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A divisão sexual do trabalho no campo sob a perspectiva da juventude camponesa

Resumo

A partir de narrativas juvenis, neste artigo analisa-se a divisão sexual do trabalho em áreas rurais, com foco nas tensões produzidas pelas diferenças geracionais. Os dados, obtidos a partir da metodologia da história de vida em quatro etapas de oficinas pedagógicas (2015-2016) realizadas com 150 jovens de duas escolas de assentamentos de reforma agrária no Paraná, revelam os impactos do trabalho genderizado no processo de socialização da juventude camponesa. O estudo evidencia conflitos geracionais num contexto em mudança, bem como o impacto pedagógico e cultural advindo do acesso ao conhecimento sistemático e da problematização da temática, sobretudo, a revisão de preconceitos e a mudança de discursos, práticas e atitudes em direção à promoção da igualdade de gênero, notadamente, a partir da agência das jovens do campo.

Palavras-chave:
gênero; geração; trabalho; juventude; cultura camponesa

Abstract

Based on young peasant narratives, this article analyses the sexual division of labour in rural areas, focusing on tensions produced by generational differences. Data obtained from four stages of pedagogical workshops (2015-2016), using the life history methodology with 150 young people from two schools based in agrarian reform settlements in Paraná, show the impacts of gendered labour on the process of peasant youth socialization. The study provides evidence of generational conflicts in a shifting context, as well as the pedagogical and cultural impact stemming from access to systematic knowledge and debates on the theme, especially, the revision of prejudices and the shift of discourses, practices and attitudes towards gender equality, notably, through the agency of young peasant women.

Keywords:
Gender; Generation; Youth; Labour; Peasant culture

Introdução

O gênero, articulado a outros eixos, como a classe e a raça, constitui a organização e as relações de trabalho na sociedade. O presente estudo, parte integrante do projeto internacional Gender and education in rural areas in Brazil (Gênero e educação em áreas rurais no Brasil) - uma pesquisa colaborativa entre a Universidade Federal do Paraná e o Queen Mary University of London, com o apoio da British Academy/Newton Trust (2015-2017)1 1 Além de promover a inclusão de gênero no currículo escolar, neste Projeto foram investigadas as diferenças e tensões geracionais em relação a dois eixos: a diversidade de gênero e a divisão sexual do trabalho. Foi desenvolvido em colaboração com a professora Catedrática do Queen Mary University of London, Else R. P. Vieira. - analisa a divisão sexual do trabalho em áreas rurais, com foco nas tensões produzidas pelas diferenças geracionais, assim como nas atitudes em direção a uma igualdade de gênero. Teve por base de análise quatro etapas de oficinas pedagógicas com jovens de duas escolas-piloto em áreas de assentamentos de Reforma Agrária no Paraná: o Colégio Estadual do Campo Contestado, localizado no Assentamento Contestado, no município de Lapa2 2 Neste assentamento, onde 108 famílias foram assentadas em 1999 a partir da luta pela terra, mais de 50% produzem dentro de padrões agroecológicos. O assentamento sedia a Escola Latino-Americana de Tecnólogo em Agroecologia (2005) e uma das turmas do curso de Licenciatura em Educação do Campo pela Universidade Federal do Paraná, Setor Litoral (2014). A Escola Municipal do Campo Contestado (2009) e o Colégio Estadual do Campo Contestado (2011) foram implementados em função da luta da própria comunidade pelo direito à educação no e do campo. (estudantes do 8o e 9o anos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio) e o Colégio Estadual do Campo Iraci Salete Strosak, localizado no Assentamento Marcos Freire, em Rio Bonito do Iguaçu3 3 Este assentamento, onde vivem cerca de seiscentas famílias, é fruto de uma das maiores ocupações de terra na América Latina (1996), em que aproximadamente três mil famílias ocuparam um dos maiores latifúndios - a Fazenda da Madeireira Giacomet-Marodin, atualmente Madeireira Araupel. Mil e quinhentas famílias foram assentadas em parte deste latifúndio, formando os assentamentos Ireno Alves dos Santos (1997) e Marcos Freire (1998). O Colégio Iraci Salete Strosak (1999) tornou-se escola base (2003) das escolas itinerantes, localizadas nos acampamentos de reforma agrária do estado do Paraná. (estudantes do Ensino Médio e Magistério).

Tem-se como premissa deste estudo um achado que extrapolou o escopo de minha tese de doutorado (Sônia SCHWENDLER, 2013SCHWENDLER, Sônia F. Women’s Emancipation through Participation in Land Struggle. 2013. PhD. (Iberian and Latin American Studies) - Queen Mary University of London, London, England.) sobre a divisão sexual do trabalho no campo e a emancipação da mulher através da luta política pela terra: a assimilação distinta das mudanças culturais no contexto do campo pelas diferentes gerações. Essas mudanças, que afetam de modo mais significativo a juventude, mais escolarizada e exposta a relações de gênero mais colaborativas, têm criado tensões geracionais referentes às relações desiguais de gênero dentro das famílias camponesas. A hipótese levantada era de que a nova geração de mulheres do campo, que tem tido maior acesso à educação e tem se organizado em torno das questões de gênero dentro do movimento social em que participa, tem desafiado seu persistente papel de subordinação doméstica. Essas diferenças e tensões geracionais são analisadas neste artigo sob a perspectiva das/dos jovens das escolas do campo.

A juventude camponesa, concebida como ator social e político a partir dos processos de interação social e das configurações em que está imersa (Elisa CASTRO, 2009CASTRO, Elisa G. de. “Juventude rural no Brasil: processos de exclusão e a construção de um ator político”. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, Manizales, v. 7, n. 1, p. 179-208, jan./jun. 2009.), está inserida num mundo globalizado, com acesso à educação, às tecnologias de comunicação e à conexão com o espaço urbano. No entanto, é uma “categoria marcada por relações de hierarquia social” (CASTRO, 2009, p. 182), em que o ser jovem do campo carrega o peso de uma posição hierárquica de submissão, em uma realidade marcada por difíceis condições de vida, produção e reprodução dos pequenos produtores familiares (CASTRO, 2005), especialmente com o avanço das políticas neoliberais no campo. Neste contexto, os movimentos sociais têm se constituído como arena para a organização da juventude como ator político, o que tem contribuído para uma reordenação das relações de poder e, consequentemente, para a sua legitimação como ator social nos processos de produção, reprodução e transformação do campo brasileiro (CASTRO, 2009).

Ser jovem no campo implica enfrentar também as hierarquias ligadas à cultura patriarcal, o que impacta de modo mais significativo a condição de vida das jovens. A pesquisa de Vilênia Aguiar e Valmir Stropasolas (2010AGUIAR, Vilênia V. P.; STROPASOLAS, Valmir Luiz. “As problemáticas de gênero e geração nas comunidades rurais de Santa Catarina”. In: SCOTT, Parry; CORDEIRO, Rosineide; MENEZES, Marilda (Orgs.). Gênero e geração em contextos rurais. Florianópolis: Mulheres, 2010. p. 159-183.) com jovens agricultores do Oeste de Santa Catarina aponta que “as diferentes situações potencialmente suscetíveis de manifestar conflitos de geração entre membros da família são marcadas pela desigualdade de gênero” (p. 175). Gênero e geração constituem, portanto, categorias fundamentais de análise frente à desigual distribuição de recursos e de poder no âmbito da organização familiar (Shahra RAZAVI, 2009RAZAVI, Shahra. “Engendering the political economy of agrarian change”. Journal of Peasant Studies, London, v. 36, n. 1, p. 197-226, 2009.) e social.

Para compreendermos as diferenças geracionais e sua relação com as questões de gênero a partir do olhar das/dos jovens do campo, utilizamos a metodologia da história de vida (Paul THOMPSON, 1988THOMPSON, Paul. The Voice of the Past: Oral History. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 1988.; Alessandro PORTELLI, 2006PORTELLI, Alessandro. “What Makes Oral History Different”. In: PERKS, Robert; THOMSON, Alistair (Eds.). The Oral History Reader. 2. ed. London; New York: Routledge, 2006. p. 32-42.; Jacques MARRE, 1991MARRE, Jacques L. “História de Vida e Método Biográfico”. Cadernos de Sociologia, Porto Alegre, v. 3, n. 3, p. 89-141, jan./jul. 1991.), que permite analisar de forma aprofundada a trajetória de vida da juventude camponesa, assim como sua percepção no que tange à vida de seus familiares e à relação que estabelecem entre si. “São relações ligadas à estrutura social e grupal e, ainda, à ideia de rearranjo e reapropriação do social, que o indivíduo faz como unidade singular em seu relato” (MARRE, 1991, p. 91). Contribuíram para esta análise protocolos éticos e uma metodologia de história de vida que desenvolvemos na tese de doutorado (SCHWENDLER, 2013SCHWENDLER, Sônia F. Women’s Emancipation through Participation in Land Struggle. 2013. PhD. (Iberian and Latin American Studies) - Queen Mary University of London, London, England.), voltada para o estudo de gênero no campo. Esta metodologia foi redirecionada, no presente estudo, para a coleta de narrativas juvenis através da interação coletiva por meio de quatro etapas de oficinas pedagógicas. As oficinas foram realizadas no período de novembro de 2015 a junho de 2016, com uma média de 150 estudantes em cada etapa,4 4 As/os estudantes, de modo geral, participaram das quatro etapas e foram organizadas/dos em quatro grupos distintos por etapa. Em cada escola, as oficinas foram realizadas nos turnos em que as/os estudantes estudavam, mediante Termo de Assentimento e Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelos responsáveis legais, conforme aprovação no Comitê de Ética na Pesquisa do Queen Mary University of London (QMERC2015/76). na faixa etária de 14 a 18 anos. A partir de documentários, músicas e propagandas que tematizam a divisão sexual do trabalho, as/os estudantes foram incentivadas/os a debater e teatralizar o tema a partir de suas histórias familiares e de suas percepções a respeito das diferenças geracionais em relação às questões de gênero no âmbito do trabalho. Ademais, a partir do debate e do acesso a novas informações, as/os jovens produziram recursos didáticos para serem inseridos no currículo escolar (SCHWENDLER; Else VIEIRA, 2016SCHWENDLER, Sônia F.; VIEIRA, Else R. P. (Eds.). Landless Voices II: Gender and Education/Vozes Sem Terra II: Gênero e Educação. London: Queen Mary University of London, 2016. Disponível em Disponível em http://landless-voices2.org/ . Acesso em 18/02/2018.
http://landless-voices2.org/...
).

As narrativas das/dos estudantes foram transcritas e analisadas na singularidade de cada espaço e etapa das oficinas e cruzadas considerando as categorias que emergiram da totalidade sintética do conjunto dos relatos e debates feitos nas duas escolas. “Buscava-se apreender o significado da experiência veiculada pela totalidade das histórias de vida e por cada uma delas como experiência singularizada e relatada até seus níveis mais ‘universais’ e mais ‘profundos’” (MARRE, 1991MARRE, Jacques L. “História de Vida e Método Biográfico”. Cadernos de Sociologia, Porto Alegre, v. 3, n. 3, p. 89-141, jan./jul. 1991., p. 134). O cruzamento das narrativas por categorias foi fundamental para que pudéssemos compreender de forma dialética a visão das/dos jovens sobre a divisão sexual do trabalho no campo e analisá-la à luz de referenciais teóricos sobre trabalho, gênero e geração no contexto do campo.

No estudo foram examinadas as tensões e diferenças geracionais em relação à divisão sexual do trabalho no campo a partir da percepção da juventude. Os dados coletados permitiram compreender os impactos do trabalho genderizado na socialização/formação das/dos jovens do campo, bem como os conflitos criados pelas diferenças geracionais e pelos distintos regimes de gênero. O estudo também investigou o impacto pedagógico gerado pelo acesso das/dos educandas/dos a um conhecimento sistemático sobre o tema no decorrer das oficinas pedagógicas.5 5 Na segunda, terceira e quarta etapas, as/os estudantes também avaliaram os impactos das oficinas pedagógicas em temos de aprendizados, de conscientização de gênero e de mudança de atitudes. O acesso a novos conhecimentos e o aprofundamento da temática da divisão sexual do trabalho no contexto do campo, por meio das oficinas pedagógicas, produziram impactos conceituais, culturais e pedagógicos, sobretudo a revisão de preconceitos e estereótipos de gênero e de atitudes em relação à promoção da igualdade de gênero, notadamente, a partir da agência das jovens estudantes.

Narrativas juvenis sobre a genderização do trabalho nas famílias camponesas

Os estudos do campesinato têm tido uma significativa contribuição para compreender o papel da família e de suas relações de trabalho na economia camponesa. Entretanto, o entendimento da família como uma unidade indiferenciada de análise, neutra em termos de gênero, tem sido questionado nas últimas décadas pelos estudos feministas, tendo em vista as relações de hierarquia e desigualdade (Bina AGARWAL, 1994AGARWAL, Bina. A Field of One’s Own: Gender and Land Rights in South Asia. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.; Carmen DEERE; Magdalena LEÓN, 2001DEERE, Carmen Diana; LEÓN, Magdalena. Empowering Women: Land and Property Rights in Latin America. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2001.; RAZAVI, 2009RAZAVI, Shahra. “Engendering the political economy of agrarian change”. Journal of Peasant Studies, London, v. 36, n. 1, p. 197-226, 2009.). Nesse contexto, a concepção de família como um espaço simultâneo de cooperação e conflito (Amartya SEN, 1990SEN, Amartya. “Gender and Cooperative Conflicts”. In: TINKER, Irene (Ed.). Persistent Inequalities: Women and World Development. New York: Oxford University Press, 1990. p. 123-149.) contribui para captar a essência das tensões e contradições que se instauram na organização familiar.

Os dados coletados a partir das oficinas realizadas com as/os jovens revelam que, embora haja níveis significativos de cooperação no espaço familiar camponês, a divisão sexual do trabalho e a naturalização/invisibilização do trabalho da mulher são marcantes, com efeitos significativos nas novas gerações. Estudos de Beatriz Heredia (1979HEREDIA, Beatriz M. A. de. A morada da vida: trabalho familiar de pequenos produtores do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.) sobre o campesinato destacam a divisão sexual do trabalho como responsável pela produção de padrões de comportamentos que se estruturam numa ordem binária e sexuada que não só diferencia, mas também hierarquiza o trabalho segundo o sistema sexo/gênero. A divisão sexual do trabalho, modulada histórica e socialmente, tem como características “a designação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens das funções com maior valor social adicionado” (Danièle KERGOAT; Helena HIRATA, 2007KERGOAT, Danièle; HIRATA, Helena. “Novas configurações da divisão sexual do trabalho”. Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 132, p. 595-609, set./dez. 2007., p. 599). Ela está organizada segundo dois princípios: o da separação (existem trabalhos de homens e trabalhos de mulheres) e o hierárquico (um trabalho de homem “vale” mais que um trabalho de mulher). Estes princípios se instituem a partir de um processo de legitimação, a ideologia naturalista, em que o gênero é reduzido ao sexo biológico e as práticas sociais, a “papéis sociais” sexuados vinculados ao destino natural da espécie (KERGOAT; HIRATA, 2007).

Para Heredia (1979HEREDIA, Beatriz M. A. de. A morada da vida: trabalho familiar de pequenos produtores do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.), a oposição masculino-feminino vai além de uma simples divisão de tarefas. Ela se expressa na oposição casa-roçado, que demarca o espaço do trabalho e do não trabalho no campo, distinguindo os lugares do masculino e feminino referentes a essa divisão. As atividades que se realizam no roçado, pelo fato de possibilitarem a produção de bens efetivos para o consumo familiar, são consideradas trabalho, em oposição àquelas vinculadas a casa, que não carregam este reconhecimento. Esta oposição também define e reforça os papéis que cabem aos membros do grupo e que se expressam nas esferas de autoridade. “Também a partir daí, os bens e outros objetos reconhecidos socialmente são classificados como femininos ou masculinos e, por conseguinte, também são hierarquizados” (HEREDIA, 1979HEREDIA, Beatriz M. A. de. A morada da vida: trabalho familiar de pequenos produtores do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979., p. 26). A divisão do trabalho por sexo/gênero, que atribui o trabalho chamado “produtivo” aos homens e o “reprodutivo” às mulheres, também dispensa os homens do trabalho doméstico, visto que a casa é institucionalizada como espaço natural da mulher (Carmen SILVA; Ana Paula PORTELLA, 2006SILVA, Carmen; PORTELLA, Ana Paula. “Divisão sexual do trabalho em áreas rurais no nordeste brasileiro”. In: SCOTT, Parry; CORDEIRO, Rosineide (Orgs.). Agricultura familiar e gênero: práticas, movimentos e políticas públicas. Recife: EDUFPE, 2006. p. 127-144.), como revela o testemunho das/dos jovens da escola do campo:

O pai e a mãe trabalham juntos na lavoura, aí eles chegam meio-dia, geralmente a gente já foi pra escola. Minha mãe é que faz a comida, ela pede: “lava essa louça fazendo um favor”. “Não, eu tô cansado”. Daí ele está cansado, ela não. Ela trabalhou com ele e ela não tá cansada. Eu não acho isto certo (Educanda, Lapa, tarde, II etapa).

É interessante perceber como as novas gerações, em especial as jovens, se posicionam criticamente quanto ao arranjo familiar que reproduz regimes patriarcais de gênero (Sylvia WALBY, 1997WALBY, Sylvia. Gender Transformations. Routledge: London, 1997.; Susie JACOBS, 2010JACOBS, Susie. Gender and Agrarian Reform. New York; London: Routledge, 2010.; SCHWENDLER, 2013SCHWENDLER, Sônia F. Women’s Emancipation through Participation in Land Struggle. 2013. PhD. (Iberian and Latin American Studies) - Queen Mary University of London, London, England.) que contribuem para a dupla jornada de trabalho da mulher. Estes arranjos familiares são, muitas vezes, reforçados pelas próprias mulheres, uma vez que elas foram educadas dentro desses padrões de organização do trabalho e da vida, desses habitus de gênero que se estruturam culturalmente, principalmente quando introjetados de modo inconsciente. Pierre Bourdieu (1990BOURDIEU, Pierre. The logic of practice. Cambridge: Polity Press, 1990.) define habitus como “um sistema de disposições duráveis e transponíveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, ou seja, como princípios geradores e organizadores de práticas e de representações” (p. 53 [tradução nossa]).

Nas famílias mais antigas, minha mãe sempre me dizia que a mulher tem que acompanhar o seu marido, né. Quando ele ia pra roça ela ia junto, mas quando voltava pra casa, ela fazia o almoço e ele tomava chimarrão. Ela falava que era trabalho da mulher [...], e tinha que acompanhar o marido na roça, que era serviço dela, tinha que tá do lado do marido (Educanda, Rio Bonito do Iguaçu [RBI], manhã, I etapa).

Que nem, eu tô com a mãe e ela fala: “deixa que teu pai descanse que ele trabalhou a manhã inteira na roça”. Só que eu acho que ele poderia ajudar um pouco, porque tem dias que eu vou ajudar o pai na roça e depois volto pra casa e vou ajudar a mãe também (Educando, RBI, manhã, I etapa).

De modo geral, conforme a literatura (HEREDIA, 1979HEREDIA, Beatriz M. A. de. A morada da vida: trabalho familiar de pequenos produtores do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.; Gema ESMERALDO, 2013ESMERALDO, Gema G. “O protagonismo político de mulheres rurais por seu reconhecimento econômico e social”. In: NEVES, Delma P.; MEDEIROS, Leonilde S. de (Orgs.). Mulheres camponesas: trabalho produtivo e engajamentos políticos. Niterói: Alternativa, 2013. p. 237-256.) e o relato das/dos estudantes durante as oficinas, as mulheres e as/os jovens participam das atividades do roçado, considerado um espaço do trabalho produtivo. No entanto, apesar da longa jornada de atividades, elas/eles não estariam trabalhando, mas sim ajudando. Isto revela que a inserção de cada membro da família na casa e/ou no roçado, conforme afirma Heredia (1979HEREDIA, Beatriz M. A. de. A morada da vida: trabalho familiar de pequenos produtores do Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.), varia não só pelo sexo a que pertence, mas também pelo ciclo de vida de cada indivíduo. Como parte inerente da cultura patriarcal, a categoria trabalho seria uma prerrogativa do chefe da família, vinculada ao poder de decisão sobre o que, como, onde e quando plantar, como e para quem vender (Arlene RENK; Rosana BADALOTTI; Silvana WINCKLER, 2010RENK, Arlene; BADALOTTI, Rosana Maria; WINCKLER, Silvana. “Mudanças sócio-culturais nas relações de gênero e inter-geracionais: o caso do campesinato no Oeste Catarinense”. In: SCOTT, Parry; CORDEIRO, Rosineide; MENEZES, Marilda (Orgs.). Gênero e geração em contextos rurais. Florianópolis: Mulheres, 2010. p. 367-390.).

Ah, ela está ajudando, é uma coisa pouca. Agora, se isso é responsabilidade de tal pessoa, a pessoa trabalhando na roça, já é mais elevado o grau. Mas na percepção do serviço é a mesma coisa. Os dois estão trabalhando, mas se rebaixa o serviço do outro (Educando, RBI, tarde, I etapa).

Destaca-se aí o valor diferenciado e hierárquico do trabalho na ordem simbólica camponesa. O trabalho produtivo, gerador de renda, e constituidor da identidade e da autoridade masculina “requer a invisibilização e omissão do trabalho feminino que se anuncia nos roçados como ajuda” (ESMERALDO, 2013ESMERALDO, Gema G. “O protagonismo político de mulheres rurais por seu reconhecimento econômico e social”. In: NEVES, Delma P.; MEDEIROS, Leonilde S. de (Orgs.). Mulheres camponesas: trabalho produtivo e engajamentos políticos. Niterói: Alternativa, 2013. p. 237-256., p. 240). O termo “ajuda”, fortemente internalizado na fala das/dos estudantes, era concebido, muitas vezes, principalmente na primeira oficina, como um simples compartilhamento do trabalho familiar, como uma prática de ajuda mútua, como revela o depoimento de uma estudante (Lapa, tarde, I etapa): “Quando o pai chega da roça, eu já terminei de limpar. Daí ele sempre me ajuda quando minha mãe não tá, ou quando a mãe tá ele sempre ajuda também. Ela ajuda lá fora também”.

Esta visão da unidade familiar camponesa como um espaço unificado e harmônico, presente nos estudos do campesinato esconde, no entanto, as significativas diferenças entre a posição econômica do homem, da mulher e dos filhos dentro de uma família patriarcal (Nancy FOLBRE, 1986FOLBRE, Nancy. “Cleaning house: New perspectives on Households and Economic Development”. Journal of Development Economics, v. 22, n. 1, p. 5-40, June 1986.). As atividades realizadas pelas mulheres na agricultura familiar, identificadas como ajuda, são “partes de um sistema mais amplo de valores e representações sociais que expressam as desigualdades de gênero” (SILVA; PORTELLA, 2006SILVA, Carmen; PORTELLA, Ana Paula. “Divisão sexual do trabalho em áreas rurais no nordeste brasileiro”. In: SCOTT, Parry; CORDEIRO, Rosineide (Orgs.). Agricultura familiar e gênero: práticas, movimentos e políticas públicas. Recife: EDUFPE, 2006. p. 127-144., p. 134). Como parte do mesmo processo, o trabalho doméstico quando executado pelos homens também é concebido como ajuda pelo fato de se distanciar das atividades produtivas, vistas como sendo de sua atribuição. No entanto, diferentemente das mulheres, de acordo com Silva e Portella (2006SILVA, Carmen; PORTELLA, Ana Paula. “Divisão sexual do trabalho em áreas rurais no nordeste brasileiro”. In: SCOTT, Parry; CORDEIRO, Rosineide (Orgs.). Agricultura familiar e gênero: práticas, movimentos e políticas públicas. Recife: EDUFPE, 2006. p. 127-144.), os homens, de modo geral, só excepcionalmente atuam no espaço doméstico, tendo em vista o valor social e a identificação desse trabalho como sendo “serviço de mulher”. Além disso, o trabalho doméstico e do cuidado é frequentemente concebido como leve, fácil.

Às vezes, tipo, o serviço de casa, que as mulheres fazem, talvez canse mais do que trabalhar na roça o dia inteiro. Os homens acham que mulher não cansa de fazer “servicinho leve”, que pode cansar muito mais do que trabalhar meio dia na roça, roçando ou carpindo (Educanda, RBI, manhã, II etapa).

A noção de “pesado” associada aos homens e “leve”, às mulheres, é uma construção social, em que o tipo de trabalho é identificado pelo gênero da pessoa que o faz (SCHWENDLER; Lúcia Amaranta THOMPSON, 2017SCHWENDLER, Sônia F.; THOMPSON, Lúcia Amaranta. “An education in gender and agroecology in Brazil’s Landless Rural Workers’ Movement”. Gender and Education, London, v. 29, n. 1, p. 100-114, 2017.). Em estudo comparativo entre diferentes regiões do Brasil, Maria Ignez Paulilo (1987PAULILO, Maria Ignez. “O peso do trabalho leve”. Revista Ciência Hoje, Rio de Janeiro, v. 5, n. 28, p. 64-70, 1987.) demonstrou que o trabalho na agricultura desenvolvido pelas mulheres era considerado geralmente mais “leve” do que o trabalho “pesado” desenvolvido pelos homens, ainda que envolvesse o mesmo montante de tempo e esforço e que fossem as mesmas tarefas, que diferem de uma região para outra em relação ao sujeito que as faz. Somado a isso, este trabalho “leve”, concebido como “ajuda”, que produz bens e serviços para o mercado e para o consumo da família, é identificado como trabalho “reprodutivo”, de menor valor social, como extensão do trabalho doméstico (SCHWENDLER, 2013). Esta hierarquização tem invisibilizado a participação econômica da mulher na agricultura camponesa, assim como das/dos jovens, e dificultado seu acesso às políticas públicas. Em contraste, pesquisas apontam que a participação da mulher na economia camponesa tem sido fundamental para assegurar a soberania alimentar, reduzir os riscos da pobreza, em função da valorização do bem-estar da família, e assegurar a biodiversidade no campo (DEERE; LEÓN, 2001DEERE, Carmen Diana; LEÓN, Magdalena. Empowering Women: Land and Property Rights in Latin America. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2001.; Nalu FARIA, 2009FARIA, Nalu. “Economia feminista e agenda de luta das mulheres no meio rural”. In: BUTTO, Andrea (Org.). Estatísticas rurais e a economia feminista: um olhar sobre o trabalho das mulheres. Brasília: NEAD, 2009. p. 11-28.; Christiane CAMPOS, 2011CAMPOS, Christiane S. A face feminina da pobreza em meio à riqueza do agronegócio. Buenos Aires: CLACSO, 2011.).

As/os estudantes mostram o quanto esta diferenciação do valor social do trabalho é marcante na realidade do campo, o que contribui para a subalternização das mulheres, particularmente nas relações intrafamiliares e nas decisões sobre a renda, aparentemente fruto apenas do chamado “trabalho produtivo”. Silva e Portella (2006SILVA, Carmen; PORTELLA, Ana Paula. “Divisão sexual do trabalho em áreas rurais no nordeste brasileiro”. In: SCOTT, Parry; CORDEIRO, Rosineide (Orgs.). Agricultura familiar e gênero: práticas, movimentos e políticas públicas. Recife: EDUFPE, 2006. p. 127-144.) afirmam que é “no campo da tomada de decisões, prerrogativa de quem detém mais poder, que se expressa mais claramente a desigualdade entre homens e mulheres” (p. 140). Neste contexto, para as autoras, o controle do homem sobre a renda da propriedade constitui-se em um dos pilares que mantém a dominação masculina sobre as mulheres. Uma das estudantes revela, em seu depoimento, que, na sua casa, é o pai quem decide sobre a renda a partir daquilo que é prioritário para ele. “Pra comprar um shampoo é uma guerra lá em casa. [...] Ele economiza demais. Ele não deixa eu ponhar a mão. Porque o pai pensa assim, é melhor você estar com a barriga cheia do que com a barriga vazia” (Educanda, Lapa, tarde, I etapa). A estudante mostra que sua mãe muitas vezes aceita, até porque o machismo é muito forte na família. “A mãe não gosta muito, mas tem que engolir”. Este testemunho é revelador de hierarquias de gênero e geração e dos conflitos geracionais na organização familiar camponesa. Além do mais, de acordo com Agarwal (1994AGARWAL, Bina. A Field of One’s Own: Gender and Land Rights in South Asia. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.), fica evidente o quanto o poder de barganha de cada membro da unidade familiar, em função dos conflitos de interesse e das diferentes percepções de demandas, interfere nos arranjos assumidos pela família camponesa.

A condição juvenil coloca as/os jovens também como sujeitos subalternos nas hierarquias do grupo familiar (Helena ABRAMO, 2005ABRAMO, Helena. “Condição juvenil no Brasil contemporâneo”. In: ABRAMO, Helena; BRANCO, Paulo P. (Orgs.). Retratos da juventude brasileira. Análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005. p. 37-72.; CASTRO, 2005CASTRO, Elisa G. de. Entre Ficar e Sair: uma etnografia da construção social da categoria jovem rural. 2005. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.). Elas/eles reconhecem a importância de ter a própria renda, que lhes possibilita uma autonomia e uma participação maior nos processos de decisão da família.6 6 No Assentamento Contestado, diversas/os jovens, participantes das oficinas, afirmaram ter elas/eles próprias/os projetos que geram renda, como a produção de morango, doce de leite, horta. Contudo, muitos dos estudantes que participaram nas oficinas destacaram que geralmente é o pai quem toma as decisões sobre onde aplicar a renda, o que também provoca conflitos geracionais. Um dos estudantes ressalta o quanto se mantém a administração da renda pelos homens, o que estaria ferindo o direito de participação das mulheres nas decisões. “Hoje em dia, se formos perceber, ainda acaba sendo o homem, muitas vezes, [quem decide]. Mas há contradições, que a mulher também tem seus direitos, né” (Educando, RBI, tarde, I etapa). O relato das/dos estudantes revela que, quando há uma cooperação maior no trabalho, há também na divisão da renda e na decisão de como administrá-la.

Não acho que é só a mulher que deve administrar nem só o homem, os dois devem ajudar. Vou dar o exemplo da minha casa, lá não é só o meu pai que trabalha nem só minha mãe, ambos têm direitos, já que os dois trabalham. Lá é o seguinte: tem a lavoura, mas não é só meu pai quem decide. Quando chega final do mês os dois decidem o que vai ser pago. Então acho que não é cada um, os dois têm que decidir juntos (Educanda, RBI, manhã, I etapa).

O testemunho da estudante traz a experiência familiar da colaboração na administração da propriedade e na decisão sobre a renda, dando ênfase ao direito à igualdade de gênero a partir da condição de que ambos, sua mãe e seu pai, trabalham. Neste sentido, a juventude do campo, principalmente as jovens mulheres, faz uma crítica à invisibilização do trabalho desenvolvido pelas mulheres e à cultura da superioridade do trabalho desenvolvido pelos homens a partir do recorte de gênero. Ao trazerem a percepção da divisão sexual do trabalho a partir dos arranjos familiares, as/os jovens do campo revelam tensões e diferenças geracionais no modo de compreender a organização familiar camponesa em relação ao valor social do trabalho e à participação na renda e na tomada de decisões, mas também a reprodução de padrões tradicionais de relações de gênero a partir do processo de socialização.

O impacto da divisão sexual do trabalho na educação da juventude camponesa e os conflitos geracionais

A juventude camponesa integra uma unidade familiar que também atua como unidade de produção agrícola em que os saberes, os valores, as normas e os processos de trabalho são socializados. Nesse cenário, “o processo de trabalho constitui-se no espaço privilegiado de socialização das novas gerações na lógica do trabalho e da produção agrícola” (Nilson WEISHEIMER, 2015WEISHEIMER, Nilson. “Sobre a situação juvenil na agricultura familiar”. In: LEÃO, Geraldo; ROCHA, Maria Isabel A. (Orgs.). Juventudes do Campo. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. p. 31-52., p. 38). A transmissão do saber para o trabalho “é mais do que transmissão de técnicas: ela envolve valores, construção de papéis etc.” (Ellen WOORTMANN; Klaas WOORTMANN, 1997WOORTMANN, Ellen F.; WOORTMANN, Klaas. O trabalho da terra: a lógica e a simbólica da lavoura camponesa. Brasília: EDUnB, 1997., p. 11). Neste contexto, é importante considerar que a divisão de tarefas e a hierarquização do valor social do trabalho pelo sistema sexo/gênero têm efeitos significativos na educação da geração mais jovem. Por outro lado, são promotoras de conflitos geracionais e de possíveis transformações, uma vez que a juventude, além de crescer num período histórico diferenciado, integra regimes de gênero distintos que vão se modificando com as transformações da agricultura, com a influência do mundo globalizado e do acesso à informação e à escolarização, com a formação de gênero, a auto-organização, a participação em movimentos sociais e a vivência de práticas mais colaborativas.

Em seus depoimentos, as/os estudantes revelam que, em alguns arranjos familiares, a cooperação se faz presente. “Lá em casa é tudo repartido, um dia meu irmão lá dentro, eu lá fora. No outro, ele lá fora e eu lá dentro” (Educanda, Lapa, tarde, IV etapa). “Lá em casa é bem dividido. Na hora do almoço, um vai pôr o macarrão, outro o arroz, o outro vai fazer a mistura, o outro vai fazer a salada. É bem dividido, até. E daí todo mundo vai para horta” (Educanda, Lapa, noite, II etapa). No entanto, o que ficou mais evidente é que, em muitas casas, há uma reprodução, no cotidiano das novas gerações, de um modelo em que a divisão do trabalho, mesmo com certa colaboração, ocorre a partir do recorte de gênero, em que a responsabilidade do cuidado e das tarefas domésticas recai mais sobre as jovens do que sobre os jovens.

As estudantes relatam que as filhas mais velhas participam das atividades na lavoura ou na horta, fonte de renda da família, além de terem a obrigação com o trabalho doméstico e do cuidado. “Porque a responsabilidade passa tudo para a mais velha: cuidar dos menores, limpar a casa, lavar roupa, cuidar do quintal e às vezes ajudar a colher verdura” (Educanda, Lapa, tarde, I etapa). “Ele [o irmão] não faz tanta coisa. A mãe e o pai deixam ele mais folgado. Eu tenho que me encarregar de todas as coisas que ele não faz. Me encarregar lá de fora, cuidar da minha irmã. Ele não cuida” (Educanda, Lapa, tarde, II etapa). Esta cobrança diferenciada dos pais em relação aos meninos e às meninas contribui no processo de naturalização da divisão do trabalho e de seu valor social pelo sexo. “Eles [os irmãos] falam: ‘Você é quem faz! A obrigação é tua, não é nossa! A nossa obrigação é ficar na roça, não aqui dentro de casa!’. Ele joga todas as coisas nas minhas costas” (Educanda, Lapa, tarde, I etapa).

A vivência de relações colaborativas que superem a divisão sexual do trabalho nas famílias camponesas é situação ainda em fase embrionária, inclusive após a realização das oficinas, e em disputa principalmente por jovens mulheres, conforme apontam os depoimentos, tendo em vista o habitus cultural, bem como a própria resistência dos jovens do gênero masculino em relação às mudanças. As oficinas com as/os estudantes confirmam o que já foi constatado em outros estudos (SCHWENDLER, 2003SCHWENDLER, Sônia F. “The Construction of the Feminine in the Struggle for Land and in the Social Re-creation of the Settlement”. In: VIEIRA, Else (Ed.). The Sights and Voices of Dispossession: The Fight for the Land and the Emerging Culture of the MST. London: Queen Mary University of London, 2003. Disponível em Disponível em http://www.landless-voices.org/vieira/archive-05.php?rd=CONSTRUC567&ng=e&sc=3&th=42&se=0 . Acesso em 05/03/2018.
http://www.landless-voices.org/vieira/ar...
; AGUIAR; STROPASOLAS, 2010AGUIAR, Vilênia V. P.; STROPASOLAS, Valmir Luiz. “As problemáticas de gênero e geração nas comunidades rurais de Santa Catarina”. In: SCOTT, Parry; CORDEIRO, Rosineide; MENEZES, Marilda (Orgs.). Gênero e geração em contextos rurais. Florianópolis: Mulheres, 2010. p. 159-183.): a socialização dos meninos se estrutura majoritariamente no espaço da produção, da gestão da propriedade e da comercialização dos produtos, concebido como “o de fora”, enquanto a socialização das meninas tem como lugar prioritário o doméstico, ou “o de dentro”, embora elas também participem das atividades da roça e eles “ajudem” em casa. Neste sentido, pode-se afirmar que as/os jovens vão construindo um saber social, um capital cultural genderizado, que se constitui como capital simbólico (BOURDIEU, 1990BOURDIEU, Pierre. The logic of practice. Cambridge: Polity Press, 1990.), contribuindo para a reprodução de discursos e práticas calcadas na divisão sexual do trabalho. As/os estudantes destacam o peso da cultura neste processo de educação das novas gerações.

Essa questão da cultura, eu vejo, porque na minha casa meus irmãos, nenhum deles nem chega perto da pia, do fogão, nada. Quem tem que fazer é eu e minha mãe. E por quê? Porque minha mãe não os ensinou a lavar louça. Não ensinou porque pra ela, na época dela já era assim, e [...] na época dela quem fazia eram as mulheres. E então isso é uma coisa que vai passando e eu acho que agora, é aos poucos, né, tá mudando, mas eu quis falar da cultura, né, que já é passada de muitos anos (Educanda, RBI, manhã, I etapa).

Então, eu acho que continua sim presente na nossa realidade jovem, ainda. Por quê? Porque tem muitas meninas que vão, tiram leite, vão e carpem, sabe! E meninos não. Tem muitos meninos que “nossa, eu não vou lavar louça”. Tá presente, sim. É uma criação que vem passando, que nossos pais nos ensinaram. E, se a gente não mudar isso, vamos supor, ensinar nossos filhos que menino pode lavar louça, sabe, pode fazer serviços de casa como as meninas, isso vai continuar por muito tempo (Educanda, RBI, manhã, I etapa).

Os estereótipos de gênero também acabam influenciando para que os meninos tenham mais dificuldade de assumir as responsabilidades domésticas como sendo suas, porque eles estariam ocupando um lugar que não é seu. O mais significativo é que teriam a sua masculinidade questionada, a partir de padrões hegemônicos. É o que Robert Connell (2005CONNELL, Robert W. Masculinities. 2. ed. Cambridge: Polity Press, 2005.) conceitua como masculinidades hegemônicas, a partir da teoria da hegemonia cultural de Antônio Gramsci. As masculinidades hegemônicas se configuram a partir de práticas que legitimam a posição de superioridade masculina e justificam a subordinação das mulheres e de outras formas marginalizadas de ser um homem (CONNELL, 2005CONNELL, Robert W. Masculinities. 2. ed. Cambridge: Polity Press, 2005.).

Eu já lavei louça quando era criança, e já fui taxado por causa disto. Mas eu tinha na minha consciência que eu tinha que ajudar a minha mãe, meus pais. Mas outras crianças não viam desse jeito. Mas eu nunca liguei (Educando, Lapa, noite, II etapa).

Geralmente o homem tem aquele preconceito, aquela preocupação. Se ele está dentro da casa e se ele for lavar a louça e alguém chegar, um vizinho, e o encontrar com um rodo na mão, passando um pano na casa [...]. Mas vai da consciência de cada um e da aprendizagem que a pessoa recebe também, né. Então, isso pode ser mudado; basta querer (Educando, RBI, tarde, I etapa).

O que ocorre aí é uma associação entre fazer trabalhos domésticos e a orientação sexual, de modo que o menino ou o homem é chamado de forma pejorativa de menininha, mulherzinha, como destacado por alguns estudantes durante as oficinas realizadas e demonstrado em duas peças de teatro feitas pelas/os estudantes. Ressalta-se ainda o controle sobre o corpo e a punição como formas de educar as novas gerações dentro dos padrões hegemônicos e heteronormativos de gênero - em que a heterossexualidade, segundo Judith Butler (1990BUTLER, Judith P. Gender trouble: feminism and the subversion of identity. New York: Routledge, 1990.), se constitui como a norma social que rege a linguagem, os arranjos sociais e institucionais.

Tem muito da cabeça dos pais também. Por exemplo, na minha casa o menino não podia ficar em casa ajudando a mãe, tinha que ir pra roça com o pai. Se quisesse ficar em casa, apanhava. E nós tínhamos que ajudar a mãe a fazer o serviço de casa. [...] O pai tem que voltar e ter o almoço pronto. São os pais que ensinam. E vai de geração pra geração (Educanda, RBI, tarde, IV etapa).

As hierarquias de gênero e geração delineiam a divisão do trabalho no campo - um padrão que se (re)produz dentro das famílias, a partir de certas práticas sociais e da legitimidade da autoridade masculina. De modo geral, as/os estudantes revelaram também a dificuldade que os meninos têm, muitas vezes, de assumirem relações de trabalho colaborativas, quando a cultura da sociedade reforça os scripts de gênero, como os comportamentos e espaços adequados para cada sexo que, segundo Butler (1988BUTLER, Judith. “Performative Acts and Gender Constitution: An Essay in Phenomenology and Feminist Theory”. Theatre Journal, Curitiba, v. 40, n. 4, p. 519-53, Dec. 1988.), são aprendidos e reiterados a partir da performatividade - uma prática reiterativa e citacional pela qual o discurso produz os efeitos que nomeia. Contudo, é na subversão da repetição da norma que residem as possibilidades da transformação de gênero. Neste sentido, as masculinidades hegemônicas acabam sendo modificadas em função de masculinidades contestatórias, assim como da agência das mulheres e de transformações na cultura da sociedade (CONNELL; James MESSERSCHMIDT, 2013CONNELL, Robert W.; MESSERSCHMIDT, James. “Masculinidade hegemônica: repensando o conceito”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 241-282, jan./abr. 2013.).

Outro dado significativo que foi mencionado pelas jovens durante as quatro oficinas realizadas nas duas escolas envolvidas, assim como no teatro que as/os estudantes fizeram, é a ideia da superioridade dos meninos sobre as meninas. “Porque meu irmão é assim. Eu estou limpando, ele entra com o pé sujo, daí eu falo: ‘sai!’. E ele não quer sair” (Educanda, Lapa, tarde, I etapa). Esta atitude é aprendida no espaço da socialização familiar.

A mãe vai, faz alguma coisa, limpa a casa, e o pai vai lá e não respeita, sabe. Daí a gente vai, fala e ele fica tipo ‘Ah, eu posso sujar e você tem que limpar’. Daí a gente vai e começa a brigar com ele. Discute muito, sabe. Não só na questão do trabalho, mas da gente sair também sabe, porque menina tem que ficar em casa. Meu Deus, se sair. Entendeu? E menino não, menino pode ir pra qualquer lugar (Educanda, RBI, manhã, II etapa).

A hierarquia de gênero e o poder masculino exercido sobre as mulheres também impactam na falta de autonomia e de liberdade das jovens: elas se sentem injustiçadas em função da desigualdade de tratamento que recebem em comparação aos seus irmãos, uma vez que se coloca um julgamento moral, da família e da comunidade, sobre elas. Embora a condição do jovem no espaço da família camponesa represente um lugar social de subordinação, a situação da jovem é agravada. Ela é desfavorecida na esfera do trabalho, no poder de decisão em relação à propriedade, às negociações e à renda, na autonomia e na liberdade de ir e vir, na sexualidade, no lazer (AGUIAR; STROPASOLAS, 2010AGUIAR, Vilênia V. P.; STROPASOLAS, Valmir Luiz. “As problemáticas de gênero e geração nas comunidades rurais de Santa Catarina”. In: SCOTT, Parry; CORDEIRO, Rosineide; MENEZES, Marilda (Orgs.). Gênero e geração em contextos rurais. Florianópolis: Mulheres, 2010. p. 159-183.).

Ir para o espaço público sem crítica ainda acaba sendo um privilégio masculino. A estudante faz uma associação com o machismo, a superioridade do pai nas decisões. “Meu pai é muito machista. Pergunta pras minhas amigas, ele não me deixa sair pra lugar algum” (Educanda, Lapa, tarde, I etapa). Castro ressalta o peso da autoridade paterna que cria “mecanismos de vigilância e controle sobre as/os jovens através das relações familiares e demais redes sociais, principalmente sobre mulheres, que se estendem para os espaços que frequentam” (CASTRO, 2009CASTRO, Elisa G. de. “Juventude rural no Brasil: processos de exclusão e a construção de um ator político”. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, Manizales, v. 7, n. 1, p. 179-208, jan./jun. 2009., p. 193). Neste sentido, vale ressaltar que o relativo isolamento espacial das famílias camponesas, a combinação de tarefas produtivas e domésticas em uma única unidade familiar e o controle da sexualidade da mulher contribuem de forma articulada para a (re)produção dos regimes patriarcais de gênero no campo (JACOBS, 2010JACOBS, Susie. Gender and Agrarian Reform. New York; London: Routledge, 2010.).

Os depoimentos revelam o quanto as próprias mulheres, que cresceram dentro de regimes de gênero mais patriarcais, reforçam esta diferença de tratamento e educam as/os filhas/os dentro destes padrões normativos. “Lá em casa a minha irmã pede para a mãe para sair, às vezes a mãe fala que não. Os piás dizem assim, ‘tô saindo mãe’, e a mãe não fala nada” (Educando, RBI, tarde, II etapa).

Apesar das resistências e dos conflitos geracionais que essas assimetrias de gênero provocam, percebe-se que algumas meninas se conformam com a situação em que vivem, vendo poucas perspectivas de mudança. Contudo, de modo geral, as jovens fazem uma crítica à geração anterior, especialmente às suas mães, quando estas têm internalizado que o trabalho doméstico é de responsabilidade feminina. As educandas querem romper com os espaços naturalizados como sendo das mulheres. Elas destacam o direito da escolha, a liberdade e a necessidade da transformação dos padrões tradicionais de gênero. “Lugar de mulher não é na frente do fogão fazendo comida e lavando roupa. Eu acho isso muito pesado porque todos nós sofremos preconceitos todos os dias. [...] Nosso lugar é qualquer lugar, podemos escolher todos os dias” (Educanda, RBI, tarde, II etapa).

Apesar do direito de escolha, ressalta-se o preconceito que as mulheres sofrem quando querem romper com estes papéis socioculturais, uma vez que a tradicional divisão sexual do trabalho permeia o imaginário da constituição familiar. Há uma cobrança de que a mulher precisa aprender a fazer o trabalho doméstico para servir a família, o marido; caso contrário, ela é discriminada na sociedade por não cumprir seu papel de mãe e esposa, podendo até ser vítima de violência doméstica,7 7 Apesar da invisibilidade, a violência contra a mulher está fortemente presente no contexto do campo. como nos revela a estudante: “Eu tenho uma prima que não aprendeu a fazer as coisas e dizem para ela: ‘Não aprendeu isso hoje, amanhã vai apanhar do marido’. [...] Acho que isso é bem machista” (Educanda, RBI, tarde, II etapa).

Os estudos de Walby (1997WALBY, Sylvia. Gender Transformations. Routledge: London, 1997.) demonstram que as mulheres que adaptaram as suas vidas a um regime de gênero doméstico têm diferentes recursos e vulnerabilidades, comparadas com aquelas que cresceram dentro de novos parâmetros, de um regime de gênero mais público. Estas, mesmo que continuem a enfrentar a segregação de gênero, terão diferentes concepções e valores, distintas agendas políticas e prioridades. A escolarização das gerações mais novas e o acesso à informação têm sido apontados nos depoimentos como fundamentais para mudar essa posição da mulher na sociedade e na organização do trabalho. As/os estudantes também assinalam que antigamente as meninas eram inseridas mais cedo no trabalho doméstico e que, hoje, com a ampliação do acesso à escolarização, elas acabam tendo melhores condições que suas irmãs mais velhas, as quais, muitas vezes, saíam de casa para trabalhar como empregadas domésticas, como forma de ajudar no sustento da família. O trabalho doméstico como emprego, segundo elas/eles, reproduz a naturalização do lugar e papel social da mulher. Paradoxalmente, este é buscado também pelas jovens camponesas como forma de romper com as tradicionais relações e hierarquias de gênero e geração, o que contribui para o fenômeno do envelhecimento da população do campo e a masculinização da agricultura, como atestam as pesquisas (RENK; BADALOTTI; WINCKLER, 2010RENK, Arlene; BADALOTTI, Rosana Maria; WINCKLER, Silvana. “Mudanças sócio-culturais nas relações de gênero e inter-geracionais: o caso do campesinato no Oeste Catarinense”. In: SCOTT, Parry; CORDEIRO, Rosineide; MENEZES, Marilda (Orgs.). Gênero e geração em contextos rurais. Florianópolis: Mulheres, 2010. p. 367-390.).

A reestruturação de gênero afeta diferentemente as mulheres de acordo com sua classe e sua etnia, mas também de acordo com sua organização familiar e com as diferenças geracionais (WALBY, 1997WALBY, Sylvia. Gender Transformations. Routledge: London, 1997.). As/os estudantes mostram as tensões que aparecem nas famílias em função da questão geracional, em que diferentes regimes de gênero acabam entrando em choque. “Naquele tempo eram conservadoras as famílias e acho que é por isso. Colocando-me na posição deles, no jeito que eles viveram antes, eu acredito que seja muito difícil fazer essa relação do mundo agora” (Educanda, Lapa, noite, II etapa). As/os jovens que têm acesso a diferentes espaços e ideias - através da escola, da mídia, do contato com o urbano, da formação no movimento social - questionam a cultura patriarcal marcadamente presente nas suas famílias, possibilitando a formulação de novas práticas e habitus socioculturais. Para Bourdieu (1990BOURDIEU, Pierre. The logic of practice. Cambridge: Polity Press, 1990.), o habitus segue as mudanças na sociedade, mas dentro de certos limites da continuidade. Estas mudanças, entretanto, se efetivam nos limites de “um modelo de agricultura familiar que é patriarcal, e reproduz valores hierárquicos, principalmente na questão de gênero e geração” (Catarina VIEIRA, 2015VIEIRA, Catarina. As relações de gênero na organização da juventude Sem Terra. 2015. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Pedagogia) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.). Celecina Sales (2010SALES, Celecina de M. V. “Mulheres jovens rurais: marcando seus espaços”. In: SCOTT, Parry; CORDEIRO, Rosineide; MENEZES, Marilda (Orgs.). Gênero e geração em contextos rurais. Florianópolis: Mulheres, 2010. p. 423-448.), em pesquisa realizada sobre as mulheres jovens nos assentamentos, também confirma que a participação das jovens na luta social, assim como o aumento da escolaridade, tem contribuído para que elas estejam desterritorializando-se e opondo-se às representações tradicionais do que é ser mulher camponesa. Sua participação na esfera pública contribui para subverter padrões masculinos de organização do trabalho e da luta social.

As narrativas das/dos estudantes nas oficinas revelam conflitos geracionais, bem como a dificuldade que as/os jovens têm de discutir a divisão sexual do trabalho com os pais que foram educados em outro regime de gênero, até porque isso implica valores sedimentados, relações de poder, de enfrentamento da autoridade, principalmente a paterna. “O pai não vai ajudar em casa e vai me olhar com cara feia e dizer ‘poxa, trabalhei o dia inteiro e estou sustentando vocês’. Aí você fala que a mãe faz a mesma coisa. [...] Eles não conseguem discutir isso dentro da família” (Educanda, Lapa, noite, I etapa). Segundo Stropasolas (2005STROPASOLAS, Valmir Luiz. “Juventude Rural: uma categoria social em construção”. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 12, 2005, Belo Horizonte, Sociedade Brasileira de Sociologia. Anais... Belo Horizonte: Sociedade Brasileira de Sociologia, 2005. Disponível em Disponível em http://www.sbsociologia.com.br/portal/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=64&Itemid=171 . Acesso em 22/04/2016.
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), “é justamente no campo das relações de gênero e geração que se situa um dos principais fatores de tensão e, ao mesmo tempo, de redefinição de valores e identidades na agricultura familiar” (p. 15).

A conscientização de gênero e seu impacto nos discursos e nas atitudes em direção à igualdade

As oficinas pedagógicas realizadas com as/os estudantes sobre a divisão sexual do trabalho permitiram perceber as diferenças e os conflitos geracionais que permeiam os arranjos familiares do campesinato, claramente marcados pelas assimetrias de gênero. Além do mais, os testemunhos das/dos estudantes revelam o processo de construção/reprodução dos discursos e habitus de gênero, que ocorre principalmente no espaço familiar, onde os códigos e significados de gênero são transmitidos de modo intergeracional, através de normas e práticas. Como afirmam Sylvia Chant e Nikki Craske (2003CHANT, Sylvia H.; CRASKE, Nikki. Gender in Latin America. London: Latin American Bureau, 2003.), a família, como lugar de socialização, pode constituir-se num espaço de produção da divisão sexual do trabalho e de desigualdades, mas também de resistência e negociação.

O estudo evidenciou a importância do empoderamento da juventude, principalmente das jovens, para que a resistência aos padrões culturais de gênero e a negociação de arranjos colaborativos e igualitários possam ocorrer. O empoderamento é compreendido aqui numa perspectiva construtiva, o que implica o uso do poder para se atingir algo sem a necessidade da dominação, do poder com o coletivo, e do poder que vem de dentro do sujeito, a partir de uma compreensão crítica de como a subordinação pode ser (re)produzida, mas também contestada (DEERE; LEÓN, 2001DEERE, Carmen Diana; LEÓN, Magdalena. Empowering Women: Land and Property Rights in Latin America. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2001.). Destacam-se, neste processo, o acesso aos novos conhecimentos e a formação de uma consciência da igualdade de gênero como fatores cruciais para a desmistificação dos habitus culturais de gênero. Estudos de Else Vieira (2015VIEIRA, Else R. P. “The Landless Voices Database: A Trajectory from Cultural Studies to Pedagogical Impact”. Educar em Revista, Curitiba, n. 55, p. 69-86, jan./mar. 2015.) confirmam que o impacto conceitual, produzido pelo acesso a novos conhecimentos, está intrinsecamente vinculado às mudanças culturais e atitudinais, à revisão de concepções equivocadas e à mudança de práticas sociais.

Embora a temática da divisão sexual do trabalho não tenha sido novidade para muitos, como o fora a diversidade de gênero (outro eixo do projeto), nas avaliações das oficinas destacam-se vários aprendizados, incluindo a revisão de conceitos. Os elementos mais enfatizados pelas/os estudantes8 8 Como esta avaliação foi anônima e não identificou o gênero das/dos estudantes, os dados qualitativos levantados na avaliação escrita só irão identificar o local, o turno e a etapa em que foi feita. foram o respeito, a igualdade de direitos, e o trabalho colaborativo: “Aprendi que as pessoas devem respeitar umas às outras”, “Que tudo tem que ser igualitário e todos têm o mesmo valor” (Estudantes, Lapa, tarde, IV etapa), “Que devemos respeitar o que cada um quer para sua vida, e que a mulher deve ter os mesmos direitos que os homens” (Estudante, Lapa, noite, IV etapa). Elas/eles ressaltam a importância da colaboração, pois “com a divisão do trabalho tudo melhora” (RBI, tarde, III etapa). Para alguns, este é um aprendizado que já foi feito na família, talvez pelo vínculo com o movimento social, a partir do protagonismo das mulheres camponesas (SCHWENDLER, 2015SCHWENDLER, Sônia. F. “O processo pedagógico da luta de gênero na luta pela terra: o desafio de transformar práticas e relações sociais”. Educar em Revista, Curitiba, n. 55, p. 87-109, jan./mar. 2015.): “Porque aqui a gente desde pequeno aprende a dividir o trabalho e não ter preconceito” (Estudante, Lapa, tarde, III etapa).

A formação tem sido vista pelas/os estudantes como fator preponderante na mudança cultural. “As pessoas estão mudando, porque agora já está tendo mais formação e a gente vai aprendendo” (Educando, RBI, manhã, I etapa). Os testemunhos revelam que as/os estudantes que têm tido acesso ao debate de gênero começam a questionar a divisão sexual do trabalho e as assimetrias de gênero no interior de suas famílias e contribuem para a formação de novos arranjos familiares. Nas oficinas, elas/eles se sentiam com bastante liberdade para debater as relações em que estão inseridas/os. No entanto, consideravam que era mais difícil fazer este debate no espaço familiar e comunitário, em função da situação juvenil e dos regimes patriarcais de gênero presentes no campo. “Porque é uma questão que vem de muito longe, do tempo dos nossos avós, pois é uma cultura difícil de desapegar” (Estudante, Lapa, noite, III etapa). Além disso, “as pessoas da minha comunidade não iriam me dar ouvidos, pois sou apenas uma menina para eles” (Estudante, RBI, manhã, IV etapa).

A naturalização da divisão de tarefas por sexo, o machismo e a desigualdade salarial também aparecem como elementos que dificultam a problematização da temática nestes espaços: “Porque muitas pessoas não entendem. Os homens dizem que o lugar da mulher é na casa cuidando dos filhos e não trabalhando fora” (Estudante, RBI, tarde, III etapa), “Porque muitas pessoas pensam que a mulher não é capaz de trabalhar. Pensam que só o homem sabe trabalhar. Mas muitas mulheres são vencedoras, cuidam de seus filhos, fazem o trabalho doméstico e ao mesmo tempo trabalham” (Estudante, RBI, manhã, III etapa). Destaca-se aqui que, embora a/o estudante problematize a divisão sexual do trabalho, seu discurso revela uma concepção de trabalho como sinônimo do produtivo.

De modo geral, os depoimentos mostram que elas/eles têm revisado seus conceitos em relação ao valor do trabalho, o que evidencia um impacto cultural e pedagógico das oficinas. A fala de uma educanda mostra a importância das oficinas na conscientização de gênero: “Mudou bastante, pelo menos para mim, algumas formas de pensar. Antes de vocês virem aqui, eu pensava de uma forma. Ah, por exemplo, serviço de mulher; depois percebi que não” (Educanda, RBI, tarde, II etapa). Outra/o estudante destaca: “Eu achava normal homem com seu trabalho e a mulher com o seu, mas vi que eles devem respeitar um ao outro” (RBI, tarde, III etapa). É interessante perceber como as/os estudantes desnaturalizam o que está no senso comum quando têm acesso à reflexão crítica sobre o tema. A fala de uma das estudantes, na II oficina, é reveladora deste aprendizado, ao diferenciar trabalho de ajuda.

Tudo é um trabalho. Só que a sociedade construiu isso. O que é feito de coisas leves, é uma ajuda. A mulher só ajuda. E o homem trabalha. É como se fosse: trabalho de casa é obrigação da mulher. E é como se isso não contasse como trabalho que gera renda (Educanda, Lapa, noite, II etapa).

Outra estudante destaca:

A formação que a gente teve dentro da escola foi essencial pra que a gente começasse a mudar dentro de casa e começasse a pensar sobre isso e entender também, porque antes de ter essas oficinas dentro da escola eu não entendia as relações de gênero (Educanda, Lapa, noite, IV etapa).

A estudante também enfatiza que, enquanto algumas pessoas absorvem os debates e mudam suas atitudes, para outras, este processo é mais lento, ou muitas vezes não acontece, revelando que as mudanças não são contínuas nem uniformes. Quando perguntados sobre o que poderia ser feito para diminuir o preconceito e a discriminação contra a mulher e criar uma consciência da igualdade de gênero, algumas/alguns destacam: “que as pessoas se colocassem no lugar do outro e que elas pensassem como seria”; que o “homem se coloque no lugar da mulher”. O colocar-se no lugar do outro, durante o teatro, contribuiu para a problematização das desigualdades e injustiças de gênero.

A mudança é um processo que implica a agência individual e coletiva. Mas esta agência não pode ser compreendida fora dos condicionamentos da materialidade em que as pessoas se encontram ou do grau de conhecimento e de consciência, no caso da igualdade de gênero. Há também o reconhecimento de que este aprendizado precisa ser partilhado, pois “aprendi muitas coisas que posso repassar para meus colegas e familiares” (Estudante, RBI, tarde, IV etapa). No entanto, os testemunhos revelam que esta iniciativa de problematizar e renegociar os arranjos familiares em busca de relações de gênero mais colaborativas tem sido majoritariamente feita pelas jovens mulheres.

Apesar de que, da outra vez que teve aqui [a oficina], que eu reclamei muito que ele [o irmão] não me ajudava, daí eu cheguei em casa e conversei com ele, com o pai, com a mãe. [...] Ou muda ou eu não faço mais nada. Porque antes por mim era só aquilo que eu fazia. [...] No mesmo dia que a gente conversou, eu com a mãe ia sair, daí o pai falou: “fica uma de vocês para poder fazer comida para a gente”. Mas daí eu falei: “pai, você e meu irmão sabem cozinhar, por que vocês não cozinham?”. Aí eles ficaram pensando, e falaram: “Pode ir”. A partir daquele dia, eles mesmos fazem a comida para eles. Eles limpam casa, fazem tudo certinho. [...] Lá em casa o bom foi que a mãe pensou do mesmo jeito que eu. Nós duas chegamos a um acordo para conversar com eles. Eu cheguei para minha mãe e falei: não estou aguentando mais, estou trabalhando demais, ainda estudando. Aí ela falou, pois é, e eles também não fazem nada dentro de casa. Aí nós duas chamamos os dois para conversar, e a partir dali começou a mudar (Educanda, Lapa, noite, II etapa).

A estudante acima afirma que sua iniciativa de problematizar a divisão sexual do trabalho na sua família foi resultado da oficina. Além disso, o papel da mãe de querer mudar os arranjos familiares da divisão sexual do trabalho foi fundamental para que a estudante decidisse enfrentar as normas familiares: “Ainda bem que ela já pensou como eu, porque se eu tivesse de convencer ela, teria desistido”. As estudantes destacaram também que, tendo uma consciência dos problemas de gênero, elas podem ajudar suas mães a enfrentar a submissão na família. Outra estudante mostra que a problematização sobre o tema contribuiu para que ela provocasse questionamentos que geraram mudanças nos arranjos familiares das gerações mais antigas, embora pequenas. Este fato revela que as gerações mais novas também podem contribuir para mudar atitudes das mais antigas.

Quando eu fui morar com minha vó, a gente conversava sobre essas coisas, aí ela falou: “você tem que aprender a cozinhar, a limpar a casa, você tem que fazer tudo para o seu marido”. Aí eu falei, “mas por que a gente não pode dividir? [...]”. Aí ela falou: “teu avô, coitado, ele trabalha o dia inteiro na roça, a gente tem que fazer alguma coisa para ele. É ele que está trazendo a comida para dentro de casa”. Depois que a gente começou a conversar, teve um avanço (Educanda, Lapa, noite, II etapa).

Quando eu cheguei em casa e falei com meu pai e com a minha mãe, eles entenderam que não é só de uma forma. Que se pode mudar isso. Nós sentamos, conversamos sobre as coisas. Eu puxei este assunto ontem, e daí eles começaram a pensar. E daí vai mudar as coisas, não vai ficar só de um jeito (Educanda, RBI, tarde, II etapa).

As educandas mostram o efeito de um trabalho de formação sistemática e a importância da consciência de gênero, enquanto empoderamento, o que contribui para a agência, no sentido de tomar iniciativa para provocar mudanças no espaço familiar, a partir do diálogo - ferramenta pedagógica de uma pedagogia libertadora (Paulo FREIRE, 1987FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.). Embora essas mudanças sejam lentas e de difícil mensuração e escapem ao escopo do projeto, destaca-se a importância do efeito multiplicador: ao trabalhar a consciência de gênero com uma pessoa, esta pode provocar mudanças no seu espaço de convivência, como na família, na escola, no trabalho, contribuindo para que as pessoas revejam as suas práticas e se organizem de modo mais colaborativo. Destaca-se aí o papel da educação na transformação dos habitus de gênero, como demonstrado por Bourdieu. Como um produto da experiência social e da educação, o habitus pode ser “modificado pela ação histórica, orientada pela intencionalidade e pela consciência, por meio da ação pedagógica” (BOURDIEU, 2005BOURDIEU, Pierre. “Habitus”. In: HILLIER, Jean; ROOKSBY, Emma (Eds.). Habitus: a Sense of Place. 2. ed. Surrey: Ashgate, 2005. p. 43-48., p. 45 [tradução nossa]).

Conclusões

Esta pesquisa desenvolvida com as/os jovens do campo, a partir de suas histórias de vida e das de seus familiares, relatada e problematizada em quatro oficinas pedagógicas, buscou analisar as diferenças geracionais e tensões no que tange às relações de gênero no território camponês, tendo como eixo central a categoria trabalho. Os testemunhos das/dos estudantes são reveladores da reprodução da divisão sexual do trabalho, onde as/os jovens são socializadas/socializados desde crianças a partir de discursos, práticas e habitus genderizados. Contudo, revelam também experiências colaborativas que se instauram em várias famílias, as quais educam seus filhos a partir de arranjos mais colaborativos em termos de gênero e geração.

De modo geral, a pesquisa revela tensões que aparecem nas famílias em função da questão geracional, em que diferentes regimes de gênero acabam entrando em choque. As marcantes diferenças de percepção têm gerado conflitos geracionais. O questionamento da cultura patriarcal, marcadamente presente nas famílias camponesas, pelas/os jovens que têm tido acesso a distintas experiências e a espaços formativos como o das oficinas pedagógicas, ficou evidente em suas narrativas.

O acesso sistemático ao conhecimento de gênero, na temática da divisão sexual do trabalho no contexto do campo, a partir das oficinas pedagógicas, produziu impactos conceituais, culturais e pedagógicos, possibilitando a revisão de conceitos e concepções equivocadas por parte das/dos jovens, assim como a mudança de discursos, práticas sociais e atitudes em direção à igualdade de gênero. Um dos possíveis resultados deste processo é a construção de relações familiares mais colaborativas por parte das novas gerações, principalmente frente ao protagonismo das jovens mulheres no enfrentamento do machismo e de algumas estruturas hierárquicas de gênero nos espaços familiares. O enfrentamento destas assimetrias por meio do diálogo constitui importante resultado do Projeto, que permitiu construir novas representações de gênero e geração - fatores cruciais nas mudanças culturais e atitudinais em relação à igualdade de gênero. Este alcance revela o efeito multiplicador de um trabalho pedagógico com intencionalidade formadora e transformadora das relações e discursos de gênero e trabalho no campo.

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  • 1
    Além de promover a inclusão de gênero no currículo escolar, neste Projeto foram investigadas as diferenças e tensões geracionais em relação a dois eixos: a diversidade de gênero e a divisão sexual do trabalho. Foi desenvolvido em colaboração com a professora Catedrática do Queen Mary University of London, Else R. P. Vieira.
  • 2
    Neste assentamento, onde 108 famílias foram assentadas em 1999 a partir da luta pela terra, mais de 50% produzem dentro de padrões agroecológicos. O assentamento sedia a Escola Latino-Americana de Tecnólogo em Agroecologia (2005) e uma das turmas do curso de Licenciatura em Educação do Campo pela Universidade Federal do Paraná, Setor Litoral (2014). A Escola Municipal do Campo Contestado (2009) e o Colégio Estadual do Campo Contestado (2011) foram implementados em função da luta da própria comunidade pelo direito à educação no e do campo.
  • 3
    Este assentamento, onde vivem cerca de seiscentas famílias, é fruto de uma das maiores ocupações de terra na América Latina (1996), em que aproximadamente três mil famílias ocuparam um dos maiores latifúndios - a Fazenda da Madeireira Giacomet-Marodin, atualmente Madeireira Araupel. Mil e quinhentas famílias foram assentadas em parte deste latifúndio, formando os assentamentos Ireno Alves dos Santos (1997) e Marcos Freire (1998). O Colégio Iraci Salete Strosak (1999) tornou-se escola base (2003) das escolas itinerantes, localizadas nos acampamentos de reforma agrária do estado do Paraná.
  • 4
    As/os estudantes, de modo geral, participaram das quatro etapas e foram organizadas/dos em quatro grupos distintos por etapa. Em cada escola, as oficinas foram realizadas nos turnos em que as/os estudantes estudavam, mediante Termo de Assentimento e Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelos responsáveis legais, conforme aprovação no Comitê de Ética na Pesquisa do Queen Mary University of London (QMERC2015/76).
  • 5
    Na segunda, terceira e quarta etapas, as/os estudantes também avaliaram os impactos das oficinas pedagógicas em temos de aprendizados, de conscientização de gênero e de mudança de atitudes.
  • 6
    No Assentamento Contestado, diversas/os jovens, participantes das oficinas, afirmaram ter elas/eles próprias/os projetos que geram renda, como a produção de morango, doce de leite, horta.
  • 7
    Apesar da invisibilidade, a violência contra a mulher está fortemente presente no contexto do campo.
  • 8
    Como esta avaliação foi anônima e não identificou o gênero das/dos estudantes, os dados qualitativos levantados na avaliação escrita só irão identificar o local, o turno e a etapa em que foi feita.
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    SCHWENDLER, Sônia Fátima. “A divisão sexual do trabalho no campo sob a perspectiva da juventude camponesa”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 28, n. 1, e58051, 2020
  • Financiamento:

    A pesquisa Gender and education in rural areas in Brazil (Gênero e educação em áreas rurais no Brasil) foi financiada pela British Academy/Newton Trust (2015-2017), chamada Newton Advanced Fellowships - Código AF150000
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    A pesquisa teve aprovação no Comitê de Ética na Pesquisa do Queen Mary University of London (QMERC2015/76)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    04 Jul 2018
  • Revisado
    14 Jul 2019
  • Revisado
    26 Jul 2019
  • Aceito
    05 Ago 2019
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