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Mulheres e ciência: uma história necessária

RESENHAS

Mulheres e ciência: uma história necessária

Ana Maria Veiga

Universidade Federal de Santa Catarina

Pioneiras da ciência no Brasil.

MELO, Hildete Pereira de; RODRIGUES, Lígia Maria C. S.

Rio de Janeiro: SPBC, 2006. 47 p.

Num momento em que aproximadamente 80% das bolsas de pesquisa no Brasil ainda são destinadas a homens – apesar da grande expansão do número de mulheres nos bancos universitários – a pergunta que continuamos a fazer é por que, alcançada a graduação, as mulheres não encontram estímulo para avançar no importante caminho da pesquisa científica.

Neste ano (2006), o Encontro Nacional "Pensando Gênero e Ciência", promovido pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, possibilitou a abordagem de várias questões no sentido de perceber os limites que se colocam à chegada das mulheres ao topo de carreiras científicas nas mais diversas áreas, especialmente nas chamadas tecnológicas, onde o predomínio masculino se faz notar mais efetivamente.

Um dos livros lançados no encontro apresenta instigantes (embora resumidas) biografias de algumas das principais cientistas brasileiras, ou formadas no Brasil, nascidas em sua grande maioria na primeira metade do século XX. Estamos falando de Pioneiras da ciência no Brasil, de Hildete Pereira de Melo e Lígia Maria C. S. Rodrigues, editado em março pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Outros livros, como O laboratório de Pandora,1 1 TABAK, 2002. da socióloga Fanny Tabak, discutem a relação mulheresciência, apontando a importância vital da tecnologia para os países subdesenvolvidos e, ao lado disso, a pouca atuação feminina nessa área. Tabak aponta para a real possibilidade de maior desenvolvimento científico e tecnológico do chamado Terceiro Mundo com a inclusão da capacidade intelectual das mulheres em atividades científicas. Além disso, o afastamento das áreas que decidem política e socialmente os destinos dos países as torna invisíveis na vida pública, como coadjuvantes dos atores de um plano maior, criado por homens e a eles destinado. E isso se dá em nível mundial.

O feminismo mudou a ciência?,2 2 SCHIEBINGER, 2001. da norte-americana Londa Schiebinger, é outra obra de referência para o tema, apontando as transformações dos conteúdos de conhecimento pelo feminismo, além do papel das mulheres na ciência e as questões de gênero que permeiam o meio científico.

Hildete P. de Melo é doutora em Economia e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), com uma consistente carreira iniciada em meio aos movimentos feministas do Brasil dos anos 1970. Lígia Maria C. S. Rodrigues dedica-se à Física, disciplina em que se doutorou, e segue na elaboração e prática de pesquisas para o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF); tem também participação histórica em grupos feministas.

Juntas, as autoras lançam-se à tarefa de propor novos desafios às mulheres que passam pelas universidades, mas ainda se encontram limitadas pelo ranço social que as quer ainda atirar ao domínio privado, atuando como uma "lei da gravidade" contra a qual se necessita lutar a cada dia. As mulheres que conseguem transcender as paredes da casa seu lugar tradicionalmente construído muitas vezes optam pelos chamados "trabalhos femininos", longe dos postos de chefia e direção. As responsabilidades advindas das questões de gênero não são poucas e colocam-se como entraves ao desenvolvimento no campo profissional e científico.

Das dezenove cientistas pioneiras escolhidas, seis não são nascidas no Brasil, mas aqui desenvolveram suas atividades. Cinco outras são filhas de mães/pais estrangeiras/os. Duas tiveram pais professores de Matemática; outras duas casaram-se com cientistas que as incentivaram e ajudaram a impulsionar as carreiras.

Notamos a importância de um meio familiar propício ao avanço profissional das mulheres, quando os pais já haviam aberto caminhos que puderam levar à pesquisa, quando elas se uniram a companheiros cientistas ou quando tiveram educação provinda de outros países com padrões diversos de pensamento e conduta adotados, entre os quais o incentivo às carreiras das filhas. Somados, esses casos compõem a maioria das biografias encontradas.

Esse curto apanhado nos possibilita refletir sobre as distinções na formação dessas mulheres e perceber que, para além das questões de gênero, a cultura também fazia parte dos fatores de exclusão das mulheres brasileiras da pesquisa científica naquele momento. Hoje outros fatores se fazem mais evidentes, como as questões sócio-econômicas, além da permanente divisão do trabalho por sexo, que ainda é bastante forte na nossa sociedade.

É interessante percebermos aonde a determinação e a continuidade nas pesquisas pode levar. O sucesso nas carreiras das cientistas escolhidas mostra que elas quebraram os "telhados de vidro" dentro das instituições para as quais trabalham ou trabalharam, e mesmo em suas vidas, com várias delas vencendo as barreiras do preconceito e afirmando-se no pioneirismo e na competência profissional.

O livro de Hildete Melo e Lígia Rodrigues contribui de maneira incisiva para essa discussão.

Alguns erros de grafia encontrados em Pioneiras da ciência no Brasil certamente podem ser desconsiderados diante da importância do trabalho como fonte de consulta e reflexão, para melhor entendermos os caminhos percorridos por essas mulheres pioneiras, modelos de atitude e coragem para as pesquisadoras que se formam e trabalham neste outro século, pleno de avanços tecnológicos e intelectuais, mas que mantém obstáculos estabelecidos pelo preconceito, que ainda representam pedras a serem removidas a talhadeiras e mãos.

São profundas as mudanças estruturais que se fazem necessárias à construção da igualdade, dentro e fora do campo científico. Então, mãos à obra.

Notas

Referências bibliográficas

SCHIEBINGER, Londa. O feminismo mudou a ciência? Trad. Raul Fiker. Bauru: EDUSC, 2001.

TABAK, Fanny. O laboratório de Pandora. Rio de Janeiro: Garamond, 2002.

  • 1
    TABAK, 2002.
  • 2
    SCHIEBINGER, 2001.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006
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