Open-access Tradução feminista e movimentos sociais: o caso de Un Violador en Tu Camino

Feminist translation and social movements: the case of Un Violador en Tu Camino

Tradução feminista e movimentos sociais: el caso de Un Violador en Tu Camino

Resumo:

A performance Un Violador en Tu Camino, apresentada pelo coletivo feminista chileno Las Tesis, em 2019, constitui-se como uma intervenção artística em repúdio à violência sexual e estatal contra as mulheres. O protesto deslocou-se geográfica e culturalmente, implicando sua recriação/tradução, a fim de atender a especificidades sociopolíticas de cada cultura aderente ao movimento. Neste artigo, procuro demonstrar como a tradução desempenhou um papel central na propagação desse protesto, configurando-se como um importante expediente feminista transnacional em prol do desenvolvimento de políticas equitativas.

Palavras-chave:
movimentos sociais; tradução feminista; Un Violador en Tu Camino

Abstract:

The performance Un Violador en Tu Camino, presented by the Chilean feminist collective Las Tesis in 2019, is an artistic intervention as a manifesto against sexual and state violence suffered by women. The protest has shifted geographically and culturally, implying its recreation/translation, to meet the sociopolitical specificities of each culture adhering to the movement. This article seeks to demonstrate how that translation played a central role in the propagation of this protest, configuring itself as an important transnational feminist expedient in favor of the development of equitable policies.

Keywords:
Feminist translation; Social Movements; Un Violador en Tu Camino

Resumen:

La performance Un violador en Tu camino, presentada por el colectivo feminista chileno Las Tesis, en 2019, constituye una intervención artística en repudio a la violencia sexual y estatal contra las mujeres. La protesta se movió geográfica y culturalmente, implicando su recreación/traducción, con el fin de atender las especificidades sociopolíticas de cada cultura adherida al movimiento. En este artículo buscamos demostrar cómo que la traducción jugó un papel central en la propagación de esta protesta, configurándose como un importante expediente feminista transnacional a favor del desarrollo de políticas equitativas.

Palabras clave:
movimientos sociales; traducción feminista; Un Violador en Tu Camino

Introdução

“A experiência de uma é a experiência de todas.”1-2

(Las Tesis, 2021, p. 9)

A performance Un Violador en Tu Camino (2019) - Um estuprador no seu caminho -, apresentada pelo coletivo feminista chileno Las Tesis, constituiu-se como uma intervenção artística em repúdio à violência sexual e estatal contra as mulheres. Seu título é uma “paródia do slogan usado pelos Carabineros chilenos (a força policial nacional) que se refere à polícia como ‘un amigo en tu camino’”3 (Heidi Herrera, 2020, p. 46). Ao combinar gestos corporais à entoação musical, essa intervenção logo foi encenada em diversos locais do globo, como Brasília, Bogotá, Nairóbi, Londres, Nova Iorque, Istambul, Madri, Paris, Tailândia e Berlim.

Um olhar atento à trajetória dessa performance abre margem à interpretação de que seu deslocamento geográfico e cultural, impulsionado pelas redes sociais, implicou uma sequência de atos de recriação/tradução, a fim de atender às especificidades sociopolíticas de cada cultura aderente ao movimento. Frente a esse cenário, a tradução pode ser compreendida como “uma prática disruptiva e comunicativa desenvolvida por ativistas”4 (Nicole Doerr, 2018, p. 3), a qual assume o papel de condição sine qua non para reverberar, em âmbito transnacional5, o movimento provocado por Las Tesis contra a violência de gênero.

Nesse sentido, a partir da análise da projeção global da performance Un Violador en Tu Camino, teço reflexões, por meio deste artigo, sobre a relação entre tradução e movimentos sociais, procurando demonstrar como a tradução desempenhou um papel central na propagação desse protesto iniciado na América Latina, configurando-se como um relevante expediente feminista transnacional em prol do desenvolvimento de políticas equitativas.

Para tanto, a discussão aqui proposta se encontra pautada em seis diferentes contextos culturais onde Un Violador en Tu Camino foi traduzido, quais sejam: Brasil, Argentina, comunidades indígenas mapuche e equatorianas, Índia e Itália. Essa escolha foi determinada pela intenção de apresentar uma diversidade representativa no que diz respeito às temáticas inclusas e/ou acentuadas por cada uma dessas culturas, durante a recriação de Un Violador en Tu Camino.

Do movimento tunisiano (2010) ao movimento feminista chileno (2019): algumas notas

Ao longo da segunda década do século XXI, sucessivos movimentos sociais tomaram as ruas ao redor do mundo, refletindo um intenso mal-estar que não distinguia entre regimes autocráticos, nações falidas, democracias que ainda não haviam se desvencilhado de passados ditatoriais ou democracias consolidadas (Antoni Gutiérrez Rubí, 2021). A eclosão desses movimentos, com reivindicações peculiares em cada região do globo, ocorreu de forma “simultânea e contagiosa”, contudo, com “formas de luta muito assemelhadas e consciência de solidariedade mútua” (Henrique Soares Carneiro, 2012, p. 7).

Foi na Tunísia que os levantes tiveram seu início, em 2010, a partir de um episódio ocorrido com Mohamed Bouazizi, um jovem vendedor de frutas tunisiano, que teve mercadorias confiscadas por policiais, por não ter a licença devida para comercializá-las. Após a tentativa frustrada de reavê-las, em uma atitude de desespero, o jovem ateou publicamente fogo sobre o próprio corpo. Como descreve Carneiro (2012, p. 8), esse fato “foi apenas um dos muitos atos semelhantes ocorridos no norte da África que, além de desespero individual, simbolizaram o esgotamento psicológico de muitos povos em um mesmo momento”.

Por servir de estopim para o desencadeamento de uma série de protestos, o fato protagonizado pelo jovem tunisiano teve como consequência a derrubada da ditadura “na Tunísia, no Egito, na Líbia e no Iêmen”, estendendo-se “à Europa, com ocupações e greves na Espanha e Grécia e revolta nos subúrbios de Londres; eclodiu no Chile e ocupou Wall Street, nos EUA, alcançando no final do ano até mesmo a Rússia” (Carneiro, 2012, p. 7).

Sob a influência de tal contexto, nos Estados Unidos, o Moviment Occupy, um movimento contra a desigualdade econômica e o poder das grandes corporações, tomou as ruas de Manhattan, Nova Iorque, em 2011. Na Turquia, em 2013, a população manifestou-se em oposição ao então primeiro-ministro Recep Tayyip Erdoğan e suas políticas autoritárias. Enquanto isso, em 2013, uma onda de manifestações populares chegava ao Brasil, inicialmente motivada pelo aumento de tarifas de transporte público, ampliando-se, na sequência, para protestos contra corrupção, desigualdade social e mau emprego do dinheiro público.

Em 2014, em Hong Kong, ativistas pró-democracia deram início à Revolução dos Guarda-Chuvas,6 reivindicando uma reforma política, com vistas a eleições diretas orientadas pelas normas internacionais. Na França, entre 2018 e 2019, os “Coletes Amarelos” foram às ruas para protestar contra a elevação de impostos sobre combustíveis. Adiante, seus manifestos passaram a incluir denúncias sobre a desigualdade econômica e políticas praticadas pelo governo de Emmanuel Macron. O ano de 2019, particularmente, foi um ano sem precedentes para os movimentos de protesto em massa: desde o Chile até Hong Kong, manifestantes reuniram-se para exigir demandas variadas (Rubí, 2021). No caso do Chile, governado à época por Sebastián Piñera (1949-2024), o estopim para os protestos foi o aumento das tarifas de transporte público.

A partir daí, os debates organizados pelos manifestantes tornaram-se mais radicais e abrangentes. Suas pautas, que traziam questionamentos acerca do legado negativo do regime militar, contemplavam temas ligados aos impactos nocivos da política neoliberal e mercantilista geradora de desigualdade social, precarização do trabalho, privatização de serviços básicos - como educação e saúde -, concentração da riqueza, dentre outros. Enfim, houve um despertar em massa no território chileno, diante do “retrocesso em termos de direitos sociais e individuais”, visando à modificação da Constituição do Chile, vista, então, como a chave que autorizava “dispositivos nefastos, até repressivos” (Dora Barrancos, 2022, p. 240).

Em resposta às manifestações chilenas, a polícia entrou em ação, reprimindo os manifestantes com gás lacrimogêneo e outras medidas truculentas, apoiadas pelo governo (Stefanie Hechler et al., 2024). Em seguida, Piñera “decretou estado de emergência e toque de recolher em diferentes cidades, com as forças armadas assumindo o controle político em um estado de exceção constitucional”7 (Hechler et al., 2024, p. 5). Foram momentos que trouxeram a ditadura militar de Augusto Pinochet (1973-1990) à memória chilena, à vista, por exemplo, da similaridade das ações opressivas de Piñera e sua força de segurança. Em face disso, o desfecho da crise social no Chile atingiu dimensões trágicas, com violações contundentes de direitos humanos.

Um mês após o início dos protestos, delineou-se um acordo para realização de um referendo sobre a elaboração de uma nova constituição e, em outubro de 2020, 78% dos cidadãos do Chile optaram, nas urnas, pela reformulação da Constituição (Hechler et al., 2024). Contudo, antes disso, a violência, chancelada por Piñera, além de ter sido marcada por abusos físicos e psicológicos - que eram estendidos a dissidentes sexuais, envolvendo diversos ataques estruturais homo e transfóbicos (Giorgia Pinzauti, 2023) -, havia também causado lesões oculares a centenas de pessoas, em decorrência do uso de armas de fogo, milhares de detenções arbitrárias e estupros em série de mulheres (Gunhild Hansen-Rojas; Jorge Rojas Hernández, 2020).

Durante essas mobilizações no Chile, a representação feminina destacou-se, como registrado por Barrancos (2022, p. 240), “como vulcões em erupção”, em meio à repressão que “foi muito violenta, principalmente para muitas mulheres jovens que, além dos tiroteios, sofreram abusos sexuais”. A violência perpetrada contra as mulheres constituiu-se para além de uma conduta sistêmica repressiva por parte dos militares, evidenciando também a expressiva cultura de abusos e misoginia cristalizada na sociedade chilena8. Isso, por sua vez, denotou a urgência da implantação de medidas de proteção dos direitos das mulheres, que já vinham enfrentando embates desde a ditadura de Pinochet.

Sobre esse aspecto, Pinzauti (2023, p. 149) lembra que as questões pertinentes à autonomia de mulheres e dissidentes sexuais, sobretudo relacionadas à saúde sexual (uso de contraceptivos; possibilidade da legalização do aborto etc.), assumiram posição central em movimentos feministas no Chile, como o Ní Una Menos.9 Importante movimento de denúncia contra o feminicídio e imbuído da promoção de igualdade de gêneros - iniciado na Argentina em 2015 e reverberado em vários países da América Latina -, Ní Una Menos projetou-se nas ruas chilenas, desafiando o legado de Pinochet que, dentre suas diversas medidas opressivas, proibira o aborto.

É válido notar a relação de poder que se avultava dessa imposição refutada pelo movimento argentino. Nesse contexto, o que se revela é que “o aborto não é criminalizado porque repudiado moralmente, mas como instrumento para o controle sobre os corpos das mulheres e, por impor-lhes não apenas a maternidade como também num certo modo de cuidar dos filhos”, ou, dito de outro modo, “para mantê-las restritas à esfera privada de atuação” (Ana Carolina da Costa e Fonseca, 2023, p. 332).

Ao contrapor-se à criminalização do aborto, visto como instrumento de controle estatal, Ní Una Menos transformou-se em um símbolo potencial para o combate à violação da autonomia reprodutiva das mulheres chilenas, e para a luta em prol de garantir que as mulheres pudessem exercer plenamente o direito sobre seus corpos. Essa luta, enfrentada por movimentos como Ní Una Menos, no Chile, ficou ainda mais pronunciada com as manifestações civis de 2019, pois,

à medida que os protestos se intensificaram, com ‘feridas de silêncio, de medo, uma explosão de raiva que exigia dignidade de forma organizada’, a brutal violência policial, ou dos carabineros, aumentou sob ordens presidenciais na tentativa de silenciar e conter uma raiva popular que agora estava aumentando. [...] podemos dizer que o surto social representou o despertar da sociedade chilena: ‘O movimento feminista e o movimento estudantil abalaram a sociedade chilena de sua névoa neoliberal, mostrando que a ação destemida pode engendrar mudanças e que o trauma pode ser a base para a ação coletiva’ (Green Rioja 2021:15). Nesse processo, a contribuição do movimento feminista foi essencial10 (Pinzauti, 2023, p. 149).

Por certo, os movimentos feminista e estudantil foram fundamentais para que houvesse um despertar “da sociedade chilena de sua névoa neoliberal”, haja vista suas ações catalisadoras no sentido de confrontar e questionar o status quo neoliberal que se impunha de forma agressiva perante a sociedade chilena. No que tange, em particular, ao movimento feminista, é preciso enfatizar que sua contribuição ultrapassou seus próprios contornos. Isso porque o seu caráter essencialista pode ser percebido não somente pelos anseios registrados em suas pautas, mas também devido ao seu envolvimento em demandas sociais urgentes, colaborando significativamente para a articulação de debates contra a desigualdade, a injustiça e a opressão patrocinadas pelo neoliberalismo.

É, portanto, na esteira e instigado pelo Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher (25 de novembro), que surge, no Chile, o coletivo Las Tesis. Considerado um movimento feminista de influência mundial, o coletivo “estreou sua performance Violador en Tu Camino, que rapidamente se tornou um hino feminista e um fenômeno de denúncia da violência contra a mulher, com um alcance global inesperado”11 (Constanza Hormazábal Durand, 2021, p. 109), conforme abordarei a seguir.

Las Tesis e sua intervenção Un Violador en Tu Camino: um repúdio à violência sexual

Las Tesis, coletivo criado sob a iniciativa de quatro mulheres - Daffne Valdés Vargas, Sibila Sotomayor van Rysseghem, Paula Cometa Stange e Lea Cáceres Dıaz -, surgiu em 2018, na cidade chilena de Valparaíso, destacada como uma das capitais do street art da América do Sul. Suas criadoras são “vinculadas a diversas disciplinas, artes cênicas, ciências sociais, literatura, história, design, design de figurino ligado também ao território”12 (Las Tesis, 2019).

Como implícito em seu nome - cuja tradução em português corresponde a “As Teses” -, o coletivo tem em seu horizonte epistêmico fundamentações baseadas em vertentes feministas. Nessa via, a motivação para a criação de Las Tesis está ligada à ausência, percebida pelas fundadoras, de uma fundamentação teórica feminista no debate político e nos discursos oriundos das diversas cenas públicas. Em razão disso, o coletivo foi organizado para divulgar a teoria feminista, de maneira acessível, a um público mais abrangente, por meio de linguagens artísticas, visando ao fortalecimento do discurso feminista em espaços não acadêmicos (Las Tesis, 2019).

À vista desse propósito, a interação entre teoria e prática, compondo um ciclo dinâmico, configurou-se como ponto essencial para Las Tesis, pois era preciso articular a tradução da teoria norteadora do coletivo, que se apresentava distanciada do público, para uma forma que fosse compreensível e próxima à linguagem cotidiana da população. A seguir, podemos conferir a manifestação do próprio coletivo quanto à sua atenção à amálgama entre teoria e prática:

[...] este coletivo foi formado com a premissa de levar conteúdos da teoria à prática, trazendo as teorias feministas para um dispositivo para múltiplos públicos. Isso significa traduzir conteúdo, traduzir as palavras desses livros de teóricas feministas que muita gente não vai ler, para o som, o visual, a roupa, o corpo, etc. Isso junto sintetiza essa tese e podem finalmente esses conteúdos, essas ideias, chegarem a muito mais pessoas do que, obviamente, nunca imaginamos a quantidade de pessoas que iríamos alcançar com essa premissa13 (Las Tesis, 2019).

Na consideração dessa premissa para a criação de sua primeira performance, o coletivo baseou-se nas reflexões acerca da violência brutal praticada contra mulheres em paralelo ao desenvolvimento do capitalismo na Europa, após a era feudal, contidos na obra Calibã e a Bruxa, de Silvia Federici (2023). O intuito do coletivo era que a performance transmitisse as ideias abordadas nessa obra e pudesse ser adaptada para diferentes contextos - como teatros, conferências e festivais de arte -, atingindo variados públicos (Las Tesis, 2019).

van Rysseghem (2021) esclarece que o trabalho realizado junto ao coletivo enfatiza o fato de que “a opressão dos corpos das mulheres sustenta o sistema capitalista, como Federici afirma. Sendo ela mesma marxista, ela faz essa crítica importante de como Marx especificamente não considerou a esfera reprodutiva que sustenta o capitalismo”14. Para van Rysseghem (2021), é essencial a compreensão, de um ângulo estrutural e sistemático, sobre como corpos de mulheres e de pessoas com capacidade de conceber vidas sustentam o sistema e a produção capitalista, na medida em que garantem um “trabalho não remunerado de criação de filhos, [...] de novos trabalhadores, novas mulheres trabalhadoras, etc.”.15

Outras dimensões são acrescidas a esse cenário, tais como o corpo como objeto, pois o coletivo observa, segundo van Rysseghem (2021), que, sob a ótica capitalista, o corpo é visto como um espaço e território de opressão e extrativismo, podendo ser considerado um “Cuerpo-Territorio [CorpoTerritório], que é parte desse extrativismo que mantém a máquina capitalista se transformando”.16

A partir dessa configuração, ao fazer a leitura dos corpos em relação à performance, van Rysseghem (2021) entende que esta última viabiliza a reapropriação daqueles, defendendo a relevância de se “considerar o significado desses corpos, sua vulnerabilidade, e o que significa para os corpos das mulheres e corporeidades dissidentes do sistema sexual-gênero, por exemplo, ocupar o espaço público para se manifestar”.17 Na tradução dessa iniciativa como um exercício político de grande importância, a artista complementa sua ideia observando que:

[...] mesmo sendo um coletivo interdisciplinar que expressa sua opinião usando diferentes linguagens, a base do nosso trabalho é sempre a performance; são nossos corpos. Como artistas, estamos constantemente ativando [nossos corpos], seja em um palco com nosso trabalho, na rua, em um show ou uma manifestação em um espaço público. Isso está sempre presente porque também acreditamos no potencial transformador da performance, de como um corpo ativa o político de uma forma que gera mudanças para melhor, perturbações e mudanças no nível da política institucional, por exemplo, independentemente de sermos militantes nessa esfera (van Rysseghem, 2021).18

Na sequência, ampliando essa discussão, Las Tesis voltou-se à temática do estupro em geral, baseando-se em “La Estructura de género y el Mandato de Violación”, da antropóloga feminista Rita Segato (2003), e recorrendo a textos, documentários, vídeos, números oficiais e não oficiais, a fim de obter informações sobre o tema (Las Tesis, 2019). Como resultado, o coletivo percebeu que a realidade era alarmante e que o número de violações e abusos sexuais ocorridos em seu país atingia grandes proporções, contatando que mulheres e dissidentes eram os mais atingidos (Las Tesis, 2019). Chamou-lhes atenção, ainda, o fato de que havia um elevado índice de impunidade em relação a esses casos, pois somente 8% dos crimes envolvendo violações e abusos sexuais resultaram em condenação, e que, no Chile, de acordo com dados não oficiais, ocorria em média um estupro a cada 25 minutos (Las Tesis, 2019).

A par dessa realidade, Las Tesis iniciou a preparação de sua segunda encenação. Contudo, em outubro de 2019, sua atuação foi inviabilizada devido aos levantes sociais ocorridos no Chile, o que instigou o coletivo a adaptar essa obra, caracterizando-a como uma intervenção corporal e vocal - exibida em espaços públicos, o que é poderoso para tornar visível e expor vozes que estavam silenciadas na esfera privada (Durand, 2021). Então, sob o nome Un Violador en Tu Camino, ela foi apresentada na Praça Aníbal Pinto, em Valparaíso, em 20 de novembro, sendo replicada cinco dias depois, no Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher, em Santiago, capital chilena.

Em sua composição visual ou, como descreve Mia Liinason (2024, p. 436), sua “visual gramar” (gramática visual), as artistas adeptas da performance usavam vendas pretas, cuja simbologia ganhou interpretações diversas. Alguns, por exemplo, sugerem que as vendas se constituem como

[...] um símbolo, construindo as mulheres como um grupo social e colocando as múltiplas diferenças entre as mulheres de lado (Miranda 2019), e os comentaristas descreveram as vendas como um símbolo da ‘maneira frequentemente invisível como as instituições facilitam a violência de gênero’ (Rose 2020), captada na letra pela frase ‘y nuestro castigo es la violencia que ya ves’ (‘nossa punição é a violência que você não vê’). Outros leram as vendas como uma referência às materialidades da violência dos regimes estatais, vinculando-as a histórias locais de violência e abuso, como as vítimas dos ferimentos nos olhos durante os protestos de 2019-2020 no Chile e ao centro de tortura durante o regime de Pinochet, onde prisioneiras políticas eram vendadas enquanto eram submetidas à violência sexual e outras formas de tortura (Martin e Shaw 2021). [...] o uso de vendas nos olhos tem sido visto como algo que oferece segurança coletiva às artistas, permitindo o anonimato ao expressar suas experiências. No geral, as vendas enfatizam a coletividade e o anonimato. [...] as vendas nos olhos funcionam como um marcador-chave da gramática visual da performance, dando a elas uma expressão estética instantaneamente reconhecível em diversas encenações19 (Liinason, 2024, p. 436).

Com efeito, a adoção de venda nos olhos durante a performance de Un Violador en Tu Camino comporta essa gama de referências simbólicas - unidade, crítica a instituições, referência histórica, segurança, anonimato e elemento estético - descrita por Liinason. Adicionalmente, dado o contexto de uso desse adereço, de modo mais abrangente, é viável percebê-lo enquanto um símbolo integrador de tais referências que, em articulação com os demais componentes da encenação - gestos, canção e tons de voz -, configura-se como uma peça que se impõe contra o patriarcado.

A propósito dos gestos, a intervenção desenvolveu-se por meio de uma série de comportamentos repetidos. Dentre eles, incluem-se o apontar para a frente em direção ao público, concomitantemente ao ressoar de “O estuprador é você”20 (Coletivo Las Tesis, 2019), e agachamentos das participantes com suas mãos sobre a cabeça. O agachamento simboliza os abusos sexuais por parte da polícia que, após obrigarem suas vítimas a se despirem, as forçavam a agacharem-se. Esses gestos foram representados de forma sincrônica pelas participantes e acompanhados pela música que contém temas como feminicídio, impunidade dos abusadores, desaparecimento de vítimas e estupro, dispostos na letra que segue:

Um estuprador em seu caminho
O patriarcado é um juiz
que nos julga por nascer,
e nosso castigo
é a violência que você não vê. (x2)
É feminicídio.
Impunidade para meu assassino.
É o desaparecimento.
É o estupro.
E a culpa não era minha, nem onde estava, nem como me vestia. (x4)
O estuprador era você.
O estuprador é você.
São os policiais,
os juízes,
o Estado,
o presidente.
O Estado opressor é um macho estuprador. (x4)
O estuprador é você. (x2)
Dorme tranquila, menina inocente,
sem preocupar-se com o bandido
que pelo teu sono doce e sorridente
cuida a tua querida polícia.
O estuprador é você.
O estuprador é você21 (Coletivo Las Tesis, 2019).

No mínimo, podemos dizer que dessa letra emergem duas fortes ações, uma de caráter denunciador e outra caracterizada por sua natureza de resistência. Denúncia, em face das ações e omissões, por parte das instituições militares, políticas e judiciais do Estado, em relação às ocorrências de violência e de estupro contra as mulheres. Resistência, por tratar-se de uma reação de rejeição às transgressões aos direitos das mulheres desde seu nascimento e à violência sistêmica que lhes foi empreendida pelo aparato do Estado, não somente ao longo daquele período político chileno (2019), como também no passado, sob a égide de Pinochet.

Nesse sentido, os agentes envolvidos na rede de dominação e violência são referidos nominalmente na letra de Un Violador en Tu Camino: “O estuprador era você, / O estuprador é você. / São os policiais, / os juízes, / o Estado, / o presidente”. Esse conjunto opressor, além de ter sua identidade exposta, é apontado dentro do contexto de gênero, conforme ecoado em “O Estado opressor é um macho estuprador”. O opressor é, pois, o masculino agressivo, que viola não somente as leis, como também transgride os direitos das mulheres e viola seus corpos.

Dados esses apontamentos e consoante ao pensamento de Liinason (2024), é possível afirmar que o Coletivo enfatiza, em sua encenação, que a violência sexual contra as mulheres, além de se configurar como um problema social e moral, também compreende uma questão política. Isso fica evidente à medida que a performance enfrenta e desafia as formas de poder enraizadas em sistemas patriarcais, coloniais, fascistas e/ou neoliberais, tanto em contextos locais quanto em contextos globais, utilizando a imitação - negociação mimética -, em um espaço coletivo, como uma estratégia para expor e subverter essas lógicas de poder (Liinason, 2024, p. 10).

Assim, podemos perceber que, com a crise social do Chile, insurgida em 2019, Las Tesis envolveu-se diretamente nos protestos, inscrevendo-se na história desse país a partir de Un Violador en Tu Camino, difundida transnacionalmente por meio das redes sociais. Com sua ampla propagação e devido às temáticas expressas na letra da música que a acompanha - patriarcado e violência contra as mulheres -, a performance não tardou a ser solicitada em diferentes locais do globo. Esse interesse partiu de grupos feministas que desejavam adotá-la, conferindo-lhe aspectos particulares, inerentes a suas realidades, antes de replicá-la em seus países. Para concretizar esse intento, devido aos distintos contextos envolvidos, os grupos precisaram, antes, recorrer a uma tarefa fundamental nesse processo em que linguagem e contextos culturais se interligam, refletindo no resultado da mensagem, qual seja: a tradução.

Ao focar essa tarefa, dedico-me, adiante, a demonstrar como a tradução assumiu papel central na propagação de Un Violador en Tu Camino, configurando-se como um importante expediente feminista transnacional em prol do desenvolvimento de políticas equitativas.

Tradução: um expediente feminista transnacional a partir da propagação de Un Violador en Tu Camino

Parece-nos inevitável dialogar acerca da dimensão global atingida por determinados movimentos sociais e suas atividades, como no caso de Las Tesis e sua intervenção artística Un Violador en Tu Camino, sem pensar no papel da tradução. Essa tarefa é indispensável para que demandas decorrentes de núcleos ativistas ecoem para além de seus lugares de surgimento, fomentando sua propagação a nível transnacional. Como sabemos, a própria repercussão jornalística desses movimentos já exige, por si só, o exercício dessa tarefa para se materializar em diferentes culturas. Mas, no contexto em questão, esse é apenas um dos aspectos que se revela face à proeminência da tradução. Para além desse aspecto “divulgador/informador” de determinadas pautas sociais, convém abordar a tradução como elemento agregador, ampliador do universo dialógico. Para movimentos sociais, a possibilidade de atingir novos espaços geopolíticos e culturais - viabilizados pela tradução - reflete na formação de uma corrente de solidariedade robusta, pois proporciona a participação de novos aderentes a suas causas, expandindo, assim, o espaço dialógico em torno de suas demandas.

Ao seguir essa linha de raciocínio, chego à reflexão conceitual de tradução proposta por Mona Baker (2015), a qual se apresenta alinhada ao contexto desta discussão. Em sua investigação sobre o papel da tradução na formação dos espaços de protestos contemporâneos - trazendo ao debate a revolução egípcia, ocorrida em 2011 -, a autora advoga a favor de conceituar a tradução como “um elemento integral do projeto revolucionário”,22 destacando a necessidade de situar a tradução no centro das discussões políticas (Baker, 2015, p. 1). Pensar a tradução como parte integrante de projetos que visam mudanças significativas na sociedade nos direciona a uma reflexão mais ampla que envolve seu papel pluridimensional. Isso porque essa concepção nos leva a refletir sobre “as muitas facetas da tradução e a maneira como elas impactam o cenário político em evolução hoje”23 (Baker, 2015, p. 2). Por extensão disso, tomando emprestadas as palavras de Baker (2015, p. 1), aqueles que traduzem devem ser integrados como participantes plenos em redes de ativismo solidário e não hierárquico.

Valho-me dessas premissas para argumentar, nesta seção, como a tradução fez-se essencial para que a performance Un Violador en Tu Camino ampliasse seu alcance, revelando-se como expediente fundamental para a luta feminista investida por Las Tesis, em busca de políticas equânimes - distintas das operadas na contemporaneidade em muitas sociedades. Em outras palavras, empenho-me em demonstrar como a tradução se fez “um elemento integral do projeto revolucionário” de Las Tesis, colaborando na busca por uma “virada” no que diz respeito ao sistema patriarcal e capitalista arraigado em grande parte das sociedades contemporâneas.

Com isso em mente e tendo em vista o cunho feminista incluso nesta discussão, as argumentações que se seguem também são orientadas pelos pressupostos originados do entrelaçamento entre os feminismos e os Estudos da Tradução, ou seja, pelos Estudos Feministas Transnacionais da Tradução (Luise von Flotow, 2017; Olga Castro; María Laura Spoturno, 2022). Em respaldo a isso, é útil lembrar que “Os feminismos convocam uma perspectiva crítica e plural para pensar, sentir, estar e agir no mundo, uma vez que constituem posições que buscam transformar a estrutura da sociedade”, objetivando “alcançar uma vida mais justa para todas as pessoas, independentemente de suas identidades sexuais e de gênero” (Castro; Spoturno, 2022, p. 3).

Dito isso, os feminismos são constituídos por um potencial ímpar de atuação, contribuindo, segundo Castro e Spoturno (2022, p. 3), “com todas as disciplinas científicas e campos do saber, incluindo áreas de sistematização recente, como os estudos da tradução ou tradutologia, isto é, o exame sistemático de distintos aspectos relacionados com a teoria, o ensino e a prática da tradução”. Nesse viés, Castro e Spoturno (2022, p. 3) mencionam que cada vez mais as pesquisas têm recorrido às teorias feministas conjuntamente a “reflexões analíticas e propostas de intervenção sobre o fenômeno da tradução”, o que tem permitido a quem investiga essa área falar “dos estudos feministas como uma área dentro dos estudos da tradução”.

À luz desse pensamento, que ressalta a integração entre perspectivas feministas e estudos da tradução, essas estudiosas aproximam-se de uma percepção dual acerca dos feminismos em sua face transnacional, de um lado relacionada ao campo epistemológico, e de outro relacionada ao prático - ambos contemplando aspectos políticos. Isso pode ser observado em sua abordagem aos

feminismos transnacionais como uma proposta teórica e movimento ativista, que introduz a interseccionalidade como chave epistemológica para explicar como distintos sistemas de opressão interagem em um mundo marcado pela globalização e pelos valores neoliberais (Castro; Spoturno, 2022, p. 4).

A partir daí e devido ao seu caráter expansivo, os feminismos transnacionais agem como potencializadores daquilo que Castro e Spoturno (2022, p. 11) denominam como “criação de alianças transfronteiriças”, apresentando resultados importantes no que cabe, por exemplo, aos direitos das mulheres. Nitidamente, o fenômeno ocorrido por meio da performance de Las Tesis é um desses resultados, que se consolidou por intermédio da tradução - como tenho afirmado nesta discussão -, trazendo à tona as especificidades culturais de cada contexto.

Na tradução brasileira, por exemplo, dois nomes - não presentes na letra em espanhol - justapõem-se à maioria das entoações de Un Violador en Tu Camino, realizadas em 2019, nas ruas do país: Marielle Franco e Paraisópolis. O nome de Marielle, uma vereadora, ativista dos direitos humanos e socióloga, foi ecoado em meio à tradução da letra da performance de Las Tesis ressoada nas ruas de diversas cidades brasileiras, tais como Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Porto Alegre. A ativista foi assassinada, em 2018, com treze tiros, na cidade do Rio de Janeiro, onde residia. Sua morte, atribuída a motivações políticas, repercutiu em diversos países, dando relevo mundial ao debate em torno do feminicídio ou, como proposto por Renata Souza (2020, p. 119), “feminicídio político”.24

O feminicídio de Marielle Franco adensa os números desse crime no Brasil, onde esses quantitativos são alarmantes. Segundo o Relatório Anual Socioeconômico da Mulher (Brasil, 2024), os registros “da Secretaria Nacional de Segurança Pública - SENASP, do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, em 2022”, indicaram a ocorrência de 2644 “homicídios dolosos de mulheres e lesões corporais seguidas de morte e 1.366 ocorrências de feminicídio” (Brasil, 2024).

Quanto a Paraisópolis, seu nome aparece incluído ao final da tradução da letra de Un Violador en Tu Camino acompanhado do termo “genocídio” no seguinte verso: “Paraisópolis não foi acidente, foi genocídio!”. As vozes faziam referência à morte de nove jovens, na Zona Sul de São Paulo, em 2019. Eles estavam em uma festa junto a mais de cinco mil pessoas, quando policiais militares adentraram o local. Após a intervenção, os jovens saíram correndo e foram encurralados pelos agentes em um “beco sem saída, provocando a morte de oito deles por asfixia e um por traumatismo” (Thiago Borges, 2020). Esse episódio, que abalou o Brasil, ficou conhecido como o “Massacre de Paraisópolis”.

Além das referências à Marielle Franco e a Paraisópolis, também desperta atenção a inclusão do verso “ó pátria amada, idolatrada, salve a nossa integridade” (Sete Lagoas, 2019) à letra traduzida para o português, recitada em Belo Horizonte. Dessa forma, as manifestantes encontraram, no ato da tradução e da adaptação, um recurso para exporem sua crítica em particular ao seu próprio país e a seus símbolos, aludindo ao hino nacional brasileiro em meio à letra recriada. Ao incluírem o referido verso, que solicita a segurança do Estado, as mulheres focaram ao mesmo tempo o estado de abandono em que se encontravam, sem a proteção por parte da “pátria amada”.

Em análise às traduções argentinas da letra de Un Violador en Tu Camino, percebe-se que houve adaptações em todas elas: em algumas, houve mudança apenas das palavras “padres” para “igreja” e “yuta” para “polícia” (Valentina Carranza Weihmüller et al., 2021, p. 12); em outras, optou-se pelo uso de termos não sexistas, como “niñe” em substituição a “menina” (Weihmüller et al., 2021, p. 12), sugerindo uma marca ideológica impressa durante o ato tradutório. Em defesa disso, lembramos que, comumente, o uso de linguagem neutra de gênero é adotado por integrantes de movimentos que promovem a igualdade de gênero e os direitos LGBTQIA+25 como parte de uma ideologia.

Em se tratando de tradução, como destacado por Flotow (1997, p. 24), comumente têm sido realizadas alterações intencionais em textos reescritos, muitas vezes motivadas por uma ideologia. Nesse viés, é digno de nota que ideologia é considerada “como um conceito importante no traduzir” e “como conjunto sistemático de valores e crenças compartilhadas por uma dada comunidade” (Castro, 2017, p. 3). Logo, a ideologia forma “as interpretações e representações de mundo de cada pessoa e também de quem traduz” (Castro, 2017, p. 3), portanto, sendo refletida nas práticas tradutórias.

Isso posto, merece atenção ainda outro aspecto distintivo na letra argentina, qual seja, a enunciação imperativa em prol da legalização do aborto. Isso acontece com o direcionamento da fala a uma representante feminina da lei, isto é, a uma juíza. A letra registra: “Senhora Juíza [...] / Não se surpreenda e entenda bem / que o aborto será lei / Aborto será lei / Aborto será lei / Aborto será lei”26 (Filo.News, 2019). O vocativo feminino “Juíza” pode, no mínimo, eliciar duas interpretações: uma no sentido de colocar a mulher em uma posição de poder, tradicionalmente ocupada por homens; outra no sentido de trazer à tona situações de conivência feminina no que tange à política antiaborto.

Quanto à legalização do aborto nos países da América Latina, notamos um quadro variado. Enquanto em Honduras, Suriname, El Salvador e Haiti, por exemplo, o aborto é criminalizado, em outros países como Cuba, Porto Rico e Colômbia, há o consentimento quanto a essa prática. Em alguns países como o Brasil, o aborto é garantido em duas situações: gestações provenientes de estupro e em casos de gestações de fetos com anencefalia.

A Argentina encontra-se inserida no segundo grupo desde 2020, ano em que a legalização do aborto seguro foi aprovada pelo Senado argentino. No entanto, até 2019, quando ocorreu a encenação da performance de Las Tesis nesse país, o aborto ainda não era permitido. De acordo com Barrancos (2022, p. 23), a Campanha Nacional pelo Aborto Legal, Seguro e Gratuito, iniciada em 2005, na Argentina, tem raízes em movimentos feministas que renasceram com a democracia, exigindo mudanças no direito penal, visando à descriminalização do aborto. Já nas décadas de 1980 e 1990, ativistas lutavam pela legalização do aborto no país, destacando-se, em 1988, a criação da Comissão pelo Direito ao Aborto (Barrancos, 2022, p. 23).

Por certo, a propagação da performance de Las Tesis em solo argentino - com seu marcador reivindicatório expresso na letra de Un Violador en Tu Camino e somando-se aos diversos movimentos feministas, conforme cenário indicado por Barrancos (2022, p. 231) -, teve impacto significativo na promulgação da lei do aborto na Argentina. Sua contribuição pode ser reconhecida à medida que sua letra traduzida, adaptada e entoada, por exemplo, conferiu visibilidade ao tema e contribuiu para a constituição de um ambiente sociopolítico mais favorável às demandas feministas naquele país.

Por outro ângulo, mulheres da etnia mapuche, uma comunidade indígena situada na região centro-sul do Chile e do sudoeste da Argentina, reelaboraram a versão de Un Violador en Tu Camino em espanhol “enquanto adaptavam e traduziam a letra para o mapudungun, a língua mapuche”27 (Pinzauti, 2023, p. 162). Sob o título “Kiñe Nüntukafe Tami Rüpü Mew”, a performance contou com a atenção aos marcadores culturais das comunidades mapuche, sendo que as mulheres se apresentaram usando, além de instrumentos tradicionalmente utilizados em suas cerimônias religiosas e espirituais, “vestidos e joias típicas mapuches, como colares, em vez de roupas de festa, como uma referência à sua identidade indígena específica”28 (Pinzauti, 2023, p. 162).

Ainda em referência às comunidades indígenas, Pinzauti (2023, p. 162) menciona também a performance ocorrida no Equador, onde foi traduzida para línguas indígenas da Amazônia e apresentada na cidade de Puyo, por mulheres de várias comunidades amazônicas, como Kichwa, Shuar, Waorani, Achuar e Shiwiar. Segundo a autora,

[...] embora suas primeiras apresentações tenham sido em espanhol, algumas das participantes que também fazem parte da Escuela Antisuyu Warmikuna traduziram as letras para as línguas indígenas locais. As participantes usavam vestidos longos enfeitados com colares e cintos. Elas apareceram com pinturas corporais e tatuagens em seus rostos e com vendas pretas cobrindo os olhos, mantendo, portanto, elementos originais do traje que lembram a violência de gênero do estado e adaptando os outros às suas realidades e identidades como pessoas indígenas29 (Pinzauti, 2023, p. 162).

Ambos os exemplos descritos sobre comunidades indígenas demonstram que essas comunidades “poderiam fazer uso da performance de Las Tesis para desafiar a violência de gênero específica perpetrada contra suas comunidades pelo Estado”,30 como afirma Pinzauti (2023, p. 162). Além disso, podemos acrescentar que as ilustrações citadas tornam visível o potencial das mulheres indígenas no que se refere ao seu engajamento em movimentos reivindicatórios para “transformar [su]as condições de existência” (Barrancos, 2022, p. 15), bem como à sua competência para alavancá-los. Não são raras as vezes que indígenas enfrentam o desafio de lutarem por suas vidas. No caso de lideranças indígenas feministas mapuche, não recebendo atenção estatal, estas têm recorrido a manifestações de protestos, como as mencionadas por Pinzauti (2023, p. 162), na expectativa de fortalecerem os laços de solidariedade transnacionais, não apenas para angariarem apoio a suas agências, como também em busca de garantir sua sobrevivência. Ampliando o leque ilustrativo sobre esse tema, destaco a weychafe - guerreira - mapuche Moira Millan, que tem se engajado em causas, como o feminicídio, ocorridas nas comunidades mapuche - uma das problemáticas ignoradas pelo Estado. Millan (2015) relata que denuncia os casos de feminicídio indígena “porque não são situações particulares de violência machista doméstica, mas sim um planejamento intrinsecamente vinculado às corporações extrativistas”.31

A perseguição e a violência permeiam o histórico do povo mapuche, em grande medida, devido às investidas de empresas extrativistas em suas terras, com vistas a explorarem, sobretudo, petróleo, mineração e gás. Diante dessa realidade e desprotegidas da segurança estatal, as mapuches sofrem violência física e sexual por parte dos exploradores; e aquelas determinadas a resistir aos avanços extrativistas, com frequência, são perseguidas e/ou assassinadas.

A resistência a questões como essas, experienciadas pelas mapuches, envolvendo violência física e sexual e feminicídio, pode encontrar maior adensamento quando em uníssono com outros grupos reunidos em torno de causas em comum. Em conexão, agências de diferentes grupos culturais deixam de ser vistas como ações isoladas/locais, para serem compreendidas como partes integrantes de um todo/global em busca de conquistas e de direitos em comum.

Em posicionamento a esse respeito, Barrancos (2022, p. 15) enfatiza que “movimentos integrados pelas mulheres decididas a conquistar direitos implicam a constituição de agências toda vez que sustentam um programa de reivindicações”. Assim sendo - retomando o raciocínio sobre Un Violador en Tu Camino -, parece claro que essa formulação de Barrancos favorece a compreensão de que a performance de Las Tesis, juntamente com suas diversas traduções e adaptações, constitui-se como parte essencial de uma agência representada por vozes plurais contra a violência de gênero.

Aliás, a Índia figura entre as tantas ilustrações sobre as culturas que se beneficiaram ao juntarem-se às reivindicações de Las Tesis. Na Índia, onde especificidades de gênero, religião, casta e classe são questões centrais para a tradução feminista - e exploradas em trabalhos de autoras como Gayatri Spivak (1992) e Tejaswini Niranjana (1998) -, a letra de Un Violador en Tu Camino foi traduzida tendo uma reivindicação ligada à cidadania incorporada em seu núcleo. Rajvi Desai (2020) relata que a letra “foi adaptada para protestar contra uma questão política maior - o Registro Nacional de Cidadãos e a Lei de Emenda à Cidadania, que, se combinados, têm o poder de tirar a cidadania de muitas comunidades minoritárias na Índia”.32 Desse modo, a força motriz que impulsionou esse ato, ecoado primeiramente na América Latina, provocou uma mudança de cenário nas ruas na Índia, revelando um protagonismo creditado às mulheres.

Nesse novo panorama, figuraram mulheres que se sentiam confortáveis ​​durante os protestos em espaços públicos, o que serviu como um indicador do aumento da consciência, por parte das mulheres pertencentes a todos os estratos da sociedade, em relação a problemas referentes à classe, à casta, à religião e a gênero enfrentados por elas (Desai, 2020). A interrupção do silêncio feminino incitado por Un Violador en Tu Camino pôde ser vista em Shaheen Bagh, em Déli, por exemplo, onde:

[...] mulheres muçulmanas de classes socioeconômicas predominantemente desfavorecidas realizaram um protesto por quase um mês, desafiando o frio e a polícia tentando separá-las. Emulando seu exemplo, mulheres em todo o país - do Park Circus de Calcutá ao Shanti Bagh de Gaya em Bihar - realizaram protestos, dando ao resto da Índia a mesma imagem poderosa de um mar de mulheres pacíficas se recusando a ceder. Conforme relatado por um manifestante de Calcutá ao Scroll: ‘Queríamos destacar a violência patriarcal que a ideia de Modi de um Rashtra Hindu representa’. Aqui, os manifestantes indianos elevaram o foco de ‘Um estuprador em seu caminho’ da violência sexual contra mulheres para uma forma masculinizada de opressão aplicada às comunidades minoritárias da Índia33 (Desai, 2020).

De um modo geral, essa síntese apresentada por Desai (2020) expõe o que podemos chamar de indícios importantes de transformação na sociedade indiana, onde mulheres que assumem posições ativas e desafiadoras das estruturas de poder tradicionais - instigadas por uma provocação reverberada por meio do ato tradutório -, se unem para expressar as injustiças que as afetam diretamente. No tocante à menção ao primeiro-ministro, Narendra Modi, é preciso lembrar que ele tem sido acusado de operar em prol do desenvolvimento de um Rashtra ou estado hindu, a partir da coalizão entre nacionalismo conservador de direita e religião.

O movimento de Modi nessa direção apresenta controvérsias, pois retrata um empenho para a implementação da supremacia cultural, política e social na Índia. Dentre as implicações disso, tem-se a marginalização de comunidades muçulmanas e cristãs, as quais são minoritárias naquele país. Dessa forma, as informações mencionadas anteriormente por Desai (2020) validam a ideia de que o envolvimento de resistência feminista na Índia, partindo do protesto intermediado por Un Violador en Tu Camino, ilustra como os movimentos estão interligados à luta por direitos humanos em uma forma mais ampla naquela cultura.

Na Itália, a intervenção de Las Tesis foi difundida primeiramente em dezembro de 2019 - um mês após sua primeira apresentação chilena - na cidade de Roma, sob a organização do movimento feminista Non Uma Di Meno.34 Em seguida, um número massivo de mulheres ocupou espaços públicos em Milão, Bolonha, Torino, Pádua, Modena, Nápoles, Gênova, Florença, dentre outras, aderindo ao movimento em solidariedade às chilenas. De suas vozes podia-se ouvir a versão italiana da letra de Las Tesis, Un violentatore sulla tua strada, que acompanhava quase que na íntegra a letra composta pelas quatro criadoras desse coletivo. Isso porque, na tradução italiana, há uma ampliação no que diz respeito à atribuição de responsabilidade pela violência contra as mulheres quando comparada à composição chilena.

Com efeito, a versão italiana traz uma alusão adicional à Igreja, sendo esta apontada como um dos “estupradores” ao lado dos demais agentes elencados por Las Tesis, devido, por exemplo, ao seu posicionamento contrário ao debate acerca da violência de gênero nos espaços escolares. A letra traduzida informa: “Você é o estuprador / Os guardas / Os juízes / O estado / A igreja”35 (Dinamopress, 2019).

É válido mencionar que as ilustrações aqui selecionadas e apresentadas refletem apenas uma pequena amostra do universo atingido pelas traduções de Un Violador en Tu Camino, não esgotando a projeção alcançada pela obra artística de Las Tesis. Entretanto, elas se mostram relevantes para visualizarmos e compreendermos o potencial teor dessa performance e, por conseguinte, da tradução - que patrocinou a sua circulação em uma escala transnacional - para a concretização de mudanças sociais valorosas em prol das mulheres em distintos contextos.

Considerações finais

A partir desta discussão, procurei demonstrar de que modo a tradução, enquanto um potencial expediente para a luta feminista transnacional contra a violência contra as mulheres, alavancou a intervenção artístico-ativista Un Violador en Tu Camino. Ao tomar como exemplo distintos contextos culturais, realcei um quadro diversificado de temas, os quais foram inseridos - ou mesmo acentuados - durante o processo tradutório da letra composta por Las Tesis. Feminicídio, genocídio, descontentamento com a omissão do Estado em relação aos direitos das mulheres, políticas antiaborto, violência física e sexual, supremacia cultural, violência contra a população indígena, exploração sexual de mulheres indígenas, apropriação indevida de terras e recursos de comunidades indígenas, cidadania, enfrentamentos femininos oriundos da interseccionalidade entre classe, casta, religião e gênero e insatisfação com posicionamentos religiosos acerca da violência de gênero figuram dentro desse quadro temático.

Esse quadro, portanto, expressa sobremaneira o poder transformador do coletivo Las Tesis, alcançado a partir de seu engajamento no movimento feminista de seu país e da força da tradução. Além disso, ele também ajuda a espelhar o papel sine qua non da tradução para que os ativismos femininos, as causas de gênero, as denúncias sociais se tornem visíveis em um plano transnacional. Dessa maneira, essa tarefa pode ser compreendida sob a perspectiva de sua função catalizadora, agregadora e necessária aos movimentos sociais, já que ela tem o poder de conectar pessoas com objetivos em comum, a exemplo daquelas que encontraram em Un Violador en Tu Camino um meio eficaz para ecoarem reivindicações compartilhadas.

Assim, se, como menciona Alejandra Riveros Martínez (2023/2024, p. 100), “o cenário social atual (contextos) é aquele que propicia um ambiente para que os coletivos, movimentos e diversas organizações se manifestem para expressar descontentamento e denunciar aquilo que deve mudar”,36 por consequência, é esse cenário que se torna propício para a contínua convocação de profissionais da tradução ao engajamento ativista - assegurando-lhes a visibilidade. Por isso, resta ainda registrar que participantes de grupos envolvidos em ativismos, como os protagonizados pelo coletivo chileno Las Tesis, podem também ser considerados tradutoras/tradutores, haja vista seu papel mediador - comunicando/traduzindo suas perspectivas - no que se refere a mudanças sociais, políticas e culturais, tema, aliás, que merece ampliação.

Referências

  • BAKER, Mona. “Beyond the Spectacle: Translation and Solidarity in Contemporary Protest Movements”. In: BAKER, Mona. Translating Dissent Reino Unido: Routledge, 2015. p. 1-8.
  • BARRANCOS, Dora. História dos feminismos na América Latina Traduzido por Michelle Strzoda. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2022.
  • BORGES, Thiago. “De Marielle à Paraisópolis: procurando brechas para resistir ao genocídio do Estado”. Periferia em movimento, 2020. Disponível em Disponível em https://periferiaemmovimento.com.br/de-marielle-a-paraisopolis-procurando-brechas-pra-resistir-ao-genocidio-do-estado/ Acesso em 24/06/2024.
    » https://periferiaemmovimento.com.br/de-marielle-a-paraisopolis-procurando-brechas-pra-resistir-ao-genocidio-do-estado/
  • BRASIL. Ministério das Mulheres. Relatório anual socioeconômico da mulher Brasília: 2024, 468p. Disponível em Disponível em https://www.gov.br/mulheres/pt-br/central-de-conteudos/noticias/2024/abril/relatorio-anual-socioeconomico-da-mulher-volta-a-ser-publicado-apos-quatro-anos/MMulheres_RASEAM_2024.pdf Acesso em 20/08/2024.
    » https://www.gov.br/mulheres/pt-br/central-de-conteudos/noticias/2024/abril/relatorio-anual-socioeconomico-da-mulher-volta-a-ser-publicado-apos-quatro-anos/MMulheres_RASEAM_2024.pdf
  • CARNEIRO, Henrique Soares. “Rebeliões e ocupações de 2011”. In: HARVEY, David; DAVIS, Mike; ZIZEK, Slavoj; ALI, Tariq; SAFATLE, Vladimir. Occupy: movimentos de protestos que tomaram as ruas Traduzido por João Alexandre Peschanski e outros. São Paulo: Boitempo, 2012.
  • CASTRO, Olga. “(Re)Examinando horizontes nos estudos feministas de tradução: em direção a uma terceira onda?”. Traduzido por Beatriz Regina Guimarães Barboza. TradTerm, São Paulo, v. 29, p. 216-250, 2017. Disponível em Disponível em https://www.revistas.usp.br/tradterm/article/view/134563/130370 Acesso em 12/07/2024.
    » https://www.revistas.usp.br/tradterm/article/view/134563/130370
  • CASTRO, Olga; SPOTURNO, María. “Feminismos e tradução: apontamentos conceituais e metodológicos para os estudos feministas transnacionais da tradução”. Traduzido por Maria Barbara Florez Valdez e Beatriz Regina Guimarães Barboza. Cadernos de Tradução, Florianópolis, v. 42, n. 1, p. 1-59, 2022. DOI: 10.5007/2175-7968.2022.e81122. Acesso em 28/01/2024.
    » https://doi.org/10.5007/2175-7968.2022.e81122
  • COLETIVO LAS TESIS. Intervención colectivo LASTESIS. YouTube, 20/11/2019. Disponível em Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=9sbcU0pmViM Acesso em 12/06/2024.
    » https://www.youtube.com/watch?v=9sbcU0pmViM
  • DESAI, Rajvi. “Why Indian Protesters Sang Chilean Anti-Rape Anthem”. The Swaddle, 2020. Disponível em Disponível em https://www.theswaddle.com/why-indian-women-protesters-sang-a-chilean-anti-rape-anthem Acesso em 16/06/2024.
    » https://www.theswaddle.com/why-indian-women-protesters-sang-a-chilean-anti-rape-anthem
  • DINAMOPRESS. “Roma, centinaia di donne al flashmob ‘Un violador en tu camino’”. DINAMOPRESS, Itália, 12/2019. Disponível em Disponível em https://www.dinamopress.it/news/300-donne-al-flashmob-un-violador-en-tu-camino/ Acesso em 22/06/2024.
    » https://www.dinamopress.it/news/300-donne-al-flashmob-un-violador-en-tu-camino/
  • DOERR, Nicole. A Political Translation: How Social Movement Democracies Survive Reino Unido: Cambridge University Press, 2018.
  • DURAND, Constanza Hormazábal. “LAS TESIS y Su Apropiación Alrededor Del Mundo: Una Mirada Desde La Comunicación Política”. Chasqui - Revista Latinoamericana de Comunicación, Equador, v. 1, n. 148, p. 107-120, 2021/2022. DOI: 10.16921/chasqui.v1i148.4549. Acesso em 22/03/2024.
    » https://doi.org/10.16921/chasqui.v1i148.4549
  • FEDERICI, Silvia. Calibã e a Bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva Trad. Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2023.
  • FILO.NEWS. “El himno feminista ‘Un violador en tu camino’ llega a Buenos Aires”. FILO.NEWS, 2019. Disponível em Disponível em https://www.filo.news/genero/El-himno-feminista-Un-violador-en-tu-camino-llega-a-Buenos-Aires-20191206-0055.html Acesso em 14/06/2024.
    » https://www.filo.news/genero/El-himno-feminista-Un-violador-en-tu-camino-llega-a-Buenos-Aires-20191206-0055.html
  • FLOTOW, Luise von. Tradução e Gênero: Traduzindo na ‘Era do Feminismo’ Routledge, 1997.
  • FLOTOW, Luise von. “On the challenges of transnational feminist translation”. TTR. Traduction, Terminologie, Rédaction, Quebec, v. 30, n. 1-2, p. 173-94, 2017. DOI: 10.7202/1060023ar. Acesso em 15/06/2024.
    » https://doi.org/10.7202/1060023ar
  • FONSECA, Ana Carolina da Costa e. “Aborto: um problema moral?”. In: BORGES, Maria de Lourdes; TIBURI, Marcia; CASTRO, Susana de (Orgs.). Filosofia Feminista São Paulo: Senac São Paulo, 2023. p. 313-332.
  • HANSEN-ROJAS, Gunhild; HERNÁNDEZ, Jorge Rojas. “Social Awakening Against Neoliberal Inequalities”. Global Dialogue, 2020. Disponível em Disponível em https://globaldialogue.isa-sociology.org/articles/social-awakening-against-neoliberal-inequalities Acesso em 24/05/2024.
    » https://globaldialogue.isa-sociology.org/articles/social-awakening-against-neoliberal-inequalities
  • HECHLER, Stefanie; CHAYINSKA, Maria; WEKENBORG, Clara Sophie; MORAGA-VILLABLANCA, Felipe; KESSLER, Thomas; McGARTY, Craig. “Why Chile ‘Woke Up’. Antecedents of the Formation of Prochange Group Consciousness Promoting Collective Action”. Political Psychology, v. 45, n. 1, p. 3-211, 2024. Disponível em Disponível em https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/pops.12906 Acesso em 08/06/2024.
    » https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/pops.12906
  • HERRERA, Heidi. Ni Una Menos! Feminist Artivism and Collective Resistance Against Feminicide in Latin America 2020. 110f. Mestrado em História da Arte - Universidade da Califórnia, Estados Unidos. ProQuest Dissertations & Theses, 2020. Disponível em Disponível em https://www.proquest.com/docview/2460090047?pq-origsite=gscholar&fromopenview=true&sourcetype=Dissertations%20&%20Theses Acesso em 16/06/2024.
    » https://www.proquest.com/docview/2460090047?pq-origsite=gscholar&fromopenview=true&sourcetype=Dissertations%20&%20Theses
  • LAS TESIS. “Entrevista a Las Tesis ‘la intervención o el problema que plantea es transversal’”. Entrevista concedida a Camilo Cáceres Infante. Arte Al Límite, Chile, 2019. Disponível em Disponível em https://www.arteallimite.com/2019/12/12/entrevista-a-las-tesis-la-intervencion-o-el-problema-que-plantea-es-transversal/ Acesso em 06/06/2024.
    » https://www.arteallimite.com/2019/12/12/entrevista-a-las-tesis-la-intervencion-o-el-problema-que-plantea-es-transversal/
  • LAS TESIS. Quemar el miedo Madri: Editorial Planeta, 2021.
  • LIINASON, Mia. “The Performance of Protest: Las Tesis and the New Feminist Radicality at the Conjunction of Digital Spaces and the Streets”. Feminist Media Studies, Londres, v. 24, n. 3, p. 430-447, 2024. DOI: 10.1080/14680777.2023.2200472. Acesso em 12/06/2024.
    » https://doi.org/10.1080/14680777.2023.2200472
  • MILLAN, Moira. “Resistencias: trenza la lucha”. LAS 12, Argentina, 2015. Disponível em Disponível em https://www.pagina12.com.ar/diario/suplementos/las12/13-9645-2015-04-17.html Acesso em 04/07/2024.
    » https://www.pagina12.com.ar/diario/suplementos/las12/13-9645-2015-04-17.html
  • NIRANJANA, Tejaswini. “Feminism and Translation in India: Contexts, Politics, Futures”. Cultural Dynamics, Índia, v. 10, n. 2, p. 133-146, 1998. Disponível em Disponível em https://www.academia.edu/65163267/Feminism_and_Translation_in_India_Contexts_Politics_Futures Acesso em 14/07/2024.
    » https://www.academia.edu/65163267/Feminism_and_Translation_in_India_Contexts_Politics_Futures
  • PINZAUTI, Giorgia. “Un Violador En Tu Camino: An Artistic Intervention against Patriarchal Injustice in Chile”. Yearbook for Traditional Music, v. 55, n. 2, p. 147-170, 2023. Disponível em Disponível em https://www.cambridge.org/core/services/aop-cambridge-core/content/view/F5C7A71EDCE1B25583F074ADB09DB40C/S0740155823000243a.pdf/un-violador-en-tu-camino-an-artistic-intervention-against-patriarchal-injustice-in-chile.pdf Acesso em 27/05/2024.
    » https://www.cambridge.org/core/services/aop-cambridge-core/content/view/F5C7A71EDCE1B25583F074ADB09DB40C/S0740155823000243a.pdf/un-violador-en-tu-camino-an-artistic-intervention-against-patriarchal-injustice-in-chile.pdf
  • RIVEROS MARTÍNEZ, Alejandra. “Lastesis: el discurso de una comunicación feminista estratégica”. Cuadernos del Centro de Estudios en Diseño y Comunicación, Argentina, p. 87-105, 2023/2024. Disponível em Disponível em https://dspace.palermo.edu/ojs/index.php/cdc/article/view/9825/16585 Acesso em 21/07/2024.
    » https://dspace.palermo.edu/ojs/index.php/cdc/article/view/9825/16585
  • RUBÍ, Antoni Gutiérrez. ARTivismo: El poder de los lenguajes artísticos para la comunicación política y el activismo Barcelona: Editorial UOC, 2021.
  • SEGATO, Rita Laura. “La Estructura de género y el mandato de violación”. In: SEGATO, Rita Laura. Las estructuras elementares de la violencia. Ensayos sobre género entre la antropologia, el psicoanálisis y los derechos humanos Bernal: Universidad de Quilmes, 2003. p. 21-53.
  • SPIVAK, Gayatri. “The Politics of Translation”. In: VENUTI, Lawrence (Org.). The Translation Studies Reader Londres e Nova Iorque: Routledge, 1992. p. 397-416.
  • SETE LAGOAS. “Mineiras recriam o ato feminista chileno em Belo Horizonte”. Sete Lagoas, 16/12/2019. Disponível em Disponível em https://setelagoas.com.br/noticias/minas/59012-mineiras-recriam-ato-feminista-chileno-em-belo-horizonte/ Acesso em 27/05/2024.
    » https://setelagoas.com.br/noticias/minas/59012-mineiras-recriam-ato-feminista-chileno-em-belo-horizonte/
  • SOUZA, Renata. “Feminicídio Político: um estudo sobre a vida e a morte de Marielles”. Cadernos de Gênero e Diversidade, v. 06, n. 02, p. 119-133, abr.-jun 2020. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufba.br/index.php/cadgendiv/article/view/42037/23131 Acesso em 20/05/2024.
    » https://periodicos.ufba.br/index.php/cadgendiv/article/view/42037/23131
  • RYSSEGHEM, Sibila Sotomayor van. “Set Fear on Fire! A Conversation with the Collective LAS TESIS on Aesthetic, Performance and Feminist Resistant Practices”. Entrevista concedida à Edith Otero Quezada e Lívia de Souza Lima, 29/09/2021. In: LIMA, Lívia de Souza; QUEZADA, Edith Otero; ROTH, Julia (Orgs.). Feminisms in Movement: Theories and Practices from the Americas Bielefeld: Transcript Publishing, 2024.
  • WEIHMÜLLER, Valentina Carranza; SOUSA, Ana Lúcia Nunes de; CAETANO, Karina de Cássia. “Feminismo(s) y videoactivismo en Un violador en tu camino”. Revista nuestrAmérica, v. 9, n. 17, p. 1-19, 2021.
  • 1
    Na fonte: “La experiencia de una es la experiencia de todas”.
  • 2
    A autoria das traduções apresentadas neste artigo é conferida à sua autora.
  • 3
    Na fonte: “A parody of the slogan used by the Carabineros de Chile (the national police force) that references the police as ‘un amigo en tu camino’”.
  • 4
    Na fonte: “as a disruptive and communicative practice developed by activists”.
  • 5
    O termo evoca diálogo compartilhado e colaborativo que se estabelece através e apesar dos marcos fronteiriços e idiomas, visando à promoção de interesses comuns (Luise von FLOTOW, 2017, p. 175).
  • 6
    Referência ao movimento devido aos seus manifestantes adotarem guarda-chuvas para se protegerem do sol, da chuva e sprays de pimenta usados pela polícia durante as manifestações.
  • 7
    Na fonte: “[Piñera] decreed a state of emergency and curfew in different cities with thearmed forces assuming political control in a state of constitutional exception”.
  • 8
    Vale citar, nesse sentido, que durante a eclosão dos protestos chilenos, em 2018, diversas jovens ocuparam a Faculdade de Direito da Universidade do Chile, por mais de dois meses, em protesto contra práticas de assédio sexual perpetradas por um professor e ex-presidente do Tribunal Constitucional dentro do contexto acadêmico.
  • 9
    Nem Uma a Menos.
  • 10
    Na fonte: “As protests intensified, the ‘boils of silence, of fear, a burst of anger that demanded dignity in an organised way’, the police’s brutal violence, or carabineros, increased under presidential orders in an attempt to silence and curb a popular anger that was now escalating. […] we can say that the estallido social came to represent the awakening of Chilean society: The feminist and the student movement shook Chilean society from its neoliberal haze, showing that fearless action can engender change and trauma can be basis for collective action (Green Rioja 2021:15). In this process, the contribution of the feminist movement was essential”.
  • 11
    Na fonte: “[...] el colectivo estrenó su performance ‘Un violador en tu camino’ que se convirtió rápidamente en un himno feminista y un fenómeno de denuncia de la violencia contra la mujer, con un alcance global insospechado”.
  • 12
    Na fonte: “[...] vinculadas a diversas disciplinas, artes escénicas, ciencias sociales, literatura, historia, diseño, diseño de vestuario vinculado también al territorio”.
  • 13
    Na fonte: “[...] se forma este colectivo con la premisa de llevar contenidos de la teoría a la práctica, llevar teorías feministas a un dispositivo para múltiples audiencias. Esto quiere decir traducir contenidos, traducir las palabras de estos libros de teóricas feministas que mucha gente no se va a leer, a lo sonoro, lo visual, el vestuario, lo corporal, etc. Esto en conjunto sintetiza esta tesis y pueden finalmente estos contenidos, estas ideas, llegar a muchas más personas que, evidentemente, nunca imaginamos la cantidad de personas a las que íbamos a llegar con esta premissa”.
  • 14
    Na fonte: “[...] the oppression of women’s bodies sustains the capitalist system, as Silvia Federici states. Being a Marxist herself, she makes this important critique of how Marx specifically did not consider the reproductive sphere that sustains capitalism”.
  • 15
    Na fonte: “[...] the unpaid work of childrearing, raising new workers, new women workers, etc.”.
  • 16
    Na fonte: “[…] Cuerpo-Territorio [BodyTerritory], which is part of this extractivism that keeps the capitalist machine transforming itself”.
  • 17
    Na fonte: “[...] consider the significance of these bodies, their vulnerability, and what it means for women’s bodies and dissident corporealities of the sexual-gender system, for example, to occupy the public space to manifest themselves”.
  • 18
    Na fonte: “[…] even though we are an interdisciplinary collective that expresses its opinion using different languages, the basis of our work is always the performance; it is our bodies. We as performers are constantly activating [our bodies], whether on a stage with our work, in the street, at a concert, or a demonstration in a public space. This is always present because we also believe in the transformative potential of performance, of how a body activates the political in a way that generates changes for the better, disturbances, and changes at the level of institutional politics, for example, regardless of whether we are militants in that sphere”.
  • 19
    Na fonte: “Some suggest that the blindfolds are a symbol, constructing women as one social group and putting the multiple differences between women aside (Miranda 2019), and commentators have described the blindfolds as a symbol of the often invisible way institutions facilitate gender-based violence (Rose 2020), picked up in the lyrics by the phrase y nuestro castigo es la violencia que ya ves (our punishment is the violence you don’t see). Others have read the blindfolds as a reference to the materialities of the violence of state regimes, linking them to local histories of violence and abuse, such as the victims of the eye injuries during the 2019-2020 protests in Chile and to the torture center during the Pinochet regime, where female political prisoners were blindfolded as they were subjected to sexual violence and other forms of torture” (Martin and Shaw 2021). […] the wearing of blind-folds has been seen to offer performers collective safety, allowing for anonymity while expressing their experiences. Overall, the blindfolds emphasize collectivity and anonymity. […] the blindfolds work as one key marker of the visual grammar of the performance, giving them an instantly recognizable aesthetical expression across diverse re-enactments”.
  • 20
    Na fonte: “El violador eras tú”.
  • 21
    Na fonte: “Un violador em tu camino/ El patriarcado es un juez/ que nos juzga por nacer, / y nuestro castigo / es la violencia que no ves. (x2) / Es feminicidio. / Impunidad para mi asesino. / Es la desaparición. / Es la violación. / Y la culpa no era mía, ni dónde estaba ni cómo vestía. (x4) / El violador eras tú, / El violador eres tú. / Son los pacos / los jueces, / el Estado, / el presidente. El Estado opresor es un macho violador. (x4) / El violador eras tú. (x2) / Duerme tranquila, niña inocente / sin preocuparte del bandolero, / que por tu sueño dulce y sonriente / vela tu amante carabinero. / El violador eres tú (x4)”.
  • 22
    Na fonte: “integral elements of the revolutionary project”.
  • 23
    Na fonte: “[…] the many facets of translation and the way they impact the evolving political landscape today”.
  • 24
    “A conceituação de feminicídio político parte da observação inquietante do papel da mulher na política e o contexto sobre o qual ocorre a execução sumária de uma mulher preta, favelada, LGBT em carreira política ascendente no parlamento brasileiro. Marielle foi eleita por 46.502 pessoas que compreenderam que toda a sua luta contra as desigualdades sociais, em especial as de gênero, raça e classe, é necessária para que a humanidade não se desumanize” (Souza, 2020, p. 128).
  • 25
    Sigla designada para referenciar pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros, intersex, assexuados e demais orientações, identidades e expressões sexuais diversas da heterossexualidade hegemônica.
  • 26
    Na fonte: “Señora jueza [...] No se sorprenda y entienda bien / que el aborto, será ley / El aborto, será ley / El aborto, será ley / El aborto será ley”.
  • 27
    Na fonte: “[…] while adapting and translating the lyrics into Mapudungun, the Mapuche language”.
  • 28
    Na fonte: “[…] typical Mapuche dresses and jewels such as necklaces rather than party clothing, as a reference to their specific Indigenous identity”.
  • 29
    Na fonte: “[…] While their first performances were in Spanish, some of the participants who are also part of the Escuela Antisuyu Warmikuna translated the lyrics into local Indigenous languages. Participants wore long dresses embellished with necklaces and belts. They appeared with body paintings and tattoos on their faces and with black blindfolds covering their eyes, therefore keeping original costume elements that remind state gender violence and adapting others to their realities and identities as Indigenous persons”.
  • 30
    Na fonte: “[These communities] could make use of Las Tesis’s performance to challenge the specific gender violence perpetrated against their communities by the state”.
  • 31
    Na fonte: “denunciamos feminicidios porque no son situaciones particulares de violencia machista doméstica, sino de una planificación intrínsecamente vinculada con las corporaciones extractivistas”.
  • 32
    Na fonte: “[the song] has been adapted to rally against a larger political issue - the National Register of Citizens and the Citizenship Amendment Act, which if combined have the power to strip many minority communities in India of their citizenship”.
  • 33
    Na fonte: “[…] Muslim women from predominantly disadvantaged socio-economic classes have carried out a sit-in for almost a month, braving cold weather and law enforcement attempting to break them up. Emulating their example, women across the country - from Kolkata’s Park Circus to Gaya’s Shanti Bagh in Bihar - have carried out sit-ins in protest, giving the rest of India the same powerful visual of a sea of peaceful women refusing to budge. As told by a Kolkata protester to Scroll: “We wanted to highlight the patriarchal violence that Modi’s idea of a Hindu Rashtra represents.” Here, Indian protesters have elevated the focus of ‘The Rapist In Your Path’ from sexual violence against women to a masculinized form of oppression being dealt to India’s minority communities”.
  • 34
    Nem uma a menos.
  • 35
    Na fonte: “Lo stupratore sei tu / Le guardie / I giudici / Lo stato / La chiesa”.
  • 36
    Na fonte: “el escenario social actual (contextos) es el que propicia un entorno para que los colectivos, movimientos y diversas organizaciones se manifiesten para expresar descontento y denunciar aquello que debe cambiar”.
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:
    COSTA, Andréa Moraes da. “Tradução feminista e movimentos sociais: o caso de Un violador en tu camino”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 33, n. 3, e106812, 2025.
  • Financiamento:
    Não se aplica
  • Consentimento de uso de imagem:
    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:
    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Ago 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    02 Maio 2025
  • Aceito
    08 Maio 2025
location_on
Centro de Filosofia e Ciências Humanas e da Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário - Trindade, CEP: 88040-970, Telefone: +55 (48) 3721-8211 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: ref@contato.ufsc.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Reportar erro