Resumo:
Neste artigo, temos como objetivo discutir teoricamente o conceito de agência, tal como o compreendemos, no sentido de capacidade de agir ou de margem de manobra. Noção histórica das teorias que se inspiram nos movimentos feministas, ocupa, recentemente, uma notoriedade importante no campo dos estudos de gênero e sexualidade. Num diálogo estreito com a performatividade, uma nova teoria sobre a capacidade de agir tem permitido pensar formas de se construir como sujeito pela superação das dicotomias entre dominação e resistência. Nessa visão, privilegia-se uma construção de si no híbrido de práticas de assujeitamento, adaptação e liberdade, onde as normas não são unicamente contestadas, mas igualmente incorporadas.
Palavras-chave:
agência; teoria feminista; estudos de gênero; performatividade; subjetividade
Abstract:
This article aims to theoretically discuss the concept of agency, as we understand it, in the sense of a capacity to act or room for maneuver. A historical notion in theories inspired by feminist movements, it has recently gained significant notoriety in the field of gender and sexuality studies. In close dialogue with performativity, a new theory of the capacity to act has made it possible to think of ways to construct oneself as a subject by overcoming the dichotomies between domination and resistance. In this view, a construction of the self is privileged in the hybrid of subjection, adaptation, and freedom, where norms are not only contested but also incorporated.
Keywords:
Agency; Feminist Theory; Gender Studies; Performativity; Subjectivity
Resumen:
Este artículo tiene como objetivo discutir teóricamente el concepto de agencia, tal y como lo comprendemos, en el sentido de capacidad de acción o margen de maniobra. Noción histórica de las teorías que se inspiran en los movimientos feministas, ha adquirido recientemente una notoriedad importante en el campo de los estudios de género y sexualidad. En estrecho diálogo con la performatividad, una nueva teoría sobre la capacidad de actuar ha permitido pensar formas de construirse como sujeto mediante la superación de las dicotomías entre dominación y resistencia. Desde esta perspectiva, se privilegia la construcción de uno mismo en el híbrido de prácticas de sometimiento, adaptación y libertad, donde las normas no solo se cuestionan, sino que también se incorporan.
Palabras clave:
agencia; teoría feminista; estudios de género; performatividad; subjetividad
Neste artigo, temos como objetivo discutir teoricamente o conceito de agency (de agora em diante “capacidade/potência de agir”, “margem de manobra” ou, por vezes, para evitar repetições, “agência”), explorando suas implicações epistemológicas e políticas. Interessa-nos, sobretudo, examinar como suas formulações tensionam a ideia de que a agência se restringe à resistência e à subversão, ampliando suas possibilidades de interpretação.
Iniciamos traçando seus principais usos nas disciplinas que lhe conferem contornos conceituais, como a filosofia, a teoria social e a teoria feminista. No rastro das reflexões feministas contemporâneas, concentramos nossa análise nas contribuições de Judith Butler e Saba Mahmood, cujas abordagens desafiam concepções normativas do conceito ao problematizarem a relação entre performatividade e sujeito.
Para concluir, defendemos que, embora venha sendo traduzido em português principalmente como “agência”, o debate sobre seus usos em nossa língua - uma questão que julgamos tanto teórica quanto política - pode enriquecer seu caráter polissêmico e ampliar sua potência conceitual. Nesse sentido, sua utilização como “margem de manobra”, “capacidade de agir” ou “potência de agir”, em vez do termo mais consolidado, constitui uma ferramenta linguística para superar a dicotomia reducionista entre dominação e resistência. Tal abordagem permite repensar a agência como um campo de negociação dinâmica no interior das relações de poder, com destaque para sua flexibilidade e suas múltiplas formas de manifestação.
Concluímos nomeando as ausências da articulação do conceito com as discussões contemporâneas sobre feminismos interseccionais e indicando nossas ambições para a pesquisa brasileira sobre o tema.
Relevância e contemporaneidade de um conceito histórico
Situado no centro das reflexões deste artigo, o termo agency aparece na língua inglesa no século XVII (Étienne Balibar; Sandra Laugier, 2019). Ele deriva do latim agentia, cujo sentido se inscreve no grupo léxico do verbo agere (Adriana Zaharijevic, 2018). Nossa escolha por realizar uma discussão teórica desse termo se ancora, por um lado, na relevância histórica que adquire no âmbito das teorias que se inspiram nos movimentos feministas e, por outro lado, na centralidade contemporânea que tem ocupado no campo dos estudos de gênero e sexualidade.
De fato, agency se consolida como um conceito-chave no trabalho de autoras feministas, como a precursora e antropóloga palestino-americana Lila Abu-Lughod (1986). Concebido inicialmente em termos de resistência, o conceito é revisitado tanto pelos trabalhos da filósofa americana Judith Butler, inscrevendo-o no cerne da sua teoria da performatividade, como da antropóloga paquistanesa Saba Mahmood, que o associa aos processos de subjetivação.
Contudo, a noção de capacidade de agir não se inaugura na teoria feminista. Como nos recordam Balibar e Laugier (2019), desde a sua introdução no âmbito da filosofia, no século XVIII, a expressão tem sido objeto de problematizações em diferentes correntes de pensamento e disciplinas. Apesar de seu peso histórico-político e riqueza teórico-conceitual, observamos, no contexto nacional, com exceções que merecem nosso destaque (Érika Borges; Eliane Gonçalves, 2017; Silvana Mariano, 2021), ainda uma tímida produção de trabalhos que recuperem e discutam em profundidade tal legado. Nosso artigo é uma resposta a essa lacuna. Além disso, temos mobilizado amplamente a noção de capacidade de agir em nossas práticas de ensino e pesquisa (Diego Paz, 2021). Assim, à medida que compartilhamos as referências que contestamos e às quais aderimos, almejamos contribuir para a sedimentação teórico-metodológica dos usos desse conceito, também na prática de outras pesquisadoras e pesquisadores em nosso domínio. Nesses termos, o texto que apresentamos contribui de forma singular para o campo dos estudos feministas e de gênero, no contexto das ciências sociais.
Heranças filosóficas
Balibar e Laugier (2019) relembram que as primeiras reflexões filosóficas acerca da noção de capacidade de agir evocam um sentido aristotélico, que opõe ação e paixão, agente e paciente. Nesse sentido, afirmam: “agency poderia designar tanto a ação (no âmbito físico) como o que qualifica a ação (em oposição ao submeter-se), ou, ainda, o que qualifica o agente (em oposição ao paciente)” (Balibar; Laugier, 2019, p. 26, tradução nossa). Dito de outro modo, na medida em que o qualificamos como ativo, opomo-lo ao campo semântico da passividade. Nesse sentido, a palavra nomeia, ao mesmo tempo que instaura, uma dicotomia.
Para as sociólogas americanas1 Mustafa Emirbayer e Ann Mische (1998), inúmeras das tensões atuais acerca da definição de capacidade de agir remontam ao século XVIII, às ideias iluministas. De fato, mesmo se a ideia de liberdade protagoniza as concordâncias e divergências dessa corrente de pensamento, seus escritos cruzam igualmente o percurso filosófico da noção de capacidade de agir. Em suma, opondo-se à moral religiosa católica de sua época, os filósofos iluministas investem em concepções de ação e de liberdade para pensar o “indivíduo” como um “sujeito livre”, ou seja, capaz de tomar “decisões racionais” para si e para a sociedade (Emirbayer; Mische, 1998, p. 964). Ou seja, é a racionalidade que permite aos indivíduos agirem livremente, não mais a fé ou a religião. Ao seguirmos o eixo histórico de Emirbayer e Mische, podemos remontar a John Locke (1632-1704) que, localizando os fundamentos da sociedade no contrato social entre os indivíduos, deixa implícita uma noção de sujeito como alguém capaz de moldar as circunstâncias nas quais vive. Essas ideias são retomadas por outros pensadores, tais como Adam Smith (1723-1790), Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873), que dão ênfase a uma visão “individualista e calculada da ação” (Emirbayer; Mische, 1998, p. 965), sustentando até hoje uma das correntes de pensamento mais frequentemente referenciadas sobre a liberdade nas sociedades ditas ocidentais capitalistas e laicas: o liberalismo.
Outros nomes do Iluminismo podem ser úteis, insistem Emirbayer e Mische, para pensar a trajetória filosófica da capacidade de agir. Por exemplo, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) dizia que a liberdade reside na capacidade do agente de realizar sua própria “autogestão moral” (Alexander Kaufman, 1997), isto é, na obediência às leis que prescrevemos a nós mesmas. Outro nome importante é o de Immanuel Kant (1724-1804). Esse último afirmava que a origem da vontade moral, isto é, o desejo de fazer o que é concebido como bom, vem do próprio sujeito (e não mais de Deus - o que coloca em oposição um tipo de moral cristã, então hegemônica, e outra humanista). Para Kant, o agir moralmente é um “imperativo categórico”, uma lei universal válida em todo lugar, em todo tempo e para quem quer que seja (por exemplo: todas as pessoas devem dizer a verdade, sem condicioná-la a situação ou consequências). Essa lei universal deve ser respeitada (pois um imperativo) independente (e não variar em função) das circunstâncias (pois, categórica). Segundo a moral kantiana, o sinal da liberdade reside na capacidade de se liberar de suas próprias necessidades em favor de uma escolha pelo que é moral. Assim, de acordo com Kant, um posicionamento moral ativo é o símbolo da liberdade (e da capacidade de agir).
Novas aplicações em teoria social
A teoria social é uma corrente de pensamento que privilegia a teorização, em relação ao trabalho empírico, no processo de conhecer o mundo social, segundo Emmanuel Renault (2018). Em sua cartografia crítica dos modos de teorização do mundo social, Renault situa a teoria social numa intersecção entre a filosofia e a sociologia. Para o autor, teóricas sociais defendem que a “pesquisa empírica não deve jamais ser construída apenas pela via empírica, sem que haja um trabalho de tipo especulativo sobre suas hipóteses” (Renault, 2018, p. 45, tradução nossa). Dito isso, Renault propõe um caminho conciliatório que valorize a teoria sem romper com a pesquisa empírica. De acordo com esse autor, nesse duplo movimento de aproximação da filosofia e distinção da sociologia, as defensoras atuais da teoria social ambicionam, “através de uma prática interdisciplinar, um meio de resguardar a ligação entre teoria e empirismo que permita aos projetos em teoria social ver seu valor reconhecido, não apenas aos olhos de filósofas, mas igualmente de sociólogas” (Renault, 2018, p. 57, tradução nossa).
Os debates filosóficos acerca da ação e da liberdade conduzem pensadoras em ciências sociais (principalmente sociólogas e psicólogas sociais) a estudar a potência do indivíduo de modificar seu contexto, fazendo da capacidade de agir um objeto de estudo de importância em teoria social. Nesse sentido, tomando como referência o artigo de Emirbayer e Mische (1998), desenvolvemos, a seguir, uma síntese, estruturada cronologicamente, das contribuições dessa transição da filosofia para as ciências sociais.
Inspirando-se no posicionamento moral ativo de Kant, o sociólogo Talcott Parsons (1902-1979) compreende que a ação depende de esforço e intenção. Também no campo da sociologia, James Coleman (1926-1995) defende que as decisões tomadas pelos atores sociais podem ser interpretadas racionalmente, porque motivadas pela antecipação de suas consequências (que sustenta uma concepção da capacidade de agir baseada em escolhas racionais). Jeffrey C. Alexander, ao dar continuidade a essas reflexões, sistematizou dimensões da ação humana como a interpretação do contexto (interpretation) e a construção de estratégias para a ação (strategization). Ganham destaque, igualmente, as reflexões de George Herbert Mead (1863-1931). Filósofo referenciado principalmente por suas contribuições aos fundamentos da psicologia social, Mead participa significativamente da construção de uma teoria social da ação e, consequentemente, para o conceito de capacidade de agir. Ele inscreve a reflexão sobre a ação dentro de quadro temporal: o olhar sobre o passado oferece as condições de ponderação sobre o presente, que são utilizadas para moldar as respostas visando ao futuro (Emirbayer; Mische, 1998).
A primeira menção à capacidade de agir num sentido próximo ao que conhecemos mais recentemente pode ser encontrada no trabalho do metafísico e teólogo britânico Samuel Clarke (1675-1729), afirmam Balibar e Laugier (2019). Confirmam, assim, a sugestão de Jerome B. Schneewind (1998) que, em The Invention of Autonomy, afirma: “Clarke faz o que creio ser o primeiro uso do termo ‘agency’ em seu senso filosófico moderno” (1998, p. 313, tradução nossa). Em seus escritos, Clarke argumenta que a liberdade da vontade (freedom of the will) implica um poder de autodeterminação libertário, colocando capacidade de agir e livre arbítrio (free will) num nível equivalente (Timothy Yenter; Ezio Vailati, 2024).
Samuel Clarke não representa um caso isolado, pois o pensamento clássico inglês compartilha de uma noção particular da capacidade de agir. Nas palavras de Balibar e Laugier (2019, p. 28, tradução nossa), “agency designa a propriedade geral e indefinida de agir, fortemente ligada à causalidade e à eficácia. [...] Agency é, assim, o que caracteriza a ação e seu autor, apontando para a causa real e efetiva da ação”. De acordo com essas autoras, no âmbito da tradição filosófica clássica inglesa, o termo agency pode ser qualificado como “princípio da ação”. A essa acepção moderna sucederá, então, uma noção contemporânea, qualificada, de princípio, enquanto “descentramento da ação”, que, por meio de um prolongamento e ruptura, guardará, igualmente, as particularidades das reflexões anteriores.
Graças ao trabalho das diferentes expressões da língua inglesa, agency irá resumir as dificuldades de definir a ação e, na contemporaneidade, permite pensar o agir, não mais como categoria oposta à paixão, mas como disposição à ação. Uma disposição que mina a oposição ativo/passivo. O agente mesmo, em agency, não é apenas autor ou autora da ação, mas é capturado num sistema de relações que deslocam o lugar e autoridade da ação, modificando (e potencialmente demolindo definitivamente [...]) a definição da ação (Balibar; Laugier, 2019, p. 26, tradução nossa).
Em suma, e correndo todos os riscos que as sínteses implicam em benefício de uma compreensão global, é possível identificarmos, de acordo com a literatura mencionada acima (Balibar; Laugier, 2019; Emirbayer; Mische, 1998): (i) primeiramente, um sentido para a capacidade de agir que convoca as categorias clássicas aristotélicas para pensar a ação como paixão, em contraste com o que é paciente; (ii) em seguida, uma definição moderna que evoca a capacidade que temos de agir, herdada do debate iluminista sobre a liberdade conquistada pela ação racional e voluntária; e, (iii) finalmente, uma visão contemporânea que busca demolir a oposição ativo/passivo.
Essa cartografia filosófica mostra sua relevância à medida que nos permite constatar que a riqueza semântica do termo agency promoveu, e promove ainda hoje, profícuos debates sobre a ontologia da ação, que se mostram uma fonte epistemológica importante para a produção científica (teorias e métodos) sobre o processo de conhecer o mundo social e as subjetividades.
Até hoje, a noção de capacidade de agir constitui um dos principais objetos de interesse da teoria social. Para além de seu caráter científico, esse conceito ganha visibilidade e potência a partir do senso político que adquire no âmbito do feminismo anglo-americano. Como indica a cientista política britânica Lois McNay (2000; 2003),2 por ser uma temática predominante em teoria social, a noção de capacidade de agir ocupará um lugar privilegiado na teoria feminista quando buscará identificar novas formas de autonomia na redefinição das condições assimétricas de poder nas relações de gênero. Tal concepção, enquanto teoricamente produtiva e politicamente potente, ocupará o centro da nossa atenção em seguida.
Ampliando sentidos na teoria feminista
As reestruturações pelas quais tem passado a posição das mulheres nas sociedades capitalistas, desde os anos 1960, têm convocado as pesquisadoras a refletir sobre formas de conceber relações de poder que ultrapassem a dicotomia entre dominação masculina e subordinação feminina (McNay, 2000). Diante das ambiguidades que suscitam relações sociais de gênero contemporâneas, que não reproduzem completamente as formas caricaturais de desigualdade nem de emancipação das mulheres, a capacidade de agir se tornou uma das noções centrais da teoria feminista (McNay, 2003).
Interessou-nos, então, compreender como esse conceito vem sendo situado nas produções acadêmicas dos estudos feministas. Em nossas pesquisas bibliográficas, identificamos os trabalhos de Kelsy Burke e McNay, que propõem cartografar a noção de capacidade de agir na teoria feminista a partir de dois critérios distintos: primeiramente, em função do sentido que o conceito adquire nas pesquisas; em segundo lugar, em função da abordagem teórica e metodológica das autoras dos textos.
No que concerne aos sentidos atribuídos à noção de capacidade de agir, Burke (2012), no seu prolongamento do trabalho de Orit Avishai (2008), identifica quatro modos distintos: no sentido de “resistência” (resistance agency), como “empoderamento” (neologismo derivado do termo anglo-americano empowerment), de maneira “instrumental” (instrumental agency) e, finalmente, por meio da “conformidade” (compliant agency). A autora analisa principalmente trabalhos que versam sobre as práticas de mulheres inseridas em “religiões que reproduzem a norma tradicional de gênero”, campo no qual a capacidade de agir é amplamente mobilizada como chave analítica. Por esse motivo, tal categorização se mostra relevante, apesar da particularidade do contexto no qual ela é produzida.
Desse modo, a perspectiva na qual a capacidade de agir é vista como sinônimo de “resistência” tende a focalizar os momentos nos quais as mulheres, adeptas de religiões que reiteram a norma tradicional de gênero, desafiam ou buscam modificar certos aspectos das práticas de sua crença. É o caso, por exemplo, das redes informais que se articulam para requerer reformas no âmbito das normas da igreja. Pela ruptura que se propõe, a perspectiva na qual capacidade de agir é um sinônimo de resistência ganha destaque por seu caráter visivelmente flagrante. No entanto, essa abordagem corre o risco de pressupor que todas as mulheres desejam romper com as normas tradicionais de gênero, e exclui aquelas que não o desejam (Burke, 2012).
Embora não seja citado por Burke, essa perspectiva faz eco, por exemplo, ao trabalho da antropóloga brasileira Margareth Rago (2013). Em Aventuras de contar-se, Rago reconstitui a trajetória de Ivone Gebara, teóloga católica e uma das fundadoras do movimento feminista Católicas pelo direito de decidir, que luta pelo direito das mulheres de “poder decidir” voluntariamente sobre seu próprio corpo, “com autonomia e liberdade, especialmente em relação à sexualidade e reprodução”, no caso, por exemplo, de uma interrupção de gravidez.3
Como alternativa a essa primeira perspectiva, capacidade de agir como “resistência”, Burke (2012) identifica nos trabalhos de pesquisadoras feministas três outras abordagens. O conceito capacidade de agir como “empoderamento” é identificado nas práticas de mulheres religiosas que modificam suas interpretações, no que diz respeito às normas tradicionais de gênero, ao invés de modificar as normas propriamente ditas - como as mulheres que declaram sua autonomia baseadas na ideia de que a submissão é devida a Deus, e não aos seus maridos. Em seguida, a capacidade de agir “instrumental” (como um instrumento visando alcançar algo), pode ser identificada no momento em que as mulheres fazem uso de sua inserção na religião para promover mudanças em aspectos de sua vida externa à religião (e não na opressão promovida por suas normas internas sobre as questões de gênero) - consideremos o exemplo de mulheres evangélicas que persuadem seus maridos a se converter à sua religião, a fim de lhes dissuadir do uso do álcool e evitar comportamentos abusivos e agressivos (Burke, 2012).
Finalmente, a capacidade de agir como “conformidade” realça as ações intencionais de adequação às normas de gênero. Os estudos que adotam essa abordagem entendem que as mulheres exercem igualmente sua margem de manobra quando optam pelo ajustamento às estruturas normativas. De acordo com Burke (2012), derivando-se de uma perspectiva pós-colonial (pois prioriza o estudo de civilizações não europeias ou norte-americanas), essa abordagem argumenta que compreender a capacidade de agir das mulheres apenas como autonomia deixa de lado a experiência religiosa de mulheres num contexto não ocidental, pois tende a valorizar principalmente a versão liberal da liberdade humana. Dito de outro modo, “uma mulher que interpreta deliberadamente os textos sagrados que prescrevem, segundo sua religião, o papel que lhe é atribuído enquanto mulher, não exibem mais margem de manobra que outra, que interprete esses mesmos textos de modo a respeitar tais prescrições de gênero” (Burke, 2012, p. 128, tradução nossa). Burke menciona o trabalho clássico de Amy Hoyt (2007), que utiliza o exemplo de mulheres da religião dos mórmons que zelam pela obediência aos imperativos de gênero, visando cumprir os requisitos necessários para se tornarem deusas após a morte. Podemos citar, igualmente, além desse exemplo, o célebre trabalho da antropóloga paquistanesa Saba Mahmood (2006), que analisou as práticas de mulheres muçulmanas engajadas em um movimento integrado ao revivalismo islâmico na cidade do Cairo, no Egito.4
O Quadro 1, que traduzimos e adaptamos de Burke (2012, p. 124), propõe sintetizar as quatro categorias acima descritas. É importante indicar que, mesmo que este quadro destaque suas diferenças, tais abordagens não se excluem entre si. Como dito anteriormente, a singularidade do tema de seu estudo não exclui a possibilidade de percepção do lugar do conceito de capacidade de agir na teoria feminista de forma geral. Além disso, notaremos que, fazendo a substituição do sintagma “doutrina religiosa” ou “religião” por “normas de gênero e sexualidade” no referido quadro, as afirmações continuaram a fazer sentido no contexto social mais amplo.
A categorização feita por Burke (2012), seguindo o critério do sentido no uso do conceito, destaca a maneira pela qual as mulheres se posicionam face às imposições baseadas em normas de gênero e sexualidade vindas do contexto social no qual estão inseridas. Esse é um modo de organização que ajuda a compreender como a capacidade de agir tem sido mobilizada em pesquisas empíricas recentes, porém, deixa de informar os vínculos teóricos que sustentam tais procedimentos. Essas seriam informações indispensáveis à compreensão dos sentidos que o conceito em questão adquire, sobretudo para o percurso teórico que buscamos traçar nesse artigo.
Nesse sentido, seguimos as indicações de McNay (1999), que propõe uma maneira diferente de cartografar os usos do conceito na teoria feminista. A autora destaca, primeiramente, as três correntes de pensamento que predominam no âmbito das teorias feministas sobre gênero e sexualidade, a saber, a psicanálise pós-lacaniana, as teorias da comunicação intersubjetiva derivada do pensamento habermassiano e, finalmente, as teorias pós-foucaultianas da construção discursiva. Em seguida, McNay se concentra nessa terceira tendência, que a conduz ao trabalho de Butler, interesse central do seu trabalho e do nosso artigo.
De acordo com McNay (1999), no âmbito da tradição que deriva do pensamento de Michel Foucault, é o trabalho de Butler que impacta mais significativamente a compreensão feminista sobre a capacidade de agir. Essa noção se torna central na teoria butleriana da formação do sujeito e da construção da subjetividade, como veremos a seguir.
Sujeito e performatividade em Judith Butler: uma nova teoria da capacidade de agir
A teoria sobre a capacidade de agir desenvolvida por Butler é abordada primeiramente em sua obra célebre Gender Trouble, publicada em 1990, principalmente na sessão dedicada às suas reflexões sobre o gênero performativo, bem como na introdução à sua segunda edição, publicada dez anos depois, em 1999 (Butler, 1999; 2006a; 2006b). Em seguida, essas ideias são desenvolvidas principalmente em suas publicações posteriores, tais como Bodies That Matter, de 1993 (Butler, 1993; 2011; 2020), Excitable Speech e The Psychic Life of Power, ambas publicadas originalmente em 1997 (Butler, 1997a; 1997b; 2017; 2018).5 Através desses textos, a filósofa redefinirá o conceito, por um lado, associando-o à sua teoria da performatividade do gênero e, por outro, integrando-o à sua noção de sujeito.
Formação do sujeito e condições para a ação
Convém começarmos pela questão: qual o lugar do sujeito numa teoria sobre a capacidade de agir? Ou ainda: nesse contexto, existe uma função ou utilidade para o sujeito? Contudo, antes de nos dedicarmos a tais questões, será útil definir o sujeito na teoria butleriana.
De acordo com Butler (2018), o sujeito deveria ser descrito como uma categoria linguística. Falar de “sujeito” não é o mesmo que falar de “indivíduos” ou “pessoas”. Essas palavras, afirma a autora, não são sinônimas. Diga-se de passagem, seria através da ocupação dessa “posição linguística” que pessoas e indivíduos adquiririam inteligibilidade e existência discursiva, tornar-se-iam “sujeitos”. Todavia, o ato fundador do sujeito se ancora numa prática de coerção, pois não haverá indivíduo ou pessoa que se tornará sujeito sem que “seja subjetivado” (becoming subjected) ou passe pela “subjetivação” (subjectivation) (Butler, 2018, p. 19). Assim, a compreensão butleriana de sujeito toma como ponto de partida a noção foucaultiana de subjetivação (subjectivaction), segundo a qual “o sujeito se constitui através das práticas de [assujeitamento] ou, de maneira mais autônoma, através de práticas de liberação, de liberdade” (Foucault, 2010, p. 291).6
Frédéric Gros (2017) identifica dois sentidos para a noção de subjetivação (subjectivation) na obra de Foucault: num sentido mais amplo, subjetivação indicaria uma “modalidade histórica da experiência” e, num sentido mais estrito, os jogos que implicam formas de “construção de uma relação consigo mesmo” (rapport à soi). Tal separação, adverte Gros, atende meramente a critérios pedagógicos, pois a subjetivação implica sempre modos de ser históricos e singulares. Em síntese, tornar-se sujeito implicaria, assim, dois tipos de práticas aparentemente contraditórias, de assujeitamento e de liberdade.
Contudo, a fim de evitar a ideia de uma possível oposição, Butler preferirá falar nos termos de um paradoxo, ao invés de uma contradição, valorizando, sobretudo, o caráter dialético e ambíguo desse processo, que se mostra mais coerente com as ideias e a obra de Foucault no seu todo. Assim, nos termos da autora, o paradoxo da “sujeição” (subjection) implica que, para se opor ao poder é necessário, ao mesmo tempo, submeter-se a ele. Dito de outro modo, o mesmo poder ao qual buscamos “nos” opor é o mesmo que constitui a existência de um “nós”, ou seja, “[c]omo forma de poder, a sujeição é paradoxal” (Butler, 2018, p. 9).
Chegamos, então, ao ponto em que suas reflexões encontram a capacidade de agir. Butler (2018, p. 10) afirma que o paradoxo da sujeição “consiste precisamente nessa dependência fundamental de um discurso que nunca escolhemos, mas que, paradoxalmente, inicia e sustenta nossa ação”. Isso significa que o processo pelo qual uma pessoa se torna sujeito, pelo assujeitamento, é o mesmo que lhe atribui margem de manobra. O sujeito se torna, assim, o vetor de uma ambivalência: se a ação do sujeito pressupõe sua própria subordinação, a luta contra esta subordinação a pressupõe e a reitera (Butler, 2018, p. 21-22). Trata-se de uma ambivalência que coexiste no âmbito do sujeito. O sujeito se torna, assim, o locus paradoxal do poder. Como resume Éric Fassin (2006, p. 15, tradução nossa), em relação ao sujeito butleriano: “Opomo-nos ao poder, mas ao mesmo tempo dependemos dele. [...] A atribuição que endossamos, e recuperamos ao nosso favor, é a condição paradoxal da nossa capacidade, senão de nossa potência de agir”.
A performatividade é o coração da capacidade de agir
Se o assujeitamento é o ato inaugural para a capacidade de agir, a performatividade é o seu vetor. Dito de outra maneira, se a coerção constitutiva do assujeitamento não é capaz de aniquilar a potência para a ação, ela situa essa potência não numa relação de oposição que é externa ao poder, mas numa prática de reiteração ou de reformulação no interior de seu exercício (Butler, 2020). É essa prática de reiteração e de reformulação, imanente ao poder e fulcro de uma teoria da capacidade de agir, que Butler nomeia de performatividade:
Neste e em outros textos, busquei compreender o que poderia ser a capacidade de agir politicamente [political agency], na medida em que ela não poderia estar isolada da dinâmica do poder que a forja. O caráter iterativo da performatividade se encontra no coração de uma teoria da capacidade de agir [theory of agency], teoria da qual o poder é inegavelmente uma das condições de possibilidade (Butler, 1999, p. XXV, nossa tradução).7
A filósofa apresenta, então, a sua teoria da performatividade como modo de pensar a resistência nos termos dessa iteração, isto é, repetição, sendo o sujeito o lugar de uma possível alteração. Isso poderia responder às questões sobre a utilidade e a funcionalidade do sujeito, indagadas no início desta sessão: o sujeito pode ser útil na medida em que possibilita a diferença na repetição.
Se por um lado o pressuposto butleriano da sujeição, no sentido de um assujeitamento e da subjetivação, informa que o sujeito reitera sua subordinação cada vez que a afronta, por outro, ele admite que tal repetição nunca é totalmente mecânica, sem falhas (Butler, 2018). Em síntese, se a performatividade mostra o caráter ritualizado do poder, a capacidade de agir revela sua fissura.8
A fragilidade do poder se faz notar na necessidade constante de se reafirmar, afirma Butler, por meio da reiteração de seus enunciados. Na consideração de que a “cópia” não será jamais idêntica à “original”, pois o “original” não passa de uma idealização, a performatividade conduz frequentemente ao erro. É onde se situa sua fragilidade. Dizer que a performatividade está no coração de uma teoria da capacidade de agir implica que a possibilidade do fracasso do discurso é a condição de uma resposta crítica (Butler, 2017). Trata-se do “fracasso constitutivo do performativo” (Butler, 2020).
Além disso, a formação do sujeito, em Butler, está diretamente ligada à teoria da performatividade do gênero. Em outros termos, se o sujeito é uma categoria discursiva, esse não poderá adquirir inteligibilidade social através da linguagem sem passar pela marca do gênero (Butler, 2006, p. 43). A linguagem, enquanto veículo do poder, pode “fazer coisas” (John L. Austin, 1990), como produzir efeitos de verdade, pois “a linguagem atua” (Butler, 2017, p. 22).
Para Butler, o poder de realização da linguagem se traduz, por exemplo, na maneira como vemos o gênero pela materialidade do sexo, bem como nas identidades e sujeitos que ela produz, como o status de substância que adquire a “categoria psicológica” de “pessoa” (Butler, 2006a, p. 43). Porém, a ideia do performativo foi concebida para mostrar que “o que vemos no gênero como essência interior é fabricado através de uma série ininterrupta de atos, que essa essência é posta como tal na, e pela, estilização do corpo atravessada pelo gênero” (Butler, 1999, p. XV, tradução nossa). Uma síntese de tal relação, entre subjetivação e gênero performativo, é apresentada abaixo, nas palavras de Fassin:
[...] É assim que nos constituímos enquanto sujeitos: o gênero não é a nossa essência, que se revelaria em nossas práticas; ao contrário, são os atos corporais que, pela repetição, instituem o gênero. A identidade sexual não preexiste às nossas ações: não se deve supor, atrás ou diante da ação, qualquer ator ou atriz. Pois essas ações são elas mesmas efeito: o gênero é o efeito das normas de gênero (2006, p. 14).
Embora o gênero seja produzido na norma, ele é também um território de margem de manobra e de práticas de liberdade. Como afirma McNay (1999), a construção performativa da identidade de gênero é simultaneamente constitutiva de uma margem de manobra, visto que os processos de identificação, através dos quais as normas são materializadas, permitem a formação de um sujeito capaz de resistir a essas normas. Isso significa que os modos através dos quais “nós” nos construímos enquanto sujeitos são igualmente expostos à desestruturação, em virtude da reiteração e, consequentemente, da reformulação das normas de gênero.
Em suma, a noção de capacidade de agir mostra sua potência teórica para pensar a subjetivação no âmbito do poder, vis-à-vis às normas de gênero e de sexualidade.
Agência e resistência não são necessariamente sinônimas
Ao caminharmos para a conclusão dessa exposição teórica, não poderíamos deixar de mencionar as controvérsias que compõem o seu debate atual. Privilegiaremos, nessa exposição, duas críticas principais ao conceito de capacidade de agir, pois ambas se apoiam, e ao mesmo tempo prolongam, criticamente, o trabalho de Butler. Em princípio, citaremos a crítica formulada por McNay, dirigida ao chamado “paradigma negativo da subjetivação”. Em seguida, falaremos da crítica proposta por Mahmood, que questiona uma leitura do conceito que privilegia a subversão.
Apesar da abertura que a dialética da subjetivação foucaultiana, compreendida na díade entre coerção e liberdade, oferece para pensar a capacidade de agir, McNay (2000, p. 2) queixar-se-á de que as teorias ditas pós-foucaultianas, como a de Butler, se ancoram num paradigma negativo da subjetivação. Ou seja, o fato de que a coerção é o elemento fundador do sujeito. Para essa autora, uma predominância é dada ao aspecto negativo da formação do sujeito, ou seja, sobre o assujeitamento.
Todavia, no tocante a essa crítica, pensamos que há aspectos mais amplos dessa teoria que precisamos considerar, a fim de evitar leituras simplificadoras. Embora, efetivamente, o assujeitamento apareça como elemento fundador, compreendemos que o paradigma foucaultiano da subjetivação não se mostra “negativo” em seu todo. Em princípio, numa leitura mais centrada no texto, basta considerarmos que o autor coloca as chamadas práticas de liberação no mesmo plano das de assujeitamento. De maneira mais ampla, em sua obra, sua ideia sobre “a construção de si” como “uma obra de arte” tende a considerar necessariamente uma margem de manobra do sujeito (Foucault, 2010). Além disso, o “tornar-se sujeito”, segundo Butler, vem adicionar nuances às ideias trazidas por Foucault. O paradigma, segundo essa autora, parece não estar restrito às possibilidades de leitura das ações do sujeito entre liberdade e assujeitamento, de maneira excludente. Apesar de sua crítica, McNay reconhece que “o conceito de performatividade insiste que a coerção é constitutiva, mas não completamente determinante da subjetividade e do gênero, em outras palavras, é a capacidade de agir que ganha destaque na performatividade” (1999, p. 177, tradução nossa).
Parece, então, quase evidente que, na maior parte do tempo, as ações dos sujeitos excedem a classificação binária entre assujeitamento ou resistência, no processo de se construir a si mesmos. Assim, ousando reescrever a fórmula foucaultiana da formação do sujeito no vocabulário butleriano de uma teoria da potência de agir, diríamos que o sujeito se constitui através de práticas de assujeitamento, mas essas, por sua vez, tornam possíveis modos criativos de ação, podendo ser, por exemplo, de resistência, de conformidade e/ou de adaptação ao poder. Nessa afirmação, o termo “criativo” pode ser lido como o que “libera a possibilidade para a ação”; e “possibilidade para a ação” e não “a restauração de uma autonomia soberana no discurso”9 (Butler, 1997a, p. 15). A propósito, a crítica na qual o sujeito não é soberano dos seus atos, não implica a demolição de sua capacidade de agir (Butler, 1997a, p. 16). Em síntese, mesmo que implicando a potência, senão a capacidade de agir, agência não é (necessariamente) um sinônimo de resistência.
Essa nova concepção permite escapar à dicotomia submissão versus resistência para pensar capacidade de agir como um tipo de híbrido entre subversão, adaptação e resistência. Assim, as práticas de sujeição (no sentido de subjetivação), mesmo em conformidade com as normas (i.e., de repetição do assujeitamento), não podem deixar de serem consideradas como margem de manobra, pois a repetição nunca é a repetição do mesmo. Ao aderir “deliberadamente” às normas, as pessoas ainda estão exercendo sua capacidade de agir. Semelhantemente, as ações “deliberadamente” de ruptura com a norma também carregam a marca do poder. O desafio no qual se encontra o sujeito é o de produzir maneiras mais criativas de viver o assujeitamento pelo poder, buscando ampliar sua margem de manobra, o que implica sua capacidade de agir face às imposições do poder. “Não se trata de agir fora de seu alcance, mas de lutar no interior dos limites da coerção”, resume Butler (1997a, p. 37, tradução nossa).
Outrossim, mesmo que Butler venha matizar a oposição entre assujeitamento e resistência, valorizando o aspecto ativo do sujeito sem lhe atribuir uma posição soberana no discurso, encontraremos em Mahmood (2009) algumas divergências produtivas vis-à-vis à perspectiva da filósofa estadunidense. O fragmento que traduzimos abaixo sintetiza a segunda crítica ao conceito de capacidade de agir na teoria feminista, elaborada por essa autora, à qual nos referíamos no início desta secção:
Um dos principais pontos de tensão poderia ser resumido assim: embora ela [Butler] afirme que exista uma relação necessária entre a consolidação e a desestabilização das normas, sua análise da capacidade de agir aborda, sobretudo, os mecanismos de poder que permitem ressignificar e subverter as normas. Assim, mesmo que Butler relembre a todo momento que os atos de subversão são um produto dos termos da violência aos quais esses atos buscam se opor, sua análise da capacidade de agir privilegia frequentemente os momentos que orientam “as possibilidades de ressignificação contra os objetivos da violação” ou ainda que fornecem “a ocasião de uma rearticulação radical do horizonte simbólico”. Em outros termos, Butler se interessa pela capacidade de agir antes de tudo nos contextos em que as normas são colocadas em questão ou são ressignificadas (Mahmood, 2009, p. 41-42).
Mahmood reconhece o quanto suas reflexões devem aos trabalhos de Butler, mas ela critica veementemente o privilégio dado pela filósofa aos contextos nos quais a capacidade de agir aparece como um sinônimo de subversão das normas. O trabalho da antropóloga versa sobre a religião islâmica no Egito, a partir de uma pesquisa etnográfica desenvolvida com um grupo de mulheres dentro das mesquitas, que fazem parte do movimento de renovação islâmica no Cairo. Mahmood se opõe, assim, ao que qualifica como noção liberal da capacidade de agir, que se pretende um projeto universal na teoria feminista, pois incompatível, por exemplo, com a ética das mulheres com as quais ela pôde conviver em seu estudo. Em suma, tal noção liberal da capacidade de agir, afirma Mahmood, não funciona em contextos nos quais a atividade humana escapa ao binarismo repressão e resistência.
Mahmood denuncia uma tendência na teoria feminista, e nos estudos de gênero, a naturalizar um desejo humano de liberdade e autonomia. Essa tendência, segundo Mahmood, faz parte de uma herança do pensamento iluminista (e a ilusão de um sujeito racional, mestre de si e transcendente, que mencionamos acima) e de sua tradição liberal em particular. Uma noção libertária de sujeito que se expandiu amplamente na nossa tradição intelectual humanista.
Não se trata, para Mahmood, de atenuar, com visões românticas da submissão, a condição de violência nas quais muitas mulheres se encontram. Trata-se, por outro lado, de evitar visões ingênuas e binárias da ação política dos sujeitos, pois a margem de manobra dos sujeitos não se exprime apenas nas práticas de oposição, mas também nas práticas nas quais as normas são habitadas e vividas (Mahmood, 2006).
Horizontes para um conceito histórico
Neste artigo, discutimos teoricamente a “capacidade de agir”, que também pode ser compreendida como “margem de manobra” ou “agência” (leia-se: agency); expressões que tratam de uma noção consolidada e amplamente mobilizada pelas teorias feministas para pensar a complexidade da experiência das mulheres em contextos plurais. Apesar de sua herança semântica binária, tal noção ganha uma nova roupagem teórica nas produções de Butler, enriquecidas pelas referências a Foucault e pelas críticas de McNay e Mahmood. Num diálogo estreito com a performatividade, essa nova teoria sobre a capacidade de agir tem permitido pensar novas formas de se construir como sujeito, superando as dicotomias entre dominação e resistência. Nessa visão, privilegia-se uma construção de si no híbrido de práticas de assujeitamento, adaptação e liberdade, onde as normas não são unicamente contestadas, mas igualmente incorporadas.
Nesse sentido, destacamos que o emprego do conceito tratado nesse artigo é uma potente ferramenta analítica das formas de subjetivação na contemporaneidade. Por exemplo, numa recente pesquisa de campo que realizamos, sobre a violência baseada na orientação sexual e/ou na identidade de gênero (que se convencionou nomear homofobia ou, mais recentemente, LGBTQIAfobia), essa perspectiva foi particularmente útil para pensar a experiência de nossas entrevistadas (Paz, 2021). O estudo que lhe deu origem foi conduzido com pessoas que se definem como gays, lésbicas, bissexuais, não binárias, travestis e transgênero (LGBTQIA+). O campo de investigação se deu no Brasil que sucede o golpe de Estado parlamentar de 2016, com a destituição da presidenta Dilma Rousseff, conduzindo à escalada da extrema-direita ultraneoliberal e conservadora, que alcança a presidência com Jair Bolsonaro. Numa conjuntura política marcada por uma esmagadora opressão, a capacidade de agir não podia ir muito mais além que a preservação da própria vida. Esse é apenas um dos exemplos dos contextos nos quais podemos lançar mão da riqueza teórica e semântica da capacidade de agir como chave analítica.
Como sinalizamos na introdução deste artigo, nossa análise do conceito evidenciou a necessidade de superar o binarismo simplificador entre dominação e resistência. Nesse sentido, e como defendemos alhures (Anne-Cécile Caseau; Paz, 2022), a tradução do termo agency como “margem de manobra”, “capacidade de agir” ou “potência de agir” oferece um enquadramento mais dinâmico, permitindo reconhecer que a agência não se limita à oposição direta às normas, mas também pode se expressar por meio da adaptação, da negociação e da ressignificação dentro das estruturas de poder. Assim, propomos compreender agency como um campo de forças no qual os sujeitos reconfiguram suas possibilidades de ação, habitando as normas de maneiras diversas e, por vezes, ambíguas. Essa abordagem, longe de negar a potência da resistência, amplia a noção de agência ao reconhecer que o agir não ocorre apenas contra as normas, mas também através delas.
Além disso, apesar da discussão em teoria feminista contemporânea quanto à problematização do sujeito universal, nosso estudo revela que a produção do conhecimento segue negligenciando as interseccionalidades na potência de agir. A ausência dessa perspectiva restringe o conceito ao ignorar como gênero, raça, classe e sexualidade moldam as formas pelas quais diferentes sujeitos negociam sua capacidade de agir dentro das relações de poder que os atravessam.
A título de exemplo, como aponta Maria del Guadalupe Davidson (2017), a capacidade de agir das mulheres negras não pode ser compreendida apenas pelos modelos clássicos de resistência e subversão, uma vez que esses modelos frequentemente desconsideram como a racialização e a hipersexualização moldam as possibilidades de ação. A divisão geracional no feminismo negro, analisada por Davidson, ilustra bem essa complexidade: enquanto feministas tradicionais viam a hipersexualização da mulher como um obstáculo à emancipação, feministas negras mais jovens consideram que ícones femininos da cultura pop, como Beyoncé, Rihanna e Nicki Minaj, reinterpretam essa representação como uma forma de agência negociada dentro da estrutura patriarcal. No Brasil, de maneira análoga, observa-se o interesse suscitado pela cantora de funk Valesca Popozuda (Gabriella Gomes, 2016). Assim, integrar essa perspectiva ao debate sobre a capacidade de agir permite não apenas desafiar a universalização do sujeito feminista, mas também reconhecer que as formas de produção de margem de manobra são contingentes e atravessadas por experiências tanto generificadas quanto racializadas. Isso abre oportunidades para futuras pesquisas que aprofundem o conceito que foi objeto desse artigo.
Assim, ambicionamos que nosso texto, ao sedimentar teoricamente o conceito sem desconsiderar as questões que ele suscita, contribua para a análise de dados produzidos em pesquisas subsequentes, ampliando o debate brasileiro mediante trabalhos que contemplem as diversas realidades de nosso contexto nacional.
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1
Neste texto, quando no mínimo uma das pessoas mencionadas for uma mulher, optamos pela generalização no feminino.
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2
Diferente dos trabalhos de Emirbayer e Mische, que datam de 1990 e referenciam autoras norte-americanas, as produções de McNay desenham, nos anos 2000, a produção conceitual dos “aspectos criativos e imaginativos da ação”, no pensamento dos teóricos sociais europeus, a saber, Pierre Bourdieu (1930-2002), Paul Ricœur (1913-2005) e Cornelius Castoriadis (1922-1997), e da filósofa americana Judith Butler.
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3
Para mais informações, ver: http://www.catolicasonline.org.br/.
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4
Esta obra, publicada originalmente em inglês, sob o título Politics of Piety: The Islamic Revival and the Feminist Subject (Mahmood, 2005), possui um de seus capítulos traduzido e publicado, em formato de artigo, em português de Portugal (Mahmood, 2006). Referenciamos aqui o artigo em português visando ao acesso das leitoras brasileiras. No entanto, visto que consultamos principalmente a obra integral em francês, as citações de trechos que não puderem ser encontrados no artigo farão referência à versão nesse idioma, seguido de sua respectiva referência (Mahmood, 2009) (MAHMOOD, Saba. Politics of Piety: The Islamic Revival and the Feminist Subject. Princeton; Oxford: Princeton University Press, 2005).
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5
Essas obras foram consultadas nas versões originais em inglês, em suas traduções em francês e, quando estavam disponíveis neste idioma, em português. Com vistas à facilidade no acesso dos leitores e leitoras brasileiras, priorizaremos, sempre que for possível, as referências e números de página das versões em português, salvo casos em que a especificidade da informação demanda a citação de uma versão em outro idioma.
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6
No original: “... le sujet se constitue à travers des pratiques d'assujettissement, ou, d'une façon plus autonome, à travers des pratiques de libération, de liberté” (Foucault, 2001, p. 1551). Optamos por utilizar o termo “assujeitamento” no lugar de “sujeição”, duas traduções amplamente utilizadas em português para o francês “assujetissement”, por critério de proximidade com o termo original, visando a uma melhor compreensão na transferência do conceito de um idioma para o outro (FOUCAULT, Michel. “Une esthétique de l’existence”. In: DEFERT, Daniel; EWALD, François (Eds.). Dits et écrits, 1954-1988 II, 1976-1988. Paris: 2001. p. 1548-1553).
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7
Embora Gender Trouble já tenha sido traduzido para o português, o trecho citado se refere à introdução à segunda edição, que ainda não está disponível na versão brasileira da obra. Tendo dito isto, reproduzimos, em seguida, o fragmento original do texto: “In this text as elsewhere I have tried to understand what political agency might be, given that it cannot be isolated from the dynamics of power from which it is wrought. The iterability of performativity is a theory of agency, one that cannot disavow power as the condition of its own possibility”.
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8
A propósito, se a dimensão ritualizada da performatividade aproxima Butler da noção de habitus, segundo o trabalho de Pierre Bourdieu (Butler, 1999, p. 206, nota 8), a fissura produzida pela potência para a ação, no âmbito dessa mesma ritualização, afasta-os (Fassin, 2006, p. 15).
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9
Ou seja: “I hope to make clear that by affirmative [em referência aos modos mais “afirmativos” de ação, que substituímos, em nosso texto, por “criativos”], I mean ‘opening up the possibility of agency,’ where agency is not the restoration of a sovereign autonomy in speech […]”.
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Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:
PAZ, Diego; AMAZONAS, Maria Cristina Lopes de Almeida. “Margem de manobra, capacidade e potência de agir: Repensar a noção de agência”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 33, n. 3, e90141, 2025.
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Financiamento:
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Ele também recebeu o apoio financeiro do Ministério Francês de Relações Exteriores e da Europa, no âmbito do Programa de Excelência Eiffel.
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Consentimento de uso de imagem:
Não se aplica
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Aprovação de comitê de ética em pesquisa:
Não se aplica
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Set 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
14 Jul 2022 -
Revisado
12 Mar 2025 -
Aceito
23 Maio 2025


Fonte: