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Silêncios nos discursos pró-aleitamento materno: uma análise na perspectiva de gênero

Silences about Breast Feeding: an Analisis Bases on Gender Perspective

Resumo:

Este artigo aborda os discursos da atual Política Nacional de Aleitamento Materno brasileira, enfocando sentidos pouco explorados em seus materiais educativos. As perspectivas teórico-metodológicas adotadas foram a Semiologia dos Discursos Sociais, que entende o discurso como constitutivo e constituinte das relações sociais de poder, e os Estudos de Gênero, que questionam a naturalização da dualidade feminino/masculino como estruturante de uma essência fixa do ser. A análise identificou como, em geral, os materiais continuam a enfatizar a importância do aleitamento materno para a saúde da criança, omitindo ou tratando de forma estereotipada as perspectivas das mulheres sobre a prática. A complexidade da amamentação é pouco abordada, e o desmame como transição subjetiva na relação entre mãe, criança e mundo social, silenciado.

Palavras-chave:
Aleitamento materno; Amamentação; Discursos; Silêncios; Desmame

Abstract:

This article approaches the discourses of the national policy on breastfeeding in Brazil today, emphasizing underexplored meanings in its educational materials. The theoretical and methodological perspectives adopted were the Semiology of Social Discourses, which understands discourse as a constitutive/constituent of social power relations, and Gender Studies, and its questioning of the naturalization of the binary female/male division as structural to a fixed essence of beings. The analysis identified how materials continue to emphasize the importance of breastfeeding for children’s health, omitting or treating stereotypically women's perspectives on the practice. The complexity of breastfeeding is seldom addressed, and weaning as a subjective transition in the mother-child relationship and their social world is ignored.

Keywords:
Breastfeeding; Breast-feeding; Discourses; Silences; Weaning

Introdução

Segundo Cesar G. VICTORA et al. (2016VICTORA, Cesar G. et al. “Breastfeeding in the 21st Century: Epidemiology, Mechanisms, and Lifelong Effect”. The Lancet, v. 387, p. 475-490, jan. 2016.), “nunca antes na história da ciência foi tão bem conhecida a complexa importância do aleitamento materno para ambos, mães e crianças” (p. 475). Sua meta-análise de estudos internacionais, publicada no Lancet, estimou que a adoção universal da prática preveniria mais de 800 mil mortes anuais de menores de 5 anos, além de 20 mil mortes de mulheres por câncer de mama. Diante do destaque que o tema vem conquistando mundialmente, temos presenciado, especialmente nas últimas quatro décadas, a elaboração de diretrizes e políticas de âmbito nacional e internacional.

Este artigo busca analisar os discursos oficiais de orientação ao aleitamento materno (AM) no Brasil contemporâneo partindo de duas premissas básicas: que tais discursos produzem sentidos e silêncios sobre o processo da amamentação; e que, ao priorizar os benefícios que a prática proporciona à saúde da criança, negligenciam aspectos objetivos e subjetivos, sobretudo no que se refere à vida da mulher/mãe que amamenta. Na tese que deu origem ao presente trabalho (Irene Rocha KALIL, 2015KALIL, Irene Rocha. De silêncio e som: a produção de sentidos nos discursos oficiais de promoção e orientação ao aleitamento materno brasileiros. 2015. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde, Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro.), exploramos os sentidos preponderantes nos discursos pró-AM atuais, bem como aqueles esquecidos ou silenciados. Enfocamos, aqui, a descrição e análise desta segunda categoria de discursos, negligenciados, porém necessários a uma compreensão mais polifônica da amamentação e de seus desdobramentos na inserção social da mulher para além da maternidade.

A perspectiva teórico-metodológica adotada foi a Semiologia dos Discursos Sociais (Milton José PINTO, 1999PINTO, Milton José. Comunicação e discurso: introdução à análise de discursos. São Paulo: Hacker, 1999.), que: 1) entende o discurso como constitutivo/constituinte das relações sociais de poder, atuando na sua manutenção, mudança ou subversão; 2) analisa o discurso tomando como base suas marcas ou pistas textuais; 3) problematiza os sentidos privilegiados e naturalizados nesses discursos, relacionando-os às ideologias implicadas, consciente ou inconsciente, em sua concepção, como consequência necessária da ligação do discurso com suas condições sociais de produção, também chamadas de contextos; e 4) ressignifica o polo da recepção, superando a visão funcionalista que privilegia o estudo da emissão e entendendo a comunicação como processo de negociação de sentidos entre sujeitos.

A apropriação de Eni Puccinelli ORLANDI (2007ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Campinas: Unicamp, 2007.) sobre o silêncio e sua relevância para compreender o discurso como materialização da interface entre ideológico e linguístico nos incentivou a tecer considerações sobre o papel do silêncio na construção dos sentidos nos discursos oficiais contemporâneos pró-AM no Brasil. Com base na classificação proposta pela autora, interpretamos os (muitos) silêncios dos materiais educativos como exemplos do ‘silêncio constitutivo’. Este opera, junto à censura, a ordem de uma ‘política do silêncio’: “se diz ‘X’ para não (deixar) dizer ‘Y’. [...] Por aí se apagam os sentidos que se quer evitar, sentidos que poderiam instalar o trabalho significativo de uma ‘outra’ formação discursiva, uma ‘outra’ região de sentidos” (ORLANDI, 2007ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Campinas: Unicamp, 2007., p. 73-74). No corpus analisado, por exemplo, isto fica evidente na adoção massiva da nomenclatura ‘aleitamento materno’, em detrimento da terminologia ‘amamentação’, priorizando os sentidos vinculados ao fornecimento do leite materno à criança e secundarizando aqueles voltados à relação que se estabelece entre subjetividades de mãe e bebê por meio da prática.

Ao mesmo tempo, consideramos imprescindível abordar os discursos contemporâneos sobre AM numa perspectiva de gênero. Os Estudos de Gênero, como apontou Jacqueline Pitanguy de ROMANI (1982ROMANI, Jacqueline Pitanguy de. “Mulher: natureza e sociedade”. In: LUZ, Madel T. (Org.). O lugar da mulher: estudos sobre a condição feminina na sociedade atual. Rio de Janeiro: Graal , 1982. p. 59-71.), questionam a suposta essência sexual dos conceitos de masculino e feminino, mostrando que se encontram, na verdade, “mergulhados na esfera política, legitimando posições assimétricas na distribuição social do poder entre os sexos” (p. 65). Como também afirmaram Janaína Marques de AGUIAR e Regina Helena SIMÕES-BARBOSA (2006AGUIAR, Janaína Marques de; SIMÕES-BARBOSA, Regina Helena. “Relações entre profissionais de saúde e mulheres HIV+: uma abordagem de gênero”. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, ano 22, n. 10, p. 2115-2123, out. 2006.), para além de diferenças meramente ‘sexuais’ ou biológicas, as representações de gênero, tais quais são conhecidas e às quais se está ‘naturalmente’ habituado, “correspondem, na prática, a posições sociais com diferentes significados, para homens e mulheres, nas relações que estabelecem entre si e com o seu meio” (p. 2116). Assim, o papel da mulher como mãe que amamenta foi construído historicamente e guarda relação estreita com uma configuração mais geral da mulher - e do seu ‘oposto complementar’, o homem - e suas respectivas formas de inserção na sociedade.

Sem desconsiderar os diferentes usos que a categoria gênero pode ter na literatura em saúde coletiva, como apontaram Wilza VILLELA, Simone MONTEIRO e Eliane VARGAS (2009VILLELA, Wilza; MONTEIRO, Simone; VARGAS, Eliane. “A incorporação de novos temas e saberes nos estudos em saúde coletiva: o caso do uso da categoria gênero”. Ciência & Saúde Coletiva, v. 14, n. 4, p. 997-1006, 2009.), neste trabalho, ‘gênero’ foi adotado como pressuposto teórico necessário à compreensão do processo de naturalização da amamentação, tomada, progressivamente, como função biológica e social da mulher (sobretudo no discurso biomédico). Mesmo entendendo, como as autoras, que ‘gênero’ se configura como categoria “complexa e multifacetada” (p. 1004), não sendo sinônimo da categoria ‘sexo’ ou se referindo unicamente à categoria ‘mulher’, por ter sua origem no pensamento feminista, o termo “carrega um compromisso político com as mulheres, e a força da sua utilização reside na possibilidade de oferecer novos ângulos de compreensão dos eventos da vida de mulheres e homens que ampliem a autonomia” (VILLELA; MONTEIRO; VARGAS, 2009, p. 1004).

Definição do corpus de análise

Nossa proposta foi refletir sobre os discursos contemporâneos oficiais sobre AM por meio da análise de materiais de orientação produzidos pelo Ministério da Saúde (MS) e disponíveis para consulta em seu sítio na internet (www.saude.gov.br), na seção de Publicações da Coordenação Geral de Saúde da Criança e AM (CGSCAM), em agosto de 2013.

Por ‘materiais de orientação’ compreendemos os manuais, cartilhas, álbuns e cadernos dirigidos, principalmente, a profissionais de saúde, mediadores no cuidado à mulher gestante e/ou lactante e à criança, mas, também, a empresários, mulheres e população em geral. Esses materiais carregam, além do fomento à adoção de hábitos e rotinas (sobretudo pelos serviços públicos de saúde), a missão de informar e formar profissionais e população para a consecução dos objetivos propostos pela política pública.

Na época do levantamento, estavam disponíveis cerca de 40 materiais, entre peças de campanhas e notas técnicas. Priorizamos os materiais que enfocavam especificamente a orientação à prática do AM/amamentação, abordando-a conceitualmente e dirigindo-se a distintos públicos, para compreendermos a produção de sentidos para diferentes segmentos sociais. Nesse processo, excluímos materiais que não tinham na amamentação o objeto central, bem como manuais que orientavam rotinas de serviços de saúde, protocolos em unidades hospitalares e/ou que continham informações predominantemente técnicas a respeito do AM. Assim, chegamos ao seguinte corpus de análise: Cartilha para a mãe trabalhadora que amamenta (Cartilha) (BRASIL, 2010aBRASIL. Ministério da Saúde. Cartilha para a mãe trabalhadora que amamenta. Brasília, 2010a.); Apoio à mulher trabalhadora para manter a amamentação (Folder) (BRASIL, 2010bBRASIL. Ministério da Saúde. Apoio à mulher trabalhadora para manter a amamentação. Brasília, 2010b.); Saúde da criança: Nutrição infantil; AM e alimentação complementar (Caderno) (BRASIL, 2009); e Promovendo o AM (Álbum Seriado) (BRASIL; UNICEF, 2007BRASIL. Ministério da Saúde; FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA. Promovendo o AM. 2.ed. Brasília, 2007.).

Silêncios nos discursos oficiais sobre AM

Ao buscar compreender a construção de sentidos vigentes sobre AM/amamentação, deparamo-nos com uma pluralidade de discursos, emergentes em diferentes contextos históricos, cujas “vozes” são retomadas, ainda que expressem variadas contradições entre si. Tais vozes, intertextos ou interdiscursos exemplificam o que Mikhail BAKHTIN (2006BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 12.ed. São Paulo: Hucitec, 2006.) nomeou de polifonia. Característica inerente a todo discurso, a polifonia indica que (de forma consciente ou inconsciente) são acionadas diferentes vozes (discursos) na construção dos sentidos, tanto no âmbito da produção stricto sensu quanto na apropriação por seus receptores. Nos materiais analisados, permanece arraigado o discurso higienista da virada do século XIX para o XX no país. A voz dessa concepção do AM relacionava a falta de educação física, moral e intelectual das mães às altas taxas de mortalidade infantil, agravadas pela prática de entregar os bebês às amas de leite escravas (Jurandir Freire COSTA, 1999COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. 4.ed. Rio de Janeiro: Graal, 1999.). Ela já condensava vários outros discursos em prol da amamentação - da religião, da natureza, da saúde, do compromisso moral e do dever cívico da mãe para com sua prole - que são usualmente acionados nos discursos contemporâneos pró-AM.

Ao lado dos discursos que constituem, como presença, os sentidos contemporâneos nos materiais de orientação ao AM, observamos alguns discursos negligenciados, dentre os quais exploraremos: a) perspectivas da mulher no processo de amamentação; b) amamentação e paternidade; e c) o desmame como transição necessária. Como orientação analítica, Orlandi (2007ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Campinas: Unicamp, 2007.) nos instiga a valorizar “a historicidade do texto, os processos de construção dos efeitos de sentidos” para identificar o silêncio, que não pode ser observado diretamente, mas se desvela indiretamente por meio de métodos, sempre discursivos, que são “históricos, críticos, desconstrutivistas” (p. 45).

Perspectivas da mulher no processo de amamentação

A despeito do discurso feminista sobre o direito da mulher ao próprio corpo, que ganhou força na década de 1960 em várias partes do mundo (Elisabeth BADINTER, 2011______. O conflito: a mulher e a mãe. Rio de Janeiro: Record, 2011.), os discursos contemporâneos pró-AM insistem em apregoar as vantagens da prática para a saúde da criança, negligenciando limites e possibilidades da mulher para amamentar. No Canadá, Stephanie J. KNAAK (2006KNAAK, Stephanie J. “The Problem with Breastfeeding Discourse”. Canadian Journal of Public Health, v. 97, n. 5, p. 412-414, set./out. 2006.) observou que, não obstante os esforços internacionais pró-aleitamento, vivências maternas podem contradizer as informações oficiais, como a de que a amamentação é prática e promove o vínculo entre mãe e bebê, apontando experiências de mães que “variam de prazerosas a penosas e ambivalentes” (p. 413). Na realidade brasileira, Kalil, Luiz Marcelo Robalinho FERRAZ e Adriana Cavalcanti de AGUIAR (2014KALIL, Irene Rocha; FERRAZ, Luiz Marcelo Robalinho; AGUIAR, Adriana Cavalcanti de. “Da intenção ao gesto: aproximações e distanciamentos entre informações oficiais e percepções maternas sobre amamentação”. Diálogos de la Comunicación, n. 88, p. 1-18, jan./jun. 2014.) investigaram percepções sobre material de divulgação da Semana Mundial de Amamentação 2010 por mães em fase de amamentação ou com desmame recente, a maioria das quais manifestou discordância sobre o período ideal de aleitamento preconizado (2 anos ou mais) por razões nutricionais e de socialização do bebê, enfatizando a necessária retomada de autonomia e vida social da mãe.

Dessa discrepância ou, mesmo, antagonismo entre os sentidos propostos pelo discurso hegemônico de organizações nacionais e internacionais (‘vozes autorizadas’) e os sentidos produzidos por quem amamenta, emerge a questão da culpa e da vergonha (Erin N. TAYLOR; Lora Ebert WALLACE, 2012TAYLOR, Erin N.; WALLACE, Lora Ebert. “For Shame: Feminism, Breastfeeding Advocacy, and Maternal Guilt”. Hypatia, v. 27, n. 1, p. 76-98, 2012.). A possível culpa que mulheres que não amamentam ou não obedecem aos parâmetros definidos sentem decorreria de dois fatores. Primeiro, a inadequação da mulher aos padrões da “maternidade total” (Joan B. WOLF, 2007WOLF, Joan B. “Is Breast Really Best? Risk and Total Motherhood in the National Breastfeeding Awareness Campaign”. Journal of Health Politics, Policy and Law, v. 32, n. 4, p. 595-636, 2007.) quando não amamenta ou interrompe o aleitamento por limitações físicas ou necessidades pessoais. Segundo, uma vez que muitos dos argumentos contemporâneos em defesa do AM associam amamentação e feminilidade (a amamentação sendo inerente à ‘natureza feminina’), a mensagem dos discursos pró-AM “de que todas as mulheres podem amamentar implica que qualquer mulher que não consiga ou não o faça seja vergonhosa, uma mulher incompleta” (TAYLOR; WALLACE, 2012, p. 85). Além da culpa, as autoras observaram mulheres envergonhadas pelo julgamento social de que estariam colocando em risco a saúde do bebê.

Pesquisando representações maternas sobre o AM, Helena Maria de Lima e SILVA (1990SILVA, Helena Maria de Lima e. O estudo do AM a partir do olhar da mulher: A (des)mistificação da mãe biológica. 1990. Dissertação (Mestrado em Enfermagem em Saúde Pública) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa.) obteve uma diversidade de razões para amamentar. No entanto, a maioria das suas entrevistadas

verbalizou um querer ligado predominantemente a razões instrumentais, ou seja, à importância que o leite materno tem para o filho, ao fato de acharem ser esse seu dever de mãe ou, ainda, por acharem útil e prático amamentar (p. 66-67).

Prevaleceram razões fundadas, sobretudo, no ideário higienista: o leite materno é o melhor alimento para o bebê, responsável pela sua saúde e crescimento, e amamentar a prole é função da mulher em nome da manutenção da família e do progresso da sociedade.

No que tange às políticas públicas pró-AM no Brasil, na década de 80, foi criado o Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno (Pniam), de responsabilidade da Divisão Nacional de Saúde Materno-Infantil (DINSAMI), vinculada ao Ministério da Saúde (BRASIL, 2011BRASIL. Ministério da Saúde. Gestões e gestores de políticas públicas de atenção à saúde da criança: 70 anos de história. Brasília, 2011. Disponível em: Disponível em: http://bvsms. saude.gov.br /bvs/publicacoes/70_anos_historia_saude_crianca.pdf . Acesso em: 20/08/2011.
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), que enfocava o leite materno como objeto central, secundarizando o contexto de vida e a saúde da mulher. Paralelamente, em 1983, o MS lançava o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (Paism), buscando redimensionar o significado do corpo feminino no contexto social e propondo uma atenção integral à mulher (AGUIAR, 1997AGUIAR, Adriana Cavalcanti de. “Assistência integral à saúde da mulher: a ótica dos profissionais de saúde”. Revista Baiana de Saúde Pública, v. 22, n. 1, p. 7-18, dez/jan..1996/1997.). Embora elaborados com dois anos de diferença, os programas, ambos do MS, caminharam em direções divergentes no que tange ao modelo de atenção à mulher.

Fruto de uma articulação entre feministas e sanitaristas, o Paism carregava, tanto no texto do programa quanto nas propostas e materiais educativos, um diferencial: apostava na sua politização, materializada por uma tentativa, que Aguiar (1997) define como ‘ousada’, de discutir papéis sexuais, além das relações de poder que vigoravam nos próprios serviços de saúde. Tal iniciativa era “possibilitada pela inclusão do movimento social, representando os interesses dos ‘sujeitos’ (participantes e submetidos aos) programas, que chegam tematizando as relações de gênero, classe e etnia” (Ana Flávia P. Lucas D’OLIVEIRA, 1999D’OLIVEIRA, Ana Flávia P. Lucas. “Saúde e educação: a discussão das relações de poder na atenção à saúde da mulher”. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, v. 3, n. 4, p. 105-122, 1999., p. 106).

Não sem tensões entre os dois movimentos que participaram de sua concepção - feminismo e sanitarismo -, o programa teve o mérito de, pela primeira vez no país, ter seu público-alvo, as mulheres, “organizadas como interlocutoras privilegiadas, interferindo no seu planejamento, implantação e fiscalização” (D’OLIVEIRA, 1999D’OLIVEIRA, Ana Flávia P. Lucas. “Saúde e educação: a discussão das relações de poder na atenção à saúde da mulher”. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, v. 3, n. 4, p. 105-122, 1999., p. 109). Foi no material educativo produzido pelo Paism que se explicitou sua vocação discursiva mais fecunda, adotando a metodologia de trabalho de oficinas e vivências e problematizando as relações de gênero na sociedade brasileira (D’OLIVEIRA, 1999).

O Pniam, por sua vez, tinha como objetivo combater a desnutrição na primeira infância, reduzindo a mortalidade infantil pelo incremento dos índices de AM (Sonia Maria Salviano Matos de ALENCAR, 2008ALENCAR, Sonia Maria Salviano Matos de. “A Política Nacional de Aleitamento Materno”. In: ISSLER, Hugo (Coord.). O AM no contexto atual: políticas, prática e bases científicas. São Paulo: Sarvier, 2008. p. 70-101.). Suas ações estiveram, desde o início, predominantemente voltadas ao binômio materno-infantil, o que permanece influenciando a Política Nacional de Promoção, Proteção e Apoio ao AM atual (como sugerem os discursos nos materiais analisados). No caso da contextualização dos inúmeros atributos necessários da mulher/mãe que amamenta na contemporaneidade, as novas configurações e dinâmicas familiares, bem como os novos modelos de maternidade delas decorrentes, são pouco explorados nos materiais. O trabalho feminino aparece tematizado, com alguma notoriedade, somente no material que é dirigido especificamente à mulher que trabalha fora de casa (BRASIL, 2010a), e, mesmo nele, a função de mãe prepondera sobre os demais papéis desempenhados pela mulher.

O documento se limita a aconselhar a: “se for possível e desejado” levar o bebê pequeno para o trabalho (ou pedir que alguém o faça) para que possa ser amamentado (BRASIL, 2010a, p. 4); e negociar com o patrão maior flexibilidade dos horários de trabalho, explicando a ele e colegas de trabalho a importância de amamentar e argumentando “que o leite materno protege seu filho, que ficará menos doente, e que, assim, você faltará menos ao trabalho e estará mais contente” (BRASIL, 2010a, p. 5). Não problematiza as condições de trabalho, salário e progressão profissional da mulher (por exemplo, em comparação com o homem) ou as dificuldades enfrentadas por mulheres que tentam conciliar as atribuições e atividades domésticas e trabalho formal remunerado (doméstico ou não).

A sexualidade durante o período da amamentação também é temática excluída dos discursos de orientação ao AM. Acreditamos que essa interdição nos discursos se origina da relação entre amamentação-desmame e o corpo (da mulher/mãe e do bebê). Teóricos da psicanálise interpretam a amamentação como estabelecimento de uma relação erógena entre mãe e filho(a), relação a partir da qual a mãe adquire uma importância tão fundamental na vida da criança, que acaba por se tornar, “para os dois sexos, o primeiro objeto e o protótipo de todas as relações amorosas ulteriores” (Telma Corrêa da Nóbrega QUEIROZ, 2005QUEIROZ, Telma Corrêa da Nóbrega. Do desmame ao sujeito. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005., p. 76). Tal relação, instituída por meio da amamentação, seria, para a mãe, uma experiência repleta de sensações prazerosas de natureza sexual, decorrentes, principalmente, do reflexo fisiológico gerado pela sucção do seio pelo bebê. Esse “alcance sexual” do amamentar parece subverter os conceitos de uma sexualidade e de uma maternidade úteis, colocando a mulher como protagonista de uma relação que não é apenas de devoção resignada ao amor pelo filho, mas de prazer para com ela própria, a qual pode pôr ‘em risco’ o controle social sobre a condição feminina.

Por outro lado, a dupla ‘função’ dos seios femininos (erótica e maternal) em diversas sociedades atuais altera a vida sexual de muitos casais durante o aleitamento, configurando o que Gilza SANDRE-PEREIRA (2003SANDRE-PEREIRA, Gilza. “Amamentação e sexualidade”. Revista Estudos Feministas, v. 11, n. 2, p. 467-491, jul./dez. 2003.) descreveu como ‘tabu do seio materno’. A partir de uma interessante comparação entre Brasil e França na perspectiva da antropologia social, sua pesquisa revelou semelhanças nos dois países quanto ao dualismo entre seio maternal e seio erótico, confirmando uma espécie de proibição que o casal se impõe de tocar o seio materno durante o processo de amamentação. Muitas entrevistadas pela autora experimentaram redução da libido após o parto, decorrente, em parte, de alterações hormonais no período que vai da gestação até o desmame. Durante a amamentação, enquanto as taxas de estrogênio e progesterona - que estimulam a receptividade sexual - diminuem, há um aumento da prolactina, hormônio necessário à produção do leite materno, inibindo a libido. No entanto, Sandre-Pereira (2003) acredita que a questão hormonal não explicaria o fenômeno em toda sua complexidade. Para a autora, o retorno à vida sexual ativa após o nascimento do bebê é alvo de negociações, e “não são raros os relatos sobre a dedicação exclusiva da mãe ao bebê, colocando o companheiro em segundo plano, o que é sentido por muitos homens como uma rejeição” (p. 478).

E essa dualidade com relação aos seios pode interferir diretamente na amamentação: por um lado, com a sexualização do seio feminino e, por outro, com a estigmatização do seio maternal, que limita as possibilidades de a mulher amamentar em público. Nos Estados Unidos, o excessivo foco sexual que ganharam os seios femininos na sociedade norte-americana é apontado por alguns autores como dificultador da amamentação (Jacqueline H. WOLF, 2008WOLF, Jacqueline H. “Got Milk? Not in Public!”. International Breastfeeding Journal , v. 3, n. 11, p. 3, 2008.). Por isso, a liberdade para amamentar em locais públicos tornou-se uma das bandeiras de grupos feministas ligados ao AM e aos direitos reprodutivos naquele país (Paige Hall SMITH, 2008SMITH, Paige Hall. “Is it just so my Right? Women Repossessing Breastfeeding”. International Breastfeeding Journal, v. 3, n. 12, p. 1-6, 2008.; WOLF, 2008). Também no Brasil temos vivenciado casos de mulheres que são constrangidas por amamentar em público, o que vem exigindo a intervenção do poder público com leis que garantam à mãe que amamenta esse direito.

Juliana Cristina dos Santos MONTEIRO, Flávia Azevedo GOMES e Ana Márcia Spanó NAKANO (2006MONTEIRO, Juliana Cristina dos Santos; GOMES, Flávia Azevedo; NAKANO, Ana Márcia Spanó. “Amamentação e o seio feminino: uma análise sob a ótica da sexualidade e dos direitos reprodutivos”. Texto e Contexto Enfermagem, v. 15, n. 1, p. 146-150, 2006.) observam, também, que os discursos em prol do AM, utilizados para difundir a prática como comportamento social universal das mulheres, “tendem a evidenciar a visão romântica deste ato, omitindo possíveis problemas que possam ocorrer” (p. 148), inclusive relacionados às diferentes significações do seio e do corpo feminino. Nesse sentido, as autoras defendem a formulação de um novo modelo de atenção, que passe a respeitar o direito de as mulheres decidirem o uso que farão de seus seios e corpos. Assim, caberia aos profissionais de saúde “o acolhimento a estas mulheres, a compreensão do seu modo de vida e o respeito às suas opiniões, para, assim, apoiá-las nas decisões referentes ao processo de amamentação” (MONTEIRO; GOMES; NAKANO, 2006MONTEIRO, Juliana Cristina dos Santos; GOMES, Flávia Azevedo; NAKANO, Ana Márcia Spanó. “Amamentação e o seio feminino: uma análise sob a ótica da sexualidade e dos direitos reprodutivos”. Texto e Contexto Enfermagem, v. 15, n. 1, p. 146-150, 2006., p. 149).

Ainda que a prática da amamentação envolva diretamente a mulher-mãe, suas expectativas, desejos e sua vida concreta não costumam ser levadas em consideração quando o assunto são as prescrições relacionadas ao AM. Jordana Moreira de ALMEIDA, Sylvana de Araújo Barros LUZ e Fábio da Veiga UED (2015ALMEIDA, Jordana Moreira de; LUZ, Sylvana de Araújo Barros; UED, Fábio da Veiga. “Apoio ao aleitamento materno pelos profissionais de saúde: revisão integrativa da literatura”. Revista Paulista de Pediatria, v. 33, n. 3, p. 355-362, 2015.) destacam que, embora as mães procurem o profissional para ajudá-las com seus problemas relativos ao aleitamento, ele “geralmente impõe tantas normas e regras que não contemplam sua realidade e isso acaba gerando medo e insegurança na nutriz” (p. 360).

Tampouco as perspectivas de mães que são impedidas de amamentar, como as portadoras de HIV/Aids, aparecem nos discursos oficiais e nas práticas de atenção. De acordo com estudo feito por Charmênia Maria Braga CARTAXO et al. (2013CARTAXO, Charmênia Maria Braga et al. “Gestantes portadoras de HIV/AIDS: Aspectos psicológicos sobre a prevenção da transmissão vertical”. Estudos de Psicologia, v. 18, n. 3, p. 419-427, jul./set. 2013.) com gestantes portadoras de HIV, dado o discurso dominante acerca do tema tanto na mídia quanto nos serviços de saúde, o não amamentar pode ser motivo de frustração e culpa, configurando-se o aleitamento materno “uma situação paradoxal e conflituosa: o leite, que simbolicamente representava a saúde e a vida do filho, agora é uma causa possível de seu adoecimento e morte” (p. 424). Para essas mães, então, a amamentação passa de ‘desejo de amor’ a um comportamento que ameaça a integridade do seu bebê.

Amamentação e paternidade

O lugar do pai/companheiro - e os sentidos que este experimenta com a amamentação - é outro discurso pouco explorado nos materiais analisados. Nossa premissa é a de que, a despeito da sua ‘ausência’ ou ‘raridade’ nos discursos, a amamentação envolve não somente a criança e a mãe, mas afeta o pai, figura a quem, geralmente, não é reconhecido o lugar a que corresponde (Nora D’OLIVEIRA, 2001D’OLIVEIRA, Nora. Lactancia Materna Prolongada: Elementos para la Reflexion. Montevideo: Red Uruguaya de Apoyo a La Nutrición y Desarrollo Infantil; IBFAN, 2001. ). Deise SERAFIM e Prescilla CHOW LINDSEY (2002SERAFIM, Deise; LINDSEY, Prescilla Chow. “O aleitamento materno na perspectiva do pai”. Revista Ciência, Cuidado e Saúde, v. 1, n. 1, p. 19-23, 2002.) ressaltaram a escassez de informações acerca da influência do marido/companheiro no processo do AM, apontando como o pai é frequentemente alijado do desenvolvimento e cuidados com o bebê em seus primeiros meses. As autoras, que entrevistaram 100 pais de filhos com idades entre 1 e 12 meses que estavam sendo ou haviam sido amamentados no peito, destacam que o conhecimento e participação do pai na etapa em que o bebê é amamentado não costumam ser valorizados por família e profissionais de saúde. “Como reflexo desta situação, o marido acredita que sua participação nesta fase é irrelevante tanto para a esposa como para o filho e, assim, não se envolve efetivamente no processo” (p. 20).

Por outro lado, na literatura especializada em AM, o companheiro/marido/pai é considerado potencial apoio relevante da mulher no processo da amamentação, cabendo, portanto, aos serviços de saúde orientá-lo sobre a importância do AM para que esteja “motivado a participar mais ativamente na fase da amamentação do filho” (SERAFIM; LINDSEY, 2002SERAFIM, Deise; LINDSEY, Prescilla Chow. “O aleitamento materno na perspectiva do pai”. Revista Ciência, Cuidado e Saúde, v. 1, n. 1, p. 19-23, 2002., p. 22). A despeito disso, os materiais sobre AM elaborados pelo MS raramente mencionam o pai, sendo “a família” ou “os familiares” convocados a apoiar a mulher, por exemplo, quando as campanhas da Semana Mundial da Amamentação (Smam) propõem que as mulheres devem ser ajudadas nas tarefas de casa para que tenham mais tempo para amamentar o bebê, item presente na maioria dos materiais voltados à população.

Nos materiais voltados aos profissionais de saúde, o pai aparece junto aos demais familiares, cujo envolvimento e incentivo favoreceriam o prolongamento da amamentação (BRASIL; UNICEF, 2007), constituindo-se em “importante fonte de apoio à amamentação” (BRASIL, 2009bBRASIL. Ministério da Saúde. Saúde da criança: nutrição infantil: AM e alimentação complementar. Brasília, 2009b., p. 60). O caderno Saúde da criança: Nutrição infantil: aleitamento materno e alimentação complementar (BRASIL, 2009b) argumenta, por outro lado, que “muitos deles não sabem de que maneira podem apoiar as mães, provavelmente por falta de informação”. O material considera que sentimentos negativos que os pais alimentam após o nascimento de um filho “poderiam ser aliviados se eles estivessem conscientes da importância do seu papel, não apenas nos cuidados com o bebê, mas também nos cuidados com a mãe” (p. 60).

Cleise dos Reis Costa PIAZZALUNGA e Joel Alves LAMOUNIER (2009PIAZZALUNGA, Cleise dos Reis Costa; LAMOUNIER, Joel Alves. “A paternidade e sua influência no AM”. Jornal de Pediatria , v. 31, n. 1, p. 49-57, 2009.), ao tratar do incentivo ao pai para que participe do AM, almejam que “a mulher compreenda que o pai não é um simples incentivador da prática do AM, mas, sim, o principal influenciador da amamentação” (p. 56). Sua revisão de literatura destacou que muitos homens não interiorizaram um modelo de ‘pai cuidador’, pois foram educados numa relação distante com os pais. Assim, meninos e rapazes “não passam por nenhum tipo de treinamento ao longo da vida para se prepararem para serem pais” (p. 53), o que compromete sua aptidão para com o cuidado e a amamentação.

Apesar da crescente busca de homens mais jovens por uma experiência de paternidade com maior proximidade entre pai e filho, o que contraria estereótipos patriarcais, Piazzalunga e Lamounier (2009PIAZZALUNGA, Cleise dos Reis Costa; LAMOUNIER, Joel Alves. “A paternidade e sua influência no AM”. Jornal de Pediatria , v. 31, n. 1, p. 49-57, 2009.) interpretam o envolvimento dos pais (do gênero masculino) com os cuidados da casa e dos filhos como limitado, mesmo quando ambos os pais trabalham fora de casa. Consequentemente, para discutir e fomentar a participação do pai no período do AM, seria necessário considerar diversas questões de gênero, à luz das especificidades de cada grupo social, com base em critérios éticos, religiosos, raciais, de classe e outros que os constituem.

O acompanhamento de uma coorte de 151 crianças do nascimento até a idade de 3 a 5 anos, atendidas no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (Elisa Justo MARTINS; Elsa Regina Justo GIUGLIANI, 2012MARTINS, Elisa Justo; GIUGLIANI, Elsa Regina Justo. “Which Women Breastfeed for 2 Years or More?”. Jornal de Pediatria, v. 88, n. 1, p. 67-73, 2012.), apontou o pai como possível obstáculo à amamentação prolongada. Ao identificar fatores relacionados à manutenção do AM por 2 anos de idade ou mais, Martins e Giugliani (2012MARTINS, Elisa Justo; GIUGLIANI, Elsa Regina Justo. “Which Women Breastfeed for 2 Years or More?”. Jornal de Pediatria, v. 88, n. 1, p. 67-73, 2012.) constataram que a coabitação da nutriz com o pai da criança mostrou uma associação negativa com esse desfecho, sendo que “a probabilidade de amamentação por 2 anos ou mais foi 39% menor” (p. 70). Na opinião das autoras, os pais podem até incentivar, inicialmente, a amamentação, mas, após esse período, acabam por “desestimular a mulher a manter a amamentação depois de algum tempo” (MARTINS; GIUGLIANI, 2012, p. 70), a que elas atribuem, como provável causa, o desconhecimento da recomendação do AM por 2 anos de idade ou mais.

Cabe, no entanto, problematizar a tradicional premissa da informação como motor - suficiente - para a mudança de comportamentos, prevalente no campo da saúde, buscando entender as razões, culturais e também individuais, que influenciam decisões e atitudes em relação à amamentação no núcleo familiar. Se tomarmos com base os aportes da psicanálise sobre a amamentação, por exemplo, estas indicam que se trata de um processo de enorme influência na mulher, na criança e em seu entorno.

Segundo Queiroz (2005QUEIROZ, Telma Corrêa da Nóbrega. Do desmame ao sujeito. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.), durante a amamentação, na perspectiva da criança, “não há corpo do bebê nem corpo da mãe e também não há separação interior/exterior: o que há é uma espécie de indissociação” (p. 54). Também para a mulher tal processo envolveria um enorme investimento emocional, que se inicia ainda durante a gravidez, quando ela começa a “tornar-se mãe”. De acordo com autores como Donald Woods WINNICOTT (1985WINNICOTT, Donald Woods. A criança e o seu mundo. 6.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.), ao longo da gestação, a mulher vivencia o desenvolvimento da ‘preocupação maternal primária’, que seria a “capacidade fundamental para que ela consiga abrir mão das vantagens de sua vida anterior à gravidez e ao parto, priorizando o êxito de todos os cuidados maternos, inclusive a amamentação” (Marcelo José de CASTRO, 2006CASTRO, Marcelo José de. “A mulher com dificuldades para amamentar: algumas considerações psicanalíticas”. In: CASTRO, Lílian Mara Consolin Poli de; ARAÚJO, Lylian Dalete Soares de (Orgs.). Aleitamento materno: manual prático. 2.ed. Londrina: MAS, 2006., p. 177). Por outro lado, para os demais membros da família, em especial o pai, somente com o desmame total a criança seria introduzida na relação com outras pessoas além da mãe, permitindo que ela aceite “a assistência de outras pessoas se essas pessoas estão em bons termos com a mãe” (QUEIROZ, 2005QUEIROZ, Telma Corrêa da Nóbrega. Do desmame ao sujeito. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005., p. 179).

Em alguma medida, a perspectiva da psicanálise acentua a divisão sexual de papéis hegemônica, reforçando o lugar da mãe na alimentação e cuidado com os filhos em seu início de vida e o relativo afastamento do pai desta função. Segundo Badinter (1985BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.), com Freud e seus sucessores, a psicanálise atribuiu à mãe o amor e a ternura, o contato corpo a corpo, restando ao pai exercer a função da autoridade. Somado a isso, a autora destaca que “se não se cessou de falar sobre o devotamento materno, pouco se mencionou o papel cotidiano do pai” (p. 315). Para Badinter (1985), por meio de um contato, mesmo superficial, com as teorias psicanalíticas, as mulheres ‘compreenderam’ o seu lugar específico junto à criança no exercício de um papel fundamental e muito mais trabalhoso e intenso do que o paterno: além da ‘mãe simbólica’, a mãe de carne e osso é imprescindível à criança nos primeiros anos de vida. Desse ponto de vista, “a presença do pai é muito menos essencial. Ele pode ausentar-se durante todo o dia, punir e amar de longe sem prejuízo para a criança” (p. 325).

No entanto, ao lado disso, tal perspectiva considera a particular situação do pai durante a amamentação: ele seria um ‘terceiro’ na díade mãe-bebê, interditando a relação incestuosa entre eles. A psicanálise introduz, assim, a questão da(s) sexualidade(s) acionadas no processo de amamentação da criança, apontando possíveis respostas à pergunta feita por Martins e Giugliani (2012MARTINS, Elisa Justo; GIUGLIANI, Elsa Regina Justo. “Which Women Breastfeed for 2 Years or More?”. Jornal de Pediatria, v. 88, n. 1, p. 67-73, 2012.) sobre as razões que levam o companheiro a ser considerado um fator limitador da amamentação prolongada. Para além de estereótipos e posições sociais já comodamente naturalizadas, faz-se necessário problematizar a relação do pai não somente com a amamentação, mas com o cuidado dos filhos de modo geral: “é necessário, então, compreender o papel do homem não somente como apoio às mulheres, mas pensá-los como atores nos campos de gênero, sexualidade e paternidade” (MARTINS, 2009, p. 241).

Badinter (2011______. O conflito: a mulher e a mãe. Rio de Janeiro: Record, 2011.) observa que os países escandinavos, a despeito do forte incentivo ao AM, têm produzido políticas de promoção da igualdade entre os sexos no que tange à criação dos filhos. A Suécia, por exemplo, substituiu, desde 1974, a licença maternidade por uma licença parental, que “pode se prolongar em um total de 16 meses para um casal, ou seja, 480 dias, dos quais 390 indenizados em 80% do salário (e dois meses em 90%), com um teto de 2.500 euros mensais” (p. 126). Ainda sobre o regime de licença parental na Suécia, Badinter destaca que o pai deve usufruir, obrigatoriamente, um mês da referida licença, “do contrário este é deduzido da duração total acordada” (p. 126). O país concede, ainda, desde 1980, uma licença paternidade, que dá direito a dez dias suplementares com 80% do salário remunerados (até um teto máximo permitido). Sheila B. KAMERMAN (2012KAMERMAN, Sheila B. “Políticas de licença maternidade, licença paternidade e licença parental: impactos potenciais sobre a criança e sua família”. Compton Foundation Centennial Professor Columbia University, p. 1-4, mar. 2012.) estudou tendências observadas, ainda nas décadas de 1980 e 1990, nas nações ‘industrializadas’, no sentido da elaboração de licenças parentais suplementares à licença-maternidade preexistente. Ela constatou que a ampliação das políticas de licença varia, entre os países, “em termos de critérios de elegibilidade, duração, níveis de benefícios, e procedimentos” (p. 1). Para a autora, tais iniciativas visam à criação de alternativas reais e viáveis da realização dos cuidados com a criança fora do lar e o fortalecimento de políticas familiares que sejam, de fato, instrumentos para a igualdade de gênero.

Desmame: uma transição silenciada

Consoante ao que Maria de Lourdes Campos HAMES (2006HAMES, Maria de Lourdes Campos. Amarras da liberdade: representações maternas do processo de amamentação - desmame de crianças com idade superior a dois anos. 2006. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.) verificou na atenção à saúde, nos discursos oficiais de orientação ao AM, o desmame raramente emerge como etapa tematizada da amamentação para além do seu aspecto nutricional. Mesmo nos materiais recentes, o desmame permanece, na maioria das vezes, silenciado. Quando mencionado, em geral, o termo aparece no contexto da interrupção prematura do aleitamento - ‘desmame precoce’ -, um problema de saúde pública a ser solucionado por meio de leis de proteção à amamentação e da informação e da educação nos serviços de saúde (BRASIL, 2009aBRASIL. Ministério da Saúde. Caderno do Tutor da Rede Amamenta Brasil. Brasília, 2009a., 2009b; BRASIL; UNICEF, 2007). Sua abordagem como processo intersubjetivo, com potenciais consequências e dificuldades para a mulher, a criança e seu entorno, não obtém maior atenção.

Uma exceção aparece no caderno Saúde da criança: nutrição infantil: aleitamento materno e alimentação complementar (BRASIL, 2009b), voltado a profissionais das Equipes de Saúde da Família. Reiterando os períodos ideais de amamentação fixados na Declaração de Innocenti, o material explica que o desmame precoce pode acontecer em decorrência de diversas situações: em função do choro do bebê sem que a mãe compreenda o motivo, o que deixaria as mulheres “tensas, frustradas e ansiosas” (p. 29-30); ou em razão do uso de mamadeiras e chupetas (p. 32); de fissuras e traumas nos mamilos (p. 40); e da mastite (p. 45). Ele cita, ainda, o desmame que poderia acontecer por iniciativa da criança quando a mãe engravida novamente - devido à diminuição da produção de leite, alteração no seu gosto ou perda do espaço para a criança no colo da mãe à medida que a gravidez avança (p. 50).

Nele, o desmame é abordado nominalmente, como na afirmação:

vários estudos sugerem que a duração da amamentação na espécie humana seja, em média, de dois a três anos, idade em que costuma ocorrer o desmame naturalmente” (KENNEDY, 2005, apud BRASIL, 2009b, p. 12).

Mas é no item “Ajuda à dupla mãe/bebê no processo do desmame” (p. 63-65) que a publicação fornece informações ausentes dos demais materiais e introduz a abordagem do desmame não como evento, mas como processo “que faz parte da evolução da mulher como mãe e do desenvolvimento da criança” (BRASIL, 2009b, p. 63) e que culmina na cessação por completo do AM. O material reconhece que, na espécie humana, a amamentação é “fortemente influenciada por múltiplos fatores socioculturais” (p. 63) e que, nos dias atuais, ao contrário do que aconteceu ao longo da evolução da espécie, “a mulher opta (ou não) pela amamentação e decide por quanto tempo vai (ou pode) amamentar” (p. 63). Mesmo admitindo que, nesses casos, o desmame não está condicionado apenas a fatores “genéticos” e “instintivos”, o documento ressalta que,

muitas vezes, as preferências culturais (não amamentação, amamentação de curta duração) entram em conflito com a expectativa da espécie (em média, dois a três anos de amamentação)” (BRASIL, 2009b, p. 63)

e defende explicitamente o desmame chamado “natural”, no qual a criança se autodesmama “na medida em que vai adquirindo competências para tal” (BRASIL, 2009b, p. 63), o que supõe ocorrer, em geral, entre 2 e 4 anos, mas raramente antes de 1 ano de idade.

A criança é, assim, vista como protagonista do desmame, embora a mãe ‘também’ seja participante ativa no processo, “sugerindo passos quando a criança estiver pronta para aceitá-los e impondo limites adequados à idade” (BRASIL, 2009b, p. 64). O documento entende que, se a mulher, por qualquer circunstância, decidir desmamar, o profissional deve ouvi-la e acolhê-la, respeitando sua decisão. A decisão da mulher de desmamar é, em geral, atribuída a pressões externas, como, por exemplo, os ‘mitos’ da amamentação chamada de prolongada, como a crença de que, após 1 ano, ela causa danos ao desenvolvimento psicológico infantil ou que “uma criança jamais desmama por si própria, que a amamentação prolongada é um sinal de problema sexual ou necessidade materna e não da criança, e que a criança que mama fica muito dependente” (BRASIL, 2009b, p. 64).

Enquanto no material dirigido a profissionais da Atenção Básica (BRASIL, 2009b) há um item específico sobre o desmame, abordando os sinais de que existem condições para o desmame (sempre do ponto de vista da criança), e oferecendo dicas de como proceder, na Cartilha para a mãe trabalhadora que amamenta (BRASIL, 2010a), por sua vez, o desmame é silenciado por completo, permanecendo a dúvida quanto à duração total da amamentação e de como se estabelece, para a mulher, para a criança e também para o/a próprio/a empresário/a (que recebe a mulher no retorno ao trabalho), o fim dessa relação. Aparece apenas a imprecisa orientação: “E lembre: é recomendável que você continue amamentando até pelo menos os dois anos de idade” (BRASIL, 2010a, p. 22 [grifo nosso]).

Em geral, nos discursos oficiais pró-AM, o desmame é tipicamente objeto de procedimentos de exclusão. Dos tipos de interdição propostos por Michel FOUCAULT (2000FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 6.ed. São Paulo: Loyola, 2000.), observamos pelo menos dois: o ‘tabu do objeto’, sendo, na maioria das vezes, o que não pode ser dito, ou o interdito; e o ‘ritual da circunstância’, que determina que só se deve falar sobre algo em determinadas instâncias sociais, como, por exemplo, no âmbito da formação do profissional de saúde, mas não quando o objetivo é informar as próprias mulheres sobre amamentação. Essa observação corrobora os achados de Hames (2006HAMES, Maria de Lourdes Campos. Amarras da liberdade: representações maternas do processo de amamentação - desmame de crianças com idade superior a dois anos. 2006. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.), que, em pesquisa sobre representações maternas do desmame de crianças maiores de 2 anos de idade, apontou “a escassez de estudos que abordam o processo de amamentação prolongada e desmame enquanto parte do amamentar bem-sucedido na perspectiva da mulher” (p. 22). A autora identifica que “o período do desmame traz, embutido em seu simbolismo, uma série de tabus e preconceitos que levam a mulher, muitas vezes, ao abandono em termos assistenciais” (p. 20-21), e tal abandono advém da excessiva valorização, pelos serviços de saúde, das normas convencionalmente utilizadas da puericultura, as quais sobrepõem os componentes biológicos aos sociais.

Vale pontuar que o verbo desmamar [des + mama+ ar], cujas definições são “apartar do leite; fazer deixar de mamar; superar o período da amamentação” (Aurélio Buarque de Hollanda FERREIRA, 2010FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Mini Aurélio. O dicionário da língua portuguesa. 8.ed. Curitiba: Positivo, 2010., p. 243), tem a mesma raiz de amamentar: ambos contêm o núcleo ‘mama’ e significam/produzem sentidos a partir dele. O desmame, assim como a amamentação, refere-se a uma relação entre os corpos de mãe e bebê, e o prefixo ‘des’ indica uma ruptura - que é física, mas também emocional, psicológica, social - da criança em relação ao seio materno e a tudo a ele relacionado. A interdição ao desmame nos materiais parece originar-se, ao menos em parte, do imaginário que cerca essa íntima relação com o seio e com as sensações vinculadas ao corpo, tanto da mulher/mãe quanto do bebê. Desde as considerações de Sigmund FREUD (1972FREUD, Sigmund. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. 7. Rio de Janeiro: Imago, 1972.), todo um campo de conhecimento passou a compreender a amamentação como estabelecimento de uma relação erógena entre mãe e filho(a), sendo o seio materno o primeiro “objeto sexual fora do corpo do próprio infante” (p. 228) e a relação do bebê com a mãe que amamenta, o protótipo, para o indivíduo, de todas as suas relações amorosas posteriores. Também para a mãe, a relação instituída por meio da amamentação seria uma experiência repleta de sensações sexuais, decorrentes, principalmente, do reflexo fisiológico gerado pela sucção do seio pelo bebê (QUEIROZ, 2005QUEIROZ, Telma Corrêa da Nóbrega. Do desmame ao sujeito. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.).

Outra característica dos materiais dirigidos aos profissionais de saúde é que, quando os discursos abordam as vantagens nutricionais e imunológicas da amamentação, costumam referir-se a diversos estudos científicos (BRASIL, 2009b, p. 13-17). No entanto, ao abordar a amamentação e o desmame em seus aspectos psicossociais, o próprio caderno Saúde da criança: nutrição infantil: aleitamento materno e alimentação complementar (BRASIL, 2009b) faz afirmações sem referenciais teóricos ou fontes, excluindo, inclusive, a psicanálise, com ampla produção sobre o tema (Françoise DOLTO, 2001DOLTO, Françoise. A imagem inconsciente do corpo. São Paulo: Perspectiva, 2001.; WINNICOTT, 1985WINNICOTT, Donald Woods. A criança e o seu mundo. 6.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.; FREUD, 1972FREUD, Sigmund. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. 7. Rio de Janeiro: Imago, 1972.; entre outros). Um exemplo pode ser observado no trecho em que o documento diz:

Acredita-se que a amamentação traga benefícios psicológicos para a criança e para a mãe. Uma amamentação prazerosa, os olhos nos olhos e o contato contínuo entre mãe e filho certamente fortalecem os laços afetivos entre eles”

ou, ainda, ao afirmar que, no caso de uma amamentação bem-sucedida, “mães e crianças podem estar mais felizes” (BRASIL, 2009b, p. 18 [grifos nossos]).

Ao mencionar a possível influência da amamentação no fortalecimento dos laços afetivos entre mãe e filho, o discurso do documento remete ao campo da psicologia, sobretudo da teoria do apego ou bonding (John BOWLBY, 2006BOWLBY, John. Cuidados maternos e saúde mental. 5.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.). Tais contribuições teóricas destacavam a importância do cuidado materno para o desenvolvimento mental saudável do bebê, relacionando a qualidade das interações estabelecidas pela criança em seus primeiros meses e anos de vida, principalmente com a mãe, ao seu desenvolvimento emocional considerado ‘normal’ ou ‘anormal’. No entanto, o material aborda esse referencial sem citá-lo explicitamente. Fazendo isto, convoca esse discurso como aliado sem, no entanto, comprometer-se com ele, como fica evidenciado na escolha das expressões ‘acredita-se’, ‘certamente’, ‘podem estar’. Diferentemente das vantagens ‘orgânicas’, em relação às quais o material faz afirmações categóricas baseadas em evidências científicas, nesse caso, suas afirmações soam hesitantes e pouco assertivas. Embora considerações oriundas do campo da psicologia estejam fortemente impregnadas no discurso, ele nos parece silenciado como voz ativa ao não assumir o papel de sujeito da enunciação, falado por meio do discurso médico sem qualquer referência específica.

Ainda sobre aspectos subjetivos do AM, o material ensina que “a mãe deve ser orientada a responder prontamente às necessidades do seu bebê, não temendo que isso vá deixá-lo ‘manhoso’ ou ‘superdependente’ mais tarde” (BRASIL, 2009b, p. 30). De acordo com ele, o provimento de carinho e proteção e o pronto atendimento às necessidades do bebê pela mãe “só tendem a aumentar a sua confiança, favorecendo a sua independência em tempo apropriado” (BRASIL, 2009b, p. 30). Esses enunciados ‘dialogam’ com considerações da psicologia do desenvolvimento e da psicanálise sobre a importância do vínculo emocional entre mãe e filho, que ocorre nos primeiros meses de forma particular por meio da amamentação, e acerca do papel da mãe no estabelecimento da confiança e da saúde mental da criança, entendendo que “através do orgulho e carinho materno para com seus pequenos membros [durante os rituais do banho e do vestir], o bebê apreende seu próprio valor” (BOWLBY, 2006BOWLBY, John. Cuidados maternos e saúde mental. 5.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006., p. 8). Nesse trecho, a psicanálise - mais uma vez, sem ser explicitamente referenciada - é convocada também como discurso concorrente (aquele a quem o discurso oficial se contrapõe). Trata-se de outro discurso, o que aborda o desmame como processo que interfere, decisivamente, no processo de subjetivação do indivíduo e deve ser conduzido pelos pais como parte da tarefa do adulto na relação com a criança.

Winnicott (1985WINNICOTT, Donald Woods. A criança e o seu mundo. 6.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.), por exemplo, afirma que a interdição colocada pelo desmame tem, de fato, o papel de introduzir a criança na experiência da frustração do desejo. Por isso mesmo, “não se trata apenas de fazer o bebê admitir outros alimentos, ou saber usar uma xícara, ou de usar ativamente as mãos para comer. Inclui o processo gradual de demolição de ilusões, que é uma parte da tarefa dos pais” (WINNICOTT, 1985VILLELA, Wilza; MONTEIRO, Simone; VARGAS, Eliane. “A incorporação de novos temas e saberes nos estudos em saúde coletiva: o caso do uso da categoria gênero”. Ciência & Saúde Coletiva, v. 14, n. 4, p. 997-1006, 2009., p. 94). Também Queiroz (2005QUEIROZ, Telma Corrêa da Nóbrega. Do desmame ao sujeito. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.) ressalta que a passagem da criança da relação mediada pelo substancial (o leite engolido) para a comunicação pelo sutil (na qual outras pessoas além de mãe e bebê podem ser introduzidas), que ocorre por meio do desmame, é natural no seu processo de desenvolvimento e socialização. Ao dizer “a mãe deve ser orientada a responder prontamente às necessidades do seu bebê, não temendo que isso vá deixá-lo ‘manhoso’ ou ‘superdependente’ mais tarde”, o material trabalha com a existência de discursos que o precedem e apontam para uma possível relação entre a disponibilidade excessiva da mãe e a superdependência da criança no futuro. Trata-se, pois, da manifestação de um discurso concorrente, com o qual esse discurso oficial do MS polemiza. Quando afirma, ainda, que “carinho, proteção e pronto atendimento das necessidades do bebê tendem a aumentar a sua confiança, favorecendo a sua independência em tempo apropriado”, o material parte de algum já dito sobre o assunto, contra o qual ele argumenta que esses elementos ‘só’ tendem a aumentar a confiança da criança e favorecem a sua independência ‘em tempo apropriado’. Mas que ‘tempo apropriado’ seria esse?

Ao contrário da defesa do ‘desmame natural’ feita pelo material, Winnicott (1985WINNICOTT, Donald Woods. A criança e o seu mundo. 6.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.) entende que, ainda que algumas crianças possam desmamar sozinhas, na maior parte dos casos, o desmame deve ocorrer por iniciativa da mãe, que seria capaz de refletir sobre os motivos que justificam um bebê ser desmamado. Também de acordo com Dolto (2001DOLTO, Françoise. A imagem inconsciente do corpo. São Paulo: Perspectiva, 2001.), partiria da mãe a ação do desmame. Ao se deparar com os gritos e o mal-estar causados no bebê desmamado, ela tentaria consolá-lo ou compensá-lo de outras formas, encontrando, no que a autora chama de ‘comunicação linguageira’ com a criança, “uma introdução à atenção do outro: o pai, os irmãos e irmãs, consoladores e interlocutores substitutos, aliados da mãe que vêm revelar ao bebê um mundo social” (p. 67-68).

A psicanálise é, portanto, uma das vozes que compõem a polifonia desses discursos, certamente uma voz à qual, nesses momentos, os discursos oficiais sobre AM procuram se contrapor, apostando na estabilização de determinados sentidos sobre a amamentação e o desmame e no silenciamento de outros possíveis. “Há, pois, uma declinação política da significação que resulta no silenciamento como forma não de calar, mas de fazer dizer ‘uma’ coisa, para não deixar dizer ‘outras’ (ORLANDI, 2007ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Campinas: Unicamp, 2007., p. 53). Com base nisso, ocorre-nos questionar se o desmame precisa permanecer silenciado ou reduzido em sua abordagem nos materiais oficiais, que parecem querer evitar a polissemia, delimitando os sentidos e valorizando somente os que convergem para os objetivos da política pública.

Considerações finais

O AM é hoje uma prática intensamente estimulada por organizações internacionais e políticas nacionais em diversos países como estratégia de saúde pública considerada decisiva na redução das taxas de morbimortalidade infantil e no incremento da saúde da criança. E isto não é prerrogativa das chamadas nações ‘em desenvolvimento’. Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, entre outros, também experimentam movimentos em prol da adoção maciça da amamentação, visto que “recentes achados epidemiológicos e biológicos durante a última década expandiram os benefícios conhecidos da prática para mulheres e crianças, sejam eles ricos ou pobres” (VICTORA et al., 2016VICTORA, Cesar G. et al. “Breastfeeding in the 21st Century: Epidemiology, Mechanisms, and Lifelong Effect”. The Lancet, v. 387, p. 475-490, jan. 2016., p. 475).

No caso brasileiro, a análise dos materiais nos permitiu identificar que, ainda hoje, a maior parte desses discursos continua a enfatizar a importância da prática para a saúde da criança, enfocando-a sob a ótica do ‘aleitamento materno’ (provimento de leite ao bebê) em detrimento da ‘amamentação’ (processo intersubjetivo complexo com potenciais desdobramentos psíquicos e sociais para os envolvidos). Prevalece a visão de uma relação predominantemente instrumental: cabe à mulher fornecer ao/a seu/sua filho/a o melhor alimento, ao mesmo tempo seguro, mais completo do ponto de vista nutricional e com valor imunológico inestimável. A mãe é persuadida a amamentar com base, sobretudo, na publicização dos atributos do leite materno e seu caráter supostamente indispensável à saúde da criança. Não se trata de desqualificar a importância da amamentação, mas de problematizar como os discursos naturalizam a prática, reduzindo-a a comportamentos eminentemente biológicos que definiriam o papel natural da mulher na sociedade. Tal situação implica a valorização ou destaque de determinados sentidos em detrimento de outros, temporariamente apagados ou ofuscados. A amamentação como experiência complexa é pouco explorada, o que nos ajuda a compreender o contexto em que o desmame é um processo de transição silenciado. A condição psicológica da amamentação é recorrentemente relegada na divulgação feita tanto pela mídia quanto pelos serviços de saúde (CARTAXO et al., 2013CARTAXO, Charmênia Maria Braga et al. “Gestantes portadoras de HIV/AIDS: Aspectos psicológicos sobre a prevenção da transmissão vertical”. Estudos de Psicologia, v. 18, n. 3, p. 419-427, jul./set. 2013.). Sendo assim, as mulheres e suas (diferentes) perspectivas sobre a amamentação são estereotipadas, restando quase nenhum espaço para discutir sua opção por amamentar e motivações para dar continuidade ou encerrar o aleitamento.

Uma das contribuições deste trabalho é trazer a perspectiva dos Estudos de Gênero para a temática das políticas e dos discursos atuais sobre AM no campo da saúde coletiva, construindo uma fala menos monocórdica. Enquanto, fora do país, o tema tem motivado fervorosos debates (KALIL e Maria Conceição da COSTA, 2014KALIL Irene Rocha; COSTA, Maria Conceição da. “Entre o direito, o dever e o risco: olhares de gênero sobre amamentação”. Revista PerCursos, v. 14, n. 27, p. 07-32, jul./dez. 2013.), no Brasil, a produção acadêmica com relação aos discursos e políticas contemporâneas pró-AM e seus desdobramentos na perspectiva da mulher ainda é tímida, embora venha crescendo no bojo da discussão sobre novos modelos de maternidades (e paternidades). O trabalho alinha-se, ainda, a uma produção que agrega novos olhares sobre a comunicação no campo da saúde, partindo da premissa de que o ‘receptor’ é coprodutor de sentidos (a partir de seus próprios contextos), e, não, simplesmente alguém que precisa de informações para adotar determinados comportamentos. O destinatário dessas mensagens quer “ter a possibilidade de também se expressar e se fazer ouvir, e não apenas receber. Ou seja, ser considerado um ‘interlocutor’, alguém que tem algo a dizer, e não um mero receptor” (Inesita Soares de ARAÚJO; Janine Miranda CARDOSO, 2005ARAÚJO, Inesita Soares de; CARDOSO, Janine Miranda. “Circulação polifônica: comunicação e integralidade na saúde”. In: PINHEIRO, Roseni; MATTOS, Ruben Araújo de (Orgs.). Construção social da demanda: direito à saúde, trabalho em equipe, participação e espaços públicos. Rio de Janeiro: IMS; UERJ; CEPESC; ABRASCO, 2005. p. 239-251., p. 114). No caso dos materiais analisados, faz-se necessário que as mulheres, direta ou indiretamente suas principais destinatárias, sejam ‘trazidas para a discussão’, compreendidas e tratadas como protagonistas da prática da amamentação. Entendemos que isto só pode ser alcançado por meio de pesquisas e estudos que privilegiem suas percepções, vivências, desejos e contextos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    21 Jul 2015
  • Revisado
    06 Maio 2016
  • Aceito
    19 Maio 2016
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