Resumo:
O presente artigo apresenta os resultados de minha tese de doutorado, na qual realizei uma revisão bibliográfica crítica, através dos estudos queer~cu-ir, observando como se manifestava o conceito de gênero em muitas pesquisas dos estudos feministas da tradução, para sugerir os estudos feministas da tradução e/m queer~cu-ir como uma outra proposição teórica. Na época, meu nome de registro ainda era Beatriz Regina Guimarães Barboza, embora todes me conhecessem por be rgb, pessoa não binária. Hoje me afirmo transmasculine e trago esta localização ao debate como tradutorie transfeminista. Como método, recorro à prática de an/dança, fundamentada pela ética queer da primeira pessoa, para enredar fluxos teóricos de afinidades e/m contingências, em prol de seu estranhamento e perturbação propositiva. Por fim, faço uma autocrítica à minha pesquisa e sugiro outras perguntas.
Palavras-chave:
Estudos Feministas da Tradução; Estudos Queer; Estudos da Tradução; Trans; Feminismos
Abstract:
This article addresses the results of my PhD thesis, in which I carried out a critical bibliographical review, through queer~cu-ir studies, observing how the concept of gender manifested itself in much research in feminist translation studies, to suggest feminist translation studies and/in queer~cu-ir as another theoretical proposition. At the time, my register name was still Beatriz Regina Guimarães Barboza, although everyone knew me as be rgb, non-binary person. Today I call myself transmasculine, and I bring this location to the debate as transfeminist translator. As a method, I resort to the practice of an/dança, based on the queer ethics of the first person, to entangle theoretical flows of affinities and/or contingencies of crossings, in favor of their estrangement and propositional disturbance. Finally, I self-criticize my past research and suggest other questions.
Keywords:
Feminist Translation Studies; Queer Studies; Translation Studies; Trans; Feminisms
Resumen:
Este artículo presenta los resultados de mi tesis doctoral, en la que realicé una revisión bibliográfica crítica, a través de los estudios queer~cu-ir, observando cómo se manifestava el concepto de género en muchas investigaciones en estudios feministas de la traducción, para sugerir los estudios feministas de la traducción y/en queer~cu-ir como otra propuesta teórica. Entonces, mi nombre aún era Beatriz Regina Guimarães Barboza, aunque todes me conocían como una be rgb, persona no binaria. Hoy me denomino transmasculine, y traigo esta ubicación al debate como traductore transfeminista. Como método, recurro a la práctica de an/dança, basada en la ética queer de la primera persona, para enredar flujos teóricos de afinidades y/en contingencias de cruces, en favor de su extrañamiento y perturbación proposicional. En fin, hago una autocrítica de mi investigación y sugiero otras preguntas.
Palabras clave:
Estudios Feministas de la Traducción; Estudios Queer; Estudios de la Traducción, Trans; Feminismos
O espaço-tempo que de/canta
Escrevo este artigo em 13 dias, entre 19 e 31 de agosto de 2024, vinte meses após a defesa da minha tese de doutorado em Florianópolis, “Nós, estranhes: estudos feministas da tradução e/m queer~cu-ir” (Beatriz Barboza, 2023), no programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução na Universidade Federal de Santa Catarina.1 Nessa pesquisa, fiz uma revisão bibliográfica crítica dos estudos feministas da tradução para realizar uma outra proposição teórica, esta que nomeia a tese, a partir das perturbações queer~cu-ir ao conceito de gênero. A tradutibilidade de queer é um imenso campo de debate, que mencionarei na seção 3 deste texto, mas já explico meu uso gráfico:
[...] escrevo dessa forma apenas como mais outra possibilidade de tradução, dentre inúmeras outras que já existem e ainda podem surgir, sem apagar seu referencial de diálogo, por acreditar nas afetações que as constituem (mantendo o termo em inglês e uma das formas encontradas na América Latina a partir de sua sonoridade, conectadas pelo sinal gráfico ondulado) e que se encontram em movimento (lembrando-me da ‘teoria cu’ de Larissa Pelúcio [2014] e que vai em movimento, o ir) (Barboza, 2023, p. 18).
Um dos diálogos de base de minha tese foi uma crítica de Nightwood, de Djuna Barnes (1936), traduzido como No Bosque da Noite (Barnes, 2004) por Caetano W. Galindo, tema que não será possível abordar aqui, mas que foi uma grande fonte de imagens.
Moro em Curitiba e hoje, 19 de agosto, a temperatura está 11 graus acima do esperado, fruto de mais outra onda de calor advinda da crise climática que se acentua. Sinto ainda mais calor pela recente aplicação de undecilato de testosterona; utilizo o hormônio há pouco mais de um ano, minha voz já está mais grave e falha com agudos. Estamos no mês da visibilidade lésbica e, se muitas feministas transexcludentes afirmam que se trata da representação apenas do amor entre mulheres cisgênero, há travestis sapatões (como diz Diana Salu2 e várias mais, que também dizem sapatrans), sapatões não bináries (como diz Dri Azevedo (2023) e muites outres), sapatões maskulinos (como diz Formigão, com variações de tantes outres) e inúmeres que sintonizam com as provocações de Monique Wittig, que afirmou “Lésbicas não são mulheres” (Wittig, 2022[1992], p. 67). As torções das identidades no sistema sexo-gênero-desejo continuam a se multiplicar, de/cantando nos contextos de cada língua a partir das agitações vividas que resistem à rigidez conservadora da normatividade, perturbando-a com outras possibilidades de existência. No entanto, muitas teorias e organizações, supostamente aliadas, ainda resistem a essas transformações.
Comecei este texto assim porque tanto a ética queer da primeira pessoa (Larkosh, 2017) quanto os saberes localizados (Haraway, 1995[1988]) ensinam que não existe pesquisa que não seja afetada pelas condições materiais, interesses e contingências des agentes que participam de sua feitura. É por isso que, nesta seção, situo minha localização em linhas gerais e com relação à tese para que possa apresentar a intenção que orienta este artigo: desde o fim do doutorado, não habito mais o campo da pesquisa, pois vivo completamente como tradutorie freelancer e agente cultural (isto é, proponente e integrante de projetos enviados para editais majoritariamente públicos na área da literatura, em que posso existir como escritorie e oraculista). Imensa parte do meu tempo se dedica aos trabalhos que, como rios, possuem suas cheias e vazantes: por isso me desdobrei para estar aqui, em menos de duas semanas, para apresentar os resultados de minha tese e agregar questionamentos e sugestões posteriores. Não trago alterações ou acréscimos teóricos, pois não tenho tempo para me atualizar sobre o que se passa nos estudos feministas da tradução e nos estudos queer da tradução. O que ofereço é uma oportunidade sintética para conhecer o que propus com minha tese e reflexões posteriores de ordem empírica. Estas são resultado de minha prática tradutória e cultural desde o fim do doutorado, lidando com o mercado de trabalho em seus vários setores, e como transmasculine bicha-sapatão branque que debate com pessoas LGBTQIAPN+ sobre o sistema sexo-gênero-desejo de modo interseccional.
Com essas limitações e possibilidades, escreverei sobre minhas orientações programáticas e suas intenções: a ética queer da primeira pessoa, a an/dança pelos estudos feministas da tradução; queer~cu-ir e seu papel de perturbação aos pressupostos identitários; um breve apanhado de análises que fiz sobre os estudos feministas da tradução, diante da ausência de aproximações nos estudos queer da tradução, como se dá minha proposição teórica de estudos feministas da tradução e/m queer~cu-ir; e quais críticas realizo ao meu trabalho, suas limitações e sugestões para outros caminhos. Não pretendo resumir, nem esgotar, o que foi elaborado na tese, e muito será deixado de lado, pois não há síntese que abarque a experiência do trajeto. De toda forma, busco dividir um pouco desta experiência nestas páginas.
A ética queer da primeira pessoa e/m andan/ça pelos estudos feministas da tradução
Como já mencionado na primeira seção, uma das posturas de base de minha tese foi a ética queer da primeira pessoa, elaborada por Christopher Larkosh em diálogo com a obra e/m vida de uma das figuras fundadoras dos Estudos da Tradução, James Holmes (2000 [1972]), o autor do emblemático texto “The Name and Nature of Translation Studies”. O pesquisador, poeta, tradutor, professor e cofundador da livraria gay e lésbica Vrolijk - que também militava na cena gay do couro e nunca separava uma instância de sua vida da outra - inspirou Christopher a abordar a pesquisa também em sua inteireza. O pesquisador define a ética queer da primeira pessoa como:
[...] um aprochego metodológico que rejeita as noções disciplinares convencionais de um suposto ponto de vista privilegiado, distante e oficial, como padrão-ouro de rigor metodológico, contrastando-o com outro, em que se tem consciência da própria presença no local das condições narrativas e suas subsequentes interpretações textuais e intervenções intelectuais3 (2017, p. 158).
Toda pesquisa, por mais supostamente distanciado que seja seu objetivo, já diz do interesse de alguém em realizá-la, o que não existe em uma vacuidade a-histórica. A investigação é realizada por no mínimo um indivíduo encarnado com sua subjetividade, ou seja, elu4 elabora a partir de sua posição, de sua corporificação e de sua perspectiva parcial, como afirmou Donna Haraway (1995[1988]) em “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”. O que minha tese trouxe, portanto, foi um percurso com suas limitações e possibilidades entre agosto de 2018 e dezembro de 2022, afetadas pela pandemia de Covid-19, a partir das vivências e/m pesquisa. E hoje, como tradutorie freelancer e agente cultural em agosto de 2024, escrevo este texto nas contingências mencionadas acima, abordando os atravessamentos deste período.
Como modo de estar atente e em movimento à feitura da tese, nomeei de an/dança a disposição para os encontros que foram possíveis entre referenciais de pesquisa e/m vida, pois “andar constitui para mim uma estilização de movimentos e/m atenção que chama um estado de presença, como aquele convidado pela dança, pela meditação, pelo transe, pela tradução, pela vida” (Barboza, 2023, p. 17). Esse método, como um programa performativo, valoriza o processo e a proposição, contra ímpetos totalizantes que só consideram as pesquisas que devassam inteiramente o território que pretendem mapear: é por essa razão que escrevi que a an/dança traçou um “fluxo teórico” ao invés de um “recorte teórico”, pois as contingências e confluências foram mais relevantes do que algum suposto critério arbitrário. Foi esse fluxo teórico que delimitou o corpus de análise: textos que encontrei em buscas, que foram indicados por amigues e professories (com destaque para Olga Castro e Meritxell Hernando Marsal, a quem agradeço tanto, e comentarei mais sobre elas adiante), que tive acesso material ou digital por conta própria e também por auxílio de outres. Esse fluxo também foi físico-espiritual e afetou como relacionei esses textos encontrados, a disposição diante deles, e aqui trago um exemplo do tipo de deslocamento que afetou a pesquisa (na prática, antes de março de 2020; depois, como memória):
Aqui na Ilha de Santa Catarina, a an/dança pode ser o trajeto com cerca de 30 quilômetros entre a Praia da Solidão até a Joaquina feito no meu aniversário de 2021, mas também pode ser os 48 minutos que levo de casa na Trindade à Ponta do Coral para ver o pôr-do-sol no horizonte do continente em um dia qualquer. Em 2019, na época dos lançamentos da minha plaquete with a leer of love - sobre a qual comentarei na seção 1.2 deste prólogo, chamada “Da tese em fluxo”, uma das provocadoras desta pesquisa -, caminhei da Estação Central no Rio de Janeiro até a Cantagalo; semanas depois, durante o TREMA - I Encontro de Mulheres, Tradução e Mercado Editorial na Universidade de São Paulo -, cruzei São Paulo por horas e horas ao longo de dias. Nessas rotas, observava tanto. Amigues já brincaram de me chamar de andarilhe e essa experiência sempre me ensinou a “olhar bem ao redor, duvidando de tudo que se vê, faz, diz, precisamente porque temos palavras para tudo isso, mas não sua alquimia” (BARNES, 1936, p. 122 em minha tradução), este trecho de Nightwood, livro que mencionei acima. Uma curiosidade para ver como as coisas se relacionam entre si, algo que faço na vida e nesta pesquisa (Barboza, 2023, p. 19).
Essa curiosidade, esse interesse parcial, corporificado a partir de uma posição, foi o que me fez questionar um ponto à medida que me investigava sobre os estudos feministas da tradução durante o mestrado e doutorado, inspirade por Judith Butler (2018) em “Gender in Translation/Beyond Monolingualism” (2018; 2019): o que esses trabalhos feministas entendem por gênero? O que poderia acontecer se perturbássemos esse conceito de forma propositiva, como, por exemplo, através dos estudos queer~cu-ir? O campo dos estudos feministas da tradução geralmente é entendido como uma encruzilhada entre os Estudos de Gênero e os Estudos da Tradução,5 que teve espaço em meio à “virada cultural dos Estudos da Tradução” (Castro, 2017[2009], p. 219) a partir dos anos 80, momento em que a dimensão política da tradução recebeu maior atenção. Ao considerar as duas disciplinas, seus focos envolvem diferentes graus de complexidade. Por um lado, se é mais fácil entendermos que a tradução se refere a uma ação - que pode ser estudada conforme ramos puros, aplicados e sociológicos (Holmes, 2000 [1972]) com inúmeras possibilidades de derivação com suas próprias historiografias (Jeremy Munday, 2016) e que abarcam não somente textos em tradução, mas as pessoas que traduzem (Andrew Chesterman, 2015 [2009]) -, por outro, gênero é um conceito bastante intrincado.
Foi por isso que decidi fazer essa pergunta: para evidenciar o que estava implícito e propor outros caminhos através de perturbações propositivas, algo que me pareceu potente de ser realizado por uma queerização~cu-irização. Essa postura teórica, rocha metamórfica resultante das afetações do tempo-espaço, constitui a sensibilidade com a qual desejo que se observe o que estava acontecendo nos estudos feministas da tradução e nos estudos queer da tradução até 2022. Na próxima seção, portanto, abordarei queer~cu-ir em suas possibilidades de ação.
Breves apontamentos sobre queer~cu-ir e algumas de suas táticas
Escrevo esta seção em um dia em que me ofereci para ser pit crew - nome que vem do programa Rupaul’s Drag Race - na Drag Zona em Curitiba, depois de conversar sobre essa ideia com meu amor, que ilumina o show, e propormos a ideia para as organizadoras do evento. Tais espaços performáticos permitem deslocamentos das bordas do sistema sexo-gênero-desejo, pois as identidades podem ser vividas de modos singulares por outros corpos - o que costuma ser interditado como infração da norma, tornando-os alvo de punição e violência - com experiências diferentes para além dos binários. Há uma potência queer~cu-ir ali, uma possibilidade de imaginar em vida.
Uma das citações de que mais gosto para introduzir a discussão teórica sobre queer~cu-ir vem de uma das primeiras professoras a trazer o tema para jogo no Brasil, Guacira Lopes Louro (2018). O trecho sintetiza tanto os significados derivados da etimologia da palavra em inglês (um xingamento que, depois, foi reapropriado subversivamente pelas dissidências do sistema sexo-gênero-desejo), quanto os que foram elaborados pelos estudos queer~cu-ir como um questionamento às premissas identitárias fixas:
Assumo que queer pode ser tudo que é estranho, raro, esquisito. O que desestabiliza e desarranja. Queer pode ser o sujeito da sexualidade desviante, o excêntrico que não deseja ser “integrado” ou “tolerado”. Pode ser, também, um jeito de pensar e de ser que não aspira o centro nem o quer como referência; um jeito de pensar e de ser que desafia as normas regulatórias da sociedade, que assume o desconforto da ambiguidade, do “entre lugares”, do indecidível (Louro, 2018, p. 8).
No entanto, a história desta palavra e sua ressignificação, em outras línguas e culturas, perdem-se e seu uso se torna controverso, como uma importação teórica imposta pela hegemonia anglófona que acontece em inúmeras áreas do saber (Mary Hawkesworth, 2014), na cultura e nas artes. Muitas críticas dissidentes do contexto latino-americano sinalizam para o esvaziamento da potência subversiva da reapropriação do termo queer (Felipe Rivas, 2011; Hija de Perra, 2014; Sayak Valencia, 2015), mas não deixam de valorizar as contribuições advindas desses estudos, ativismos e artes (Anselmo Alós, 2020), deixando-o aberto para abarcar o inominável (abigail Campos Leal, 2017) em torções (Larissa Pelúcio, 2014).
Por mais que dizer “queer” possa não significar nada em português brasileiro ou nas inúmeras variantes do espanhol na América Latina para quem nunca ouviu falar da palavra, seu uso e ao que se associa têm reverberações, a ver a reação conservadora contra a exposição “Queermuseu: Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”, em 2017, que levou ao seu fechamento. Além disso, já temos algumas décadas de diálogos com esse campo de estudos, em pesquisas, fazeres artísticos e de militância na América Latina que têm des/construído, sintonizando com suas provocações. Sua potência, portanto, segue em sua estranheza e em fazer de queer~cu-ir um verbo e não um substantivo (Nikki Sullivan, 2003), uma disposição ou modo de viver (Louro, 2018) que não se pauta pela repetição dos pressupostos hegemônicos das coerências identitárias, mas que se permite experimentar o que é verdadeiro para si, apesar delas. Essa possibilidade afeta as subjetividades, mas não se limita às individualidades, pois se propõe a desamarrar os arranjos sociais de seus laços coercitivos e opressores. Queer~cu-ir expõe a artificialidade das categorias sociais, que inclusive pautam o chamado mundo natural, e demonstra como podem ser deslocadas, destruídas, subvertidas e muito mais.
E por que me interessei por dialogar com queer~cu-ir para abordar as questões de gênero nos estudos feministas da tradução? Por encontrar nos textos de Butler (que mesmo quando não falam sobre o tema, participam da sua articulação desestabilizante/desnaturalizante) uma politização da abjeção - tudo aquilo que não corresponde ao ideal hegemônico de identidade digna de ser vivida - que compreende como a performatividade do gênero produz o sexo (Butler, 2019[1993]). Judith questionou o binário cultura-natureza que, no par gênero-sexo, deixa gênero relativamente aberto para ser reconfigurado, mas naturaliza o binário da diferença sexual (excluindo as intersexualidades e simplificando a singularidade de cada corpo) como local de onde o gênero derivaria. Tendo em consideração os feminismos (e, portanto, os estudos feministas da tradução), a ressignificação proposta por queer~cu-ir ora opera pela necessidade de desidentificação (fomentando práticas de coalizão que não se orientem pela semelhança, que exclui a diferença), ora pela abertura da categoria “mulher” de forma catacrética (Butler, 2019[1993]), para que ela funcione de modo inapropriado (como ficção regulatória em movimento) e inclua outros termos. Como exemplo a partir do que mencionei acima, é a percepção de que o agosto da visibilidade lésbica se refere às mulheres trans, transmasculines e não bináries, para além das mulheres cisgênero (e como cada ume terá vivências específicas de sua identidade e/m relação, o que trará diferentes pautas políticas dentro de um mesmo espectro).
Como os feminismos, assim como outros movimentos sociais, partem de conceitos identitários para compreender as relações de poder desiguais e hierárquicas e propor caminhos de combatê-las, é preciso tomar cuidado com quais pressupostos embasam tais identidades, que permitem com que algumas sejam reconhecidas - legítimas, legíveis - e outras não. Como Judith sintetizou, “A identidade é um erro necessário” (Butler, 2019[1993], p. 380), pois o conceito de identidade é insuficiente para abarcar a complexidade e a mutabilidade das subjetividades em relação, mas é necessário como local de disputa, de caráter performativo e histórico, para rearticular os vínculos sociais, o questionamento às normas (como funcionam e quem tem poder de estabelecê-las) que os fundamentam ao longo do tempo. Afinal, não fazemos gênero sozinhes (agência voluntarista), mas também não estamos preses a uma única formulação de gênero (destituídes de agência), então Judith propôs uma autonomia redescrita em termos de relacionalidade, das paixões que nos movem: a despossessão de si no êxtase que nos vincula a outres ao lado (Butler, 2004). É uma outra relação com a linguagem, menos fixada em um eu coerente e imutável como somatória de categorias identitárias, mas aberto às afetações provenientes da interação com outros seres. Ou seja, em minha leitura de Judith, comentei que é preciso
abrir os significantes para a entrada subversiva des excluídes (es abjetes), não como inclusão assimilacionista à norma, mas como ocupação que implode os próprios referenciais dos significantes, em processo de des/contínuo esvaziamento e deslocamento para a construção de outros imaginários e seu reconhecimento (Barboza, 2023, p. 239).
De certo modo, queer~cu-ir trata desse tipo de gesto, que é, antes, uma des/construção de sensibilidade que vincula nossa relação com a linguagem e/m vida no mundo. Foi com essa proposta que me aproximei dos estudos feministas da tradução e dos estudos queer da tradução, aberte para perguntar o que tinham a dizer sobre gênero e se conversavam (ou não) a partir de seus debates em comum. Como mencionei antes, essa pergunta derivou da crítica de Judith (em diálogo com Derrida) à razão monolíngue, que toma a própria língua como único referencial de mundo e se esquece da pluralidade de línguas (e suas visões de mundo), e lembra como “a tradução é a condição da possibilidade de gênero ser uma categoria útil de análise” (Butler, 2019, p. 7). Se nos estudos feministas da tradução esse conceito é um dos pilares fundamentais, o que estaria significando? E que traduções permitem que seu fluxo ainda mantenha sentido?
Problemas de gênero nos estudos feministas da tradução
Chego a esta seção sabendo que uma artista visual brasileira6 continua a conduzir um grupo de leituras de autoras feministas trans-excludentes, proposta que divulga através de seu Instagram, no qual possui 57 mil seguidories. Há anos essa artista veicula discursos de ódio contra pessoas trans e é preocupante que esteja propagando desinformação em nome do “feminismo” com o mesmo tipo de abordagem que se aproxima de grupos de extrema-direita. Os estudos feministas da tradução que mencionarei nesta seção felizmente se encontram bem longe desse tipo de perspectiva. No entanto, a ausência de um comprometimento crítico com a inclusão das pautas trans dentro do feminismo (em seus estudos, artes e políticas) enfraquece sua luta, deixando-a vulnerável para que pessoas como essa artista (e seus grupos) continuem estigmatizando pessoas trans, que já estão em imensa vulnerabilidade social.
Diante de tanta comunicação separatista e ausência de diálogo, é sempre importante lembrar-se quem são es agentes de poder e o que dizem (reiterando-o de tal maneira que sua historicidade se perde, naturalizada pela repetição). É por isso que me coloco nesta escuta dos estudos feministas da tradução, para captar o que trazem e como isso auxilia (ou não, em partes) uma construção de mundo mais inclusiva. Os estudos que selecionei vieram da contingência dos encontros, como mencionado anteriormente: a partir do momento em que comecei a pesquisar sobre os estudos feministas da tradução, que pesquisas vieram à tona em um primeiro momento e quais foram indicadas? Que artigos e livros eram mencionados com frequência? Quais coletâneas trouxeram visibilidade para o campo? Quais foram algumas das elaborações recentes de maior repercussão?7
Ao orientar-me pelo fluxo teórico da an/dança, não passei por vários trabalhos, mas me aproximei da maior quantidade possível até outubro de 2022. Abaixo, trago um resumo do que foi perguntar-lhes o que tinham a dizer sobre gênero, dividindo os trabalhos em blocos: 1) de artigos emblemáticos; 2) de alguns primeiros volumes; 3) de uma revisão ampla; 4) de algumas revisões menores; 5) de elaborações recentes; 6) da proposta transnacional. Seria impossível contextualizar e resumir as pesquisas de cada um desses blocos aqui, então me concentrarei em sua definição (ou não) sobre o conceito.
Artigos emblemáticos do fator canadense
Na história dos estudos feministas da tradução, um dos seus mais conhecidos momentos de maior expressão inicial - o que não significa que antes não houvesse uma atuação feminista na tradução, como sabemos pelo trabalho da tradutora brasileira Nísia Floresta, ainda que cheio de controvérsias (Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke, 2020) - por vezes é chamado de “escola” canadense. No entanto, cada uma de suas pesquisadoras-tradutoras tinha uma concepção própria sobre o que investigavam e realizavam, então acredito que a nomenclatura de Eleonora Federici, “fator canadense”, seja mais adequada. Com esse nome, ela se refere às “principais acadêmicas canadenses como Barbara Godard, Sherry Simon, Luise von Flotow e muitas outras trabalhando naquele contexto dos anos 80” (Federici, 2017, p. 135). Simon teve uma reverberação maior com um dos primeiros livros sobre o tema, que entrará na próxima subseção.
A questão de gênero se faz bastante presente no Canadá bilíngue (considerando as línguas oficiais impostas pela colonização), dado que existe uma marcação gramatical binária mais presente no francês do que no inglês, junto de várias nuances culturais. Esse trânsito entre diferentes sistemas foi propício para que tradutoras e pesquisadoras que lidavam com uma literatura experimental feminista florescente na época teorizassem sobre como esses textos estavam sendo abordados em tradução. É comum encontrarmos referências a dois textos desta época,8 que foram amplamente citados em várias outras pesquisas ao longo de décadas: “Theorizing Feminist Discourse/Translation”, de Godard (1989), e “Feminist Translation: Contexts, Practices and Theories”, de von Flotow (1991). No entanto, um artigo anterior a estes, “Gender and Metaphorics of Translation”, de Lori Chamberlain (1988), dos Estados Unidos, também é citado pelas autoras em suas pesquisas e é considerado um dos textos fundamentais e pioneiros para os estudos feministas da tradução, de modo que o abordarei junto aos do fator canadense por sua proximidade temporal.
Por um lado, o artigo de Chamberlain não apresentou comentário sobre o que entende por gênero, e de fato deslizou o conceito junto à noção de diferença sexual, pois seu argumento principal era expor a “feminização” do status da tradução como equiparável à subordinação daquelas que são entendidas como mulheres.9 Já o texto de Godard associou a experiência das “mulheres” com o feminino e lê gênero como a vivência social da diferença sexual, a partir do qual o feminino seria experimentado por aquelas que são entendidas como mulheres. Por fim, o texto de von Flotow não comentou sobre gênero e propôs um discurso feminista que se opõe à linguagem patriarcal. De fato, a ausência de definição que vem acompanhada por alguns referenciais (diferença sexual, experiência, mulheres, feminismo) não é excludente por si só, mas acaba se tornando por restringir-se às vivências cisgênero (perceptíveis, principalmente, através da argumentação de cada texto) e por partir de um binarismo deduzido a partir da diferença sexual.
Alguns primeiros volumes do fator canadense
Dentre as pesquisadoras-tradutoras do fator canadense, von Flotow foi e continua sendo uma das mais importantes nos estudos feministas da tradução, de forma que seu nome estará aqui em vários momentos. No entanto, antes, quero comentar sobre outra pesquisadora, Simon (1996), que acabou não continuando nesse campo. Seu livro, Gender in Translation - Cultural Identity and the Politics of Transmission, foi pioneiro nos estudos feministas da tradução e dialogou imensamente com os Estudos Culturais. Por tratar de diversos exemplos em sua argumentação, a pesquisadora trouxe uma enunciação de gênero mais aberta:
Gênero, portanto, não é nunca uma identidade primária que emerge das profundezas do eu, mas uma construção discursiva enunciada por múltiplos locais. No contexto deste estudo em particular, a variabilidade histórica de discursos sobre gênero deve ser enfatizada (p. 6).
Essa formulação, que destaca a historicidade do gênero e como se faz com atravessamentos plurais, é interessante para abarcar uma maior plasticidade do conceito. No entanto, os discursos em si que a pesquisadora aborda acabam se restringindo às mulheres cisgêneras, análise que também é fundamental de ser realizada.
Já o livro de von Flotow (1997), Translation and gender - translating in the ‘era of feminism’, que muito provavelmente foi escrito concomitantemente ao de Simon, traz uma concepção mais fechada, pois seu foco se deu “na ideia de gênero aplicada no movimento das mulheres e nos estudos das mulheres de forma a compreender e então minar, ou explorar estrategicamente, os efeitos da identidade de gênero nas mulheres” (von Flotow, 1997, p. 6).
De fato, como mostrarei mais adiante, a linha de investigação de von Flotow dentro dos feminismos na tradução geralmente tem um enfoque exclusivo em mulheres cisgênero, que gradualmente terá mais intersecções raciais e geopolíticas.
Revisões mais amplas: as pesquisas de Pilar Godayol e Nuria Brufau Alvira
Como os estudos feministas da tradução despontaram no final da década de oitenta e tiveram maiores aprofundamentos ao longo dos anos noventa, contar com um livro e uma tese de proposições teóricas que fizeram um apanhado dessas teorias foi de grande relevância. No entanto, sua circulação foi restrita por tratar-se de uma pesquisa catalã, que pude conhecer apenas graças a Meritxell Hernando Marsal.10 Trata-se do livro Espais de Frontera: gènere i traducció, de Pilar Godayol (2000), que foi derivado de sua tese de doutorado sobre os estudos feministas da tradução em diálogo com as obras de autoras chicanas.
Nesta obra, em que a presença dos Estudos Culturais também é bastante impactante, a pesquisadora catalã se empenhou mais em questionar as bases sociais da construção das identidades e teceu um diálogo com as obras de Butler escritas até 1997 (prévias ao livro Undoing gender):
Butler sustenta que o gênero não é uma marca cultural estável, mas dinâmica, criativa, móvel. Para ela o gênero é algo que provém de uma temporalidade social, mas que não pode nunca ser de todo completo porque isso equivaleria a demandar-lhe a morte [...] A convicção de Butler que sujeite algume não se pode encaixar em hierarquias sexuais transparentes não nega política de representação nenhuma [...] A natureza das mulheres não tem uma representação absoluta; é sempre um espaço aporético que se modifica atentando às contingências (Godayol, 2000, p. 16).
Como ponto de partida, Pilar estabeleceu uma noção interessante, muito mais aberta, ainda que sua leitura se limite a questionar o que se chama de “natureza”, mas não a existência dessa própria ideia em si, e que es sujeites dos feminismos se encontram para além das mulheres cisgênero. De toda forma, é uma proposta mais mutável, que pode ser redirecionada para questionar os efeitos de sua qualidade regulatória nas dinâmicas sociais e incluir outras existências de forma crítica.
Já a pesquisa de Nuria Brufau Alvira (2009), que posteriormente se tornou um livro, teve uma grande contribuição para um dos giros mais atuais dos estudos feministas da tradução, a partir de uma ampla revisão do que fora realizado até então. Além de seu repassado crítico à historiografia, ela também propôs um giro tradutológico dos feminismos, enfatizando a necessidade de uma concepção que abarque a diferença junto às pautas transnacionais, e se aliou à interseccionalidade teorizada por Kimberlé Crenshaw, em diálogo com críticas feministas negras, latinas e lésbicas. Essas duas viradas conceituais foram importantes para investigações mais recentes, mas a pesquisa de Nuria apresentou alguns entraves que, em minha tese, pude analisar criticamente com mais detalhe.
Em Traducción y género: propuestas para nuevas éticas de la traducción en la era del feminismo transnacional (Brufau Alvira, 2009), a pesquisadora contribuiu com um foco pertinente dentro de seu contexto, pois definiu gênero como culturalmente concebido (o que sintoniza com a abertura que Butler situa para a pluralidade de sua reencenação na história). Contra uma “tradução identificada com(o) mulher” - na qual se encontra a proposta de “traduzir como (uma) mulher” de Godayol -, Nuria repassou as elaborações de “tradução identificada como feminista”, mais focada na ação, no projeto tradutório. Outro aspecto interessante de sua argumentação é questionar essa própria postura, pois, se parece mais adequada a princípio, torna-se limitante diante da pluralidade de feminismos. Portanto, sua pesquisa contribuiu com questionamentos muito pertinentes, ainda que focalizando mulheres cisgênero.
Algumas revisões menores
Ainda que o interesse pelos estudos feministas da tradução tenha se manifestado no final dos anos 80 e ao longo dos anos 90, a primeira década do século XXI experimentou uma queda em termos de pesquisas que alcançaram destaque transnacional. No entanto, ao final desse período, surgiram alguns artigos de relevância tanto no Brasil, com a revisão de Rosvitha Friesen Blume, quanto na Espanha, com a pesquisa de Olga Castro, que também trouxe seus próprios aportes teóricos. De modos semelhantes, elas sistematizaram como os estudos feministas da tradução abarcavam pesquisas sobre o trabalho de tradutoras ao longo da história, investigações e/ou experiências que oferecem recursos para a prática feminista da tradução, a crítica de traduções a partir de uma perspectiva feminista e as políticas de tradução.
Em “Teoria e prática tradutória numa perspectiva de gênero”, Blume (2010) não comentou sobre o conceito de gênero em si, mas se referiu aos Estudos de Gênero como disciplina que faz uma crítica às relações de poder patriarcais. Como seu texto se trata de uma revisão, o conceito ficou a cargo das pesquisas que ela recuperou, completamente dedicadas àquelas que são entendidas como mulheres. Em “(Re)examinando horizontes nos estudos feministas de tradução: em direção a uma terceira onda?”, Castro (2017[2009]) também não definiu gênero, mas podemos deduzir seu sentido por aquilo ao que o feminismo que menciona se opõe: contra o machismo/patriarcado que também está presente/se realiza pela linguagem e tradução. As pesquisas que mencionou, algumas que Rosvitha também recuperou, também se dedicam totalmente às que são entendidas como mulheres.
Elaborações recentes: três livros sobre os estudos feministas da tradução
Nesta subseção, abordarei três volumes que tiveram um papel importante na reverberação de pesquisas feministas da tradução: Translating Women, editado por von Flotow (2011); Translating Women - Different Voices and New Horizons, também organizado por Luise em parceria com Farzaneh Farahzad (2017); e Feminist Translation Studies - Local and Transnational Perspectives, editado por Castro e Emek Ergun (2017). Como são livros que englobaram variadas pesquisas com suas próprias perspectivas sobre gênero, busquei as introduções escritas por suas organizadoras, uma vez que foram as responsáveis por determinar quais pesquisas entrariam nos volumes e de que modo.
O prefácio de Translating Women, um primeiro volume que foi publicado pela editora da Universidade de Ottawa, onde von Flotow é professora, valorizou os estudos queer, mas ao mesmo tempo sugeriu que devem ser desconsiderados por destituírem as individualidades de agência (leitura que não se confirma em diálogo com sues teóriques). Sua definição de gênero tentou equacionar concepções que o entendem como uma prática performativa que se dá como interlocução, mas justificou o uso da categoria mulher, dentro de um binarismo, como local de opressão que também se torna base para o poder político como articulação. Assim, a fluidez possível que existe no conceito de gênero de certa forma foi deixada de lado para que a categoria mulher fosse o critério.
No segundo volume de Translating Women, seis anos depois, a parceria entre von Flotow e Farahzad compilou pesquisas de maior variedade, com contribuições da Turquia, Arábia Saudita, Irã, Colômbia, Marrocos, Sri Lanka, China, Japão e Leste Europeu. O livro foi publicado pela Routledge, editora de renome transnacional. Ao enfatizarem ainda mais o que já se apresentava no primeiro volume, as organizadoras afirmaram que:
Estamos determinadas a expor como mulheres experienciam este mesmo mundo essencialista e como experienciam mulheridade em um contexto essencialista como pesquisadoras, escritoras, tradutoras, e suas sujeitas ao navegarem em um mundo em que o binário de mulheres e homens é mantido por via de sistemas legais e civis, burocracias e instituições, assim como pela cultura popular, moda e tradições. Acreditamos que este é o primeiro passo para opor-se ao essencialismo, então, sim, estamos olhando para ‘pessoas entendidas como mulheres’ (Malabou, (2009) 2011). Uma perspectiva ‘de mulher’, neste caso, é pragmática (2017, p. xiii).
Décadas tinham se passado desde os primeiros ensejos dos estudos feministas da tradução e seu foco permanecia junto ao estudo das mulheres cisgênero. De fato, as pesquisas deste volume terão contribuições fundamentais para compreender as mais distintas realidades, com um principal destaque para a intersecção entre os eixos de gênero, raça e questões geopolíticas, mas ainda nesse recorte.
Já Castro e Ergun (2017), editoras do livro Feminist Translation Studies - Local and Transnational Perspectives, que também saiu no mesmo ano do anterior, pela mesma editora de imenso prestígio, a Routledge, optaram por não fechar seu conceito sobre gênero conforme as leituras dominantes. Elas pontuaram um desejo de elaborar as pesquisas englobadas ali
reconfigurando a tradução feminista como uma força substancial e forma de ativismo. Ela enfatiza o papel crítico da tradução na trans/formação dos movimentos feministas, local e transnacionalmente, diacrônica e sincronicamente (2017, p. 1-2)
com uma definição de feminismos que se faz “não somente no plural, mas também interseccional e interconectivista” (2017, p. 2). Esboçava-se ali um giro que em cinco anos se concretizou de modo mais inclusivo, como contarei na próxima subseção.
A proposta transnacional
Em diálogo de revisão crítica com a vasta trajetória dos estudos feministas da tradução, considerando as contribuições dos estudos queer~cu-ir, Castro e Spoturno (2020) publicaram um artigo fundamental na Mutatis Mutandis, periódico colombiano de acesso gratuito dedicado à tradução, em uma edição sobre os estudos feministas transnacionais da tradução em 2020. O texto de abertura reuniu von Flotow, Castro, Ergun e María Laura Spoturno, marcando uma aliança entre pesquisadoras de destaque no campo.
No artigo, chamado “Feminismos e tradução: apontamentos conceituais e metodológicos para os estudos feministas transnacionais da tradução”, Castro e Spoturno (2022[2020]) demarcaram que “Nossa utilização do plural ‘mulheres’ é inclusiva e deve ser entendida para além das categorias normativas cisgênero e/ou binárias” (p. 5). Sua proposta transnacional propunha uma forma de relacionar-se com a realidade globalizada que observa como os diversos sistemas de opressão estão articulados. Aliada aos feminismos, houve uma focalização em como mulheres (nesse sentido amplo) são afetadas, nutrindo-se dos “legados intelectuais e políticos de propostas dos feminismos racializados, de classe, marxistas, pós-coloniais, decoloniais, indígenas, do autodenominado terceiro mundo, dissidentes, lésbicos e queer, para citar alguns” (Castro; Spoturno, 2022[2020], p. 8).
O campo dos estudos feministas transnacionais da tradução de fato se abriu para muitas outras possibilidades, articulando interseccionalidade e gênero de modo amplo como nunca se fez antes. No entanto, as pesquisas lgbti+ e queer foram entendidas como um campo “Na paralela” (Castro; Spoturno, 2022 [2020], p. 22), concebidas como uma derivação dos estudos gays e lésbicos (o que ocorre inúmeras vezes nesse campo nos países anglófonos, pela própria etimologia da palavra, mas não se limitam a isso). Desejo argumentar, na próxima seção, com os estudos feministas da tradução e/m queer~cu-ir, como esses campos na realidade podem conviver como encruzilhada, afetando-se reciprocamente.
A proposta dos estudos feministas da tradução e/m queer~cu-ir
Como comentei anteriormente, toda pesquisa vem de um interesse de quem a realiza. No meu caso, o crescente envolvimento com os estudos feministas da tradução no mestrado passou por um estranhamento quando cheguei ao doutorado. De tanto me debruçar sobre gênero e feminismos, comecei a perceber que minha própria identificação como mulher cisgênero era inadequada. Não tenho como resumir um processo tão complexo em um texto breve, mas posso dizer que minha tese foi fundamental para reconhecer-me como pessoa não binária. E ainda foi preciso muito empenho emocional, espiritual e coletivo para afirmar-me transmasculine. À medida que me descolava da categoria mulher cisgênero, perguntava-me se isso me fazia estrangeire dos feminismos, pois parecia não haver espaço para outres como eu no campo ao qual tanto me dedicava.
Foi através de queer~cu-ir que encontrei recursos para essa aliança, para que essa estrangeria não se consolidasse em exclusão. E que esse afastamento não fosse sempre a regra, pois ainda que eu seja desviante do sistema cis-hétero patriarcal, possuo privilégios como branque de classe média, o que muites outres não têm, e, portanto, necessitam da coalizão coletiva ainda mais. É preciso, de fato, um giro tradutológico dos feminismos que permita a convivência das pluralidades, como disse Nuria e reiteraram, ao seu modo, Castro e Spoturno. Como a pesquisadora Letícia Nascimento (2021) afirmou em seu livro Transfeminismo, “Se fraturamos o feminismo para fazer florescer a diversidade entre nós, não podemos esperar agora que todas nós falemos a mesma língua. Ao contrário, precisamos pensar uma comunidade feminista discordante consigo mesma” (p. 64).
No entanto, se os estudos feministas da tradução precisavam dessa perturbação propositiva11 para incluir sujeites como não bináries, transmasculines, mulheres trans e travestis, o campo queer~cu-ir na tradução, que talvez nos envolvesse, também continha questões problemáticas. Ainda que algumes pesquisadories importantes valorizassem os elos entre queer e feminismos, como William Spurlin (2014), e oferecessem espaço para pesquisas que dialogavam com os estudos feministas da tradução, como nos volumes Queer(ing) Translation, Translating the Queer (Baer; Kaindl, 2017) e Queer in Translation (B. J. Epstein; Robert Gillet, 2017), o mais recente volume conta com um apagamento histórico imenso. Em Queer Theory and Translation Studies - Language, Politics, Desire (Baer, 2021), livro publicado pela Routledge:
Brian James Baer invisibiliza completamente os estudos feministas da tradução, como Olga Castro me apontou enquanto dialogávamos para escrever juntes [...]. O pesquisador, em sua introdução, ao situar a virada dos ET que possibilitaram abordagens mais atentas às políticas da tradução desde os anos 80 até os anos 90, não fez menção alguma aos estudos feministas (Barboza, 2023, p. 206).
Nada justifica tal apagamento histórico, mas o pesquisador se escora no argumento de que seu foco são as sexualidades, entendendo queer como derivação dos estudos gays e lésbicos, mas, como apontei na seção 3, queer também se trata de outro modo de lidar com as identidades, estranhando-as. Foi diante de ausências como essa, e também das afirmações limitadas dos estudos feministas da tradução na forma de conceber sua relação com gênero, que desejei “Sustentar a dúvida como uma postura de contínuo estranhamento entre línguas que aqui nos faz questionar como se movem as categorias pelas normas de sexo-gênero-desejo de atravessamentos inúmeros” (Barboza, 2023, p. 244). Afinal, se a interseccionalidade for concebida como um múltiplo atravessamento como de fato é, e não como uma somatória de fatores identitários, não há razão para exclusões: é preciso re/des/conhecer as categorias, desnaturalizando-as e as pressuposições de como se relacionam. Tal perturbação não nega a existência desses termos e da realidade material que se faz como reencenação normativa, mas sugere que é possível viver coletivamente de outra forma, com outros nomes, ou ressignificando os nomes que já existem:
Falar em estudos feministas da tradução e/m queer~cu-ir evoca o êxtase de que fala Judith como esse descentramento de si que acontece na relação da tradução, como as categorias se bagunçam e se desfazem, tomam outras formas, se desterritorializam e se reterritorializam novamente, a autonomia escrita em termos de relacionalidade que também nos abre para novas palavras. Des/continuamente esvaziando e deslocando ao questionar as normas, provocar um estranhamento a cada vez que processos assimilacionistas normativos enrijecerem as palavras, inclusive através da tradução cultural, que mobiliza tais processos (Barboza, 2023, p. 248).
Assim, com minha proposta de estudos feministas da tradução e/m queer~cu-ir, sugeri uma outra sensibilidade teórica mais inclusiva, porém não assimilacionista, aberta ao conflito, à mutabilidade, que sustentasse perguntas ao invés de resolvê-las de modo definitivo, apenas como estratégia provisória inapropriada:
Com os estudos feministas da tradução e/m queer~cu-ir, queria que as ausências, desencontros e entendimentos diferenciados pudessem encontrar meios de re/des/conhecer técnicas e/m estratégias para outras descrições, histórias, críticas, políticas e práticas de tradução. Entre elas, nomeações foram entendidas como inapropriadas, catacréticas, modos de despossessão, para que permitam a comunicação entre línguas, mas não enrijeçam aquilo que é expressado. O limite da ética de tradução, nesta proposta, seria a catacrese dos usos inapropriados - pois nada seria permanentemente suficiente para abarcar as substâncias, os sistemas de representação não dão conta dos nós, muito menos considerando a multiplicidade de línguas e/m culturas, é um estado de despossessão -, mas não inadequados (Barboza, 2023, p. 249).
Com essa proposição de ordem sensível, queria que outres pesquisadories questionassem as categorias que orientam as críticas de traduções, que constroem as histórias da tradução, que fundamentam as teorias tradutórias e que estão na base das práticas em si - e quais realidades são reafirmadas ou negadas por essas categorias. Ao invés de ditar regras fechadas sobre alguma metodologia, mais outra normatividade, sugeri que nos propuséssemos a fazer perguntas com uma postura sensível: “como podemos mobilizar outras histórias, outros critérios críticos, outras teorias, outras formas de traduzir? Re/des/conhecendo, a escutar atente às relações entre, como uma ética de pesquisa e/m tradução” (Barboza, 2023, p. 249-250).
Críticas posteriores e derivações
Chego ao fim deste texto acompanhade pelas cartas do 8 de Espadas e 10 de Ouros do tarô de Marselha. Leio essa dupla como um chamado ao esvaziamento mental que deriva da finalização material, um espaço para que novas ideias possam surgir a partir desse solo. O encerramento deste texto, que nem de longe abarcou a trajetória de minha tese, mapeou vislumbres articulados de suas principais questões, a queer~cu-irização dos estudos feministas da tradução para que um outro campo pudesse abranger outras teorias, histórias, críticas e práticas com o uso catacrético e despossuído das categorias identitárias. No entanto, como me concentrei na crítica ao que se entendia por gênero, sendo este o critério de base de muitos feminismos para sua análise interseccional, dei bem menos atenção para as outras categorias, embora as tenha considerado.
Enfatizo que, como proposição teórica que estranha os conceitos identitários, é necessário articular todos os que estiverem tensionados em cada caso de estudo, confluindo todas as teorias que forem necessárias para a sua devida análise, que é o que chamo de estar atente às relações entre. Portanto, pode-se dizer que, como tese de proposição teórica, minha pesquisa é um tanto abstrata. Como mencionei antes, minha tentativa de torná-la mais palpável foi através de uma crítica de tradução de Nightwood, de Barnes (1936), como No Bosque da Noite (Barnes, 2004), traduzido por Caetano W. Galindo, em que de fato acionei todos os eixos identitários em questão, mas o fiz de modo muito sucinto, a título de ilustração, ao longo de 16 páginas dentre suas 253. Seria preciso uma crítica de tradução mais ampla, com um debate mais aprofundado, para exemplificá-la melhor.
Em termos historiográficos, soube, posteriormente, de pesquisas passadas que poderiam ter sido úteis em minha cartografia, e muito tem se produzido desde 2022 com relação aos saberes queer~cu-ir, trans e não binários. Portanto, os seus referenciais se tornaram limitados em pouco tempo. Como busquei fazer uma crítica dos estudos feministas da tradução que são bases para muitas pesquisas que fazemos no Brasil, não pude realizar um mapeamento das teorias tradutórias produzidas em nosso território em si. Além disso, minha tese teve atravessamentos trans, mas ainda estava muito marcada por minhas próprias bases anteriores à transição, então seria preciso um diálogo maior com outres pesquisadories trans.
Em termos práticos, posso dizer que, como tradutorie e escritorie transmasculine atuante na área, o abismo entre a produção acadêmica sobre tradução e o que de fato acontece no mercado da tradução é imenso. O que teorizamos em termos éticos muitas vezes não é sustentável diante das pressões capitalistas. A sensibilidade que busquei cultivar e sugerir através de minha pesquisa frequentemente se turva diante dos prazos e das expectativas do mercado. Mesmo na crítica literária, muitos debates que envolvem literatura e tradução ainda se encontram em uma base teórica muito reducionista por falta de comunicação com os Estudos da Tradução, com exceção de pesquisadoras-tradutoras que também contribuem para essa discussão, como Emanuela Siqueira, Julia Raiz e Marcela Lanius. Frequentemente conversamos sobre a o papel da divulgação científica para que o que pesquisamos não exista em descompasso com o que está acontecendo no mundo.
Gostaria de sugerir, então, para outras pesquisas que vão além das faltas e ausências que atravessei, o espaço aberto pelo 8 de Espadas, que articulem com profundidade - ainda que de modo catacrético e despossuído - todas as categorias identitárias que estejam em questão nos casos de estudo; que se inteirem da imensidão de saberes queer~cu-ir e/m trans que tem emergido nos últimos anos, ainda pouco presentes na maior parte das pesquisas; que observem e teorizem a partir do que se está produzindo no próprio Brasil; e que pensem em pontes reais com as práticas da tradução, através de caminhos viáveis e estratégicos, para que possamos fomentar outras relações tradutórias (e, portanto, entre línguas e culturas, a política das diferenças).
Deixo aqui 10 de Ouros, o presságio do Às de Paus, a entregar a tocha: lidar com o fogo demanda cuidado, tanto para não o apagar, quanto para não o deixar queimar o que não deve. E como importa: calor de vida, luz ao caminho. Espero ter auxiliado, agradecide.
Referências
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1
Lá convivi com pesquisadoras a quem agradeço tanto: Naylane Matos, Sheila Santos, Daiane Oliveira, Elena Manzato, Elisa Vigna e muitas mais.
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2
Como se tratam de nomenclaturas que circulam na vida, tanto em falas públicas quanto em publicações on-line, não há sentido em fazer referências bibliográficas de modo convencional. Além disso, defendo o direito ao uso dos primeiros nomes (em detrimento do uso exclusivo dos sobrenomes, exceto em casos consagrados) para referenciar as autorias, contra uma homogeneização que induz a leituras machistas, pois a ausência de marcação muitas vezes supõe o masculino como norma (Castro, 2017[2009]).
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3
Todas as traduções são de minha autoria, exceto quando mencionado. Aqui, traduzi “approach” por aprochego por dialogar com os jogos de homofonia presentes no próprio texto de Larkosh, usando de uma gíria brasileira para enfatizar a presença do afeto, conforme argumentado em minha tese (Barboza, 2023, p. 28).
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4
Utilizo a linguagem não binária como um modo de retirada da marcação binária de gênero da gramática para que se possa abarcar qualquer ume ou todes, contra o uso do masculino genérico, conforme muites outres têm realizado (Cf. Azevedo, 2023).
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5
Por questões políticas, deixo apenas os Estudos de Gênero e os Estudos da Tradução em maiúsculas, mas os outros ramos e campos não, por terem um posicionamento diferenciado com relação a tais grafias de autoridade.
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6
Não mencionarei quem é, pois não desejo oferecer visibilidade para alguém que age de modo transfóbico e fomenta esse ódio em mais pessoas.
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7
Deixo aqui meu imenso agradecimento à professora Olga Castro, que sempre foi extremamente generosa e aberta para as trocas e me possibilitou o acesso a vários materiais. Sua presença em minha banca de doutorado foi fundamental.
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8
Como comentei em minha tese: “Vale dizer que ‘Feminist Translation: Contexts, Practices and Theories’ de Luise von Flotow recebeu tradução ao português brasileiro em 2021, feita por Ofir Bergemann de Aguiar e Lilian Virginia Porto para a Cadernos de Tradução [...] Além disso, ‘Gender and Metaphorics of Translation’ foi traduzido em 1998, constando dentro do livro Tradução: a prática da diferença, organizado por Paulo Ottoni, mas não tive acesso ao volume” (Barboza, 2023, p. 75).
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9
Adiante, esse entendimento será exposto de modo conformista, mas escrevo “entendidas como mulheres” para expor que geralmente as mulheres cisgêneras são as únicas que socialmente são legitimadas e entendidas como mulheres de fato, porque a perspectiva hegemônica não aceita as mulheridades trans e travestis. Essa nomenclatura revela a opressão de quem entende o quê, pois “entender-se” e “ser entendide” revela o abismo da imposição normativa do gênero.
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10
Meritxell foi minha orientadora de doutorado e continua sendo companheira de prática de tradução de autoras catalãs ao português brasileiro. Todo meu agradecimento pela nossa parceria e amizade.
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11
Encontrei trabalhos de pesquisadoras feministas que tinham mais abertura e diálogo com os estudos queer, como Elizabeth Sara Lewis e Deborah Giustini. Além disso, o recente volume The Routledge Handbook of Translation, Feminism and Gender, editado por Luise von Flotow e Hala Kamal, em 2020, teve uma seção chamada “At the confluence of queer and translation”. Nela, Pauline Henry-Tierney (2020) relatou que o entrelaçamento entre queer e tradução foi bem tardio, dado que o campo já dialogava com os estudos de gênero há décadas (HENRY-TIERNEY, Pauline. “At the confluence of queer and translation”. In: FLOTOW, Luise von; KAMAL, Hala. Routledge Handbook of Translation, Feminism and Gender. Nova Iorque; Londres: Routledge, 2020. p. 255-265).
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Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:
BARBOZA, Breno Guimarães. “Estudos Feministas da Tradução e/m Queer~cu-ir”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 33, n. 3, e106679, 2025.
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Financiamento:
Não se aplica
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Consentimento de uso de imagem:
Não se aplica
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Aprovação de comitê de ética em pesquisa:
Não se aplica
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
11 Ago 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
23 Abr 2025 -
Aceito
08 Maio 2025
