Acessibilidade / Reportar erro

A saia justa da Arqueologia Brasileira: mulheres e feminismos em apuro bibliográfico

The Tight Spot of Brazilian Archaeology: Women and Feminism in Bibliographical Distress

Resumos

Resumo: Este trabalho introduz uma reflexão sobre as condições estruturantes da arqueologia brasileira no que se refere a assimetrias de sexo e gênero, mapeando o papel das arqueólogas e das teorias feministas nos processos de construção e comunicação científica e na formação de estudantes a partir da composição sexual da comunidade científica, da análise de publicações em periódicos e dos projetos pedagógicos dos cursos de graduação em Arqueologia.

Palavras-chave:
assimetria de sexo e gênero; produção intelectual; ensino de graduação; arqueologia brasileira


Abstract: This work initiates a reflexion about the structural conditions of the Brazilian archaeology in regards to gender and sex asymmetries, mapping the role played by female archaeologists and feminists theories in the processes of construction and dissemination of scientific knowledge and students formation, through the sexual composition of the scientific community and the analysis of journal publications and educational programs of the undergraduate courses in archaeology.

Keywords:
Sex and Gender Asymmetries; Intellectual Production; Undergraduate Teaching; Brazilian Archaeology


Foi sobretudo a partir da década de 1970 que a arqueologia se instalou nas universidades brasileiras, principalmente vinculada aos departamentos de História ou Ciências Sociais, espaços onde as críticas feministas começaram a penetrar na década de 1980. Todavia, qualquer pessoa familiarizada com as pesquisas arqueológicas brasileiras - ou, talvez, depois de um par de horas no Google - pode concluir que sua produção bibliográfica ligada a gênero ou outros problemas de interesse feminista é ínfima e recente, sobretudo deste milênio. Uma intimidade maior com a temática revela que, inclusive, gênero muitas vezes aparece desatrelado dos feminismos. A cada vez que uma de nós (LR) formulou este raciocínio nos últimos anos, principalmente nas salas de aula do curso de graduação, se perguntou como entender esse desinteresse da arqueologia pela crítica feminista em um país onde a disciplina sempre teve grandes nomes femininos. Ler textos de arqueólogas era ato comum ao longo da nossa formação, onde pioneiras como Betty Meggers, Annette Laming-Emperaire, Niede Guidon, Maria Beltrão, Luciana Palestrini e outras eram referências obrigatórias para a história da disciplina no país da segunda metade do século XX.

Não é novidade dizer que a academia brasileira segue resistente à crítica feminista e suas pesquisadoras,1 1 Ver, por exemplo, Heloísa Buarque de HOLLANDA (2003). nem que essa relutância se origine no viés masculinista, patriarcal e elitista que ainda domina as ciências. Mesmo vinculada às ciências humanas, na arqueologia brasileira predomina o cunho tecnicista e/ou cientificista de inspiração positivista onde a primazia da objetividade se traveste na busca por verdades do passado escondidas na evidência arqueológica à espera de serem traduzidas pelos arqueólogos do presente. Uma não desprezível parcela de mulheres participa da comunidade científica, fato visível em congressos científicos e nos sumários de periódicos especializados. Mas qual é, de fato, a influência de mulheres na produção e circulação de conhecimento pela arqueologia no Brasil? Para além do descrédito às teorias e críticas feministas, as condições estruturantes do campo são marcadas por assimetrias de gênero? Quais?

Para começar a refletir sobre estas questões, realizar um estudo que permitisse discutir, a partir de dados “objetivos”, a relação entre a presença de mulheres e a produção e circulação de ideias de mulheres e ideias ligadas a causas de mulheres na arqueologia brasileira pareceu então adequado - e divertido, posto que uma de nós pertence a uma geração academicamente formada em moldes técnicos de apreço às quantificações. Com esse problema inicial em mente, formamos um pequeno grupo com docente e estudantes de graduação e pós-graduação que já estavam de algum modo envolvidos com a militância e/ou teorias e problemas feministas em suas pesquisas. Dedicamo-nos inicialmente à analise de sumários, autorias, resumos e palavras-chave de artigos publicados ao longo dos últimos trinta anos em três dos mais importantes periódicos nacionais especializados em arqueologia. Os resultados mostram que o número de mulheres autoras principais que publicaram nestes periódicos é igual ou ligeiramente superior ao de homens, enquanto é irrisório o número de artigos publicados explicitamente dedicados a problemas de gênero. A aparentemente óbvia conclusão preliminar tendia para o desinteresse por arqueologia de gênero ou feminista não acompanhado por hierarquia de sexo-gênero no acesso às revistas.

Será mesmo? As arqueólogas brasileiras estão em pé de igualdade com os arqueólogos na prática acadêmica e simplesmente, talvez inclusive por este motivo, não se veem como sujeito político e não se engajam em causas de mulheres em suas pesquisas? Para escavar mais profundo, expandimos a consulta para incluir a composição sexual do quadro atual de associadas/os da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB, a única associação científica de arqueologia no Brasil), do quadro de pesquisadoras/es bolsistas de produtividade do CNPq e também do corpo docente dos departamentos universitários que mantêm cursos de graduação (ou habilitação ou linha de formação) em Arqueologia. Também nos debruçamos sobre os Projetos Pedagógicos de Curso (PPCs) destes cursos de graduação. Nossas perguntas passaram a ser se a composição sexual da comunidade científica pode ser mesmo descrita como equalizada entre mulheres e homens e qual é, de fato, a influência exercida por nós, arqueólogas, nos programas de ensino da graduação.

Com base nos resultados, este artigo argumenta que compomos uma comunidade científica composta por tantas ou mais mulheres que homens, mas produzimos uma arqueologia (desde a formação de pessoas à produção e circulação de conhecimento) masculinista e colonialista. Que assimetrias de gênero têm sido naturalizadas, reificadas e reproduzidas na nossa prática cotidiana, muitas vezes de modo involuntário e inconsciente? Este é o desconforto que, se bem-sucedido, este trabalho provocará: temos uma (in)cômoda saia justa com a qual lidar. Nunca será possível corrigir padrões de desigualdade sem antes reconhecer que eles existem.

Arqueologia e crítica feminista

A coincidência entre militância e teoria é hoje uma característica marcante dos feminismos, e a produção de teorias e reflexão crítica são próprias do movimento social. Em grande medida, essa rara convergência resulta do contexto das militantes que impulsionaram o feminismo no ocidente da segunda metade do século XX, momento que marca sua irrevogável entrada na academia: mulheres de classe média e educadas, com formação principalmente nas ciências humanas, crítica literária e psicanálise (Céli Regina Jardim PINTO, 2010PINTO, Céli Regina Jardim. “Feminismo, história e poder”. Rev. Sociol. Polít., v. 18, n. 36, p. 15-23, 2010., p. 15). Enquanto a Europa e os Estados Unidos daquela época viviam um momento propício para a eclosão de movimentos libertários e identitários, com os movimentos estudantis contra a ordem acadêmica estabelecida, a reação à guerra do Vietnã, a contracultura, a pílula anticoncepcional e mais, no Brasil se impunha uma repressão total contra a luta política com o golpe político de 1964 e o recrudescimento da ditadura em 1968. É justamente nas limitações da ditadura militar que surgem as primeiras manifestações feministas explicitamente abordando as desiguais relações de poder entre homens e mulheres. O movimento feminista dos anos de 1970 foi fomentado pelo intercâmbio internacional de ideias e proposições a partir de mulheres das classes médias brasileiras exiladas na França, nos Estados Unidos e Chile (Lia Zanotta MACHADO, 2010MACHADO, Lia Zanotta. Feminismo em Movimento. São Paulo: Francis, 2010.; PINTO, 2010). A partir da década de 1980, a redemocratização garante efervescência ao feminismo no Brasil e o incremento de sua presença nas ciências humanas, especialmente na antropologia. Logo em seguida, a partir dos anos de 1990, a arqueologia brasileira, até então ligada principalmente aos departamentos de História, finalmente dá um passo efetivo na direção de um maior diálogo com a antropologia.

No Brasil, a arqueologia nasceu no final do século XIX, muito próxima das ciências naturais e suas práticas classificatórias e esteve confinada a museus praticamente até meados do século seguinte, sem uso político ou social. Significados políticos da arqueologia só surgem a partir da década de 1930 e são ligados à revalorização do passado nacional promovida pelo movimento modernista daquela década e da anterior. São campanhas preservacionistas que favoreceram a institucionalização da arqueologia nas universidades brasileiras e a formação de arqueólogas/os no país. O projeto político de criação dos primeiros centros acadêmicos de arqueologia no Brasil esteve ligado, portanto, não a projetos intelectuais ou interesses ideológicos, mas à garantia da pesquisa científica de um patrimônio em destruição (Cristina BARRETO, 1999BARRETO, Cristiana. “Arqueologia Brasileira: uma perspectiva histórica e comparada”. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, suplemento 3, p. 201-212, 1999.).

O viés taxonômico da arqueologia brasileira em seus primórdios e o fato de sua institucionalização acadêmica não ter se dado a partir de um programa intelectual, mas a partir de uma plataforma preservacionista, contribuíram para mantê-la como uma disciplina extremamente técnica e classificatória, distante e isolada das ciências humanas em geral e das sociais em particular. Ao longo das décadas de 1960 e 70, enquanto intelectuais brasileiras/os se posicionavam claramente contra o regime militar e em países da América Latina o marxismo expandia suas influências no campo da arqueologia, no Brasil, a disciplina já se encontrava bastante distante das ciências sociais (BARRETO, 1999BARRETO, Cristiana. “Arqueologia Brasileira: uma perspectiva histórica e comparada”. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, suplemento 3, p. 201-212, 1999.). No espaço aproximado de uma geração, a arqueologia brasileira se consolidou internamente como disciplina acadêmica, mantendo uma prática relativamente homogênea e coerente. É generalizada a crítica que a arqueologia das décadas de 1960 a 1980 produziu essencialmente levantamentos sistemáticos, descrições e classificações de sítios e artefatos, com maior ou menor ênfase na tecnologia de produção dessa cultura material, e de modo geral essas pesquisas não estavam voltadas a elaborar e investigar problemas específicos e sim a descrever e organizar, o mais bem possível, o registro arqueológico que tinham por objeto.

Por muito tempo a arqueologia brasileira se organizou como feudo acadêmico (Anna C. ROOSEVELT, 1991ROOSEVELT, Anna C. “Determinismo ecológico na interpretação do desenvolvimento social indígena da Amazônia”. In: NEVES, Walter A. Origem, adaptação e diversidade biológica do homem nativo da Amazônia. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1991. p. 103-141.; Pedro Paulo de Abreu FUNARI, 1999FUNARI, Pedro Paulo de Abreu. “A importância da teoria arqueológica internacional para a arqueologia sul-americana: o caso brasileiro”. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia , suplemento 3, p. 213-220, 1999.), onde estados ou regiões eram cercadas e definidas como propriedade intelectual de pesquisadoras/es e suas/seus alunas/os, num sistema altamente paternalista, hierárquico e clientelista de organização interna do trabalho. Na década de 1990, um rompimento se dá, com nuances de conflito geracional, a partir de jovens pesquisadoras/es que introduzem uma dura crítica à arqueologia anterior por seu raciocínio narrativo e ausência de rigor analítico das classificações. Naquele momento, a principal influência vinha das abordagens sistêmicas e adaptativas da arqueologia processual estadunidense, que assumia a arqueologia como antropologia científica, de base materialista, focada na explanação dos processos culturais e na busca por regularidades e causalidades (Luís Cláudio Pereira SYMANSKI, 2014SYMANSKI, Luís Cláudio Pereira. “Arqueologia - antropologia ou história? Origens e tendências de um debate epistemológico”. Tessituras, v. 2, n. 1, p. 10-39, jan./jun. 2014., p. 20). Dez anos depois, a arqueologia processual era a posição teórica que mais se destacava em teses, dissertações e apresentação de trabalhos em congressos da Sociedade de Arqueologia Brasileira (José Alberione dos REIS, 2010REIS, José Alberione dos. Não pensa muito que dói. Um palimpsesto sobre teoria na arqueologia brasileira. Porto Alegre: EDPUCRS, 2010., p. 271).

Boa parte da arqueologia praticada no Brasil desde a última década do século passado é direta ou indiretamente influenciada pela ecologia cultural, funcionalismo e processualismo, temperados com boa dose de positivismo lógico. Estas influências ajudaram a expandir a transdisciplinaridade da arqueologia e fomentaram estudos super especializados como de arqueobotânica, arqueobiologia, geoarqueologia etc. Além de reforçar o tecnicismo que acompanha a disciplina desde suas origens, essas pesquisas assumem um aspecto positivista, confiando excessivamente em padrões estatísticos e outros dados quantitativos construtores dos fatos inequívocos que teriam tido lugar no passado. Enquanto as ciências sociais, especialmente a antropologia, estavam cada vez mais interagindo com os movimentos sociais, particularmente com os feministas, a partir do final da década de 1980 noções específicas de objetividade, generalização, padrão e amostragem começavam a circular nas pesquisas arqueológicas brasileiras. Ao corrente das tendências internacionais, a arqueologia brasileira compartilhava o que Joan GERO (2007GERO, Joan M. “Honoring Ambiguity/Problematizing Certitude”. Journal of Archaeological Method and Theory , v. 14, n. 3, p. 311-327, 2007.) chamou de um dos objetivos organizacionais fundamentais da prática arqueológica: a produção de fatos inequívocos sobre o passado - somente a partir de dados não ambíguos, podemos chegar a causas e resultados inequívocos de eventos, reconstruções inequívocas de modos de vida etc.

Implícitas e idealizadas, as metas de exatidão parcialmente definem e defendem práticas e políticas na arqueologia e subscrevem o sistema de recompensa disciplinar. Quanto mais firmes e inequívocas forem nossas conclusões interpretativas sobre o passado, melhores arqueólogos seremos considerados (e o plural masculino não é um lapso). A arqueologia feminista, por outro lado, tem desde o início se baseado na ambiguidade, uma preocupação feminista fundamental. Apoiando-se na reflexividade e na situacionalidade da produção do conhecimento, cientistas feministas têm investido fortemente no questionamento da autoridade da ciência e de outras estruturas epistemológicas universalizantes (Donna HARAWAY, 1995HARAWAY, Donna. “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”. Cadernos Pagu, v. 5, p. 7-41, 1995.; Sandra HARDING, 1998HARDING, Sandra. Is science multi-cultural? Postcolonialisms, feminisms and epistemologies. Indianápolis: Indiana University Press, 1998.; Margaret W. CONKEY, 2005CONKEY, Margaret W. “Dwelling at the margins, action at the intersection? Feminist and indigenous archaeologies.” 2005. Archaeologies, v. 1, n. 1, p. 9-59, 2005.; GERO, 2007GERO, Joan M. “Honoring Ambiguity/Problematizing Certitude”. Journal of Archaeological Method and Theory , v. 14, n. 3, p. 311-327, 2007.; Alison WYLIE, 2000______. “Standpoint matters in archaeology, for example”. In: STRUM, Shirley C.; FEDIGAN, Linda. Primate encounters: models of science, gender and society. Chicago: University of Chicago Press, 2000. p. 243-260., 2006WYLIE, Alison. “Afterword: On waves”. In: GELLER, Pamela; STOCKETT, Miranda. Feminist anthropology. Philadelphia: University of Pennsylvania, 2006. p. 167-175.; Ericka ENGELSTAD, 2007ENGELSTAD, Ericka. “Much more than gender”. Journal of Archaeological Method and Theory, v. 14, n. 3, p. 217-234, 2007.).

Uma das principais contribuições da crítica feminista ao campo da arqueologia é a identificação e discussão, em cada contexto, da tendência sexista e elitista das interpretações arqueológicas da vida humana no passado, na qual as mulheres estão sempre ocultas sob ideais de masculinidade, projetando para o passado ideologias contemporâneas.2 2 Ver, por exemplo, Conkey e Janet SPECTOR (1984); Gero (1985); Hays-Gilpin (2004); Barbara L. VOSS (2006). É assustadoramente regular a presença, em publicações científicas brasileiras, do uso de substantivos e pronomes masculinos para se referir às pessoas do passado, expressando a crença numa suposta neutralidade do sujeito de pesquisa e atestando a ausência de autocrítica e reflexividade das pesquisas. Fala-se muito, por exemplo, dOs ceramistas tupiguarani - título de uma importante obra em 3 volumes que faz inúmeras menções a contextos etnográficos e etno-históricos de povos tupi onde são mulheres que produzem as cerâmicas. O ‘homem’ pré-histórico (ou pré-colonial) segue imbatível, inclusive nomeando uma disciplina do PPG em Arqueologia da USP,3 3 Conteúdos programáticos disponíveis na Plataforma Sucupira da Capes. um dos programas responsáveis, como se vê adiante, pela formação de boa parte dos docentes que hoje atuam nos cursos de graduação em Arqueologia.

Outra crítica importante é a de como, ao longo do tempo, arqueólogos, autoproclamados cowboys da ciência, associaram às arqueólogas as atividades consideradas de menor status, enquanto aos homens eram atribuídas aquelas mais valorizadas (Kelley HAYS-GILPIN, 2004 [Ver, também, Joan M. Gero, 1985______. “Socio-Politics and the Woman-at-Home Ideology”. American Antiquity, v. 50, n. 2, p. 342-350, 1985. e Mary BEAUDRY e Jacquelyn WHITE, 1994BEAUDRY, Mary; WHITE, Jacquelyn. “Cowgirls with the blues? A study of women’s publication and the citation of women’s work in Historical Archaeology”. In: CLAASSEN, Cheryl. Women in Archaeology. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1994. p. 138-158.]). A relação dos arqueólogos com os estudos de arte rupestre é um bom exemplo. As pinturas e gravuras realizadas em suportes rochosos pelos povos indígenas do passado são consideradas uma evidência arqueológica de difícil trato acadêmico, pela dificuldade de datação e de associação com o restante do contexto arqueológico. Por este motivo, constituiu-se num tópico de menor interesse, tanto no Brasil quanto em outros países. Gozando de baixo status entre profissionais da arqueologia, as expressões rupestres passaram a ser consideradas foco de estudos menores já desde as últimas décadas do século passado. A dificuldade de realizar pesquisas ‘objetivas’ da arte rupestre fez com que, em países como os Estados Unidos (e em outros locais de influência da arqueologia processual), seu estudo passasse a ser informalmente identificado com mulheres, em conversas de corredores e outros espaços de sociabilidade acadêmica (HAYS-GILPIN, 2004HAYS-GILPIN, Kelley A. Ambiguous Images - gender and rock art. Walnut Creek: Altamira Press, 2004.). Paradoxalmente, a produção dessa mesma arte rupestre cedo foi vinculada a um dos grandes paradigmas da masculinidade na arqueologia: o caçador-guerreiro.

Uma breve leitura da produção bibliográfica da arqueologia brasileira pode indicar numerosas confusões entre gênero e ‘mulher’, com uso regular da primeira expressão quando o estudo se refere à segunda - caso de estudos de arqueologia biológica, baseada em restos esqueletais, e/ou descrição de atividades ou contextos materiais associados a mulheres a partir de contextos funerários ou análises de paleopatologia, marcadores ósseos de atividades físicas, etc. Trata-se de confusão conceitual e terminológica, justificada pela proximidade da arqueologia com as ciências naturais e a convivência de sua perspectiva humanista com noções biologizantes do ser humano? Ou um (in)voluntário silenciamento do projeto político-epistemológico que sustenta as discussões de gênero desde os anos de 1960, associando o uso da categoria analítica gênero a noções de intervenção e transformação social? Seguindo Rita Terezinha SCHMIDT (2006SCHMIDT, Rita Terezinha. “Refutações ao feminismo: (des)compassos da cultura letrada brasileira”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 14, n. 3, p. 765-799, 2006., p. 793), as lutas por justiça social se travam também sobre conceitos e a desterritorialização da categoria gênero do feminismo é uma das evidências deste conflito. Há quem defenda que uma concepção de gênero mais útil à arqueologia de gênero pode ser obtida pelo retalhamento das implicações mais políticas assinaladas pelo termo 'mulheres’ (Marie Louise Stig SØRENSEN, 2000SØRENSEN, Marie Louise Stig. Gender Archaeology. Cambridge: Polity Press, 2000.) e que a arqueologia de gênero deva ser dissociada das teorias feministas para se consolidar como subcampo mais adequado de estudos, menos enviesado e mais científico (ver discussões em Jenny MOORE, 1997MOORE, Jenny. “Conclusion. The visibility of the invisible”. In: ______; SCOTT, Eleanor. Invisible People and Processes. Writing Gender and Children into European Archaeology. London: Leicester University Press, 1997. p. 251-257.; SØRENSEN, 2000; Margarita DÍAZ-ANDREU, 2005DÍAZ-ANDREU, Margarita. “Género y arqueología. Una nueva síntesis”. In: SÁNCHEZ ROMERO, Margarita. Arqueología y Género. Granada: Universidad de Granada, 2005. p. 13-51.; Denise P. SCHAAN, 2006SCHAAN, Denise P. “Is There a Need to (Un)Gender the Past?”. In: DEMOS, Vasilikie; SEGAL, Marcia Texler. Gender and the Local/Global. Nexus: Theory, Research and Action; Oxford: Elsevier, 2006. p. 47-64.). Com a ‘vantagem’ de se tornar mais científica (e, portanto, mais competitiva no ranqueamento com o discurso hegemônico por recursos e financiamento de pesquisa, reconhecimento de produtividade etc.), uma arqueologia de gênero assim apregoada torna o feminismo desnecessário.

Referindo-se ao campo das letras, aparentemente tão relutante quanto a arqueologia em se abrir às contribuições da crítica feminista, Rita Schmidt (2006SCHMIDT, Rita Terezinha. “Refutações ao feminismo: (des)compassos da cultura letrada brasileira”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 14, n. 3, p. 765-799, 2006.) se baseia na análise de textos de célebres pensadores da história social e cultura brasileira para situar seu campo num contexto maior de relutância da cultura letrada brasileira em assumir o feminismo como prática transformadora. A autora chama a atenção para o receio, presente no inconsciente político deste descrédito, da desestabilização de valores profundamente enraizados,

uma vez que a crítica feminista, na sua heterogeneidade epistemológica, participa do projeto ontológico de desmantelamento de reivindicações de autoridade e privilégio cultural/patriarcal cristalizadas em representações historicamente situadas (p. 784).

Ora, na trajetória da arqueologia brasileira, o viés cientificista - e seus consequentes pressupostos de neutralidade da prática e produtos da ciência - que passa a marcar a disciplina a partir dos anos de 1990 se aliou à política patriarcal de organização do trabalho que vigorou até então, alimentando o pensamento autoritário e elitista e favorecendo a manutenção de hierarquias de gênero.

A produção de mulheres na arqueologia brasileira

“...sempre há o risco de não vermos a floresta por causa das árvores. Propor uma perspectiva feminista que seja aplicável pode exigir que demos um passo atrás e empreendamos algumas análises quantitativas para chegar à configuração da floresta.”

Alison Wylie

Em 1994, Mary Beaudry e Jacquelyn White publicaram um trabalho inspirador sobre a trajetória da participação e influência de mulheres no campo da arqueologia histórica nos Estados Unidos, com base nas publicações da revista Historical Archaeology. Buscando disponibilizar um quadro similar para o Brasil, acompanhamos as publicações de três das nossas principais revistas especializadas editadas entre 1983 e 2015. Os periódicos, todos classificados como B1 no Qualis Periódicos da CAPES em 2015, são a Revista de Arqueologia, iniciada em 1983 e editada pela Sociedade de Arqueologia Brasileira; a CLIO-Arqueológica, desde 1984 editada pela Arqueologia da UFPE4 4 Primeiro como área de concentração do PPG em História e, desde 2003, como PPG em Arqueologia. e a Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, editada pelo MAE/USP desde 1991.

O exame dos títulos, resumos, palavras-chave e referências bibliográficas dos artigos publicados mostra que 1% dos artigos publicados é relativo ao que se poderia associar a uma arqueologia de gênero. Apenas 12 dos 1068 trabalhos publicados entre 1983 e 2015 indicam ‘estudos de gênero’ ou termo correlato como palavra-chave, ou dialogam com bibliografia feminista ou se apoiam em etnografias arqueológicas com foco em mulheres (sobretudo ceramistas).5 5 Apenas para se ter uma ideia da representatividade destes números no rol maior da produção intelectual da arqueologia brasileira, considere-se a recente compilação de bibliografia, dedicada especialmente aos trabalhos sobre a ocupação pré-colonial do Brasil, que chegou a um número próximo de oito mil títulos (v. 22, n. 1 e 2 dos Arquivos do Museu de História Natural, disponível em http://www.mhnjb.ufmg.br/arquivosdomuseuvolXXII.html). Ampliando um pouco mais os veículos de divulgação para incluir outros periódicos, livros e capítulos, chega-se a outros quarenta e poucos títulos.6 6 O levantamento não considerou os estudos no âmbito das arqueologias clássica e antiga, mais articuladas ao campo dos estudos clássicos que à arqueologia brasileira propriamente dita. Outros trinta títulos, aproximadamente, foram observados na pesquisa bibliográfica – que, diga-se de passagem, não os tinha por objetivo. São, sobretudo, discussões sobre mulheres nas sociedades clássica e antiga, baseadas em pinturas murais, pinturas em vasos cerâmicos, esculturas etc. Também é neste campo que surgem nos primeiros anos deste século, as discussões sobre masculinidade, homossexualidade masculina e homoerotismo (Ver, p. ex., Fábio V. CERQUEIRA, 2011; Renato PINTO, 2012). Nota-se, também, que a quase totalidade dos trabalhos levantados foi publicada já neste milênio,7 7 Mas se destacam trabalhos admiráveis entre os pioneiros do final dos anos de 1990, como Tânia Andrade LIMA (1996, 1997). pelo menos vinte anos depois dos estudos feministas e de gênero começarem a se instalar na arqueologia internacional e, no Brasil, em disciplinas próximas, como a Antropologia e a História.

A ausência de interesse arqueológico em gênero não está de modo algum relacionada à ausência de mulheres arqueólogas no mercado editorial ou nos sumários dos periódicos, pelo contrário. No caso das revistas, nota-se uma presença superior de mulheres no conjunto de autoras/es que publicaram ao longo das últimas décadas (54 a 46%) e quase a mesma proporção entre mulheres e homens quando consideramos apenas as autorias principais (53 e 47%, respectivamente). Só para contrastar, o levantamento realizado por Beaudry e White mostrou que, em 24 anos de publicações (1967-1990), dos 320 artigos publicados e 312 livros resenhados, apenas 98 artigos e 83 livros foram assinados por mulheres. Ao longo deste tempo, todavia, os artigos e livros resenhados de autoria de mulheres passaram de nenhum no primeiro ano a um terço do total em 1977, quase metade no final dos anos de 1980 e, apenas nos volumes relativos ao ano de 1990, quarenta e oito por cento do total (BEAUDRY e WHITE, 1994BEAUDRY, Mary; WHITE, Jacquelyn. “Cowgirls with the blues? A study of women’s publication and the citation of women’s work in Historical Archaeology”. In: CLAASSEN, Cheryl. Women in Archaeology. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1994. p. 138-158.). Fica sugerida, no estudo de Beaudry e White, a possibilidade de uma hierarquia de gênero operando num privilégio masculino na coordenação de pesquisas e captação de recursos, resultando num maior número de trabalhos de divulgação de pesquisas coordenadas por homens. Talvez não por coincidência, o incremento de publicações assinadas por mulheres na Historical Archaeology coincide com a entrada da crítica feminista nas ciências sociais e a emergência de arqueologia de gênero norte-americana e europeia.8 8 Por exemplo, Conkey e Spector (1984); Gero (1985); Karen ARNOLD, Roberta GILCHRIST, Pam GRAVES e Sarah TAYLOY (1988); Gilchrist (1988); Sørensen (1988); Wylie (1991); Liv Helga DOMMASNES (1991), para citar alguns dos trabalhos pioneiros.

No Brasil atual, a visibilidade e o reconhecimento da atividade das arqueólogas parece ser confirmada através de diferentes marcadores. No quadro de bolsistas de produtividade do CNPq no ano de 2015, por exemplo, 51% das bolsas de produtividade tinham mulheres como titulares, em equivalência ou superioridade numérica em todas as categorias, menos a 1C, onde dois terços dos bolsistas são homens.9 9 Dados disponíveis no site do Conselho. Já no quadro de associadas/os da Sociedade de Arqueologia Brasileira, em outubro de 2015, a diferença é ligeiramente maior: no qual 54% das/os sócias/os são mulheres, enquanto os homens respondem por 46%. A mesma diferença, ou superior, pode ser observada na relação entre mulheres/homens em todos os níveis de titulação de pós-graduação.10 10 Nossos agradecimentos a Flávio Rizzi Calippo, vice-presidente da SAB (Gestão 2013-2015), pelo pronto atendimento à solicitação de consulta aos dados das/os associadas/os. Apenas entre os graduados os homens predominam (57%), mas, a contar pela relação entre graduandas (72%) e graduandos (28%) afiliadas/os à SAB em 2015, a situação pode mudar nos próximos anos.

Mas este quadro geral parece estar se renovando tanto nas publicações quanto na distribuição de bolsas de produtividade. Veja-se a tabela 1, que acompanha decênio a decênio as características da produção dos periódicos. Enquanto entre 1983 e 1999 a relação entre mulheres e homens se manteve na ordem aproximada de 60% a 40%, tanto para indivíduos em geral quanto apenas considerando a autoria principal dos trabalhos, a partir deste século a proporção começa a mudar, se igualando no primeiro decênio e se invertendo entre 2010 e 2015, com cerca de 54% de participações de homens e 46% de mulheres, novamente considerando tanto indivíduos em geral quanto apenas a autoria principal dos trabalhos.

Tabela 1
Características da produção em periódicos por decênio (1983-2015)

Uma das possibilidades de compreensão desta inversão talvez possa ser encontrada na composição do quadro docente de 2015 das universidades brasileiras. De um total de 98 docentes nos departamentos responsáveis pelos cursos de graduação, 53% são arqueólogos (considerando apenas docentes ligados à área de arqueologia). Em algumas universidades, como UFS, UFPel e UFMG , entre 70 e 85% do corpo docente de arqueologia é formado por homens (dados de 2015). Segundo Caroline Fernandes CAROMANO, Thiago Berlanga TRINDADE e Leandro Matthews CASCON (2014CAROMANO, Caroline Fernandes; TRINDADE, Thiago Berlanga; CASCON, Leandro Matthews. “O ensino da arqueologia visto dos bancos da pós-graduação”. Habitus, v. 12, n. 2, p. 205-220, jul./dez. 2014.), cinquenta docentes (metade do total contabilizado acima) foram contratadas/os entre 2009 e 2014 por nove universidades públicas que oferecem graduação em arqueologia e a maior pare deles (64%) é egressa dos três PPGs que ofereciam pós-graduação em Arqueologia já desde os anos de 1970 e 1980, sobretudo como área de concentração (USP e UFPE) ou linha de pesquisa (PUC-RS).

Tomando-se em conta as rígidas pressões por expansão da produtividade docente na avaliação dos cursos de graduação e, principalmente, de pós-graduação (disponíveis em quase todas as universidades aqui consideradas), este pode ser um dos motivos do aumento de publicação de artigos assinados por homens nos periódicos em estudo. Outro possível indício desta expansão da influência de homens na comunidade científica parece ser a elevada desproporção entre os bolsistas de produtividade IC (dois terços de homens), a categoria de pesquisador exatamente a meio caminho na progressão de produtividade considerada pelo CNPq.

Práticas domésticas de dominação: o (não) reconhecimento da produção de mulheres na arqueologia brasileira

Considerando agora o ensino de arqueologia proposto pelas universidades brasileiras, que tipo de formação está sendo oferecida no que diz respeito às críticas sociais, mais especificamente as feministas? Que condições de base as/os estudantes têm para, uma vez no exercício da profissão, contribuir para reverter o elitismo e sexismo das representações arqueológicas sobre o passado? Que espaço e estímulo as estudantes têm para refletir sobre a inclusão de vidas e experiências de mulheres nos relatos sobre o passado ou para denunciar e criticar as perspectivas androcêntricas das ciências?

Um modo de realizar uma análise crítica das condições estruturantes da arqueologia brasileira é avaliar se, e como, assimetrias de sexo e gênero estão operando na formação oferecida no nível de graduação. Para tanto, focamos na instrumentalização teórica manejada pelos cursos, analisada através das ementas e indicações bibliográficas das disciplinas que compõem a grade curricular e descritas no Plano Pedagógico de Curso (PPC), documento de concepção de ensino e aprendizagem obrigatório para criação e posterior avaliação dos cursos pelo MEC.

No Brasil são 13 os cursos de graduação (ou com linha de formação ou habilitação) em arqueologia cadastrados pelo MEC.11 11 A lista de cursos pode ser consultada no site do Ministério da Educação. Destes, apenas um é oferecido por escola privada. É importante dizer que a maioria absoluta destes cursos resulta de duas ações governamentais, ambas de 2007: o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). Enquanto o PAC manteve seu foco em grandes obras desenvolvimentistas, especialmente empreendimentos energéticos, o programa não poderia se realizar a contento sem que se acelerassem também os licenciamentos ambientais necessários para viabilização destes projetos econômicos. Anunciava-se, assim, uma inédita expansão do mercado de trabalho para a arqueologia brasileira que, todavia, não possuía um contingente suficiente para atendê-lo. O REUNI, em suas intenções de reversão do quadro de sucateamento das universidades públicas herdado do governo FHC, abriu então as universidades federais para criação de cursos novos e formação de profissionais - já considerando que parte deles seria absorvida pelo mercado de trabalho expandido pelo PAC. Desde 2007 foram criados onze dos treze cursos de arqueologia atualmente credenciados pelo MEC e sete dos nove Programas de Pós-Graduação em (ou com área de concentração em) arqueologia.

A intensificação da atuação da arqueologia nos licenciamentos ambientais advinda do PAC fez crescer o interesse pelos cursos de graduação e pós, inchando as salas de aula de pessoas interessadas numa profissão que, ao contrário de sempre, é agora bem remunerada e com boas oportunidades de trabalho fora das universidades e centros de pesquisa. O atual contexto de interlocução entre a arqueologia acadêmica e o mercado de trabalho é inédito no Brasil. Nunca antes estivemos, enquanto arqueólogas/os, tão expostas/os à opinião pública; nossas pesquisas nunca antes foram tão, e tão detidamente, submetidas a escrutínios que não de nossos pares. Evidente que a função da universidade não é formar técnicos alienados para atuar no mercado de trabalho, mas também não é apenas formar pessoas dedicadas à pesquisa e docência e capazes de conduzir estudos críticos e reflexivos.

Entre os compromissos intelectuais e sociais da universidade pública e as necessidades do mercado há um abismo, um espaço que parece estar sendo ocupado por uma nefasta versão de objetividade que pouco mais é que o tradicional empiricismo, tecnicismo e a visão elitista de patrimônio, atualizados nos trabalhos técnicos para licenciamento ambiental (Loredana RIBEIRO, 2015RIBEIRO, Loredana. “Development Projects, Violation of Human Rights, and the Silence of Archaeology in Brazil”. International Journal of Historical Archaeology, v. 19, n. 4, p. 810-821, sep. 2015.). Para além dos desejos e convicções das/os professoras/es responsáveis pela formação em arqueologia, a coisa é que a cada ano mais e mais pessoas egressas da graduação e pós estão engrossando as fileiras técnicas do licenciamento ambiental12 12 De acordo com Caromano et al. (2014), no mínimo um quarto dos egressos do PPG da USP, por exemplo, se dedica a estas atividades. e levando consigo justamente o legado positivista de boa parte da produção acadêmica da arqueologia no Brasil. Ora, se a maior das pesquisas arqueológicas empíricas realizadas hoje no Brasil não é acadêmica, mas sim de contrato,13 13 Qualquer pesquisa arqueológica que envolva intervenção em sítio ou acervo arqueológico, tanto acadêmica quanto voltada para licenciamento ambiental, deve ser de conhecimento do IPHAN, que a autoriza, através de portaria. Levantamento realizado por Paulo ZANETTINI e Camila A. de Moraes WICHERS (2014, p. 244) mostra que, de cerca de 9 mil Portarias IPHAN emitidas entre 2003 e 2014, apenas 5% autorizavam pesquisas de cunho eminentemente acadêmico. e se esse contingente cada vez maior de pesquisadoras/es está se titulando nas universidades, é de fundamental importância questionar o que está sendo discutido nas salas de aula da graduação.

Do total de cursos de graduação, tivemos acesso ao PPC de oito, geralmente disponibilizados nos próprios sites das universidades, além das grades curriculares de outros dois, também disponíveis nas páginas dos cursos. A tabela 2 resume algumas informações sobre as instituições e os cursos pesquisados.

Tabela 2
Cursos de graduação em (ou com habilitação/formação em) Arqueologia

Como trabalhamos apenas com disciplinas obrigatórias e optativas específicas de arqueologia, aqueles cursos que oferecem opção de formação tiveram menos disciplinas computadas que o total exibido em seus projetos pedagógicos. A ausência de uniformidade nos números totais de uma instituição de ensino a outra se deve a características dos projetos pedagógicos. Alguns PPCs apresentam um grande número de disciplinas apenas listadas, sem ementa ou bibliografia, enquanto outros mostram apenas suas disciplinas obrigatórias, reduzindo seus números totais em comparação com cursos cujos projetos pedagógicos exibem todas as disciplinas, obrigatórias e optativas, com bibliografia básica e complementar. Como a intenção do estudo é delinear um quadro geral da influência de mulheres e da crítica feminista na formação em arqueologia no Brasil, estas discrepâncias não interferem no resultado.

Certamente que os planos de ensino apresentados nos PPCs dos cursos não podem ser tomados como registro fiel do conteúdo das disciplinas. Sabemos que sequer os programas que distribuímos nos primeiros dias de aula se mantêm inalterados até o final do semestre. Os PPCs também não expressam a dinâmica de mudança e renovação dos quadros docentes e suas intervenções nas propostas básicas de disciplinas. As ementas e indicações bibliográficas dos projetos pedagógicos são apenas uma referência, o que de resto vale para o PPC como um todo, o norteador do ensino e aprendizagem proposto no curso. E é neste sentido que constituem excelente material para a crítica feminista, na medida em que permitem identificar e discutir os conteúdos teóricos e autoras/es considerados significativos (ou não) para constarem no documento oficial de planejamento do curso.

A análise dos conteúdos programáticos dos PPCs considerou cada uma das referências bibliográficas indicadas, quantificando-as de acordo com o sexo da autora ou autor, com o lugar de origem da produção, se nacional ou estrangeira,14 14 Casos de coautoria com autoria de mulher/es e homem/ns foram contabilizados duas vezes. A produção de arqueólogas/os estrangeiras/os institucionalizadas/os no Brasil foi considerada nacional e de coautoria entre pesquisadoras/es do Brasil e outros países também contabilizaram duas vezes. e com a relevância indicada pelo próprio plano de estudos (separação por bibliografia básica ou complementar).

O não reconhecimento da crítica e teorias feministas e da problematização de gênero como bases de produção de conhecimento em arqueologia é indicado pela quase ausência de disciplinas específicas e raridade de indicação de leituras de arqueologia de gênero nos cursos de graduação. No caso das disciplinas, apenas quatro dos dez PPCs listam disciplinas específicas de teorias feministas e/ou gênero, todas elas optativas e somente uma é específica da arqueologia (Arqueologia e Gênero, ofertada pela UFPE). Os planos de ensino das demais são claramente baseados em discussões antropológicas (UFPel e UFOPA) ou da educação (UFPI) e ignoram sumariamente qualquer discussão da arqueologia. Mas o silenciamento é ainda maior no conteúdo programático das disciplinas, onde apenas um PPC (da FURG) apresenta uma disciplina onde arqueologia de gênero aparece como tópico.

Nada se compara, todavia, à raridade com que autoras e/ou textos feministas são indicados nos PPCs. Das mais de quatro mil e duzentas ocorrências contabilizadas, apenas 21(!) são obras ligadas à gênero e teorias feministas e aparecem em seis dos dez PPCs. Quatorze indicações são específicas de arqueologia e aparecem em seis disciplinas, quatro obrigatórias e duas optativas, conforme tabela 3. Nenhum dos títulos se repete, e a seleção é ampla, incluindo de panorâmicas sobre a trajetória da temática no campo da arqueologia a estudos de caso e discussões teóricas.

Outros sete títulos são indicações de disciplinas obrigatórias de teoria antropológica. Foi uma pesarosa surpresa observar que sequer nas disciplinas de antropologia se tem dado o crédito merecido aos estudos feministas. Cursos sustentados por departamentos mistos, compostos por antropólogas/os e arqueólogas/os, como é o caso da UFMG, UFOPA e UFPel, simplesmente não indicam textos de antropologia de gênero em seus programas de disciplinas, ou o fazem pouquíssimo e praticamente apenas em antropologia clássica - Sexo e Temperamento, de Margaret Mead, é o texto mais citado, com cinco ocorrências.

Tabela 3
Distribuição das indicações bibliográficas feministas e de gênero nas IES

Até aqui, a análise dos PPCs ecoa o levantamento realizado nos periódicos. Mas será que as autoras e autores presentes nos programas de disciplinas refletem, como nos periódicos, a ainda equalizada composição de mulheres e homens da arqueologia brasileira? A vasta produção nacional, tanto de mulheres quanto de homens, está sendo valorizada nestes cursos? A resposta é não e não.

Menos de um terço do total de ocorrências de indicações bibliográficas corresponde à literatura produzida por mulheres (27%). A maior parte das ocorrências éo de arqueólogas brasileiras, mas ainda assim elas ocupam apenas 20% das indicações dos PPCs. Como se vê na tabela 4, apenas os cursos da UNIR (Rondônia) e UFS (Sergipe) são mais equilibrados na proporção de uso de autores e autoras e mesmo assim mais da metade das ocorrências bibliográficas é de autoria de homens.

Também é preocupante a supremacia de títulos internacionais, sobretudo anglofônicos, que se apresenta nos projetos pedagógicos de alguns cursos. Se no cômputo geral parece equilibrada a seleção de textos estrangeiros e nacionais, respectivamente, 51 e 49%, na análise individual dos PPCs vê-se que algumas universidades (UNIVASF, FURG, UFMG) apoiam mais de 70% das suas indicações de leitura em autores estrangeiros. Essa seleção é um bom indicativo da valorização de autores internacionais em detrimento da produção brasileira. De uma instituição de ensino à outra nota-se grande variação no número de ocorrências de literatura brasileira.

Mas um menor número de textos de autores estrangeiros não significa aumento substantivo de autoras brasileiras na amostra: dos seis cursos que têm metade ou menos de indicações de literatura masculina estrangeira, a maioria conta com apenas cerca de 20% de títulos de autoria de (ou com) mulheres brasileiras. Apenas o curso da UNIR, mais uma vez, e o da UFS, se destacam por apresentar um número maior de títulos de brasileiras, cerca de 30%. Mesmo naqueles casos onde há maior equilíbrio entre literatura estrangeira/brasileira (UFPE, UFPI, UFPEL e UERJ) e/ou entre literatura de homens e mulheres (UNIR e UFS), nota-se que, em geral, autoras (e ideias) estrangeiras são as que têm menor respaldo - quase nunca ultrapassando 10% do total de ocorrências.

Tabela 4
Classificação da literatura indicada nos PPCs por sexo da autoria e se brasileira ou não

Quando se compara as indicações bibliográficas básicas com as complementares (tabela 5), nota-se que os critérios de valorização são os mesmos, principalmente indicações de textos de autores, entretanto com um maior número de textos de autores estrangeiros na bibliografia complementar. Exatamente os mesmos 27% de ocorrências de títulos assinados por mulheres são vistos nas indicações básicas e complementares, também em cada uma com apenas 20% de ocorrências de arqueólogas brasileiras.

Tabela 5
Proporção da literatura assinada por homens e mulheres, brasileira e estrangeira, de acordo com a relevância dada nos PPCs

O não uso da literatura produzida por arqueólogas brasileiras, sequer da literatura de autoras estrangeiras, p. ex. dos países anglofônicos, que dominam a nacionalidade dos textos estrangeiros, e onde a crítica arqueológica feminista já reverbera faz tempo, é desalentador e frustrante e sinaliza manutenção de status quo masculinista nas orientações epistemológicas dos cursos. Essa manutenção parece ser confirmada quando se compara os dados anteriores com aqueles oferecidos por José Alberione dos Reis (2010REIS, José Alberione dos. Não pensa muito que dói. Um palimpsesto sobre teoria na arqueologia brasileira. Porto Alegre: EDPUCRS, 2010., p. 232-240), que estudou as ementas e listas bibliográficas das disciplinas teóricas ofertadas pelo curso de graduação em arqueologia da Estácio de Sá. Este foi o primeiro curso de arqueologia do país e funcionou no Rio de Janeiro entre 1977 e 2000, sendo inclusive a única alternativa de graduação no país no século passado. Do levantamento de autoras/es e citações realizado por Reis, apenas 14% são ocorrências de textos de autoria de mulheres e, destes, apenas 5% são arqueólogas brasileiras. Quinze anos depois, a assimetria foi suavizada mas ainda está longe de desaparecer.

Epistemologia, ética e política - forçando as costuras da saia

As únicas pessoas que acabam realmente por acreditar

e agir a partir das doutrinas ideológicas da objetividade

científica descorporificada são os não cientistas

Donna Haraway

O que se vê nos planos de ensino dos cursos de formação em arqueologia no Brasil não instrumentaliza e pouco fomenta a elaboração de contranarrativas sobre iniquidades e agência de gênero. É preciso desestabilizar tais bases de construção de saber e conhecimento que, salvo raras exceções, são marcadas pelo viés colonialista, androcêntrico e sexista. Tomados em conjunto, os PPCs de arqueologia mostram um consenso implícito de que as discussões feministas em arqueologia não são relevantes para o ensino e formação. A formação que temos oferecido é fiel ao processo de naturalização de normas opressivas de sexo e gênero. Tanto os PPCs quanto a ainda baixa produção específica sugere que a arqueologia brasileira permanece fechada às críticas feministas e às discussões de gênero. A raridade de estudos arqueológicos de gênero claramente inspirados pelas teorias feministas é consequência material das estruturas institucionais e das desigualdades de gêneros na arqueologia brasileira.

Por um lado, a obsessão pela certeza e pela inequivocidade, que vem, de acordo com Joan Gero, justamente do alto grau de incerteza que envolve cada fase do trabalho arqueológico e da dificuldade de obtenção de fatos inequívocos, torna a arqueologia resistente em reconhecer que ciência não é composta de meios autônomos, neutros e universais de produção de conhecimento. Por outro, sua relutância em admitir que seus fatos inequívocos são produzidos de modo intrinsecamente generificado e que suas representações do passado (ou do presente) a partir da cultura material não são neutras nem inocentes se alinha à episteme patriarcal que ainda domina a academia brasileira.

Não é preciso abrir mão da objetividade tão cara à arqueologia, mas sim, criticar sua noção standard, sustentada na confiança de que o conhecimento é baseado em fundamentos empíricos insuspeitáveis ou em normas universais de racionalidade (Kelly KOIDE, Mariana Toledo FERREIRA e Marisol MARINI, 2014KOIDE, Kelly; FERREIRA, Mariana Toledo; MARINI, Marisol. “Arqueologia e a crítica feminista da ciência - Entrevista com Alison Wylie”. Scientiæ Zudia, São Paulo, v. 12, n. 3, p. 549-90, 2014., p. 575). Como quer Donna Haraway (1995HARAWAY, Donna. “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”. Cadernos Pagu, v. 5, p. 7-41, 1995.), uma tonalidade que a palavra objetividade tem para os ouvidos feministas é relativa à posição não marcada de homem e branco, “o olhar que inscreve miticamente todos os corpos marcados, que possibilita à categoria não marcada alegar ter o poder de ver sem ser vista, de representar, escapando à representação” (p. 18).

A objetividade masculinista que domina as ciências é um instrumento de dominação hostil dos ‘não marcados’ de Donna Haraway e é desse lugar hostil que as ciências geram corpos, concretamente produzindo e reproduzindo o que Judith BUTLER (1993BUTLER, Judith P. Bodies that Matter: on the discursive limits of ‘sex’. New York/London: Routledge, 1993.) tratou por ‘corpos que importam’ - e os que não importam. Esse efeito da ciência é inescapável e essa é a mais poderosa motivação do interesse feminista pelas ciências. A maior contribuição que a crítica feminista pode oferecer às ciências não é a de produzir conhecimentos sobre determinados sujeitos, mas “articular um projeto epistemológico através de uma prática discursiva intervencionista que produza reflexões sobre os sentidos da dominação e as práticas domésticas de colonização, inclusive a intelectual” (SCHMIDT, 2006SCHMIDT, Rita Terezinha. “Refutações ao feminismo: (des)compassos da cultura letrada brasileira”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 14, n. 3, p. 765-799, 2006., p. 795).

A luta feminista é, para além da reivindicação de direitos iguais para mulheres e homens, uma luta por justiça social posto que raça, etnia, classe e profissão, entre outros marcadores, situam e multifacetam as diferenças entre mulheres e homens. O descrédito pressuposto do auxílio que a experiência e a crítica feminista podem dar à construção de uma arqueologia realmente descompromissada com os extemporâneos valores elitistas e colonialistas que marcam suas origens só pode ser entendido de um modo. Como performatividade, como prática reiterada e citacional de efeitos do e pelo discurso patriarcal e sexista da arqueologia brasileira (BUTLER, 1993BUTLER, Judith P. Bodies that Matter: on the discursive limits of ‘sex’. New York/London: Routledge, 1993.). Pela repetição irrefletida de velhos costumes e práticas.

De acordo com Allison Wylie, as linhas guias de pesquisa formuladas por cientistas sociais feministas coincidem em quatro compromissos amplamente compartilhados: 1) abordar questões que são relevantes para as mulheres ou, mais genericamente, para aquelas pessoas oprimidas pelos sistemas de desigualdade gênero-estruturados e que fornecem os tipos de compreensão necessários para trazer mudanças a estas condições opressivas; 2) fundamentar as pesquisas na experiência situada das mulheres e pessoas marginalizadas por estruturas convencionais de sexo/gênero, tomando a vida cotidiana das mulheres como ponto de partida para a investigação, seguindo perguntas e adotando estratégias de investigação que coloquem em foco os aspectos de gênero da vida social e formas de entendimento que normalmente permanecem obscurecidas pelo foco normativamente masculino das ciências sociais convencionais; 3) prestar contas aos sujeitos da pesquisa e às pessoas afetadas pelo processo de pesquisa e seus resultados, implementando formas igualitárias e colaborativas de produção de conhecimento que busque neutralizar dinâmicas de poder e hierarquias sociais que caracterizam a ciência quando constituída como prática dominante; 4) cultivar uma postura de reflexividade crítica, reconhecendo que todos os aspectos da pesquisa (seus pressupostos, suas práticas convencionais e seus produtos) refletem os interesses pragmáticos e situados de suas/seus criadoras/es, construindo, na prática da pesquisa, uma sistemática apreciação crítica da contingente, cultural e pragmática especificidade do inquérito (Wylie, 2007, p. 211-213). Localização limitada, conhecimento situado, recusa da transcendência e da divisão entre sujeito e objeto são características da objetividade feminista (HARAWAY, 1995HARAWAY, Donna. “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”. Cadernos Pagu, v. 5, p. 7-41, 1995.; WYLIE, 2000; 2003______. “Why standpoint matters”. In: FIGUEROA, Robert; HARDING, Sandra. Philosophical Explorations of Science, Technology and Diversity. New York: Routledge, 2003. p. 26-49.).

Ora, o curioso é que se retiramos a especificidade do foco nas mulheres dos compromissos 1 e 2, mantendo os demais elementos das formulações, tais compromissos podem ser vistos como partilhados e defendidos por diversos subcampos da arqueologia brasileira que lidam com experiências invisibilizadas, como o faz a arqueologia indígena e de comunidades tradicionais, a arqueologia da diáspora africana, a arqueologia pública, a arqueologia colaborativa e mais. Estes subcampos muitas vezes estão articulados com a crítica de que experiências subalternas foram construídas como o Outro da modernidade ocidental, crítica forte na experiência feminista cuja “epistemologia da alteridade”15 15 Como quer Miriam ADELMAN (2007, p. 394). favorece a releitura dos silenciamentos da arqueologia.

Mais que epistemologia, ciência é ética e política. É nesse sentido que as propostas de ciência feminista estão alinhadas com o projeto emancipador maior dos feminismos contemporâneos. Uma arqueologia de mulheres invisíveis nas representações do passado, na formação de pessoas e na prática científica nunca será capaz de gerar outros corpos aos quais seja permitido bem viver no mundo.

Referências

  • ADELMAN, Miriam. “Feminismo e pós-colonialidade: algumas reflexões a partir da teoria social e da literatura”. In: WOLFF, Cristina Scheibe; FÁVERI, Marlene de; RAMOS, Tânia Regina Oliveira. Leituras em rede: gênero e preconceito Florianópolis: Mulheres, 2007. p. 391-413.
  • ARNOLD, Karen; GILCHRIST, Roberta; GRAVES, Pam; TAYLOR, Sarah. “Women in archaeology”. Archaeological Review from Cambridge, v. 7, n. 1, p. 2-8, Spring 1988.
  • BARRETO, Cristiana. “Arqueologia Brasileira: uma perspectiva histórica e comparada”. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, suplemento 3, p. 201-212, 1999.
  • BEAUDRY, Mary; WHITE, Jacquelyn. “Cowgirls with the blues? A study of women’s publication and the citation of women’s work in Historical Archaeology”. In: CLAASSEN, Cheryl. Women in Archaeology Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1994. p. 138-158.
  • BUTLER, Judith P. Bodies that Matter: on the discursive limits of ‘sex’ New York/London: Routledge, 1993.
  • CAROMANO, Caroline Fernandes; TRINDADE, Thiago Berlanga; CASCON, Leandro Matthews. “O ensino da arqueologia visto dos bancos da pós-graduação”. Habitus, v. 12, n. 2, p. 205-220, jul./dez. 2014.
  • CERQUEIRA, Fábio V. “Homoerotismo, sedução e violência na Grécia antiga. Presentes e raptos, visões da pederastia na iconografia da cerâmica ática (séc. V a.C.)”. In: GRILLO, José Geraldo Costa; GARRAFFONI, Renata Senna; FUNARI, Pedro Paulo de A. Sexo e Violência: realidades antigas e questões contemporâneas São Paulo: Annablume/FAPESP, 2011. p. 73-102.
  • CONKEY, Margaret W. “Dwelling at the margins, action at the intersection? Feminist and indigenous archaeologies.” 2005. Archaeologies, v. 1, n. 1, p. 9-59, 2005.
  • ______; SPECTOR, Janet. “Archaeology and the study of gender”. In: SCHIFFER, Michael. Advances in Archaeological Method and Theory New York: Academic Press, 1984. p. 1-38.
  • DÍAZ-ANDREU, Margarita. “Género y arqueología. Una nueva síntesis”. In: SÁNCHEZ ROMERO, Margarita. Arqueología y Género Granada: Universidad de Granada, 2005. p. 13-51.
  • DOMMASNES, Liv Helga. “Two decades of women in prehistory and in archaeology: a review”. Norwegian Archaeological Review, v. 25, n. 1, p. 1-14, 1991.
  • ENGELSTAD, Ericka. “Much more than gender”. Journal of Archaeological Method and Theory, v. 14, n. 3, p. 217-234, 2007.
  • FUNARI, Pedro Paulo de Abreu. “A importância da teoria arqueológica internacional para a arqueologia sul-americana: o caso brasileiro”. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia , suplemento 3, p. 213-220, 1999.
  • GERO, Joan M. “Honoring Ambiguity/Problematizing Certitude”. Journal of Archaeological Method and Theory , v. 14, n. 3, p. 311-327, 2007.
  • ______. “Socio-Politics and the Woman-at-Home Ideology”. American Antiquity, v. 50, n. 2, p. 342-350, 1985.
  • GILCHRIST, Roberta. “The spatial archaeology of gender domains: a case study of medieval English nunneries”. Archaeological Review from Cambridge, v. 7, n. 1, p. 21-28, 1988.
  • HARAWAY, Donna. “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”. Cadernos Pagu, v. 5, p. 7-41, 1995.
  • HARDING, Sandra. Is science multi-cultural? Postcolonialisms, feminisms and epistemologies Indianápolis: Indiana University Press, 1998.
  • HAYS-GILPIN, Kelley A. Ambiguous Images - gender and rock art Walnut Creek: Altamira Press, 2004.
  • KOIDE, Kelly; FERREIRA, Mariana Toledo; MARINI, Marisol. “Arqueologia e a crítica feminista da ciência - Entrevista com Alison Wylie”. Scientiæ Zudia, São Paulo, v. 12, n. 3, p. 549-90, 2014.
  • HOLLANDA, Heloísa Buarque de. “O estranho horizonte da crítica feminista no Brasil”. In: SUSSEKIND, Flora; DIAS, Tânia; AZEVEDO, Carlito. Vozes femininas: gênero, mediações e práticas de escrita Rio de Janeiro: 7 Letras/Fundação Casa Rui Barbosa, 2003. p. 15-25.
  • LIMA, Tânia Andrade. “Chá e simpatia: uma estratégia de gênero no Rio de Janeiro oitocentista”. Museu Paulista, História e Cultura Material, Anais..., v. 5, p. 93-129, 1997.
  • ______. “Pratos e mais pratos: louças domésticas, divisões culturais e limites sociais no Rio de Janeiro, século XIX”. Museu Paulista, História e Cultura Material, Anais..., v. 3, p. 129-191, 1996.
  • MACHADO, Lia Zanotta. Feminismo em Movimento São Paulo: Francis, 2010.
  • MOORE, Jenny. “Conclusion. The visibility of the invisible”. In: ______; SCOTT, Eleanor. Invisible People and Processes. Writing Gender and Children into European Archaeology London: Leicester University Press, 1997. p. 251-257.
  • PINTO, Céli Regina Jardim. “Feminismo, história e poder”. Rev. Sociol. Polít, v. 18, n. 36, p. 15-23, 2010.
  • PINTO, Renato. “Representações homoeróticas masculinas na cultura material romana e as exposições dos museus: o caso da Warren Cup”. Métis, UCS, v. 20, p. 111-132, 2012.
  • REIS, José Alberione dos. Não pensa muito que dói. Um palimpsesto sobre teoria na arqueologia brasileira Porto Alegre: EDPUCRS, 2010.
  • RIBEIRO, Loredana. “Development Projects, Violation of Human Rights, and the Silence of Archaeology in Brazil”. International Journal of Historical Archaeology, v. 19, n. 4, p. 810-821, sep. 2015.
  • ROOSEVELT, Anna C. “Determinismo ecológico na interpretação do desenvolvimento social indígena da Amazônia”. In: NEVES, Walter A. Origem, adaptação e diversidade biológica do homem nativo da Amazônia Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1991. p. 103-141.
  • SCHAAN, Denise P. “Is There a Need to (Un)Gender the Past?”. In: DEMOS, Vasilikie; SEGAL, Marcia Texler. Gender and the Local/Global Nexus: Theory, Research and Action; Oxford: Elsevier, 2006. p. 47-64.
  • SCHMIDT, Rita Terezinha. “Refutações ao feminismo: (des)compassos da cultura letrada brasileira”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 14, n. 3, p. 765-799, 2006.
  • SØRENSEN, Marie Louise Stig. Gender Archaeology Cambridge: Polity Press, 2000.
  • ______. “Is there a feminist contribution to archaeology?”. Archaeological Review from Cambridge, v. 7, n. 1, p. 9-20, 1988.
  • SYMANSKI, Luís Cláudio Pereira. “Arqueologia - antropologia ou história? Origens e tendências de um debate epistemológico”. Tessituras, v. 2, n. 1, p. 10-39, jan./jun. 2014.
  • VOSS, Barbara L. “Engendered Archaeology: men, women and others”. In: HALL, Martin; SILLIMAN, Stephen. Historical Archaeology Malden/Oxford/Victoria: Blackwell Publishing, 2006. p. 107-127.
  • WYLIE, Alison. “Afterword: On waves”. In: GELLER, Pamela; STOCKETT, Miranda. Feminist anthropology Philadelphia: University of Pennsylvania, 2006. p. 167-175.
  • ______. “Feminist critiques and archaeological challenges”. In: WALDE, Dale; WILLOWS, Noreen. The Archaeology of Gender Calgary: University of Calgary Archaeological Association, 1991. p. 17-23.
  • ______. “Standpoint matters in archaeology, for example”. In: STRUM, Shirley C.; FEDIGAN, Linda. Primate encounters: models of science, gender and society Chicago: University of Chicago Press, 2000. p. 243-260.
  • ______. “Why standpoint matters”. In: FIGUEROA, Robert; HARDING, Sandra. Philosophical Explorations of Science, Technology and Diversity New York: Routledge, 2003. p. 26-49.
  • ZANETTINI, Paulo; WICHERS, Camila A. de Moraes. “Arqueologia preventiva e o ensino de arqueologia no Brasil”. Habitus , v. 12, n. 2, p. 239-256, jul./dez. 2014.
  • 1
    Ver, por exemplo, Heloísa Buarque de HOLLANDA (2003HOLLANDA, Heloísa Buarque de. “O estranho horizonte da crítica feminista no Brasil”. In: SUSSEKIND, Flora; DIAS, Tânia; AZEVEDO, Carlito. Vozes femininas: gênero, mediações e práticas de escrita. Rio de Janeiro: 7 Letras/Fundação Casa Rui Barbosa, 2003. p. 15-25.).
  • 2
    Ver, por exemplo, Conkey e Janet SPECTOR (1984______; SPECTOR, Janet. “Archaeology and the study of gender”. In: SCHIFFER, Michael. Advances in Archaeological Method and Theory. New York: Academic Press, 1984. p. 1-38.); Gero (1985); Hays-Gilpin (2004); Barbara L. VOSS (2006VOSS, Barbara L. “Engendered Archaeology: men, women and others”. In: HALL, Martin; SILLIMAN, Stephen. Historical Archaeology. Malden/Oxford/Victoria: Blackwell Publishing, 2006. p. 107-127.).
  • 3
    Conteúdos programáticos disponíveis na Plataforma Sucupira da Capes.
  • 4
    Primeiro como área de concentração do PPG em História e, desde 2003, como PPG em Arqueologia.
  • 5
    Apenas para se ter uma ideia da representatividade destes números no rol maior da produção intelectual da arqueologia brasileira, considere-se a recente compilação de bibliografia, dedicada especialmente aos trabalhos sobre a ocupação pré-colonial do Brasil, que chegou a um número próximo de oito mil títulos (v. 22, n. 1 e 2 dos Arquivos do Museu de História Natural, disponível em http://www.mhnjb.ufmg.br/arquivosdomuseuvolXXII.html).
  • 6
    O levantamento não considerou os estudos no âmbito das arqueologias clássica e antiga, mais articuladas ao campo dos estudos clássicos que à arqueologia brasileira propriamente dita. Outros trinta títulos, aproximadamente, foram observados na pesquisa bibliográfica – que, diga-se de passagem, não os tinha por objetivo. São, sobretudo, discussões sobre mulheres nas sociedades clássica e antiga, baseadas em pinturas murais, pinturas em vasos cerâmicos, esculturas etc. Também é neste campo que surgem nos primeiros anos deste século, as discussões sobre masculinidade, homossexualidade masculina e homoerotismo (Ver, p. ex., Fábio V. CERQUEIRA, 2011CERQUEIRA, Fábio V. “Homoerotismo, sedução e violência na Grécia antiga. Presentes e raptos, visões da pederastia na iconografia da cerâmica ática (séc. V a.C.)”. In: GRILLO, José Geraldo Costa; GARRAFFONI, Renata Senna; FUNARI, Pedro Paulo de A. Sexo e Violência: realidades antigas e questões contemporâneas. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2011. p. 73-102.; Renato PINTO, 2012PINTO, Renato. “Representações homoeróticas masculinas na cultura material romana e as exposições dos museus: o caso da Warren Cup”. Métis, UCS, v. 20, p. 111-132, 2012.).
  • 7
    Mas se destacam trabalhos admiráveis entre os pioneiros do final dos anos de 1990, como Tânia Andrade LIMA (1996______. “Pratos e mais pratos: louças domésticas, divisões culturais e limites sociais no Rio de Janeiro, século XIX”. Museu Paulista, História e Cultura Material, Anais..., v. 3, p. 129-191, 1996., 1997LIMA, Tânia Andrade. “Chá e simpatia: uma estratégia de gênero no Rio de Janeiro oitocentista”. Museu Paulista, História e Cultura Material, Anais..., v. 5, p. 93-129, 1997.).
  • 8
    Por exemplo, Conkey e Spector (1984); Gero (1985); Karen ARNOLD, Roberta GILCHRIST, Pam GRAVES e Sarah TAYLOY (1988ARNOLD, Karen; GILCHRIST, Roberta; GRAVES, Pam; TAYLOR, Sarah. “Women in archaeology”. Archaeological Review from Cambridge, v. 7, n. 1, p. 2-8, Spring 1988.); Gilchrist (1988GILCHRIST, Roberta. “The spatial archaeology of gender domains: a case study of medieval English nunneries”. Archaeological Review from Cambridge, v. 7, n. 1, p. 21-28, 1988.); Sørensen (1988______. “Is there a feminist contribution to archaeology?”. Archaeological Review from Cambridge, v. 7, n. 1, p. 9-20, 1988.); Wylie (1991______. “Feminist critiques and archaeological challenges”. In: WALDE, Dale; WILLOWS, Noreen. The Archaeology of Gender. Calgary: University of Calgary Archaeological Association, 1991. p. 17-23.); Liv Helga DOMMASNES (1991DOMMASNES, Liv Helga. “Two decades of women in prehistory and in archaeology: a review”. Norwegian Archaeological Review, v. 25, n. 1, p. 1-14, 1991.), para citar alguns dos trabalhos pioneiros.
  • 9
    Dados disponíveis no site do Conselho.
  • 10
    Nossos agradecimentos a Flávio Rizzi Calippo, vice-presidente da SAB (Gestão 2013-2015), pelo pronto atendimento à solicitação de consulta aos dados das/os associadas/os.
  • 11
    A lista de cursos pode ser consultada no site do Ministério da Educação.
  • 12
    De acordo com Caromano et al. (2014), no mínimo um quarto dos egressos do PPG da USP, por exemplo, se dedica a estas atividades.
  • 13
    Qualquer pesquisa arqueológica que envolva intervenção em sítio ou acervo arqueológico, tanto acadêmica quanto voltada para licenciamento ambiental, deve ser de conhecimento do IPHAN, que a autoriza, através de portaria. Levantamento realizado por Paulo ZANETTINI e Camila A. de Moraes WICHERS (2014ZANETTINI, Paulo; WICHERS, Camila A. de Moraes. “Arqueologia preventiva e o ensino de arqueologia no Brasil”. Habitus , v. 12, n. 2, p. 239-256, jul./dez. 2014., p. 244) mostra que, de cerca de 9 mil Portarias IPHAN emitidas entre 2003 e 2014, apenas 5% autorizavam pesquisas de cunho eminentemente acadêmico.
  • 14
    Casos de coautoria com autoria de mulher/es e homem/ns foram contabilizados duas vezes. A produção de arqueólogas/os estrangeiras/os institucionalizadas/os no Brasil foi considerada nacional e de coautoria entre pesquisadoras/es do Brasil e outros países também contabilizaram duas vezes.
  • 15
    Como quer Miriam ADELMAN (2007ADELMAN, Miriam. “Feminismo e pós-colonialidade: algumas reflexões a partir da teoria social e da literatura”. In: WOLFF, Cristina Scheibe; FÁVERI, Marlene de; RAMOS, Tânia Regina Oliveira. Leituras em rede: gênero e preconceito. Florianópolis: Mulheres, 2007. p. 391-413., p. 394).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2016
  • Aceito
    09 Set 2016
Centro de Filosofia e Ciências Humanas e Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário - Trindade, 88040-970 Florianópolis SC - Brasil, Tel. (55 48) 3331-8211, Fax: (55 48) 3331-9751 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: ref@cfh.ufsc.br