Resumo:
No presente artigo, analisa-se como influenciadoras digitais fitness se inscrevem pornoeroticamente no Instagram com vistas à divulgação e venda de produtos, rotinas de treinamento físico e estilos de vida saudáveis. Metodologicamente, as postagens das seis influencers mais seguidas do perfil “musasfitness.” foram acompanhadas entre 01 de janeiro a 31 de março de 2022. Desde a categoria pornoerotismo, as imagens e os textos postados evidenciam um processo de economia da atenção de seus seguidores mediados pela pornificação de seus corpos, mecanismo que potencializa o conteúdo que produzem e gera, como efeito, uma tecnologia capaz de conduzir suas próprias condutas e a de seus seguidores num processo que institui parâmetros sobre bem-estar, saúde, beleza e, principalmente, as condições sobre as quais a pornificação dos corpos se torna oportuna para as mulheres.
Palavras-chave:
Pornoerotismo; Influenciadoras fitness, Economia da atenção; Governamento
Abstract:
The article analyzes how digital fitness influencers engage in pornography on Instagram in order to promote and sell products, physical training routines and healthy lifestyles. Methodologically, the posts of the six most-followed influencers on the “musasfitness.” profile were monitored between January 1 and March 31, 2022. From the category of pornography, the images and texts posted show a process of saving the attention of their followers mediated by the pornification of their bodies, a mechanism that enhances the content they produce and generates as an effect, a technology capable of conducting their own behavior and that of their followers in a process that establishes parameters on well-being, health, beauty and, above all, the conditions under which the pornification of bodies becomes opportune for women.
Keywords:
Pornoeroticism; Fitness influencers, Attention economy; Governmentality
Resumen:
El artículo analiza cómo las influencers digitales de fitness se registran pornográficamente en Instagram para promocionar y vender productos, rutinas de fitness y estilos de vida saludables. Metodológicamente, se monitorizaron los posts de las seis influencers más seguidas en el perfil “musasfitness.” entre el 1 de enero y el 31 de marzo de 2022. Desde la categoría de pornografía, las imágenes y textos posteados muestran un proceso de captación de la atención de sus seguidores mediado por la pornificación de sus cuerpos, mecanismo que potencia el contenido que producen y genera como efecto, una tecnología capaz de conducir su propio comportamiento y el de sus seguidores en un proceso que establece parámetros sobre el bienestar, la salud, la belleza y, sobre todo, las condiciones bajo las cuales la pornificación de los cuerpos se vuelve oportuna para las mujeres.
Palabras clave:
Pornoerotismo; Influenciadores del fitness, Economía de la atención; Gubernamentalidad
Introdução
O mercado fitness e wellness1 no Brasil, há décadas, tem se mostrado como um segmento consolidado e se constituído em um dos mais promissores do mundo (Bruno FERNANDES; Poliana VALENTE, 2018). Com mais de 31 mil academias em funcionamento em todo território nacional, o Brasil é o segundo país com maior número de centros de treinamento, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Em relação ao número de praticantes, o Brasil ocupa a quarta posição mundial, sendo o único país fora do eixo Europa-América do Norte com maior número de pessoas vinculadas às academias de ginástica e musculação (FERNANDES; VALENTE, 2018). Dados do “Relatório de Inteligência Setorial Fitness Sebrae” apontam como a cultura fitness2 faz movimentar o mercado de academias, mobiliza praticantes e indica demandas e expectativas profissionais. A exemplo disso, em 2020, foram contabilizados 1.582 cursos de formação superior e aproximadamente 61.000 novos licenciados e bacharéis em Educação Física, números que, ao mesmo tempo que indicam a dimensão da cultura fitness no Brasil, dão indícios de saturação do campo, haja vista o volume de sujeitos habilitados ao exercício profissional na área do fitness e wellness (Oromar Augusto dos Santos NASCIMENTO et al., 2024). Nesse contexto, o campo profissional no âmbito das Ciências do Movimento Humano parece demandar outras habilidades que estão além dos conhecimentos obtidos em processos educativos oficiais. Para além das competências técnicas, a capacidade de obter e reter alunos vai se tornando uma condição para o sucesso profissional. Como ferramenta largamente utilizada para atestar a qualificação técnica, para divulgar serviços, estilos de vida e produtos diversos, as redes sociais têm sido capazes de converter profissionais de Educação Física em influencers. Com a intenção de compreender o uso que esses influenciadores fitness têm feito dessas redes, este artigo aborda perfis sociais de mulheres profissionais da área fitness e wellness e suas estratégias para se movimentarem no Instagram e se manterem relevantes nesse contexto.
Afora a centralidade do corpo que há muito vem sendo utilizada como elemento central da cultura fitness, algumas influenciadoras acionam outros recursos na composição das fotos publicadas em seus perfis. Entre frases motivacionais, publicidades das mais diversas e imagens do tipo “antes e depois”, essas mulheres parecem acionar elementos de uma linguagem sexual ao produzirem determinados enquadramentos, adotarem determinadas poses e incorporarem um conjunto de representações popularizadas como pornoeróticas. Assim, no presente artigo, analisa-se como as influenciadoras digitais fitness se inscrevem pornoeroticamente no Instagram com vistas à divulgação e à venda de produtos, rotinas de treinamento físico e estilos de vida saudáveis.
Referencial teórico-metodológico
Diferentemente das possibilidades que se colocavam anteriormente ao advento da rede mundial de computadores, atualmente, as produções pornográficas são encontradas em diversos espaços, não estando mais restritas a uma banca de revistas ou a alguma videolocadora do ramo. Além disso, a dimensão pornográfica da cultura não se restringe apenas ao que se convencionou reconhecer como cenas de sexo explícito (Mariana BALTAR; Nayara BARRETO, 2014). Clipes musicais, ensaios fotográficos, publicidades diversas, postagens nas redes sociais e, até mesmo, a mídia infantil (Liliane PRESTES; JANE, 2015), têm sido esferas da sociedade em que o apelo ao “pornô” é acionado. Isso posto, considerando a dimensão mais ampla e capilarizada da pornografia, Claudia Attimonelli e Vincenzo Susca (2017) sistematizam a noção de pornoerotismo enquanto um mecanismo capaz de mobilizar e produzir desejo ao conjugar dimensões da pornografia e do erotismo “como dois polos de uma mesma tensão” (ATTIMONELLI; SUSCA, 2017, p. 08). Seria, portanto, “um dispositivo voluptuoso, [...] que solicita um instinto carnal, graças a uma acessibilidade inaudita aos instrumentos de prazer, à tecnologia e à interatividade” (ATTIMONELLI; SUSCA, 2017, p. 08-09). Nessa justaposição em que a pornografia vai sendo erotizada e o erotismo sendo pornografado, outros sentidos vão sendo tecidos na prática social e, assim, o pornoerotismo vai se constituindo em
uma espécie de pornificação do cotidiano, visível não apenas on-line, mas também nos acessórios das lojas e dos mercados, no design e na linguagem corrente; por consequência, uma edulcoração do pornô de largo acesso, regenerado em uma infinidade de práticas sempre novas através de um jogo de reversibilidade constante entre o íntimo e o compartilhado, o privado e o público, o pessoal e o coletivo; [...] (ATTIMONELLI; SUSCA, 2017, p. 09).
O pornoerotismo, ao se manifestar nos corpos e se inscrever nos perfis sociais de influenciadoras fitness, passa a compor os modos como essas mulheres narram a si mesmas. A estruturação das postagens, a edição das fotos, a sequência das publicações e, principalmente, a escolha do conteúdo a ser exibido, refletem um conjunto de intenções políticas, éticas e estéticas que constroem narrativas sobre o que implica ser uma influenciadora digital no universo fitness (Jorge LARROSA, 2004).
Desse modo, a partir da categoria pornoerotismo e advertido pela noção de “narrativas de si”, este artigo tomou como material empírico as postagens, no Instagram, de seis influenciadoras entre 01 de janeiro a 31 de março de 2022, período do verão brasileiro e meses que antecedem as festas de carnaval. A seleção dos perfis acompanhados se deu a partir do acesso à página social intitulada “musasfitness.” no Instagram, uma espécie de compilador de postagens de diversas mulheres que produzem conteúdos atrelados ao universo da “boa forma” e “bem-estar”. No período de produção da pesquisa, o “musasfitness.” possuía o maior número de seguidores entre os perfis sociais que utilizam como nome identificador da página os termos “musas” e “fitness”. Por meio da página, foram acessadas, entre 01 e 15 de dezembro, as últimas 3281 imagens compartilhadas na grade de publicações, processo que permitiu ascender aos perfis sociais nos quais as imagens foram originalmente postadas. Assim, foram identificados perfis que atendessem aos seguintes critérios: serem abertos, com descrição em língua portuguesa, pertencerem a mulheres brasileiras que mencionavam na descrição do perfil vínculo profissional à área do fitness e wellness. Desse processo, foram estratificados os 10 perfis com o maior número de seguidores. Por não apresentarem publicações periódicas no período investigado, 04 dos 10 perfis foram excluídos do quadro de publicações analisadas. Portanto, Carol Saraiva, Renatinha Costa, Vanessa Garcia, Aline Antiqueira, Alessandra Pinheiro e Priscilla Trindade3 tiveram suas postagens salvas por meio de “captura de tela” e posteriormente decupadas mediante a ferramenta “Captura e Esboço”, da empresa Microsoft. A decupagem teve a finalidade de separar o plano de fundo (perfil social da influenciadora) do primeiro plano (postagem da imagem), sendo este último o documento a ser analisado. As imagens decupadas foram organizadas por data e autoria e armazenadas em nuvem.4
Os procedimentos analíticos consideraram a relação entre imagem, pictogramas (emoticons) e texto (legenda das imagens e a interação dos seguidores/usuários). Os diferentes elementos que compõem as postagens foram tomados de modo relacional, uma vez que produzem sentidos possíveis para a visualidade da mensagem.
Tomadas como dados visuais, as imagens foram compreendidas em seu potencial de produzir inúmeros entendimentos em acordo com os caminhos percorridos pelo olhar. As imagens, portanto, resistem à unicidade interpretativa e: “[...] podem fazer emergir todo um leque de caminhos alternativos de questionamento [...]” (Marcus BANKS, 2009, p. 82). Desse modo, na relação entre ver e ser visto, a imagem produz determinados modos e maneiras de as perceber e as experienciar (John BERGER, 1999). No trato com as fotografias, planos imagéticos, temperatura de cor, angulações fotográficas, enquadramento, entre outros, foram considerados nos procedimentos analíticos. Assim sendo, os documentos postados pelas influenciadoras foram concebidos em sua intencionalidade de produzirem sentidos por meio de suas montagens, isto é, as imagens não entendidas como neutras (Jacques AUMONT, 1993). Desse modo,
a imagem, mais do que apenas ilustrar, ornar um texto, representa, descreve, narra, simboliza, expressa, brinca, persuade, normatiza, pontua e educa, além de enfatizar sua própria configuração e chamar a atenção para o seu suporte - a linguagem visual (Maria SCHWENGBER, 2014, p. 268).
Para além da composição entre imagem, os demais elementos gráficos, a rede social Instagram produz epistemologias próprias com objetos ontológicos específicos (Richard ROGERS, 2013). Esse modo de fazer produz um percurso metodológico que “segue” o meio em acordo com as suas dinâmicas instáveis e voláteis. Dessa forma, o que é postado no “Insta” é coproduzido na relação entre os usuários e os mecanismos presentes na plataforma, ou seja, tags, links, hiperlinks, motores de busca, número de curtidas de uma postagem etc. conduziram as escolhas metodológicas e a organização do percurso investigativo. Por conseguinte, a relação entre as postagens, constituídas pelas imagens e textos, o usuário-pesquisador e a rede social virtual Instagram produziram percursos metodológicos digitais e visuais singulares no ínterim do processo analítico que segue.
O pornoerotismo como estratégia econômica da atenção: corpos que divulgam e vendem
A venda de produtos, as rotinas de treinamento físico e a divulgação de estilos de vida saudáveis compõem a tônica das temáticas que percorrem as postagens das influenciadoras digitais fitness. Suplementos alimentares, barras de cereais, roupas esportivas, óleos bronzeadores, entre outros, são alguns exemplos de produtos/marcas que as influenciadoras divulgam em suas redes.
Como exemplo, Vanessa Garcia (@vanessagarciafit) divulga as obras de um centro de treinamento físico patrocinado por uma marca de suplementos alimentares. De luvas e capacete, Vanessa se encontra apoiada em um pilar de madeira e está vestida com um curto top e uma fina calcinha de cor preta. Com o rosto e o olhar fixo para a câmera, a pose assumida por Vanessa evidencia a forma de seu corpo. A musculatura tonificada e a pele lisa e dourada compõem a fotografia que evidencia sua bunda em primeiro plano.5
O corpo pornificado em destaque na postagem capitaliza (Mirian GOLDENBERG, 2010; GOLDENBERG; Marcelo RAMOS, 2002) o que a influenciadora divulga em seu perfil social. O local, o gesto, a postura e a vestimenta materializados na imagem caracterizam o capital e o valor de seu corpo agregados às divulgações de mercadorias em seu perfil. À fotografia, que parece acionar a estética fetichizada da filmografia pornográfica, foi inserida uma legenda que parece descolada da imagem erotizada que a precede: “As obras da nova DNA na Barra da Tijuca já começaram! Eu tô ansiosa e vcs?”. O corpo pornoerotizado de Vanessa Garcia é mobilizado como importante capital, mesmo para divulgar o andamento das obras de um centro de treinamento, um campo em que, aparentemente, ele não seria um poder ou um mecanismo de distinção (GOLDENBERG, 2010).
Na postagem publicada no perfil @alineantiqueira, a influenciadora Aline Antiqueira divulga um cosmético de uso tópico indicado para o combate às estrias e às celulites. De biquíni cinza, bronzeada, sobre uma boia que flutua na superfície de uma piscina, Aline tem seu rosto ocultado pela aba do boné que usa. A influenciadora segura a embalagem do produto que divulga e, na legenda da imagem, pergunta: “Vem cá, você tem estrias ou celulites?? Se sim, precisa conhecer meu dermocosmético Buns of Steel”.6
A pele firme e elástica, resultado prometido pelo produto divulgado, realça a hipertrofia dos músculos e a forma do corpo. De bruços, Aline Antiqueira é posicionada de modo a focar a embalagem do produto e a evidenciar a bunda que se projeta para cima. Dourada, lisa e iluminada pelo sol, a pose da influenciadora parece suscitar um convite ao passo que estimula o desejo. Em contraste com a face encoberta pelo boné, a imagem da “bunda empinada” no centro da fotografia parece assumir o lugar do rosto da influenciadora. Nessa composição imagética que aciona a díade ‘mostrar-sombrear’, a bunda rostificada potencializa a divulgação do produto, personificando o glúteo como resultado do efeito da utilização do cosmético anunciado.7
A estratégia de ocultar o rosto e evidenciar a bunda também foi adotada por Renatinha Costa. Com o corpo bronzeado, tatuado e exposto ao sol, Renatinha se posiciona de costas à beira da piscina, usando um top e a parte de baixo de um biquíni. Com o “bumbum” em primeiro plano da imagem, a influenciadora pergunta às suas seguidoras: “Você está satisfeita com o formato do seu bumbum? Você acha que ele está Wooow ou pode melhorar? Corre lá nos meus stories que eu vou entregar o ouro para ter um bumbum WOOOW através da musculação”. O uso do emoticon que simboliza o fogo ativa a dimensão da novidade que a entrega do “ouro” pode causar.8
O termo inglês “Wow” é usado costumeiramente por essa influenciadora. Tal termo caracteriza o estado de surpresa e espanto que rompe com as expectativas de alguém em relação a alguma coisa. Autora de programas de treinamento, Renatinha Costa faz uso de suas redes sociais para divulgar seu trabalho de consultoria on-line e de venda de pacotes de sessões de exercícios. Com a pele marcada pela musculatura bem trabalhada, Renatinha Costa exibe sua boa forma por meio de uma foto que se diferencia daquelas outras fotos até então analisadas neste artigo. Com um enquadramento pouco preciso e vestindo duas peças de um biquíni que não pertencem a um mesmo conjunto, Renatinha Costa não parece ter sido fotografada por um profissional. Sem “filtro” e sem efeitos que pudessem reparar possíveis senões estéticos, seu bumbum é retratado aparentemente sem truques ou distorções, uma estratégia capaz de conferir autenticidade a um corpo que adota a prescrição de exercícios divulgada na postagem. Assim, os exercícios e suas práticas são apresentados como ferramentas capazes de materializar nos corpos a eficácia que a publicidade promete.
O destaque da formação profissional, em conjunto com as imagens corporais pornoerotizadas, situa a influenciadora como alguém dotada de um conhecimento específico sobre a prescrição de treinamentos físicos. Ser formada em Educação Física credencia essas mulheres a mobilizarem competências e habilidades que a formação profissional oportuniza. No Instagram, o resultado da prática do treinamento físico divulgado materializa-se na imagem corporal da própria influenciadora, estratégia bastante utilizada por outros profissionais da área do fitness e wellness. A exibição de seus corpos com destaque a determinados grupos musculares permite que seus seguidores analisem detalhadamente a hipertrofia, um recurso que também ajuda a validar a competência técnica dos profissionais (Juliana DELFINO; André SILVA, 2022). Assim, os perfis dos treinadores e das musas fitness parecem corroborar a observação de João Sauerbronn, Karla Tonini e Marluce Lodi (2011, p. 11), de que o corpo serve como uma confirmação da eficácia daquilo que se busca promover.
Em meio à divulgação de consultorias on-line, aulas ao vivo, streamings de atividades físicas, cursos, palestras, podcasts, entre outros, as influenciadoras fitness não somente exibem os resultados dos treinamentos nos corpos, mas também pornoerotizam as suas formas e ampliam as possibilidades de alcance e de venda dos produtos. Assim, além da competência técnica corporificada, o recurso a uma estética pornoerotizada parece produzir efeitos na visibilidade de suas postagens, bem como adesão de novos seguidores.
O estilo de vida fitness é outra categoria muito divulgada nos perfis sociais das influenciadoras que compõem este estudo. Aqui, a imagem corporal pornificada é o vetor capital dessa estilística que envolve um conjunto de procedimentos acionados por essas mulheres em suas postagens. Compartilhar um certo contexto na publicação (praia, academia, dieta, sessões de treinamento etc.) é sinalizar, por meio de textos e imagens, modos de ser, estar e agir fitness. Em 25 de fevereiro de 2022, a apenas três dias das festas de carnaval, Priscila Trindade compartilha em seu perfil uma foto do que iria compor seu café da manhã. Em primeiro plano, destacam-se frutas cortadas na porção média da imagem, próximas à região anterior do quadril. Usando um biquíni em tom de amarelo que destaca a pele bronzeada, Priscila se encontra sentada à mesa de tampo transparente. Ao se preparar para a fotografia, a influenciadora afasta suas pernas e posiciona um prato com mamão papaia acima do seu órgão genital. O formato da fruta partida longitudinalmente parece sugerir como referência a anatomia da vulva. O rosto da influenciadora é posicionado fora do enquadramento da fotografia, produzindo como efeito o direcionamento do olhar para regiões do corpo tomadas na nossa cultura como zonas erógenas. Na porção lateral, próximo à moldura imagética, um prato branco está suspenso pela mão esquerda de Priscilla. Maçãs e bananas picadas são visualizadas por quem olha. Na porção superior da imagem, seus seios conduzem o olhar que, de cima para baixo, percorre, por meio da pele firme, a musculatura tonificada, expondo a simetria entre busto, cintura e quadril. Dos seios, o olhar percorre o abdômen e desemboca no prato que apoia o mamão papaia.9
A partir da imagem, Priscila produz uma legenda que suscita interação com seus seguidores: “quem vai fazer uma dieta até o Carnaval deve levantar a mão”. Como resposta, diversos comentários foram publicados por seus seguidores. Por meio de um tom ambíguo, as mensagens parecem sugerir tanto o desejo pelas frutas que compõem a imagem, quanto pelo corpo exibido à mesa. “Que delícia 😋😋😋😋😋😍😋😍”, sinaliza um seguidor. “Eu quero participar do bloco do amor e não das frutas [...]”, aponta outro usuário do Instagram. Por fim, um outro seguidor sinaliza de maneira desejante: “Como tudinho”. O forte teor ubíquo que a imagem carrega em seus termos simbólicos sexuais considera as frutas (mamão, maçã e banana) como interessantes componentes dessa ubiquidade. Ambos referem à ideia de desejo, prazer, paraíso, tesão, natureza e tropicalidade. Simultaneamente, alguns deles aludem a determinadas regiões corporais, como no caso do mamão papaia, que faz alusão ao órgão genital da influenciadora, nessa dupla relação entre comer e transar.
Nessa postagem, Priscilla Trindade se utiliza de metáforas sexuais para interagir com seus seguidores. “Comer/transar” é comumente utilizada na produção imagética de suas postagens. Roberto DaMatta (1986) destaca, no caso brasileiro, a associação entre comida e sexualidade:
[o] ato sexual pode ser traduzido como um ato do “comer”, abarcar, englobar, ingerir ou circunscrever totalmente aquilo que é (ou foi) comido. A comida, como a mulher (ou o homem, em certas situações), desaparece dentro do comedor [...]. Essa é a base da metáfora para o sexo, indicando que o comido é totalmente abraçado pelo comedor. A relação sexual e o ato de comer, portanto, aproximam-se num sentido tal que indica de que modo nós, brasileiros, concebemos a sexualidade e a vemos, não como um encontro de opostos e iguais (o homem e a mulher que seriam indivíduos donos de si mesmos), mas como um modo de resolver essa igualdade pela absorção, simbolicamente consentida em termos sociais, de um pelo outro (DAMATTA, 1986, p. 4).
Nesse entremeio metafórico lascivo utilizado por Priscila, os desejos e as vontades ambíguas integram o movimento dialógico dos seguidores juntamente com as postagens da influenciadora, colocando “a possiblidade da comida” como componente de um sistema de comunicação (Fabiano DALLA BONA, 2013, p. 194).
Nessa relação com os alimentos em que a distinção entre comer e transar é borrada, a influenciadora aborda outros pontos, como a alimentação saudável, sessões de treinamento e registros das viagens que faz. Nesse processo, seguidores do seu perfil são mobilizados e engajados em suas postagens.
Em outra postagem, a influenciadora novamente aciona a dubiedade da relação comer/transar. Em 04 de janeiro de 2024, a influenciadora publica a seguinte imagem: na cozinha, usando um biquíni com diferentes tonalidades de cores e uma viseira na cabeça, Priscilla se encontra com a pele fortemente bronzeada, destacando a parte superior de seu quadril. Com a porta da geladeira aberta, seu corpo está inclinado à frente, um movimento que, ao mesmo tempo, busca no interior do eletrodoméstico algo para comer, projeta a bunda para trás, conferindo-lhe destaque no primeiro plano da fotografia.10
Em tons de queixa, a influenciadora produz a seguinte legenda: “Não tem nada pra comer nessa casa”. No entanto, os emojis destacados na parte final da frase suscitam certa ambiguidade. Como resposta, vários seguidores interagem com a publicação. Um deles comenta: “Tenho certeza que não falta o que comer nessa casa”. Outro escreve sucintamente: “Você”. Essa resposta posiciona a própria influenciadora como algo passível de ser devorado. Se o recurso pornoerótico acionado por Priscila Trindade mobiliza a relação comer/transar, Vanessa Garcia aposta na incitação ao desejo que a relação íntima entre mulheres pode gerar em seus seguidores. De costas para a câmera e posicionadas lateralmente, uma para outra, Vanessa Garcia e sua amiga fitness vestem biquínis em tons claros, um rosa, outro azul. Com movimento sincronizado, as influenciadoras puxam a parte de baixo do biquíni que veste a amiga enquanto seus rostos, virados para trás, evidenciam um semblante travesso em meio a risadas incontidas.11
Na legenda, Vanessa solicita aos seus seguidores: “marque sua amiga fitness que seguiu a dieta direitinho durante a semana”. Apesar da mensagem em tom imperativo, perfis de seguidoras não foram marcados em reposta à publicação. Em contrapartida, vários reagem à postagem. Em meio a pictogramas de beijos, foguinhos e rostos com olhar apaixonado, um seguidor comenta: “assim não”, enquanto outro posta: “Hot fucking dam”.12
Na relação entre a imagem e a legenda, a postagem sugere a concretização da mudança corporal forjada na prática de atividades físicas e dietas, resultado evidenciado pelo posicionamento dos glúteos em primeiro plano e pelos puxões de biquíni. As expressões dos rostos e as risadas, partes importantes da dinâmica pornoerótica empreendida pela influenciadora, parecem se relacionar, num duplo sentido.
Os corpos bronzeados, suficientemente malhados e voluptuosos, são narrados na fotografia como fonte de prazer, fonte de diversão e materialização da disciplina da dieta e das sessões de treinamento. O exagero nos detalhes, estratégia presente na maioria das produções pornográficas, também é acionado na postagem de Vanessa Garcia. O foco da câmera produz uma hiperevidência sobre algumas partes que compõem a imagem: as gargalhadas, a feição de meninas levadas que brincam com a possibilidade de desnudar o sexo da amiga e, principalmente, a forma arredondada, lisa, dourada e firme com que a bunda se apresenta.
Daniela Conegatti e Jane Felipe (2017) argumentam que imagens autoeróticas lesbianas movimentam o sexo para direções além da centralidade heteronormativa discursiva dos corpos. Quando analisam as produções pornográficas alocadas na rede social Tumblr, de cenas sexuais entre mulheres, as autoras manifestam que:
Muitas são as imagens em que as mulheres aparecem de alguma forma tendo controle sobre seu corpo, seja ao tirar a roupa, seja ao tocar-se. As práticas de autoerotismo carregam potencial para se pensar não apenas deslocamentos do prazer no sexo, mas na apropriação por parte dessas mulheres do próprio corpo enquanto dotado de vulta e feminizado, como elas usufruem de si mesmas sexualmente (CONEGATTI; FELIPE, 2017, p. 229).
No caso da fotografia que retrata as amigas fitness, o retrato pornoerotizado não parece tensionar os mecanismos heteronormativos, ainda que a intimidade e o toque entre duas mulheres ensejem o desejo lésbico. Na análise da imagem, o contexto em que se apresenta, a estética acionada e as reações manifestadas nos comentários indicam que a intimidade feminina parece ter sido produzida para capturar o olhar e incitar o desejo masculino.
Além disso, a postagem coloca a pensar não somente os deslocamentos do prazer no sexo como também o prazer em manifestar a sua produção corporal, fruto dos treinamentos físicos, em parceria com sua amiga fitness. Tal lesbianidade fitness embaraça e extrapola os limites do sexo, do corpo e do feminino (CONEGATTI; FELIPE, 2017). Na medida em que informam sobre um determinado conhecimento da Educação Física que esculpe seus corpos, essas mulheres jogam com o olhar desejante de seus seguidores. Desejo, atração e conhecimento, todos inseridos em uma mesma produção imagética.
De modo muito semelhante, Vanessa produz uma outra postagem com suas amigas. Na postagem de 15 de janeiro, entretanto, o número de mulheres que posam de forma íntima e descontraída para a foto aumenta. As “amigas fitness”, como ela nomeia, elencam o quadro de atletas patrocinadas por uma marca que fabrica suplementos alimentares no Brasil. Enfileiradas lateralmente ao olhar do espectador, Vanessa se encontra na extremidade esquerda da imagem, próxima à moldura da foto. Todas inclinam seus troncos para frente, com o intuito de ampliar as formas e destacar a bunda. Assim como na imagem descrita anteriormente, a parte de baixo do biquíni de cada uma das atletas é puxado para cima por uma de suas companheiras.13
Na legenda, a influenciadora convida suas seguidoras: “Meta para 2022 - tirar uma foto assim com suas amigas fitness. Bora?”. Tanto a legenda quanto a imagem acionam um conjunto de sentimentos que envolvem companheirismo, irmandade, amizade e solidariedade, sugerindo ainda que essas mulheres possuem um estreito relacionamento afetuoso e íntimo. Nessa configuração entre imagem e texto, Vanessa Garcia busca movimentar o desejo de quem olha a se envolver sexualmente com muitas mulheres simultaneamente (Olivia von der WEID, 2006).
A dinâmica pornoerótica acionada por Vanessa Garcia em ambas as imagens aciona fantasias sexuais que estimulam transas com duas ou mais mulheres, um tipo de desejo que circula no imaginário social relacionado à satisfação dos prazeres masculinos (Carmem OLIVEIRA, 2002; Tania SWAIN, 2016). O contato corpo a corpo com as colegas de academia e as expressões de felicidade e satisfação permeiam as fotografias nas quais tudo é hiperbólico.
Os olhares frontais e fixos para a câmera parecem insinuar um convite que tenta capturar o expectador a se juntar àquele grupo de mulheres, uma estratégia de pornificação que sugere a ausência e clama por quem observa, sujeito que, na nossa cultura, pode ser facilmente inferido como um homem. O diâmetro das coxas, a forma arredondada dos quadris, o dourado da pele, a sedosidade dos cabelos, a jovialidade e a vivacidade daquelas mulheres sugerem, pela proximidade e intimidade dos corpos, um contato quase sexual.
Nessa dinâmica androcentrada que evidencia as prerrogativas masculinas nos exercícios da sexualidade heterocêntrica, o desejo masculino se constitui em ponto referencial do endereçamento pornoerótico.
Ao longo do período de acompanhamento das publicações nos perfis sociais das seis mulheres que compõem o material empírico deste artigo, foi possível perceber o uso de diferentes estratégias de pornoerotização de seus corpos. Seja por meio do recurso a fantasias sexuais, seja explorando a relação comer-transar ou, ainda, como sugere Nízia Villaça (1999), pela totemização de partes do corpo, em especial a bunda, seios e vulva/vagina, essas mulheres mobilizam um tipo de capital que atravessa suas postagens em seu aspecto erótico (Catherine HAKIM, 2013). Nesse processo, as influenciadoras fitness combinam beleza, sex appeal, capacidade de apresentação pessoal e habilidades sociais - uma união de atrativos que captura o interlocutor/a expectador/a por meio da dimensão do desejo. A presença pornificada dos corpos dessas mulheres na divulgação e venda do que é postado em seus perfis engaja pelo desejo e parece estender sua atratividade ao conteúdo que está sendo compartilhado. O capital erótico adquire um valor significativo em áreas que exigem interação social e apresentações em público, onde a vida pessoal se transforma, em parte, em uma espécie de performance. Nesse cenário, esse aspecto se revela especialmente vantajoso (HAKIM, 2013).
No caso dessas mulheres, ser profissional de Educação Física requer não somente a mobilização e a manipulação do conhecimento técnico que a profissão dispõe, mas também a gestão técnica da imagem em composição com a gestão técnica de seus próprios corpos. Nessa cadência de competências, as influenciadoras pornificam a si mesmas enquanto estratégia de endereçamento dos conteúdos produzidos.
No Instagram, o ato de rolar o feed se torna cada vez mais acelerado, e a manutenção do foco em uma dada postagem cada vez menor. Nessa dinâmica de interações quase instantâneas, o olhar e o interesse do expectador se constituem em mercadoria na sociedade atual (Thomas DAVENPORT; John BECK, 2001). No capitalismo, em sua modalidade neoliberal, a atenção está sendo constantemente disputada como recurso de promoção na rede mundial de computadores. Cientes dessas demandas contextuais e hábeis no acionamento das gramáticas das redes sociais, as influenciadoras digitais fitness operam uma economia da atenção agenciada pelos recursos pornoeróticos. Ao promoverem produtos, serviços e estilos de vida, essas mulheres enredam seus expectadores/seguidores numa rede que envolve, além de competência técnica manifestada nas formas corporais, atributos como felicidade, autorrealização e desejo sexual. Ou seja, a excitação se constitui em um importante “motor” que aciona mecanismos capazes de promover a economia da atenção nas dinâmicas virtuais (Richard MISKOLCI, 2014).
Nesse processo que captura e gerencia o interesse, a relação entre legenda e imagem produz como efeito um processo minucioso e sofisticado de educação do olhar, do corpo e dos desejos. Ao compartilharem cenas de seus cotidianos alinhados com um modo de ser fitness e com um jeito de estarem pornificadas nas postagens, as influenciadoras digitais aqui acompanhadas ensinam modos de ser, se portar, como se alimentar, que exercícios físicos praticar, que roupas vestir, com quem conviver, o que postar nos perfis sociais e, sobretudo, informam quais corpos podem ser pornoerotizados. As postagens das profissionais parecem, portanto, governar as condutas das mulheres subjetivadas pela cultura fitness, bem como educar os desejos e a erótica daqueles/as que consomem os conteúdos publicados nas suas redes sociais.
Centrada nas pessoas, a “governamentalidade” trata-se das maneiras de governar que acionam racionalidade das técnicas e instrumentos que cerceiam a conduta da população em uma dupla perspectiva: a relação entre os sujeitos e o governo e a relação do sujeito consigo mesmo (Michel FOUCAULT, 2008a; 2008b). Nesse sentido, o governamento, como um conjunto de ações que interferem nas ações próprias e nas ações alheias, faz o sujeito conduzir a si mesmo e aos outros, não somente de maneira repressiva, mas fundamentalmente de maneira positiva. Os saberes, enquanto técnicas de si (Nikolas ROSE, 2001), e os poderes, enquanto tecnologias do eu (LARROSA, 1994), constituem aspectos e feições que docilizam sujeitos-fitness e circunscrevem espaços e tempos mediante relações de saber/poder, tanto individualmente - nas postagens - quanto coletivamente - no Instagram.
Essas mulheres se narram como resultado do conjunto das intervenções técnicas que adotam e, com isso, as tecnologias do eu são potencializadas e otimizadas pelas tecnologias informacionais e comunicacionais que percorrem o Instagram. A beleza de seus corpos, a simetria das formas e o desejo que despertam produzem efeitos de verdade sobre as práticas que prescrevem, os produtos que anunciam e os estilos de vida que vendem.
Produzida pelas tecnologias disciplinares e regulamentares, a sociedade pornocultural (ATTIMONELLI; SUSCA, 2017) tem o corpo como eixo do governamento dos sujeitos e das populações. Nessa maquinaria pornoerótica, o olhar nos ajuda a compreender os desdobramentos contemporâneos do que Foucault vai caracterizar controle, cujo eixo se concentra nos processos de individuação dos sujeitos por meio da vigilância. Ao se inscreverem na dinâmica virtual que busca atrair intensamente o olhar do outro, os usuários do Instagram assumem na contemporaneidade o lugar daquele que observa sem ser visto, assim como na arquitetura benthamiana do século XVIII. Assim, as postagens pornificadas das profissionais são ordenadas e conduzidas na relação entre corpo-imagem-olhar. Quem olha não somente as vê, mas, também, analisa, circunscreve e deseja, assim como quem é olhado não somente é visto, mas também exibe, oculta e pornografa. Nesse jogo de corpos, imagens e olhares, as influenciadoras digitais instituem quais corpos podem ser elegíveis para o pornoerotismo na cultura fitness, produzindo assim uma pedagogia que gera como efeito o governo dos corpos e das condutas. Por meio do que evidenciam e mobilizam nas postagens, essas mulheres se inscrevem num movimento contemporâneo que não tem mais a forma de controle-repressão, mas de controle-estimulação: “Fique nu… mas seja magro, bonito, bronzeado!” (Michel FOUCAULT, 1996, p. 147).
Lugar de controle e de resistência, o corpo é também o lugar de relações de saber/poder e, como tal, responde às coações e estimulações, produzindo assujeitamentos contra condutas e resistências. Não são corpos reprimidos, que devem ter seus gestos tolhidos, mas, sim, corpos que devem ser estimulados, forjados nas molduras fotográficas digitalizadas no Instagram. Nesse processo, as dinâmicas pornoeróticas corporificadas nas imagens se produzem mediante inúmeras aprendizagens e práticas, empreendidas por diferentes discursividades que, por vezes de modo mais explícito ou mais dissimulado, instauram um processo educativo sempre inacabado” (Guacira LOURO, 2008, p. 17).
Nas imagens das influenciadoras digitais, aprendemos como ser e estar no Instagram, assim como aprendemos a olhar de uma determinada maneira as imagéticas corporais produzidas por elas. Nessa rede social, as mulheres acompanhadas nesta pesquisa prescrevem e vivenciam as especificidades corporais tomadas por elas como passíveis de serem pornificadas.
Considerações finais
Ao longo de três meses, as postagens dos perfis sociais de seis mulheres, que juntas somam 4.978.000 seguidores, foram acompanhadas diariamente. Além de serem profissionais da área do fitness e bem-estar, bacharéis em Educação Física, essas influenciadoras apresentam outras duas semelhanças: estão entre as promotoras dos perfis mais seguidos da página “musasfitness.”, que reúne mais de 610 mil usuários, pornificam suas postagens como ferramenta capaz de engajar e capturar a atenção de seus/suas seguidores/as.
Inseridas na internet a partir de uma dinâmica cultural fitness, essas influenciadoras mobilizam determinados discursos com vistas à publicização e à possibilidade de vender produtos, treinamentos físicos e estilos de vida saudáveis. Essa dinâmica se dá principalmente por meio da superexposição dos corpos e da saturação dos olhares na rede mundial de computadores. Assim, corpos densamente malhados, dietas alimentares saudáveis e seminudez corporal dão a entender que seus estilos de vida, seus saberes e fazeres da Educação Física, bem como os produtos que vendem, são legítimos e, seus resultados, compensadores.
Nada é à toa. Com vistas à monetização dos perfis, ao ganho financeiro e maior reconhecimento no exercício profissional da área do fitness e wellness, essa gestão de si, característica primordial do neoliberalismo atual, organiza-se a partir de estratégias como os processos de pornoerotização dos corpos e das postagens.
Ao produzirem um conjunto de prescrições sobre ser e estar mulher na cultura fitness pornoerotizada, as influenciadoras se posicionam como sujeitos de um discurso que produz e é produzido pelo governamento dos corpos e das condutas. Nesse sentido, o que divulgam, o que vendem e, principalmente, as estratégias que adotam para capturar a atenção e produzir engajamento instauram um efetivo processo educativo. Vanessa Garcia, Priscila Trindade, Renatinha Costa e Aline Antiqueira sugerem que alimentos ingerir, quais vestimentas utilizar, como executar determinados exercícios físicos, para quais locais viajar, com quais pessoas conviver e, principalmente, sobre quais condições se pornografar.
Isso posto, deve-se enaltecer que as constantes inovações tecnológicas informacionais e comunicacionais atravessam a área e o campo do movimento humano de maneira radical. Desde a utilização de softwares até as redes sociais virtuais, essas tecnologias provocam e tensionam a insurgência de novas arqueologias e genealogias de saber/poder na Educação Física/Ciências do Movimento Humano. Nesse processo, a pornografia não deve ser compreendida apenas em seus termos conceituais, mas também como ações concretas materializadas nas práticas dos sujeitos, um tipo de recurso acionado estrategicamente, utilizado pelas influenciadoras fitness para fazer circular o que elas comunicam.
Um ideário de vida saudável divulgado em diversos espaços midiáticos, assim como na comunidade acadêmico-científica, entrecruza-se nas postagens das profissionais. Olhar para esse fenômeno importa para compreender como o conhecimento atrelado à área do fitness e bem-estar tem se produzido e como, na relação com gênero e sexualidade, está sendo difundido na rede mundial de computadores, em específico nas redes sociais que vinculam milhares de pessoas.
Referências
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Termo utilizado para circunscrever um campo de atuação associado à sistematização e à prescrição de exercícios, dietas, dentre outras práticas corporais que se centram nas noções de “boa forma” e “bem-estar”. Neste texto, tanto a “boa forma” quanto o “bem-estar” são tomados como estratégias linguísticas produzidas pela cultura fitness.
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2
Compreendida como um mecanismo cuja racionalidade incide sobre o corpo, a cultura fitness produz sujeitos e torna ação as práticas de autocuidado como alimentação saudável, atividade física, ingestão de medicamentos, entre outros hábitos. Como efeito da eficácia dos processos de subjetivação empreendidos pela cultura fitness, sujeitos se reconhecem como responsáveis e sentem-se culpados por descuidos com a saúde e a aparência (Camila SILVA; Gustavo FREITAS, 2020; SILVA, 2012) (SILVA, Camila Rubira; FREITAS, Gustavo da Silva. “O que dizem os estudantes do 9° ano do ensino fundamental sobre as mensagens midiáticas vinculadas à cultura fitness em revistas de beleza e saúde?”. Revista Movimento, Porto Alegre, v. 26, p. 1-16, 2020; SILVA, André Luiz dos Santos Silva. “Imperativos da beleza: corpo feminino, cultura fitness e a nova eugenia”. Cadernos CEDES, Campinas, v. 32, n. 87, p. 211-222, maio 2012).
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O acesso a perfis sociais públicos no Instagram está em consonância com as questões éticas que o artigo respeita. Robert Kozinets (2014) coloca que a análise das informações nas comunidades e culturas virtuais não é considerada maneira de pesquisar diretamente junto a seres humanos. A resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2016) e o ofício circular nº 17/2022 (BRASIL, 2022) caracterizam a desobrigação da pesquisa de passar por avaliação de um Comitê de Ética em Pesquisa assim como pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Desse modo, as informações que estão inseridas em espaços de domínio público podem ser utilizadas livremente (BRASIL, 1998) (BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm. Acesso em 27/07/2024; BRASIL. Ofício circular nº 17/2022/CONEP/SECNS/MS. Ministério da Saúde. Secretária-Executiva do Conselho Nacional de Saúde. Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. 2022. Disponível em https://conselho.saude.gov.br/images/Of%C3%ADcio_Circular_17_SEI_MS-25000.094016_2022_10.pdf. Acesso em 27/07/2024; BRASIL. Resolução nº 510, de 07 de abril de 2016. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. 2016. Disponível em https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/22917581. Acesso em 27/07/2024). Isso posto, o acesso a perfis sociais privados na plataforma foi um critério de exclusão, visto que exige a autorização da influenciadora para que seja permitido o acesso à sua página na rede social em questão (KOZINETS, Robert. Netnografia: Realizando pesquisa etnográfica online. Porto Alegre: Penso, 2014).
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Não compuseram o “corpus documental da pesquisa as postagens em vídeo devido ao alto teor de sequências imagéticas em uma única produção fílmica”.
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Divulgação das obras do novo centro de treinamento físico da DNA Suplementos. Disponível em https://www.instagram.com/p/CZZgn1xLB4r/?img_index=2. Acesso em 14/02/2025.
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“Quem vê essa foto não imagina o corre pra tirar”. Disponível em https://www.instagram.com/p/CaxBeI3rGfa/?igsh=YzAyMDM1MGJkZA==. Acesso em 14/02/2025.
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Luiz Zago (2009) utiliza o conceito de rostificação do pênis quando analisa esse processo nas imagens de perfis compartilhadas no site <www.disponivel.com>. No processo de tornar o pênis um substituto para o rosto vai se produzindo um conjunto de modos de dizer-se gay na internet. Rostificar o pênis indica que genitália “tem o poder de significar o todo”, uma estratégia capaz de mobilizar desejos e divulgar corpos entre as possibilidades listadas no cardápio do site de encontros e relacionamentos gays analisado pelo autor (ZAGO, Luiz Felipe. Masculinidades disponíveis.com - sobre como dizer-se homem gay na internet. 2009. Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Educação) - Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil).
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8
“Você acha que está Wooow ou pode melhorar?”. Disponível em https://www.instagram.com/p/Cap0VksuJgx/?igsh=YzAyMDM1MGJkZA==. Acesso em 14/02/2025.
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“Quem vai fazer dieta até o carnaval levanta a mão”. Disponível em https://www.instagram.com/p/CaaAsZSuwow/?img_index=1. Acesso em 14/02/2025.
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10
“Não tem nada para comer nessa casa”. Disponível em https://www.instagram.com/p/CYUKW3HOXIG/?utm_source=ig_web_copy_link. Acesso em 14/02/2025.
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11
“Marque sua amiga fitness”. Disponível em https://www.instagram.com/p/CZj1PgUrFHD/. Acesso em 14/02/2025.
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Expressão proveniente da língua inglesa que manifesta com espanto o desejo sexual súbito e intenso como resposta a um determinado estímulo.
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13
Meta atingida: Vanessa Garcia tira uma foto junto de suas amigas fitness. Disponível em https://www.instagram.com/p/CYwSCVJLFM3/. Acesso em 14/02/2025.
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Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:
BUENO, Conrado Alencastro da Silva Silveira; SILVA, André Luiz dos Santos. “A pornoerotização dos corpos fitness: economia da atenção e o governo das condutas”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 33, n. 2, e105279, 2025.
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Financiamento:
Não se aplica
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Consentimento de uso de imagem:
Não se aplica
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Aprovação de comitê de ética em pesquisa:
Não se aplica
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
14 Abr 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
15 Fev 2025 -
Aceito
21 Fev 2025
