzis? Pode ser de grande ajuda numa batalha.

- Recarregar os fuzis, manusear a pistola, mirar e atirar! Grande idéia!

- Eu, bem… amanhã mesmo poderemos começar um treino. Sugiro a pistola que é mais leve, depois o fuzil. Se eu não puder vir pessoalmente, tenho certeza de que muitos outros como o Lago, o Barbosa ou mesmo o Gusmão terão o maior prazer em ensinar-lhe, madame. […] (LEPECKI, 2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003., p. 266).

A partir desse treinamento e já encaminhando para o desfecho da história é que a narradora de Cunhataí colocou Micaela efetivamente no palco de batalha; em um confronto entre brasileiros e paraguaios:

Micaela arrastou-se até uma linha de caçadores e numa rápida troca de olhares ofereceu-se para recarregar os fuzis. Ana tentava em vão acalmar as mulheres que gritavam, histéricas. As duas perceberam o óbvio: estavam quase sem munição! E os outros que não vinham ajudar? Por que os canhões demoravam tanto?

Um dos soldados brasileiros caiu, ferido no ombro, e se contorcia de dor. Um cavaleiro paraguaio aproximou-se com uma lança comprida na mão direita, pronto para acertar mais um caçador e romper o cerco. Foi abatido pelo tiro de Micaela, que acabara de apropriar-se de um fuzil.

- Bravo, mulher! - gritou o capitão Rufino que vira a cena a pouca distância. - Agora se abaixe! Está na linha de tiro! (LEPECKI, 2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003., p. 308).

Após esse confronto, Micaela exigiu ser ouvida pelo Coronel Camisão: “- Coronel, escute! Venho marchando com a coluna há mais tempo que o senhor! Tenho bolhas nos pés quanto qualquer soldado! Acabei de matar um homem! E não tenho o direito de falar?” (LEPECKI, 2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003., p. 309).

A partir dos excertos acima, podemos dizer que a narrativa de Lepecki se constitui como um projeto intelectual que narra histórias marginalizadas pelos relatos oficiais dando indícios de rompimento com as correntes que nos prendem a narrativas cristalizadas sobre a Guerra do Paraguai/Guerra Guasu, onde homens falam de homens. Nesse sentido, a ficção nos permite entrar nesses relatos históricos com uma nova perspectiva crítica. O que a história oficial nos conta é uma invenção de tradições e de mitos fundacionais baseados em acontecimentos supostamente desenvolvidos por homens guerreiros. É justamente a contrapelo dessa narrativa que Cunhataí apresenta esse conflito bélico por intermédio da história de uma mulher que fala de muitas outras mulheres e da exploração, da dominação e da violência contra seus corpos. Ainda que ficcionalmente, Lepecki traz corpos historicamente invisibilizados nas narrativas sobre as tropas militares, como as mulheres que carregam seus filhos nos colos, a exemplo da personagem Buscapé: “no alto de uma colina suave fizeram uma parada para descansar. Buscapé aproveitou para amamentar o bebê, que viajava no cesto de Diamanta” (LEPECKI 2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003., p. 229). A narrativa traz, ainda, outros corpos femininos, como os das prostitutas, das negras recém-alforriadas ou em busca de sê-lo, das vivandeiras,4 4 As vivandeiras, segundo Maria Teresa Dourado, eram “[...] mulheres que acompanham o exército para vender víveres, bebidas e objetos de necessidades; muitas delas também eram prostitutas” (2005, p. 89). andarilhas, curandeiras e de mulheres que acompanham seus maridos:

À medida que os batalhões marchavam, as fileiras iam se desmanchando para, no fim, parecerem uma massa informe de pessoas. Atrás dos homens iam as mulheres. Esposas legítimas de soldados, amásias, escravas forras e prostitutas. Muitas com filhos pequenos e outras grávidas. A maioria equilibrando trouxas. Depois delas, seguiam os comerciantes (LEPECKI, 2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003., p. 69).

Esse movimento ético e estético do romance é uma tentativa de repensar toda uma narrativa consolidada sobre o tema. A clássica obra de Taunay, A Retirada da Laguna, por exemplo, privilegiou a construção de discursos que legitimaram homens heróis que teriam dominado com bravura os acontecimentos e, por essa razão, tiveram seus nomes cristalizados em ruas, monumentos, prédios estatais, na literatura, no próprio hino do Estado de Mato Grosso do Sul, entre muitas outras produções culturais.

No que tange à questão da invisibilidade feminina nos campos de batalha deste conflito, vale registrar que alguns/as estudiosos e estudiosas brasileiros/as e paraguaios/as de uma certa forma têm buscado, ao longo dos séculos XX e XXI, compreender tais questões. A título de exemplo, destaca-se, no Paraguai, a obra magistral de Bárbara Potthast-Jutkeit (1996POTTHAST-JUTKEIT, Bárbara. “Paraíso de Mahoma” o “El País de las Mujeres”? Asunción: Litocolor SRL, 1996.; 2006POTTHAST-JUTKEIT, Bárbara. “Algo más que heroínas. Varias roles y memorias femeninas de la Guerra de la triple alianza”. Diálogos - Revista do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, v. 10, n. 1, p. 98-99, 2006.) e os estudos de Ana Barreto Valinotti (2011BARRETO VALINOTTI, Ana. Mujeres que hicieron Historia en el Paraguay. Asunción: Servilibro, 2011.; 2013BARRETO VALINOTTI, Ana. Las mujeres. Asunción: El Lector, 2013. (Colección 150 años de la Guerra Grande); 2020BARRETO VALINOTTI, Ana. Silvia Cordal. La niña que vivió para contarlo. Asunción: Grupo Editorial Atlas, 2020. (Colección: Protagonitas de la Guerra Guasu)). A estudiosa Potthast-Jutkeit investigou sobre a formação da sociedade guarani e a posição feminina na sociedade paraguaia desde a independência, seu papel na guerra da Tríplice Aliança, no pós-guerra e a importância que a mulher adquiriu no processo de reconstrução do Paraguai. De acordo com Potthast-Jutkeit:

Nem todos os homens paraguaios haviam morrido no conflito, mas a relação demográfica entre os sexos foi muito desequilibrada. Havia em média quatro mulheres por homem; em alguns lugares, não obstante, a relação foi de um para dez ou vinte. Estas circunstâncias, mesmo que seu papel tradicional tenha sido camponês, as obrigava a assumir a tarefa de reconstruir a economia e a sociedade paraguaia (2006, p. 98-99).

Por outro lado, Barreto Valinotti, em suas investigações, apresenta-nos um rol de atividades protagonizadas por mulheres e espaços que as mesmas ocuparam no contexto da Guerra Guasu. De uma forma geral, na história paraguaia sobre as mulheres na Guerra, comumente se identifica dois grupos: as residentas e as destinadas que, em sua maioria, pertenceram às elites locais. As residentas constituíam as mulheres que acompanharam o presidente Solano López e sua tropa em retirada. São consideradas mulheres exemplares e patriotas que se entregaram pela causa nacional. Ajudavam no cultivo de alimentos para o sustento das tropas. As chamadas de destinadas foram as mulheres condenadas por atos de traição ou por serem parentes de supostos traidores da pátria. Quase todas eram enviadas para campos de concentração distantes onde eram obrigadas a cultivar a terra sem que, para isso, tivessem ferramentas ou recursos adequados. Tanto Barreto Valinotti, como Potthast-Jutkeit, em suas pesquisas, destacaram casos de violência contra as destinadas, que não somente eram vigiadas e forçadas ao trabalho, mas também sofriam castigos físicos e eram submetidas às penúrias.

Vale menção o caso de Pancha Garmendia, a destinada que ficou mais conhecida na escrita da história. Garmendia, como muitas outras mulheres, seguia com sua família, que acompanhava Solano López. Eram famílias ricas, de muita posse e que formavam a elite paraguaia, sobretudo a assucenha. Com os longos anos da guerra, se deslocaram juntamente com o Marechal López. Entretanto, no ano de 1868, Solano López acusou vários membros dessa elite e também vários de seus familiares de tramarem uma conspiração para depô-lo. Para julgar e punir aqueles/as que considerou traidores/as da Pátria, o governante paraguaio criou os Tribunais de Guerra em São Fernando. Por meio dos Tribunais, julgou e emitiu pena a vários de seus ex-aliados. Executou vários militares e civis que haviam ficado ao seu lado. A família de Pancha Garmendia foi acusada de traição e ela, aliada ao fato de não ceder aos desejos e investidas de Solano López, foi vítima de extrema violência em decorrência da Guerra e friamente executada pelo Mariscal, como demonstra Mary Monte de López Moreira (2013MOREIRA, Mary Monte de López. La biografia de Pancha Garmendia inicia serie. Asunción: ABC Color, 11 de maio de 2013. Disponível em Disponível em https://www.abc.com.py/edicion-impresa/artes-espectaculos/la-biografia-de-pancha-garmendia-inicia-serie-571365.html . Acesso em 07/06/2021.
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):

Después de tanta travessia por el norte del país, donde las residentas y las traidoras seguían al exército combatiente, Pancha, como todas las mujeres, estaba extenuada por el hambre y el agotamiento. Cuando fue sentenciada a muerte, en diciembre de 1869, escaseaban ya los proyectiles, por lo tanto, fue condenada a morir a lanzazos.

Registramos que outro caso comumente abordado pela historiografia paraguaia são as mulheres que, imbuídas de espírito patriótico, procuraram contribuir com a Guerra doando o que tinham de maior valor: as suas joias. As joias representavam uma maneira de as mulheres possuírem algum bem de importância e ainda lhes atribuíam status social. Portanto, o ato de se desfazer das joias era visto como um ato de grande patriotismo e de doação pessoal. Barreto Valinotti apontou que:

Entre fins del año 1866 e inicios de 1867, varias mujeres de la elite asunceña, todas ellas ligadas a altos funcionários del Gobierno, fueron las promotoras del primer gran obsequio en oro y piedras preciosas para el mariscal.

Las contribuciones - dado el bloqueio económico del país - tuvieron que ser las proprias prendas de estas mujeres: sus anilllos de ramales, sus collares com enormes cuentas de coral, sus peinetas, sus rosários, suszarcillos y, em caso de las mujeres indígenas, monedas (VALINOTTI, 2021, p. 28-29).

Apesar de não ser o foco principal de nossa reflexão nessa escrita, é importante registrar que crianças também protagonizaram a Guerra do Paraguai/Guerra Guasu, embora seja um tema que ainda necessite de pesquisa. Uma menina - Silvia Cordal - veio à luz por meio da narrativa de Barreto Valinotti (2020): Cordal era uma criança quando a Guerra do Paraguai/Guerra Guasu eclodiu. Sua família pertencia à elite assuncenha e usufruiu de todos os privilégios de nascer em uma família com posses. Seu pai lutou e foi ferido na Batalha de Tuiuti (1866), morreu em um hospital aliado e foi declarado traidor da Pátria. Como tantas famílias paraguaias, a de Silvia Cordal acompanhou o exército de López, como destinada, sendo penalizada na campanha do Norte. Por ironia do destino (ou não), sobreviveu ao longo caminho de Espadín; depois de passar fome, dificuldades, necessidades, medo, angústia, privações, ter perdido a família, suas irmãs etc., conseguiu reencontrar sua mãe em um campo para destinadas. Sua mãe refugiou-se na mata e conseguiu retornar a São Pedro e, depois Assunção. Silvia Cordal sobreviveu para contar sua história. Escreveu suas memórias e a dedicou aos três filhos.

Por parte do exército brasileiro também ocorre o processo de invisibilização e marginalização das mulheres. Elas protagonizaram vários espaços em meio à contenda. Dourado (2005DOURADO, Maria Teresa Garritano. Mulheres comuns, senhoras respeitáveis: a presença feminina na guerra do Paraguai. Campo Grande: Editora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. 2005, p. 24.) as classificou como matriarcas, patriotas, andarilhas e vivandeiras, fugitivas e viúvas dos combatentes. As matriarcas foram as mulheres que, de acordo com Dourado, vivenciaram o processo de ocupação e colonização das terras sul mato-grossenses e em determinados momentos de suas vidas tiveram que assumir sozinhas a responsabilidade da criação de seus filhos e do cuidado com as terras. Com a eclosão da Guerra, estas mulheres encontravam-se em pleno cenário das operações militares, sendo alvos de violências e privações. Como exemplo, citamos o caso de Rafaela Senhorinha Maria da Conceição Barbosa, mais conhecida como Dona Senhorinha. Esta matriarca, ficando viúva de seu primeiro marido - Gabriel Lopes -, casou-se com seu cunhado, José Francisco Lopes, o famoso Guia Lopes da expedição conhecida como Retirada da Laguna. Por duas vezes, Dona Senhorinha e seus filhos se tornaram prisioneiros dos paraguaios e, ficando viúva pela segunda vez, se viu sozinha nos cuidados com as terras e criação dos filhos.

Ainda no que se refere ao contexto de ocupação paraguaia na província de Mato Grosso e, em especial, no episódio do ataque ao Forte Coimbra, em 1864, 70 mulheres, sob a liderança de Dona Ludovina, esposas dos militares e civis, manufaturaram, com o auxílio de buchas fabricadas inclusive com suas próprias roupas e pela adaptação de projéteis de maior calibre, 3500 balas de fuzil, munição consumida em dois dias de combate (Mileide CASTILHO; José de SOUZA, 2009CASTILHO, Mileide Ferreira de; SOUZA, José Antonio de. “Guerra entre irmãos: personagens histórico-poéticos de um conflito e a formação de MS”. In: ENCONTRO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA - ENIC. VII ENCONTRO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA - ENIC, Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação - PROPP da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS, n. 1, 2009, Campo Grande, UEMS. Anais. Campo Grande, Editora da UEMS, 2009, p. 18. Disponível em Disponível em https://anaisonline.uems.br/index.php/enic/article/view/1130 . Acesso em 30/01/2021.
https://anaisonline.uems.br/index.php/en...
, p. 18). Ademais, proveram alimentação e assumiram a função de abastecer as posições militares, a fim de manter o maior número possível de soldados nas muralhas.

Em nível nacional, é conhecido também o caso da jovem Jovita, Antonia Alves Feitosa que, em 1865, com 17 anos, voluntariou-se como soldado, disfarçada de homem. Sua identidade foi descoberta e virou notícia de jornal. As notícias variaram entre críticas à participação de mulheres como soldados, pois não condizia, naquele período, com o papel social feminino, mas também houve elogios à iniciativa da jovem e usos de sua imagem como um estímulo aos sentimentos patrióticos dos homens. José Murilo de Carvalho, na recente biografia sobre esta jovem voluntária, registrou que:

Declarou a voluntária chamar-se Antônia Alves Feitosa, mas ser conhecida como Jovita. (...) Saíra de Jaicós para Teresina, um percurso de 379 quilômetros, em 20 de junho, com os voluntários comandados pelo capitão Cordeiro, a quem declarou a intenção de se apresentar como voluntária da pátria. Negou ser amásia de outro voluntário. Vestira roupa de homem porque lhe tinham dito que o Exército não aceitava mulher. Passando pela casa da feira, no entanto, certa mulher notara os furos em suas orelhas e lhe apalpara os peitos, que estavam contidos por uma cinta. Descoberto o disfarce, a mulher denunciou-a ao inspetor do quarteirão, que, por sua vez, mandou que dois soldados a conduzissem ao chefe de polícia. A este, disse ter chorado em sua presença por vergonha de ser exibida ao público e de tristeza por não ser aceita como voluntária. Sabia atirar, mas não sabia carregar a arma. Lia e escrevia mal (CARVALHO, 2019CARVALHO, José Murilo. Jovita Alves Feitosa: voluntária da pátria, voluntária da morte. São Paulo: Chão, 2019., p. 61).

Diante dessas questões, podemos dizer que artefatos artísticos cuja temática gravita em torno das memórias dos sujeitos marginalizados, a exemplo de Cunhataí, são uma forma de dizer a humanidade do presente e do futuro, os fatos relegados do passado, mas, sobretudo, de pensar como o passado tem atuado no presente. Cunhataí é um relato cultural que revisita, relê e reescreve o passado a contrapelo, não apenas como mote para sua narratividade, mas enquanto discurso crítico cujas linhas redimensionam sua significação “[...] em função de necessidades presentes, intelectuais, afetivas, morais ou políticas” (Beatriz SARLO, 2007SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. Tradução de Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo / Belo Horizonte: Companhia das Letras / Universidade Federal de Minas Gerais, 2007., p. 14) porque o pretérito se faz a partir das intenções e modos atuais em percebê-lo, simbolizá-lo e construí-lo.

3 As personagens Micaela e Ana Preta: amizade e dissidências

À primeira vista, Micaela parte de Campinas e se infiltra com facilidade nas tropas guerrilheiras em razão de esconder sua identidade feminina através de roupagens masculinas. Ela “[...] trocou o vestido de rendas amarelo-claro por uma roupa rústica de tropeiro, prendeu bem os cabelos num coque apertado no alto da cabeça, enfiou as botas longas e o chapéu. Parecia um rapazote!” (LEPECKI, 2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003., p. 74-75). Contudo, o disfarce não durou muito tempo. Já nos primeiros dias, movida pelo amor ao soldado com o qual acabara de casar-se, Micaela encontra Ângelo e revela todo o seu plano. Desconhecendo a verdadeira identidade do marido - espião paraguaio -, a sinhazinha - como era chamada - concebe a guerra de maneira romantizada e resiste a todas as tentativas do marido em fazê-la retornar à cidade: “[...] vim por impulso romântico e não me arrependo” (LEPECKI, 2003, p. 150). A paixão entre ambos poderia ser facilmente considerada enquanto força motriz do romance, porém, ao passar das primeiras páginas, logo o/a leitor/a vai percebê-la em outras direções, a exemplo do lugar no qual a protagonista irá ocupar na narrativa: o de curandeira, parteira e benzedeira durante a batalha, ofícios ensinados por sua madrinha.

Viúva e sem filhos, a madrinha, único nominativo dado à personagem, vivia afastada da cidade de Campinas, no “distante Taqueral” (LEPECKI, 2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003., p. 46). Em seus últimos encontros, a afilhada Micaela “[...] tentou evocar o nome de batismo da madrinha e não conseguiu. Deu-se conta de que ninguém se referia a ela pelo nome: Para sua família, era a madrinha; para o povo, era a parteira; para muitos, era a bruxa, a curandeira, a feiticeira” (LEPECKI, 2003, p. 46). Porém, a relação de amizade com a mãe de Micaela, dona Glorinha, casada com o coronel Agostino Ferreira Lima, dava à madrinha certo grau de respeito junto à sociedade. Em sua casa, a madrinha cultivava diferentes ervas, tornando-se “uma espécie de boticária do sertão” (LEPECKI, 2003, p. 47). A personagem madrinha é uma mulher alfabetizada cuja função de parteira lhe propiciava alguns bons relacionamentos com a população de Campinas e do meio rural. Suas experiências com as ervas eram anotadas em um caderno denominado por ela de “O COMPÊNDIDO GERAL DE ERVAS E SUAS EXPLICAÇÕES, ou HERBARIRUM VITAE, como preferia, já que tudo em latim parecia mais pomposo e científico” (LEPECKI, 2003, p. 47). O penúltimo e marcante encontro com a afilhada ocorreu na casa do Taquaral e durou uma semana. No transcorrer deste período, a curandeira lhe revelou algumas premonições, ensinou-lhe a manipular diferentes ervas e a levou como auxiliar/aprendiz em dois partos:

- Notaste, afilhada, que a moita de arruda fica afastada das outras?

- Sim, por quê?

- É planta poderosa, símbolo das parteiras. Para lidar com ela é preciso experiência...

- Como assim?

- Tem de ser colhida no tempo certo para atingir o efeito que se deseja. Além disso, o melhor é plantá-la isolada [...]

- Por quê?

- E tem que haver um por quê? Pode chamar de química, de energia, de magia [...], e, de preferência, possuir o Dom (LEPECKI, 2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003., p. 48).

Micaela aprendeu “[...] sobre as propriedades calmantes da camomila, da erva-doce, da cidreira, do maracujá e da flor de laranjeira. Sobre a ação lítica do chá de quebra-pedra e sobre os efeitos do boldo e da carqueja. Conheceu o poder cicatrizante da babosa, anti-inflamatório do louro” (LEPECKI, 2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003., p. 53). Entretanto, o dia mais significativo vivenciado pela protagonista “[...] foi o da aula de cura induzida pela força do pensamento, da querença e da oração [...]. Neste dia, Micaela, precocemente, penetrou nos mistérios da benzeção” (LEPECKI, 2003, p. 54).

A narradora de Cunhataí caracteriza as práticas da madrinha/curandeira/feiticeira/bruxa em razão dos contatos com o mundo da fé, do sobrenatural, ao mesmo tempo que apresenta justificativas racionais e científicas:

- Há de ter o espírito científico [...]. É espantoso o que o conhecimento pode fazer [...]. Não há limites para o saber [...]. A curandeira tinha os seus enigmas e acreditava que ela voltaria ali mais cedo do que esperava. [...] - É bom que existam pequenos mistérios para apimentar a vida (LEPECKI, 2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003., p. 56-57).

A narrativa oscila quando da caracterização da madrinha, ora feiticeira, ora uma mulher sábia, ora rezadeira. O fato é que a cura por meio das ervas lhe proporcionava destaque e emancipação, exatamente o contrário dos interesses da sociedade patriarcal do século XIX. A madrinha tinha consciência do valor de suas rezas, da relevância de sua prática como parteira e do poder de suas plantações, de modo que o que se vê é uma mulher que busca o empoderamento, apesar dos preconceitos e das desconfianças de muitos/as, como se vê em suas falas dirigidas à afilhada: “- [...] Deves aprender tudo que puderes. Todo conhecimento é útil e pode a vir a ser uma arma poderosa” (LEPECKI, 2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003., p. 52). Ao passar estas instruções à menina, a madrinha é a voz que luta por manter uma cultura local, por criar formas de libertação das normas impostas às mulheres colonizadas, o que significa se desligar dos modelos de conhecimento produzidos pelo eurocentrismo e valorar a cultura autóctone:

- O que mais há por esta terra são ervas para conhecer, minha querida. À nossa volta e esperando por nós está a maior botica do mundo: a natureza! [...] Há que armar de pertinácia para testar e paciência para registrar. Se não para os nossos, para os outros depois de nós. Tenho certeza de que, só no Brasil, podemos preencher muitos e muitos livros como este (LEPECKI, 2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003., p. 56).

As premonições, o contato com a natureza, a manipulação de ervas, a linguagem, enfim, o caminho cultural contrário à hegemonia em termos de representatividade e reflexão são, ao nosso ver, práticas de(s)coloniais presentes no projeto da autora. Seu livro interfere, de algum modo, nos padrões homogêneos da literatura, constituindo, assim, escrituras da diferença.

Durante toda a marcha, Micaela examinava as ervas locais anotando cuidadosamente suas utilidades no Compêndio, porém, “a mania de procurar ervas e de seguir na coluna por último a tinham isolado até então”, provocando certos receios de aceitação: “teriam medo dela também?” (LEPECKI, 2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003., p. 56). Aos poucos, as preocupações da sinhazinha diminuíram, pois o contexto da Guerra acabou por inverter a negatividade historicamente construída na imagem da mulher-curandeira. A falta de médicos e a grande demanda de doentes na coluna militar contribuíram para que ela e seus chás fossem solicitados: “andei receitando ervas a uns e outros. Chás aqui, emplastos ali, unguentos acolá. Até algumas simpatias” (LEPECKI, 2003, p. 181). Aqui, gostaríamos de fazer algumas ressalvas quanto à análise da figura de Micaela. Apesar de pertencer a uma sociedade patriarcal, o fato de a protagonista ser branca, de classe média, alfabetizada e casada com um tenente engenheiro imprime-lhe certo respeito nas tropas, especialmente por se tratar do cenário oitocentista do Brasil.

Durante a marcha, Micaela conhece Ana preta, mais conhecida por Ana mamuda. Recém-alforriada, Ana segue com a coluna militar brasileira na companhia do marido Tião. Juntos, idealizam uma vida melhor através das recompensas prometidas pelo governo brasileiro e de uma liberdade, no mínimo, questionável: “[...] - Ganhei furria p’rá sigui cum meu Tião p’rá guerra. Aqui nós semo muitos. Já viu quantos tem de cô? Tudo furriado, que nem eu. Livre! Vamos luta. Os homi ganharam inté bota...” (LEPECKI, 2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003., p. 142). Durante as batalhas, Ana perde o marido, mas, sem outra opção, segue com as tropas.

A partir de então, ao nosso ver, a narrativa segue um caminho irrefutável em relação à estrutura de algumas personagens porque traça (reproduz?) diferenças (estereótipos?) em relação à Micaela e à Ana mamuda, como se vê no diálogo entre elas:

- É uma delas agora?

- Não, de jeito manera! Num cobro nada não... Nem moeda, nem favô! Só deito c’eles p’ra modi tê alguma serventia...

- Como? Não entendo.

- Ara, sinhá, si eles tem precisão... (LEPECKI, 2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003., p. 143).

Percebe-se claramente a construção de diferentes mundos e visões de mundo - linguísticas, culturais, sociais - entre Ana e Micaela. No interior desses conflitos, encontram-se diferenças entre ambas as mulheres que o sistema colonial/moderno criou pressupondo que a mulher escrava negra não possa usar a língua culta e seja passiva e irracional em relação a seu corpo. Se, de um lado, o livro parece reproduzir gratuitamente o preconceito a uma certa visão estereotipada da mulher negra, por outro, sugere que o fato mesmo de trazer estas diferenças é uma estratégia narrativa para pôr em evidência como as estruturais escravistas, patriarcais estão intrinsecamente relacionadas a raça e gênero e o quanto ainda temos a combater. Como afirma o próprio romance, “[...] a fala refinada de Micaela, a postura, as botas longas de couro, os diálogos em francês com o tenente Taunay, evidenciam o abismo social que havia ali” (LEPECKI, 2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003., p. 143). Aqui registramos que o abismo não é apenas social, mas racial. Este abismo, contudo, experiencializou a aproximação no abuso sobre o corpo da mulher, como se vê na cena que descreve a violência sexual sofrida por Micaela:

Andou uns dez passos por uma trilha até uma sombra. De repente, um homem a bloquear-lhe o caminho. [...] ela esgueirou-se para o lado e tentou passar novamente. O homem não deixou. [...] com a outra mão segurou-a também pela cintura, encostando os corpos [...] surpreendida, Micaela tentava soltar-se a chutes, pontapés, unhadas. Enfim, uma mordida. [...] - Quem pensa que é? A imperatriz? [...] - Trevida, já tá dando trabalho por demais! Deu-lhe um safanão no queixo que a deixou zonza de dor. - Si num vai por bem vai por mal - derrubou-a no chão. [...]. Ela ficou sem voz. Não conseguia mais gritar, nem reagir. [...]. Antes de ir embora ainda disse: - Divia di fazê por dinheiro. Pertadinha ansim, ia ficar rica... Era uma delas agora. Tão desgraçada quanto as outras. Tinha chegado até lá. Depois de algum tempo, tentou arrastar-se até a beira do rio. [...]. Água. Nunca precisou tanto de água. Com gestos lentos jogava a água do rio por todo o corpo. Sujeira difícil de limpar. E chorou (LEPECKI, 2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003., p. 238-239).

O excerto acima expõe a crueldade com que muitos corpos femininos são tratados nas sociedades patriarcais. A violência sexual sofrida por Micaela lança luz sobre as práticas e os discursos que delegam ao homem o direito à propriedade do corpo da mulher. De acordo com Carlos Magno Gomes (2014GOMES, Carlos Magno. Ensino de literatura e cultura: do resgate à violência doméstica. Jundiaí: Paco Editorial, 2014.), a mulher não é somente vítima de um agressor, mas de uma prática cultural e social naturalizada que dá poderes aos homens para que possam provar sua virilidade, força e superioridade a qualquer custo. Micaela vivencia a experiência da dor e do silêncio como condição da opressão dos homens em relação às mulheres. Ela carrega seu drama em segredo, continua a atuar como curandeira das tropas e a se encontrar com o marido nos raros momentos de descanso da coluna militar. Aos poucos, vai demonstrando uma força interna desconhecida por ela mesma ao protagonizar outras tristes cenas: Ângelo supostamente morre ainda a caminho de Mato Grosso, ao ser esmagado por uma cobra sucuri gigante. A marcha continua até a concreta luta final, quando a sinhazinha descobre que o marido simulou sua própria morte e fugiu para integrar o exército paraguaio. No campo da batalha final, Ângelo, ironicamente, reaparece e salva a amada, colocando-se frente a um disparo de um soldado paraguaio. Os segundos de alegria ao ver o marido cedem lugar à decepção quando conhece sua verdadeira identidade, porém, ela ainda admite a coragem e o patriotismo (ainda que questionável por alguns/algumas leitores/as) de Ângelo. Com a grande quantidade de feridos no campo, as ervas de Micaela foram imprescindíveis dia e noite, de modo que a mulher não demonstrou sua tristeza na segunda viuvez. Como tantas outras mulheres, decide continuar na guerra, atendendo os feridos e carregando as munições das armas dos soldados.

As experiências de cada personagem e o contexto histórico de cada uma devem, necessariamente, ser considerados no que tange às opressões sofridas. Contudo, se de um lado, a localização de cada personagem produz experiências diferentes do colonialismo de gênero, de outro, suscitam alguns encontros que se filiam e despertam em nós a urgência de discursos contra toda e qualquer opressão em relação às mulheres. Micaela e Ana se deslocaram de suas próprias fronteiras e encontraram na amizade suas próprias vozes no espaço da Guerra.

A condição de curandeira das tropas, alfabetizada, branca e de classe média oferece à Micaela algum “prestígio” em relação à Ana Preta e às demais mulheres que seguiam as tropas (prostitutas, cozinheiras, costureiras, auxiliares de médicos). Se, de um lado, detecta-se a opressão do patriarcalismo direcionada às mulheres nesse contexto, por outro, há outras fronteiras que as segregam em relação às outras, aprofundando os preconceitos, as disparidades no que tange a raça e classe, como se vê no encontro das personagens femininas às margens do rio:

Esqueceu de trazê a mucama, senhazinha?

Não sabe nem sentá em beira de rio...

Tem que ter sabão, baronesa, sabão, ó...

[...]

Vai p’rá casa, moça, que aqui não é lugar pr’a si!

Se o homem da moça morrer ou sumir, vai virar mulher da vida, que nem nós... (LEPECKI, 2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003., p. 141).

Foi em um desses encontros à beira do rio que Micaela conheceu Ana Preta e ao poucos foi se relacionado com outras mulheres que seguiam as tropas: “Liga não. Muié de vida é sim mesmo... No fundo tem bom coração... Inté a Francesa... A Buscapé intão, nem si fala...” (LEPECKI, 2003LEPECKI, Maria Filomena Bouissou. Cunhataí: Um romance da Guerra do Paraguai. São Paulo: Talento, 2003., p. 142).

Por isso mesmo, devemos nos deslocar, epistemologicamente, para as vozes, as cosmologias e experiências das produções femininas com vistas a um novo tempo, a um “entretempo” do qual fala Hélène Cixous (2017CIXOUS, Hélène. “O riso da medusa” (1975). Tradução de Luciana Eleonora Deplagne. In: BRANDÃO, Izabel; CAVALCANTI, Ildney; COSTA, Claudia de Lima; LIMA, Ana Cecília Acioli de. Traduções da cultura: perspectivas críticas feministas (1970-2010). Florianópolis: Editora da Universidade Federal de Alagoas, Mulheres, Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, 2017.), para que possamos escrever uma história outra, atravessada por infinitas narrativas como são infinitas as experiências humanas considerando as peculiaridades das que aqui já estiveram, das que estão e ainda estão por vir, sejam ao sul, ao norte, leste ou oeste, seja de qual raça, cor ou corpo for. Nosso argumento é que devemos ler os textos escritos pelas mulheres interpretando suas indagações, seus espaços, suas particularidades, suas escrevivências e, algumas vezes, seus silêncios.

A proposta de constantes exames em torno dessas questões se justifica à medida que se compreende a impossibilidade de haver “uma só história” de/para/sobre o(s) lugar(es) e suas gentes. Como afirma Walter Mignolo (2003MIGNOLO, Walter. Histórias locais/Projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Tradução de Solange Ribeiro de Oliveira. Belo Horizonte: Editora da Universidade Federal de Minas Gerais, 2003. p. 46., p. 46), esta tarefa talvez seja até possível, mas sem credibilidade. Se, por um lado, há forças atuantes na continuidade de escrituras cujos conteúdos apelam para o compacto e totalitário de um império, a exemplo de títulos recorrentes como “A história universal”, “História Moderna do Ocidente”, “História Geral” ou discursos políticos como os da União Europeia e/ou falas fundamentalistas e extremistas no âmbito político, partidário e religioso, por outro, são cada vez maiores - ainda que distante do desejável - pesquisas, militâncias, artefatos culturais e políticas em torno da escavação do que não foi registrado, das sucatas históricas e mnemônicas negligenciadas no tempo, a exemplo dos sujeitos marginais que efetivamente delimitaram as fronteiras entre Brasil e Paraguai, mas que tiveram suas histórias aviltadas. Mulheres, pobres, escravos, ex-escravos, indígenas estiveram sob domínio do Estado nas batalhas por terras, mas não em seus enredos de glórias e conquistas, como problematiza Cunhataí. Acreditamos que o retorno crítico ao passado aponta para as suspensões, as lacunas e os espectros que não se conhece e, ainda que não seja possível abarcar toda a diversidade que ficou para trás, é parte do desafio atual provocar a abertura do maior número possível de arquivos para que se possa apreender histórias e modos de viver outros.

Por fim, queremos registrar que, no caso particular da Guerra do Paraguai/Guerra Guasu, encontramos uma série de dificuldades em reconstituir os rostos/identidade das mulheres e crianças e que, portanto, este se configura ainda como um vasto campo para pesquisa.

Referências

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  • TAUNAY, Alfredo d’Escragnolle. A retirada da Laguna: episódio da Guerra do Paraguai Tradução e organização de Sergio Medeiros. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
  • 1
    Em relação ao uso de diferentes denominações (Guerra da Tríplice Aliança, Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai, Guerra Guasu, Grande Guerra), destacamos que tais denominações do conflito são alvo de inúmeras disputas político-ideológicas, o que, por si só, já mereceria ser objeto de pesquisas.
  • 2
    Para Valinotti, já no ano de 1867, em meio à guerra: “el apoyo popular había obtenido el mariscal presidente el año anterior, con el voto de confianza que trajeron la victoria de Curupayty, la revelación de las cláusulas y términos del Tratado de la Triple Alianza y el fracasso de la conferencia de paz en Yataity Corá, se resintió enormemente com el passo de las enfermerdades sobre la población civil, especialmente con la viruela, que había golpeado severamente a las clases inferiores. El cólera se sumó esse año, pero el mayor castigo lo efectuó en el ejército estacionado en el Ñeembucú. Para esta época la guerra era total y el país se encotraba soportando um bloqueo económico [...]” (2021, p. 21).
  • 3
    Em 1999, a autora participou de uma expedição militar que refez, a pé, 224 km percorridos pelas tropas brasileiras no século XIX, entre a fazenda da Laguna, no Paraguai, até Nioaque (MS), com a intenção de recolher materiais para a feitura de seu primeiro livro, ganhador do prêmio Fundação Conrado Wessel de Literatura. Na contracapa do romance (2003), Beatriz Resende afirma: “Cunhataí atualiza as características da novela fundacional na voz de uma narradora feminina. Um romanção, no melhor sentido da palavra”.
  • 4
    As vivandeiras, segundo Maria Teresa Dourado, eram “[...] mulheres que acompanham o exército para vender víveres, bebidas e objetos de necessidades; muitas delas também eram prostitutas” (2005, p. 89).
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    OLIVEIRA, Geovana Quinalha de; SQUINELO, Ana Paula. “Guerras, invisibilização, protagonismo e resistência feminina no romance Cunhataí”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 31, n. 1, e83497, 2023.
  • Financiamento:

    Não se aplica
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2021
  • Revisado
    21 Jul 2022
  • Aceito
    14 Set 2022
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