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Normas de gênero em um currículo escolar: a produção dicotômica de corpos e posições de sujeito meninos-alunos

Gender norms at a school curriculum: the dichotomous production of bodies and subject positions of boy-students

Resumos

Este trabalho resulta de uma pesquisa desenvolvida com os objetivos de observar e analisar a produção de corpos e posições de sujeito meninos-alunos em um currículo escolar. A pesquisa foi desenvolvida junto a uma turma de quarto ano do ensino fundamental de uma escola pública, por meio de procedimentos etnográficos de coleta de informações e análise queer das informações coletadas. Foram utilizados, como referenciais teóricos, os estudos queer e a vertente pós-estruturalista dos estudos culturais. Analisa-se, neste trabalho, a atuação de normas de gênero na constituição dicotômica de corpos masculinos e femininos, no currículo pesquisado. Corpos meninos-alunos são produzidos como opostos aos corpos tidos como meninas-alunas, mas, também, como o polo oposto normal dos considerados anormais: menino-aluno-bichinha e menino-aluno-mulherzinha.

currículo escolar; gênero; meninos-alunos


This work results from a research developed with the goals of observing and analyzing the production of bodies and subject positions of boy-students in a school curriculum. The research was developed with a fourth-year elementary class of a public school through ethnographic procedures involving the collection of information and then the application of queer analysis to such information. Queer studies and the poststructuralist branch of cultural studies were used as theoretical references. This work analyses the action of gender norms in the dichotomous constitution of male and female bodies in the researched curriculum. Boy-student bodies are produced as opposites to those considered girl-student bodies, but also as normal bodies in opposition to those considered faggot-boy-student and sissy-boy-student bodies, seen as abnormal.

School Curriculum; Gender; Boy-Students


ARTIGOS

Cristina d'Ávila Reis; Marlucy Alves Paraíso

Universidade Federal de Minas Gerais

RESUMO

Este trabalho resulta de uma pesquisa desenvolvida com os objetivos de observar e analisar a produção de corpos e posições de sujeito meninos-alunos em um currículo escolar. A pesquisa foi desenvolvida junto a uma turma de quarto ano do ensino fundamental de uma escola pública, por meio de procedimentos etnográficos de coleta de informações e análise queer das informações coletadas. Foram utilizados, como referenciais teóricos, os estudos queer e a vertente pós-estruturalista dos estudos culturais. Analisa-se, neste trabalho, a atuação de normas de gênero na constituição dicotômica de corpos masculinos e femininos, no currículo pesquisado. Corpos meninos-alunos são produzidos como opostos aos corpos tidos como meninas-alunas, mas, também, como o polo oposto normal dos considerados anormais: menino-aluno-bichinha e menino-aluno-mulherzinha.

Palavras-chave: : currículo escolar; gênero; meninos-alunos.

ABSTRACT

This work results from a research developed with the goals of observing and analyzing the production of bodies and subject positions of boy-students in a school curriculum. The research was developed with a fourth-year elementary class of a public school through ethnographic procedures involving the collection of information and then the application of queer analysis to such information. Queer studies and the poststructuralist branch of cultural studies were used as theoretical references. This work analyses the action of gender norms in the dichotomous constitution of male and female bodies in the researched curriculum. Boy-student bodies are produced as opposites to those considered girl-student bodies, but also as normal bodies in opposition to those considered faggot-boy-student and sissy-boy-student bodies, seen as abnormal.

Key Words: : School Curriculum; Gender; Boy-Students.

Introdução

Um corpo que não condiz com os padrões culturais de gênero é um corpo homossexual e/ou anormal. Esse enunciado1 1 Para Michel Foucault (1986), os enunciados não são o mesmo que palavras, frases ou proposições. Eles "[...] são anteriores às frases ou às proposições, que os supõem implicitamente" (DELEUZE, 2005, p. 24); eles encontram-se "[...] na transversalidade de frases, proposições e atos de linguagem" (FICHER, 2001, p. 201). é divulgado em diferentes espaços, como, por exemplo, em uma sala de quarto ano do ensino fundamental de uma escola pública de Belo Horizonte. Em meio a uma turma de alunos/as com idades entre oito e 12 anos, Marcos2 2 Nas análises realizadas neste trabalho, os nomes são trocados a cada referência, de forma a dificultar a identificação da criança por possíveis leitores participantes da pesquisa. é constantemente criticado pelos/as colegas, que o chamam de mulherzinha e bichinha, devido ao corte de cabelo que usa e à sua voz, considerada aguda para um menino. Na mesma época e em outros espaços, um cantor adolescente é alvo de críticas e considerado biba, devido ao timbre agudo de sua voz, ao modo como dança e arruma seu cabelo.

Tais enunciações divulgam um enunciado que é parte de um discurso médico, descrito por Michel Foucault,3 3 Michel FOUCAULT, 2006a. que foi produzido a partir do século XIX. Nesse discurso, o sujeito homossexual é constituído como um ser andrógeno, dotado de uma patologia, que se manifesta pela inversão do masculino e do feminino em si mesmo. 4 4 FOUCAULT, 2006a. Para a produção do corpo homossexual, a sodomia, como mostrou Foucault,5 5 FOUCAULT, 2006a. que era antes uma atividade sexual proibida por lei e condenada pela Igreja, passa a ser considerada uma atividade patológica própria de corpos com características tidas como femininas. No final do século XX, esse discurso concorre com novas produções discursivas, no campo da medicina, que retiram a homossexualidade do rol de patologias, mas ele ainda persiste em outras instâncias culturais e produz efeitos na regulação generificada dos corpos até os dias atuais. Ele estabelece os limites de normalidade aos corpos sexuados e produz a heterossexualidade como norma.6 6 Judith BUTLER, 2006, 2007; Guacira Lopes LOURO, 2004.

Neste trabalho, analisamos discursos como esses, que estão presentes em um currículo escolar e que participam da produção performativa dos corpos sexuados. Para isso, utilizamos os estudos queer, os quais têm como foco de análise, segundo Richard Miskolci, os processos sociais normalizadores que classificam e hierarquizam sujeitos e identidades, produzindo concepções de "[...] sujeitos estáveis, identidades sociais e comportamentos coerentes e regulares."7 7 Richard MISKOLCI, 2007, p.7. Pensar as identidades sexuais e de gênero como ambíguas e instáveis foi a proposta inicial desses estudos,8 8 LOURO, 2004. proposta essa que se expandiu para o questionamento e problematização das identidades e do conhecimento de maneira geral.9 9 Tomaz Tadeu SILVA, 1999.

Gênero é aqui entendido como o define a teórica queer Judith Butler:10 10 BUTLER, 2006b. como norma, como o mecanismo por meio do qual são produzidas e naturalizadas as noções de masculino e de feminino. O efeito do gênero como substância, como classe de ser, é estabelecido pela reiteração de uma série de gestos, movimentos e estilos corporais, que criam a ideia de um corpo com gênero constante.11 11 BUTLER, 2007. A normatividade do gênero refere-se a propósitos, aspirações, preceitos que norteiam as ações dos sujeitos e, também, ao processo de normalização, que é a maneira como ideias e ideais dominam os corpos e estabelecem os critérios para a definição de um homem e de uma mulher normal.12 12 BUTLER, 2006b.

Butler13 13 Judith BUTLER, 2001. apropria-se dos conceitos de ato performativo de John Langshaw Austin14 14 John Langshaw AUSTIN, 1990. e de citacionalidade de Jacques Derrida15 15 Jacques DERRIDA, 1991. para desenvolver o que entende por performatividade de gênero. Para Austin,16 16 AUSTIN, 1990. a linguagem não só descreve a realidade, mas tem também o poder de agir sobre ela, por meio de sentenças performativas, como, por exemplo, a expressão 'Eu vos declaro marido e mulher', proferida durante um casamento, que o consuma. Derrida17 17 DERRIDA, 1991. entende como citacionalidade a característica da linguagem e da escrita de ser repetível, de poder ser reproduzida sem a presença de quem escreveu e de um possível destinatário. Ele diz que um enunciado performativo não seria bem-sucedido se não fosse iterável, codificado e formulado como uma citação. De modo diferente de Austin,18 18 AUSTIN, 1990. que afirma a diferença entre enunciados performativos e constatativos, Butler19 19 BUTLER, 2001, p. 164. considera que "[...] uma afirmação constatativa é sempre, em algum grau, performativa." Ela diz que atos corporais, atos de fala reiterados são performativos, no sentido de que são práticas que produzem aquilo que nomeiam, regulam e constrangem.20 20 BUTLER, 2001. Também podem ser considerados citações, pois não são apenas obras do sujeito que fala e age.21 21 Judith BUTLER, 2006b.

Desse modo, variados discursos podem estar presentes em cada ato de nomear e classificar um ser como menino, pois esses atos estão inseridos em uma rede discursiva, em que alguns grupos ou instituições têm autoridade na produção de significados sobre os corpos considerados meninos. Segundo Berenice Bento,22 22 Berenice BENTO, 2003. Família, Estado, Igreja, Medicina e Escola são algumas das instituições que têm participado na constituição discursiva de corpos sexuais.

Corpos sexuados são compreendidos, neste trabalho, como materialidades constituídas discursiva/culturalmente.23 23 BUTLER, 2007; LOURO, 2004. Tal forma de conceber a materialidade dos corpos está inserida em uma perspectiva pós-estruturalista de construção do conhecimento, para a qual, no ato de apresentar a "[...] coisa-em-si, existe já um pôr-da-coisa-em-si, um posicionar-da-coisa-em-si, que aponta para a relação entre forças que colocou em movimento esse pôr e esse posicionar da coisa-em-si."24 24 Sandra CORAZZA e Tomaz TADEU, 2003, p. 48. Dizer sobre um corpo é, ao mesmo tempo, um ato que produz adicionalmente esse corpo.25 25 BUTLER, 2001. Ao nomear, ao instituir um padrão de classificação dos corpos, os discursos os formam continuamente e, também, oferecem a eles um sentido do que eles são, de como podem se situar culturalmente.26 26 BUTLER, 2007.

Assim, os discursos não apenas nomeiam ou descrevem corpos e sujeitos, mas participam de sua constituição. Eles produzem os "[...] lugares a partir dos quais os sujeitos podem se posicionar [...]",27 27 Kathryn WOODWARD, 2000, p.17. as posições com as quais sujeitos podem se identificar.28 28 Stuart HALL, 2000, 2003. Posições de sujeito são, portanto, os significados produzidos discursiva e culturalmente sobre os sujeitos, que atuam como pontos de ancoragem da noção de si mesmo. Nessa produção das posições de sujeito pelos discursos, algumas são constituídas como normais e inteligíveis e outras, não. Os discursos normativos de gênero produzem a inteligibilidade/ininteligibilidade e a normalidade/anormalidade dos corpos e dos sujeitos, a partir de padrões estabelecidos culturalmente,29 29 BUTLER, 2006b. os quais só persistem como normas, à medida que "[...] se realizam na prática social e se idealizam novamente e se reinstituem em e por meio dos rituais sociais diários da vida do corpo."30 30 BUTLER, 2006a, p. 22, tradução nossa.

É a produção normativa diária de corpos e posições de sujeito meninos-alunos em um currículo escolar que procuramos pesquisar. Para analisar essa produção curricular sobre meninos-alunos, trabalhamos com teóricos como Silva,31 31 SILVA, 2006. que compreendem o currículo como um campo cultural, como uma instância de produção e circulação de discursos, na qual se travam lutas em torno da significação sobre os sujeitos.

Participaram da pesquisa que subsidia este artigo 23 crianças - sete do sexo feminino, 16 do sexo masculino - com idades entre oito e 12 anos de idade, alunas do quarto ano do ensino fundamental, e 12 profissionais de uma escola pública de Belo Horizonte. A pesquisa foi desenvolvida por meio uma metodologia queer, a qual permite a mistura de métodos para coletar, para produzir informações, e também "[...] rejeita a exigência acadêmica de uma coerência entre as disciplinas [...]".32 32 Judith HALBERSTAM , 2008, p. 35, tradução nossa.

A coleta das informações - que, de acordo com a abordagem teórica adotada neste estudo, preferimos chamar de "[...] produção de informações [...]"33 33 Dagmar Estermann MEYER e Marlucy Alves PARAÍSO, 2012, p. 16. - foi norteada pela perspectiva de que o trabalho etnográfico não deve buscar a explicação dos fatos, mas observar e descrever os significados sociais construídos sobre ele.34 34 Clifford GEERTZ, 1989. Foram utilizadas, como procedimentos etnográficos de coleta de informações, observações registradas em diário de campo, em diversos espaços escolares, conversas informais com profissionais da escola, com alunos/as e consulta a documentos. Para a análise documental, consideramos como documento "[...] qualquer registro escrito que possa ser usado como fonte de informação [...]".35 35 Alda Judith ALVES-MAZZOTI e Fernando GEWANDSNAJDER, 1999, p. 169. As observações em campo foram realizadas durante um período de seis meses, e, posteriormente, foi feita uma análise das informações coletadas, inspirada em teorias queer.

Na análise realizada com base em uma perspectiva queer, são utilizados recursos discursivos que possibilitam a desnaturalização das identidades e dos corpos. É um tipo de análise que expõe o modo como os sujeitos são classificados, hierarquizados e constituídos como normais ou anormais com relação à sexualidade e ao gênero.36 36 Richard MISKOLCI, 2007. Para realizar essa análise, utilizamos as seguintes ferramentas teóricas: discurso, gênero, citacionalidade e currículo. Buscamos problematizar as várias práticas curriculares que nomeiam, classificam, hierarquizam corpos-meninos-alunos e que produzem esses corpos como normais ou anormais com relação ao gênero, traçando relações entre o que é expresso por meio de atos corporais e de fala no currículo observado com o que é divulgado em outros campos e por outras instâncias culturais, procurando, assim, as citações presentes.

Nomeação, classificação e divisão de corpos-meninos-alunos pelo gênero

Em sala de aula, um profissional da escola37 37 Usamos a expressão 'profissional da escola' para nos referirmos às pessoas que trabalham na escola, sejam funcionários/as, concursados/as, contratados/as ou estagiários/as. Fazemos isso como forma de dificultar a identificação desses/as profissionais. Informamos, também, que a turma de alunos/as observada esteve sob a condução de vários/as professores/as e de profissionais contratados/as para ministrar oficinas, durante o período de observação. faz vários desenhos no quadro e solicita às crianças que decifrem o significado dos desenhos. Ele explica que é para achar uma palavra somente. Dentre os vários desenhos, estão estes:

Desenho de bola + desenho de cueca + desenho de pasta de trabalho =

Desenho de batom + desenho de espelho =

Após várias crianças tentarem adivinhar as respostas, o profissional da escola escreve as respostas corretas: homem e mulher.38 38 Fragmento de diário de campo, julho de 2010.

Homem usa cueca, bola e pasta, mulher usa batom e espelho. Não se pode ter uma mulher com cueca, bola, pasta. Não se pode ter um homem com batom e espelho. Por que não? Porque só existe uma resposta correta, e ela é constituída por uma única palavra, segundo o profissional da escola. Por meio dessa prática curricular, corpos são nomeados e classificados de forma dicotômica. Homens e mulheres são considerados seres diferentes e com características excludentes.

Essa constituição dicotômica dos corpos inicia-se na gestação e no parto, quando discursos médicos prescrevem a existência de dois tipos de corpos: meninos ou meninas.39 39 BENTO, 2003 e BUTLER, 2006b. Ao ser anunciado como menino ou menina, uma série de investimentos inicia-se com relação ao corpo gestado: roupas e pertences padronizados para cada sexo são adquiridos para a criança e expectativas com relação a esse futuro corpo são produzidas, afinadas com sua condição anunciada. Quando a leitura médica do corpo de uma criança gera dúvidas, quando há uma incoerência entre o que profissionais de saúde consideram como "[...]o sexo genético, [...] o sexo gonadal/hormonal e o sexo fenotípico",40 40 Durval DAMIANI e Gil GUERRA-JÚNIOR, 2007, p. 1.014. exames, intervenções cirúrgicas e hormonais são comumente prescritas, no sentido de se conformar o corpo ambíguo a um único corpo sexuado, coerente e inteligível.41 41 BUTLER, 2006b e Paula Sandrine MACHADO, 2008. Ver também a resolução n. 1.664/2003 do Conselho Federal de Medicina do Brasil, que trata das Anomalias da Diferenciação Sexual. Nessa resolução, é proposto que o acompanhamento de uma pessoa portadora de anomalia de diferenciação sexual seja feito por uma equipe multidisciplinar composta por especialistas da clínica geral e/ou pediátrica, endocrinologia, endocrinologia pediátrica, cirurgia, genética, psiquiatria e psiquiatria infantil (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2003). É proposto, também, que o paciente e seus familiares sejam informados de seu estado e que, aquele paciente que tiver condições, deve participar da definição de seu próprio sexo (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2003). No Brasil, a necessidade de tais intervenções a um corpo considerado ambíguo é justificada em uma resolução do Conselho Federal de Medicina: pelo fato de não existirem "[...] estudos a longo prazo sobre as repercussões individuais, sociais, legais, afetivas e até mesmo sexuais de uma pessoa que, enquanto não se definiu sexualmente, viveu anos sem um sexo estabelecido."42 42 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2003, p. 2.

Associações de intersexos têm questionado a necessidade dessa produção de um corpo sexuado na infância como masculino ou feminino, sem o consentimento da própria pessoa que sofre as intervenções; têm, também, como pode ser visto no fragmento de texto a seguir, reivindicado o estatuto de normalidade aos corpos intersexos, que, segundo eles, são vistos como doentes ou como possuidores de uma deformidade pela medicina.

• Em desconformidade ao que é afirmado frequentemente, os vários graus de intersexualidade não são naturalmente uma doença, nem uma deformidade. Podem e devem ser considerados e percebidos simplesmente como variações do corpo humano semelhantes ao tamanho do nariz, a cor dos olhos, etc.

• Nós rejeitamos a generalização infundada de classificar necessariamente em categorias médicas os vários graus de intersexualidade, que devem ser vistos e considerados somente como pontos de referência numa série natural de diversas variedades anatômicas e genéticas.

• [...] Como pessoas, nós temos o direito aos nossos genitais e à nossa percepção de nossa identidade de gênero, sem interferência externa de tutores médicos ou de qualquer espécie, que nos queiram impingir adaptações genitais forçadas, em nome de alguma pretensa 'autoridade médica ou legal'.43 43 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DE INTERSEXOS, 2010, tradução nossa.

Em concorrência com discursos médico-científicos, que estabelecem o padrão dicotômico " homem ou mulher", um discurso sobre os direitos dos intersexos é produzido e divulgado. Nesse discurso, reivindica-se a naturalidade ao corpo intersexo, constituído como anormal pela medicina. Para Foucault,44 44 FOUCAULT, 2006b, p. 12. em cada sociedade, há "[...] os tipos de discursos que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros [...]", e, em nossas sociedades, "[...] a 'verdade' é centrada na forma do discurso científico e nas instituições que o produzem [...]".45 45 FOUCAULT, 2006b, p. 13. Entendendo, por verdade, "[...] o conjunto das regras segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro efeitos específicos de poder [ele diz também que há uma luta] em torno do estatuto da verdade.46 46 FOUCAULT, 2006b, p. 13. O discurso divulgado por associações de intersexos entra, assim, na arena de luta pela verdade, buscando retirar o saber médico-científico de sua posição de saber incontestável.

No entanto, além do campo científico e da saúde, a constituição dicotômica dos corpos é produzida massivamente em vários outros campos culturais. O corpo se constitui por "[...] roupa e os acessórios que o adornam, intervenções que nele se operam, imagem que dele se produz, máquinas que nele se acoplam, educação de seus gestos [...]",47 47 Silvana Vilodre GOELLNER, 2003, p. 29. por aquilo que é dito sobre ele, pela definição do que é um corpo normal ou anormal.48 48 GOELLNER, 2003. Pela reiteração das normas de gênero, o corpo sexuado adquire o status de natural, e é, por meio desse processo, também, que novas construções são possibilitadas.49 49 BUTLER, 2006b. Essa produção generificada dos corpos, que é reiterada em vários campos culturais, também está presente nas escolas e em seus currículos.50 50 Os estudos de Danielle Lameirinhas Carvalhar (2009) e Marlucy Alves Paraíso (2010) abordam essa produção generificada dos corpos.

No currículo pesquisado, a produção dicotômica dos corpos está presente em várias práticas: fila de meninas-alunas, fila de meninos-alunos; banheiro de meninas-alunas, banheiro de meninos-alunos; desenho com seta para meninos-alunos, desenho com coração para meninas-alunas; meninos-alunos dançam de um lado, meninas-alunas, de outro; meninos-alunos tiram o chapéu, meninas-alunas seguram a saia. São várias as situações em que os corpos são separados em dois grupos: o grupo daqueles considerados meninos-alunos e o daquelas consideradas meninas-alunas. Para que as fronteiras fiquem mais nítidas, roupas, adornos e pertences são padronizados para cada sexo instituído.

Observo os materiais que as crianças utilizam. Meninas-alunas estão com mochilas na cor rosa, usam estojos da Moranguinho, da Barbie, nas cores rosa e vermelho. Meninos-alunos usam estojo do Naruto, do Ben 10, usam mochilas pretas, azuis. Cíntia e Andréa estão com blusas de frio na cor rosa também.51 51 Fragmento de diário de campo, junho de 2010.

Observo os adereços que os/as alunos/as estão usando. Inês está com duas pulseiras cor-de-rosa. Ênio está com uma pulseira preta e Celso também. Denise está com um relógio rosa com uma frase escrita " I love pink. Lauro está com um relógio preto e uma corrente preta amarrada no pulso.52 52 Fragmento de diário de campo, agosto de 2010.

Horário de ala de educação física. Alguns meninos-alunos jogam tapão, com figurinhas da FIFA e do Dragon Ball. Meninas-alunas brincam com figurinhas que Joana trouxe da ISA TKM. As figurinhas da ISA TKM têm muitos detalhes em rosa: estrelinhas e corações na cor rosa, meninas com vestido rosa.53 53 Fragmento de diário de campo, junho de 2010.

Hoje Luana está com sombra nos olhos, batom vermelho e sandália de saltinho.54 54 Fragmento de diário de campo, julho de 2010.

Para meninos-alunos, as cores mais escuras, pertences estampados com personagens que lutam dos desenhos animados, jogadores de futebol; para as meninas-alunas, roupas e materiais de várias cores, mas, principalmente, rosa, com corações e estrelinhas. Algumas vezes, maquiagens e um sapato com saltinho completam o visual considerado feminino. Diante da marcada separação entre pertences para meninas-alunas e para meninos-alunos, a crítica àquele que atravessa as fronteiras do gênero se faz presente.

Douglas - Olha a borracha do Saulo! É rosa!

Saulo - É da minha irmã!55 55 Fragmento de diário de campo, agosto de 2010.

Apesar de ser fornecido às crianças material escolar no início do ano letivo, o uso diferenciado de materiais entre meninos-alunos e meninas-alunas se faz presente. Quando há troca e aproveitamento de roupas e pertences entre crianças consideradas de sexo diferente, a normalização é produzida por meio da gozação daquele que se desvia. Essas práticas classificam e dividem os corpos em dois grupos, estabelecendo, assim, um não lugar para aqueles/as que não se enquadram no padrão cultural do corpo sexuado que lhes foi atribuído no nascimento. Não há lugar, em práticas curriculares como essas, para aqueles corpos que se situam nas fronteiras ou para aqueles que transitam entre as fronteiras culturais do gênero. Um corpo é menino-aluno ou é menina-aluna. No entanto, mesmo não havendo um lugar reconhecido para os/as que não se enquadram no padrão prescrito, as normas de gênero continuam a operar para separar os corpos em masculinos e femininos. Aqueles corpos considerados meninos-alunos que escapam às normas de gênero são significados como corpos femininos, como corpos mulherzinhas.

Pesquisadora - Por que eles chamam o César de mulherzinha?

Neimar - Por causa do cabelo. Cabelo dele é grande, aí eles chamam.56 56 Fragmento de conversa gravada com aluno, setembro de 2010.

Pesquisadora - Eu observei aqui, na sala, que muitas pessoas chamam o Vladimir de mulherzinha. Por que você acha que eles falam assim?

Carla - Porque o Vladimir, também, ele fala as coisas tipo de mulher também e usa cabelo assim... pra baixo... fala que nem mulher e usa as coisas de mulher, relógio, estojo...

Pesquisadora - O que é que é coisa de mulher?

Carla - Tipo coisa rosa. Rosa não é só de mulher, mas tipo um dia ele tava com um relógio rosa da Mary, da gatinha: de mulher!57 57 Fragmento de conversa gravada com aluna, agosto de 2010.

Pergunto à Clarisse por que ela e outras crianças estavam chamando o André de Andreia ontem. Ela diz que é porque ele estava com calça de mulher, justinha.58 58 Fragmento de diário de campo, maio de 2010.

A posição de sujeito menino-aluno-mulherzinha é constituída, no currículo pesquisado, pela produção de uma aparência diferenciada do menino-aluno e, também, pelo uso de objetos diferentes daqueles considerados masculinos. O corpo-menino-aluno é produzido como aquele que não se deve apresentar como uma menina-aluna, a não ser ao custo de ser visto como anormal e de ser convocado a recobrar sua normalidade.

Várias crianças gritam para André - An-dre-ia! An-dre-ia! An-dre-ia!

Sandro fala para André - Ajeita essa calça aí, sô! Vira homi!

André está com uma calça que parece pequena para ele, que deixa o bumbum aparecer quando ele encurva o corpo.59 59 Fragmento de diário de campo, maio de 2010.

É essa anormalidade do menino que se desvia dos imperativos da diferenciação na aparência e no uso de objetos em relação às meninas, que também pode ser vista na descrição de uma criança portadora de transtorno de identidade de gênero, por um discurso médico.60 60 ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA, 2002. Apesar de o diagnóstico desse transtorno envolver uma avaliação complexa que não se resume a identificar determinadas maneiras de se portar, a concepção dicotômica dos corpos sexuados e a patologização relacionada ao gênero que ele divulga vem sendo debatidas e questionadas, na atualidade, por várias organizações sociais.61 61 Várias organizações sociais têm lançado manifestos a favor, entre outras coisas, da retirada do transtorno de identidade de gênero dos manuais internacionais de diagnóstico médico. Exemplos desses manifestos podem ser vistos em: < http://panterasrosa.blogspot.com/2010_10_01_archive.html> e < http://www.crpsp.org.br/portal/midia/fiquedeolho_ver.aspx?id=365>. No currículo pesquisado, esse discurso que divulga a anormalidade do corpo menino que se apresenta ou se porta de forma diferente, conforme os padrões culturais definidos para uma menina, está presente para constituir a posição de sujeito menino-aluno-mulherzinha como aquela a ser ocupada pelo menino que é considerado menino, mas foge à norma de se apresentar como um menino.

Essas normas de gênero são expressas continuamente sob o panoptismo mútuo62 62 Carrie PAECHTER, 2009. A concepção de vigilância panóptica é elaborada por Foucault (1987) para falar de um mecanismo de poder que produz a normalização dos corpos por meio da vigilância contínua. Foucault desenvolve esse conceito a partir de um modelo de Panópticon, desenhado por Jeremy Bentham para uma prisão. Na prisão projetada, há um lugar de onde os detentos podem ser observados sem que possam visualizar quem os observa e sem saber se, na realidade, há alguém os observando. Tal modelo permite o controle contínuo do comportamento do prisioneiro. Aproveitando essa ideia de vigilância panóptica de Foucault, Paechter (2009) fala em panoptismo mútuo para se referir ao olhar disciplinador que crianças exercem sobre outras crianças, de maneira a assegurar a adequação ao gênero, em comunidades de prática de masculinidades e feminidades. das crianças. Os corpos são observados, classificados e avaliados de acordo com o gênero, pelos seus gestos, falas e movimentos corporais. Nesse panoptismo mútuo, as crianças são constituídas como importantes veiculadoras do poder normativo do gênero, que divulga saberes e regula a produção dos corpos. É por meio dessa regulação, por exemplo, que a anormalidade daquele que prefere a companhia de meninas é produzida.

Pesquisadora - E quando vocês chamam o Geraldo de mulherzinha, é por quê?

Diogo - É porque ele é... Ele tem uma voz de menina, ele age que nem menina.

Pesquisadora - E como é agir que nem menina?

Diogo - Porque ele fica falando que nem uma mulher. Fica andando com as meninas.63 63 Fragmento de conversa gravada com aluno, setembro de 2010.

Fronteiras nos relacionamentos sociais são assim estabelecidas: meninos devem andar com meninos, meninas devem ficar na companhia de meninas. Aquele que subverte repetidamente a norma é considerado mulherzinha. Por meio dessa separação prescrita, gostos e hábitos comuns são produzidos, pela convivência cotidiana, e, ao mesmo tempo, naturalizados como próprios a cada corpo sexuado.

Outra posição que é também produzida como feminina e diferente, no currículo pesquisado, é a de sujeito menino-aluno-bichinha.

Gilmar chamou uma criança de bichinha.

Pesquisadora - O que é bichinha?

Gilmar - É homem que é assim... é bicha, sabe? Que gosta de homem.64 64 Fragmento de diário de campo, junho de 2010.

César - Hoje, a gente viu o André no banheiro junto com o Olavo, escondido atrás da porta, e a gente ficou chamando ele de boiola.

Pesquisadora - Por que ele estava no banheiro com o Olavo, escondido atrás da porta?

César - Porque ele tava beijando.65 65 Fragmento de conversa gravada com aluno, agosto de 2010.

Ademar - Ó, Isso é uma brincadeira que a gente faz. Porque quando eles tava brincando, eles fica dano creu na pessoa, noutro menino, aí a gente fica entregando isso. Boiola é que a pessoa que é gay, que é homossexual.

Pesquisadora - E bicha?

Ademar - Bicha é a mesma coisa.66 66 Fragmento de conversa gravada com aluno, agosto de 2010.

O termo créu, presente no fragmento de diário de campo acima, é um termo divulgado no Brasil, por meio de uma música funk criada em 2007.67 67 O nome da música é Dança do créu, de autoria de Mc Créu. Ela se inicia pela voz do cantor, que diz: "É créu neles! É créu nelas!", e a coreografia que acompanha a música sugere movimentos relacionados a atos sexuais. No currículo pesquisado, esse termo aparece para se referir à brincadeira entre meninos-alunos, de fazerem esses movimentos uns com outros. É posicionado como bichi-nha aquele que faz isso, que beija meninos e que gosta de homens, o que define essa posição de sujeito preferencialmente pela maneira de expressar a afetividade e a sexualidade. Conta, também, como característica atribuída à posição de sujeito bicha, ou bichinha, a maneira de falar com amigos.

Pesquisadora - E quando você fala, você olha um menino e fala: 'ah, esse é bicha', o que você observa?

Fenício - Ah, porque o menino fica... brincando de menina, fica brincando, tipo: 'oi amiga...' Brincando de bichinha aí eu acho, ah, esse menino aí não é homem.

Pesquisadora - E o que é brincar de bichinha?

Fenício - Ah, porque ele fica assim com as meninas: 'Amiga...' Fica falando assim, igual boiola.

Pesquisadora - Quem é homem fala como com os amigos?

Fenício - Com os amigos fala: Ô! Beleza! Colega. Fala bem diferente.68 68 Fragmento de conversa gravada com aluno, agosto de 2010.

As características utilizadas para definir quem é bicha ou bichinha são mais relacionadas, então, à maneira de expressar a sexualidade e a afetividade, enquanto a posição menino-aluno-mulherzinha é definida mais por características relacionadas à maneira como o corpo se apresenta e se mostra ao/à outro/a: com voz aguda, com cabelo comprido, usando pertences considerados femininos. Neste fragmento de conversa com uma criança, está presente a diferenciação entre bicha ou boiola e mulherzinha:

Pesquisadora - Existe diferença entre ser boiola, mulherzinha e bicha?69 69 Esses são termos comumente usados pelas crianças, na escola.

Joaquim - Existe, ué!

Pesquisadora - Qual que é?

Joaquim - Bicha é bicha. É homem que gosta de homem.

Pesquisadora - Ann... E boiola é o quê?

Joaquim - Ah, mema coisa.

Pesquisadora - E mulherzinha é o quê?

Joaquim - Mulher é mulher ué. Mulherzinha é... se eu tô chamando ele de mulher é porque parece mulher.

Pesquisadora - É quando parece?

Joaquim - É. Parece.

Pesquisadora - Parece em que sentido?

Joaquim - Ah, cabeludo, assim. Essas coisa. Vozinha de... fina, sabe?

Pesquisadora - Ah... Mulherzinha é diferente de bicha?

Joaquim - É.70 70 Fragmento de conversa gravada com aluno, agosto de 2010.

Essa constituição da posição menino-aluno-bichinha e da posição menino-aluno-mulherzinha como posições de sujeito distintas, no currículo pesquisado, concorre com a produção dessas duas posições de forma atrelada. Após me dizer que já viu um colega 'dando creu' em outro colega, no banheiro da escola, e de me explicar que bicha é aquele que brinca de créu, Flávio me diz que mulherzinha e bicha são a mesma coisa.

Pesquisadora - E o que é quando vocês falam assim - Fulano é mulherzinha?

Flávio - Mulherzinha é porque ele anda assim mais ou menos igual mulher, anda com lápis, brinco, igual o Lúcio. Isso já significa que ele é... bicha, bicha-mulher. Porque... os homens não usam. São macho.

Pesquisadora - Então bicha e mulherzinha são coisas diferentes ou a mesma coisa?

Flávio - Mesma coisa.71 71 Fragmento de conversa gravada com aluno, agosto de 2010.

Bicha-mulher é aquele que é mulherzinha e bicha ao mesmo tempo. Essa concepção, presente no currículo pesquisado, faz parte de um discurso que divulga que aquele que apresenta características consideradas femininas gosta de homem. Para Butler,72 72 BUTLER, 2006b, 2007. as normas de gênero estabelecem a inteligibilidade e normalidade de um ser humano por meio da coerência entre seu corpo sexuado (considerado natural e diferente de um corpo sexuado oposto), a ideia de um gênero próprio (masculino ou feminino) correspondente a esse corpo e seus desejos sexuais, entendidos como decorrentes desse corpo e desse gênero. Assim, um homem inteligível é aquele que apresenta os atributos físicos considerados de homem, que se comporta e se expressa de forma culturalmente considerada masculina e que deseja ou desejará se relacionar sexualmente com mulheres. As "[...] normas de gênero (dimorfismo ideal, complementaridade heterossexual dos corpos, ideais e domínio da masculinidade e da feminilidade adequadas e inadequadas)"73 73 BUTLER, 2007, p. 28, tradução nossa. produzem, portanto, o que é um corpo inteligível e normal, tanto pela relação entre o corpo e o padrão ideal de cada norma separadamente, quanto pela relação de coerência entre elas. No currículo pesquisado, essas normas estão presentes para constituir, de maneira atrelada, as posições de sujeito menino-aluno-bichinha e menino-aluno-mulherzinha.

Essas duas posições são, portanto, posições de sujeito que se constituem como superpostas ou distintas, mas ambas como desviantes. Elas se constituem como anormais pela fixidez das normas de gênero, que produzem e reiteram formas de ser e de se portar diferenciadas a dois tipos de corpos: meninos e meninas. Além de serem consideradas anormais, essas posições de sujeito são também produzidas como temidas e desvalorizadas.

Cirino pega Henrique pelo pescoço e exige - Fala: eu sou bicha.

Henrique fala baixinho - Eu sou bicha.

Cirino - Fala alto!

Henrique não fala. Ele fica um bom tempo tentando se desvencilhar de Cirino, que o enforca.74 74 Fragmento de diário de campo, junho de 2010.

Assim como Henrique, que se nega a dizer em voz alta - eu sou bicha - muitas outras crianças demonstram receio de serem vistas como bichinhas e também como mulherzinhas pelos/as colegas. As crianças aprendem que ser considerado bichinha ou mulherzinha é ser tratado com desprezo, com desrespeito, é ser agredido constantemente pelo fato de apresentar características tidas como femininas. Aqueles que são colocados nessas posições comumente ficam sozinhos, quando há atividades em dupla ou em grupo...

Trabalho em duplas. Otávio, que é considerado mulherzinha pelos/as colegas, fica sozinho, como acontece constantemente.75 75 Fragmento de diário de campo, julho de 2010.

Brincam sozinhos, na hora do recreio...

Encontro com Régis, que é chamado de mulherzinha pelos colegas, andando pelos corredores da escola, na hora do recreio.76 76 Fragmento de diário de campo, junho de 2010.

Profissional da escola: O Sérgio era um menino muito tranquilo, só que muito sozinho e um pouco tristonho, até por essa abordagem dos alunos, né, em relação a ele.

Pesquisadora - O que eles faziam?

Profissional da escola - Eles o isolavam e quando se aproximavam era para falar: o Sérgio é mulher, olha o cabelo dele.77 77 Fragmento de conversa informal, agosto de 2010.

São desprezados e criticados pelos seus modos de agir ou pelas características que apresentam...

No ônibus de passeio, Joel, que é constantemente chamado de mulherzinha, diz para Iran:

- Iran! Iran! Somos os primeiros - Sorri.

Iran levanta os ombros como quem diz - Não tô em aí.

Joel chama a profissional da escola e Iran o imita fazendo voz aguda, em tom de crítica.

Joel se cala, enche os olhos de lágrimas e vira-se para o lado da janela.78 78 Fragmento de diário de campo, agosto de 2010.

Moisés, que é criticado constantemente devido à sua voz, que é considerada pelos/as colegas como voz de menina, diz - Professora...

Raiane imita a voz de Moisés chamando a professora e ri, gozando do jeito de falar do colega.

Raiane é a única colega que ainda conversava com Moisés. Ele sempre lhe trazia balas e doces para lhe dar. Agora ela também está se afastando de Moisés e criticando-o constantemente. Parece-me que as crianças precisam mostrar que não são amigas dos que são criticados para não serem criticadas também.79 79 Fragmento de diário de campo, setembro de 2010.

São, também, agredidos de variadas formas...

Vinícius, que é chamado de mulherzinha, está assentado em sua cadeira. Nelson passa por ele ao caminhar em direção à lixeira e lhe bate na cabeça. Na volta, Nelson passa novamente por Vinícius e lhe bate novamente na cabeça. Tais atos são constantes e praticados por vários/as alunos/as, que se aproveitam do momento em que os/as profissionais da escola não estão vendo, para realizá-los.80 80 Fragmento de diário de campo, agosto de 2010.

Uma profissional da escola entra em sala e conta que, na hora da aula de educação física, algumas meninas estavam batendo na janela de outra sala, atrapalhando a aula. Vários meninos gritam: Ê Marlene... Ê Débora...

Ao que Josias emenda - Ê... André... - e explica - André é mulher!

Sílvia engrossa o coro - Ê... André...

Várias crianças - Ê... André...

Outra profissional da escola diz que, de agora em diante, a educação física vai ser somente no pátio de baixo.

Josias fala baixo para André - Mulherziiiiinha...

Emerson dá chutinhos na bunda do André por trás da cadeira, olha depois para Josias e ri. Ele continua a dar chutinhos no André e depois diz para Josias, que gravou o André junto com as meninas, no seu celular. Josias simula um chute na cabeça do André e Cláudio o ameaça de dar um soco na cara. André fica parado e com os olhos cheios de lágrimas. A profissional da escola que os acompanha está agora distribuindo livros aos/às alunos/as.81 81 Fragmento de diário de campo, agosto de 2010.

Os meninos-alunos considerados mulherzinhas ou bichinhas sofrem agressões, na maioria das vezes, longe do olhar dos/as profissionais da escola. Essas agressões ocorrem quando os/as profissionais estão virados/as para o quadro, quando estão distribuindo materiais, quando estão passando de carteira em carteira, conferindo atividades realizadas pelos/as alunos/as, quando estão longe das crianças, durante o recreio, nos corredores, na saída da escola. Comumente são agressões que não se desenvolvem de uma disputa por materiais ou espaços, ou de uma desavença ocorrida anteriormente.

Profissional da escola fala para Miguel, que é chamado de mulherzinha pelos colegas, para trocar de lugar com outra criança.

- Eu quero que o Miguel troca de lugar com o Francisco.

Pedro, que estava ao lado do Francisco, diz - Ah não! O Miguel não vai ficar aqui não.

Pedro levanta-se da sua cadeira e assenta-se na cadeira de trás, dizendo - Pelo amor de Deus!

Miguel assenta-se em seu novo lugar e Pedro lhe diz - Ocê é feio demais, heim, Miguel!

Pedro vira-se para Francisco e fala com ele sobre o Miguel - Ele tem problema. Escreve assim ó... Pedro mostra o jeito que Miguel escreve com o lápis.

Francisco afasta-se da cadeira de Miguel.

Uma profissional da escola passa pela cadeira do Francisco e fala com ele para chegar para frente. Ele obedece e, depois que a profissional sai de perto, ele afasta-se novamente da cadeira de Miguel.

82 82 Fragmento de diário de campo, agosto de 2010.

Aquele que é posicionado como mulherzinha ou bichinha é agredido, criticado, isolado, não apenas pelo fato de apresentar características consideradas femininas, mas por apresentar várias outras, significadas como ruins ou anormais. Assim, na turma pesquisada, cada criança tem uma maneira própria de pegar o lápis, mas é a daquele que é considerado mulherzinha que é vista como problemática, como anormal. É como se a criança nomeada mulherzinha tivesse um corpo anormal ou fosse portadora de uma doença, da qual é necessário manter distância.

Para Butler,83 83 BUTLER, 2001. a materialidade do corpo, além de ser demarcada pelos discursos, também produz um domínio dos corpos considerados sem importância e sem valor. É assim que são constituídos os corpos dos meninos-alunos que são posicionados como bichinhas e como mulherzinhas, no currículo pesquisado: como corpos que podem ser agredidos, desprezados, criticados, isolados, desrespeitados, pois são entendidos como sem importância, como sem valor. A abjeção aos corpos que assumem essas posições atua, portanto, como uma maneira de convocar meninos-alunos a afastarem de si quaisquer características consideradas femininas. Para a constituição do corpo-menino-aluno, expectativas com relação ao fato de se tornar um futuro homem atuam no currículo.

No recreio, uma profissional da escola chama a atenção de três meninos, que empurram uma menina, para fora de um banco, para eles se assentarem. Ela volta-se para mim e diz - Desde pequenos eles já são assim. Empina o corpo, estufa o peito e fala - Homens.

84 84 Fragmento de diário de campo, junho de 2010.

Esse fragmento de uma prática curricular traz a ideia de que existe um modo próprio de ser homem que se manifesta desde que os corpos são pequenos. Mas o que é ser homem? E o que é ser um homem desde pequeno? Sendo posicionado como pequeno-homem,85 85 Essa expressão é também utilizada por Deborah Thomé Sayão (2003), num trabalho em que questiona o adultocentrismo presente em pesquisas e reflexões teóricas sobre crianças. um corpo é visto como aquele que segue os passos de corpos homens já conhecidos. Para tal, trilha o campo de ação prescrito pelas normas de gênero, no contexto cultural vivido. Não há outro caminho, pois ser homem é o destino. A posição de sujeito pequeno-homem é, então, constituída por expectativas culturalmente produzidas pelas normas de gênero com relação aos meninos, quando características atribuídas àqueles que são vistos como homens (no caso exposto: o uso da força para conquistar espaços) são esperadas daqueles que são vistos como meninos. É essa posição de sujeito que também é acionada, quando outra profissional da escola comenta:

Menino é assim mesmo, é mais competitivo. Nem sei se é da sociedade... acho que é do instinto mesmo de homem. A menina é mais pacata e o menino mais dinâmico, mais competitivo, gosta de aparecer, de chamar atenção dos colegas.

86 86 Fragmento de conversa informal com profissional da escola, outubro de 2010.

Com a enunciação "menino é assim mesmo", os atos de corpos tidos como meninos são naturalizados: eles são assim competitivos, dinâmicos, gostam de aparecer e chamar a atenção dos colegas, devido ao instinto de homem que apresentam. Essa naturalização dos atos divulgada pela posição pequeno-homem produz o corpo macho como um padrão natural, que também é usado para discernir a adequação ou não de outros corpos à natureza.

É esse padrão natural que é usado para se divulgar, por exemplo, que quem é homem desenvolve, na puberdade, caracteres sexuais secundários como massa muscular, ombros largos, pelos no corpo e no rosto, voz grave.87 87 CARACTERES sexuais secundários, 2011. Se um homem desenvolve voz grave na puberdade, como divulgado por esses discursos, o que dizer do cantor citado na introdução deste capítulo? O que pensar de um menino-aluno que tem a voz mais aguda que todos os meninos-alunos de uma turma de escola? Se a competição é uma característica de meninos, o que dizer de um homem ou de um menino que não são competitivos? Esses discursos atuam, assim, de modo a reiterar as normas de gênero, conformando os novos corpos considerados masculinos aos preceitos culturais vigentes e produzindo o corpo anormal como aquele que não se enquadra no padrão de gênero por eles divulgado. Sob o pressuposto de que o natural, o normal, o adequado é a existência de dois tipos diferentes de corpos, com características excludentes - machos e fêmeas, homens e mulheres - , eles constituem performativamente os corpos considerados meninos como os corpos em que a suposta essência masculina e natureza masculina deve se manifestar. Assim, características culturalmente tidas como masculinas são esperadas dos corpos considerados meninos que nascem e se desenvolvem. Para Butler,88 88 BUTLER, 2007, p. 17, tradução nossa. essa é uma maneira em que a performatividade de gênero atua, como "[...] uma expectativa que acaba produzindo o fenômeno mesmo que antecipa, [como] a forma em que a antecipação de uma essência prevista de gênero origina o que coloca como exterior a si mesma." Do menino, espera-se, então, que se torne um homem, diferente dos corpos considerados femininos.

Considerações finais

No currículo pesquisado, normas de gênero atuam para produzir a dicotomia entre corpos-meninos-alunos com características consideradas masculinas e corpos tidos como meninas-alunas. Atuam também para produzir os considerados meninos-alunos-bichinhas e meninos-mulherzinhas. Para a produção de significados sobre esses corpos, alguns discursos presentes nesse espaço cultural pesquisado, de diferentes modos, naturalizam e fixam diversas características corporais como femininas ou masculinas.

Procuramos mostrar neste artigo que alguns discursos médicos e biológicos que estabelecem a existência de dois tipos de corpos com características excludentes - homens e mulheres - estão presentes no currículo pesquisado, promovendo práticas cotidianas de separação de corpos considerados masculinos e femininos. Um discurso médico que constitui o corpo andrógino do homossexual também se faz presente, na produção das posições de sujeito menino-aluno-mulherzinha e menino-aluno-bichinha, ora conjuntamente, como o bicha-mulher, ora como posições distintas, que são produzidas e divulgadas como anormais.

Assim, os corpos que escapam aos padrões divulgados como normais com relação ao gênero, ou são convocados a recobrarem a considerada normalidade, ou são constituídos como corpos os quais é necessário afastar, isolar. De ambas as formas, eles são posicionados como de menor valor, como corpos que não correspondem às expectativas de manifestação do que se considera ser a 'essência masculina'. Como um conjunto de características culturalmente instituídas como naturais, a ideia de uma essência masculina atua performativamente para reiterar os valores masculinos vigentes e para excluir as possibilidades de reconhecimento das múltiplas subjetividades e conformações corporais existentes: meninos pouco competitivos, meninos com voz aguda, corpos intersexos etc.

Essa produção da normalidade e anormalidade dos corpos não se dá, portanto, sem a produção concomitante de uma hierarquização entre os corpos-meninos-alunos considerados adequadamente masculinos e aqueles que são tidos como bichinhas ou mulherzinhas. Uma hierarquização que resulta em desprezo, isolamento, desrespeito e agressões constantes aos meninos-alunos considerados femininos: são as abjeções cotidianas de um currículo generificado.

Recebido em 28 de fevereiro de 2012

Reapresentado em 1º de abril de 2013

Aprovado em 18 de abril de 2013

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  • Normas de gênero em um currículo escolar: a produção dicotômica de corpos e posições de sujeito meninos-alunos

    Gender norms at a school curriculum: the dichotomous production of bodies and subject positions of boy-students
  • 1
    Para Michel Foucault (1986), os enunciados não são o mesmo que palavras, frases ou proposições. Eles "[...] são anteriores às frases ou às proposições, que os supõem implicitamente" (DELEUZE, 2005, p. 24); eles encontram-se "[...] na transversalidade de frases, proposições e atos de linguagem" (FICHER, 2001, p. 201).
  • 2
    Nas análises realizadas neste trabalho, os nomes são trocados a cada referência, de forma a dificultar a identificação da criança por possíveis leitores participantes da pesquisa.
  • 3
    Michel FOUCAULT, 2006a.
  • 4
    FOUCAULT, 2006a.
  • 5
    FOUCAULT, 2006a.
  • 6
    Judith BUTLER, 2006, 2007; Guacira Lopes LOURO, 2004.
  • 7
    Richard MISKOLCI, 2007, p.7.
  • 8
    LOURO, 2004.
  • 9
    Tomaz Tadeu SILVA, 1999.
  • 10
    BUTLER, 2006b.
  • 11
    BUTLER, 2007.
  • 12
    BUTLER, 2006b.
  • 13
    Judith BUTLER, 2001.
  • 14
    John Langshaw AUSTIN, 1990.
  • 15
    Jacques DERRIDA, 1991.
  • 16
    AUSTIN, 1990.
  • 17
    DERRIDA, 1991.
  • 18
    AUSTIN, 1990.
  • 19
    BUTLER, 2001, p. 164.
  • 20
    BUTLER, 2001.
  • 21
    Judith BUTLER, 2006b.
  • 22
    Berenice BENTO, 2003.
  • 23
    BUTLER, 2007; LOURO, 2004.
  • 24
    Sandra CORAZZA e Tomaz TADEU, 2003, p. 48.
  • 25
    BUTLER, 2001.
  • 26
    BUTLER, 2007.
  • 27
    Kathryn WOODWARD, 2000, p.17.
  • 28
    Stuart HALL, 2000, 2003.
  • 29
    BUTLER, 2006b.
  • 30
    BUTLER, 2006a, p. 22, tradução nossa.
  • 31
    SILVA, 2006.
  • 32
    Judith HALBERSTAM , 2008, p. 35, tradução nossa.
  • 33
    Dagmar Estermann MEYER e Marlucy Alves PARAÍSO, 2012, p. 16.
  • 34
    Clifford GEERTZ, 1989.
  • 35
    Alda Judith ALVES-MAZZOTI e Fernando GEWANDSNAJDER, 1999, p. 169.
  • 36
    Richard MISKOLCI, 2007.
  • 37
    Usamos a expressão 'profissional da escola' para nos referirmos às pessoas que trabalham na escola, sejam funcionários/as, concursados/as, contratados/as ou estagiários/as. Fazemos isso como forma de dificultar a identificação desses/as profissionais. Informamos, também, que a turma de alunos/as observada esteve sob a condução de vários/as professores/as e de profissionais contratados/as para ministrar oficinas, durante o período de observação.
  • 38
    Fragmento de diário de campo, julho de 2010.
  • 39
    BENTO, 2003 e BUTLER, 2006b.
  • 40
    Durval DAMIANI e Gil GUERRA-JÚNIOR, 2007, p. 1.014.
  • 41
    BUTLER, 2006b e Paula Sandrine MACHADO, 2008. Ver também a resolução n. 1.664/2003 do Conselho Federal de Medicina do Brasil, que trata das
    Anomalias da Diferenciação Sexual. Nessa resolução, é proposto que o acompanhamento de uma pessoa portadora de anomalia de diferenciação sexual seja feito por uma equipe multidisciplinar composta por especialistas da clínica geral e/ou pediátrica, endocrinologia, endocrinologia pediátrica, cirurgia, genética, psiquiatria e psiquiatria infantil (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2003). É proposto, também, que o paciente e seus familiares sejam informados de seu estado e que, aquele paciente que tiver condições, deve participar da definição de seu próprio sexo (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2003).
  • 42
    CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2003, p. 2.
  • 43
    ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DE INTERSEXOS, 2010, tradução nossa.
  • 44
    FOUCAULT, 2006b, p. 12.
  • 45
    FOUCAULT, 2006b, p. 13.
  • 46
    FOUCAULT, 2006b, p. 13.
  • 47
    Silvana Vilodre GOELLNER, 2003, p. 29.
  • 48
    GOELLNER, 2003.
  • 49
    BUTLER, 2006b.
  • 50
    Os estudos de Danielle Lameirinhas Carvalhar (2009) e Marlucy Alves Paraíso (2010) abordam essa produção generificada dos corpos.
  • 51
    Fragmento de diário de campo, junho de 2010.
  • 52
    Fragmento de diário de campo, agosto de 2010.
  • 53
    Fragmento de diário de campo, junho de 2010.
  • 54
    Fragmento de diário de campo, julho de 2010.
  • 55
    Fragmento de diário de campo, agosto de 2010.
  • 56
    Fragmento de conversa gravada com aluno, setembro de 2010.
  • 57
    Fragmento de conversa gravada com aluna, agosto de 2010.
  • 58
    Fragmento de diário de campo, maio de 2010.
  • 59
    Fragmento de diário de campo, maio de 2010.
  • 60
    ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA, 2002.
  • 61
    Várias organizações sociais têm lançado manifestos a favor, entre outras coisas, da retirada do
    transtorno de identidade de gênero dos manuais internacionais de diagnóstico médico. Exemplos desses manifestos podem ser vistos em: <
  • 62
    Carrie PAECHTER, 2009. A concepção de vigilância panóptica é elaborada por Foucault (1987) para falar de um mecanismo de poder que produz a normalização dos corpos por meio da vigilância contínua. Foucault desenvolve esse conceito a partir de um modelo de Panópticon, desenhado por Jeremy Bentham para uma prisão. Na prisão projetada, há um lugar de onde os detentos podem ser observados sem que possam visualizar quem os observa e sem saber se, na realidade, há alguém os observando. Tal modelo permite o controle contínuo do comportamento do prisioneiro. Aproveitando essa ideia de vigilância panóptica de Foucault, Paechter (2009) fala em
    panoptismo mútuo para se referir ao olhar disciplinador que crianças exercem sobre outras crianças, de maneira a assegurar a adequação ao gênero, em comunidades de prática de masculinidades e feminidades.
  • 63
    Fragmento de conversa gravada com aluno, setembro de 2010.
  • 64
    Fragmento de diário de campo, junho de 2010.
  • 65
    Fragmento de conversa gravada com aluno, agosto de 2010.
  • 66
    Fragmento de conversa gravada com aluno, agosto de 2010.
  • 67
    O nome da música é
    Dança do créu, de autoria de Mc Créu.
  • 68
    Fragmento de conversa gravada com aluno, agosto de 2010.
  • 69
    Esses são termos comumente usados pelas crianças, na escola.
  • 70
    Fragmento de conversa gravada com aluno, agosto de 2010.
  • 71
    Fragmento de conversa gravada com aluno, agosto de 2010.
  • 72
    BUTLER, 2006b, 2007.
  • 73
    BUTLER, 2007, p. 28, tradução nossa.
  • 74
    Fragmento de diário de campo, junho de 2010.
  • 75
    Fragmento de diário de campo, julho de 2010.
  • 76
    Fragmento de diário de campo, junho de 2010.
  • 77
    Fragmento de conversa informal, agosto de 2010.
  • 78
    Fragmento de diário de campo, agosto de 2010.
  • 79
    Fragmento de diário de campo, setembro de 2010.
  • 80
    Fragmento de diário de campo, agosto de 2010.
  • 81
    Fragmento de diário de campo, agosto de 2010.
  • 82
    Fragmento de diário de campo, agosto de 2010.
  • 83
    BUTLER, 2001.
  • 84
    Fragmento de diário de campo, junho de 2010.
  • 85
    Essa expressão é também utilizada por Deborah Thomé Sayão (2003), num trabalho em que questiona o adultocentrismo presente em pesquisas e reflexões teóricas sobre crianças.
  • 86
    Fragmento de conversa informal com profissional da escola, outubro de 2010.
  • 87
    CARACTERES sexuais secundários, 2011.
  • 88
    BUTLER, 2007, p. 17, tradução nossa.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Maio 2014
    • Data do Fascículo
      Abr 2014

    Histórico

    • Aceito
      18 Abr 2013
    • Recebido
      28 Fev 2012
    • Revisado
      01 Abr 2013
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