Open-access “Em legítima defesa da honra”: o horizonte valorativo no podcast Praia dos Ossos

“In legitimate defense of honor”: the evaluative horizon in the podcast Praia dos Ossos

“En legitima defensa de la honra”: el horizonte valorativo en el podcast Praia dos Ossos

Resumo:

Este artigo apresenta uma análise do horizonte valorativo no tocante à identidade feminina em um episódio do podcast Praia dos Ossos, lançado em 2020. A série documental radiofônica produzida pela Rádio Novelo reconstitui a vida e o assassinato de Ângela Diniz pelo então namorado Doca Street, em 1976. O foco da análise recai sobre o segundo episódio, que remonta ao primeiro julgamento de Doca, três anos após o crime. Como ancoragem teórico-metodológica, mobilizaram-se conceitos como discurso, enunciado, ideologia e valoração, na concepção do Círculo de Bakhtin. Os resultados evidenciaram o horizonte axiológico materializado no podcast, que enquadra e reenuncia outra voz acerca da identidade feminina, sob novos acentos de valor, assim adequando-se ao objetivo discursivo de provocar indignação no ouvinte diante da fala do outro, que deprecia o sujeito-mulher.

Palavras-chave:
horizonte valorativo; análise dialógica do discurso; legítima defesa da honra; podcast

Abstract:

This article presents an analysis of the appreciative horizon concerning the feminine identity on an episode of the podcast Praia dos Ossos, launched in 2020. The radiofonic documental series produced by Rádio Novelo reconstitutes the life and murder of Ângela Diniz by her then boyfriend Doca Street, in 1976. The focus of analysis falls on the second episode, which reassembles the first Doca’s judgement, three years after the crime. The analysis was theorical and methodological anchored in concepts such as discourse, utterance, ideology and valuation, in Bakhtin’s Circle’s conception. The results evidenciated the axiological horizon materialized in the podcast, which enframes and re-utters another voice about the feminine identitity, under new evaluative tones, thus being suited to the discursive goal of arrousing indignation in the listener towards the other’s speech, which depreciate the subject-woman.

Keywords:
Evaluative horizon; Dialogic discourse analysis; Legitimate defense of honor; Podcast

Resumen:

Este articulo presenta un análisis del horizonte apreciativo relativo a la identidad feminina en un episodio del podcast Praia dos Ossos, lanzado en 2020. La serie documental radiofonica producida por Rádio Novelo reconstituye la vida y el asesinato de Ângela Diniz por su entonces novio Doca Street, en 1976. El foco del análisis recae sobre el segundo episodio, que remonta el primer juzgamiento de Doca, tres años después del crimen. Se há anclado el análisis teórico y metodológico en conceptos como discurso, enunciado, ideología y valoración, en la concepción del Círculo de Bajtín. Los resultados han evidenciado el horizonte axiológico materializado en el podcast, que encuadra y reenuncia una otra voz acerca de la identidad feminina, bajo nuevos matices de valor, así adecuándose al objetivo discursivo de provocar indignatión en el oyente ante el habla del otro, que deprecia el sujeto-mujer.

Palabras clave:
horizonte valorativo; análisis dialógico del discurso; legitima defensa de la honra; podcast

Palavras iniciais

A relação entre a conduta moral e sexual da mulher e a preservação da honra do homem é uma construção histórico-social que remonta aos tempos do Brasil-colônia. Isso porque, entre os costumes mantidos pela elite colonial, estava centrada a manutenção da honra pelos laços sanguíneos como herança de uma geração à outra. Conforme Margarita Ramos (2012, p. 56), a honra, inicialmente, era um bem adquirido por meio do sangue, da tradição familiar, e, para que esse bem fosse mantido, era necessário que seu detentor se portasse de forma ilustre, bem como as mulheres que eram mantidas sob o seu domínio. Ou seja, para que o pai se mantivesse honrado, era necessária a pureza sexual de sua filha e, para o marido, a exímia fidelidade de sua esposa.

Essa convenção social pautada pela autoridade masculina no âmbito familiar sustentava a legitimidade do assassinato de companheiras do sexo feminino quando motivado por adultério. Foi somente com a instituição do Código Civil de 1916 que o adultério, tanto para homens quanto mulheres, passou a ser considerado razão para o desquite.1 Embora, com base nesse código, os direitos e os deveres do casamento passassem a ser resguardados pelo Estado, o discurso jurídico brasileiro ainda guardou resquícios bastante fortes da moral católica, de modo que, ao se desquitar, a mulher perdia sua capacidade civil plena, ou seja, não poderia mais praticar, sem o consentimento do marido, inúmeros atos que praticaria sendo maior de idade e solteira, tornando-se, assim, “relativamente incapaz” (Leila Barsted; Elisabeth Garcez, 1999). Na visão de Ramos (2012, p. 64), “isso contribuiu de forma incisiva e performativa para a condição da mulher como ser desqualificado de direito e passível de violência”.

Os crimes de feminicídio, no Brasil, resultam majoritariamente da violência doméstica, uma vez que a maioria dos assassinatos de mulheres foram perpetrados por namorados, ex-namorados ou homens com quem a mulher teve uma relação de união estável, tendo sido as principais motivações dos crimes a separação ou rompimento do relacionamento, atos de ciúmes/machismo e discussões banais (Mônica Caicedo-Roa; Lourdes Bandeira; Ricardo Cordeiro, 2022).

Embora, no contexto contemporâneo, a tese da legítima defesa da honra não encontre respaldo constitucional, a estratégia argumentativa de atribuir a motivação do homicídio ao comportamento da vítima, com vistas a absolver ou amenizar a sentença do criminoso, seguiu sendo amplamente empregada em processos judiciais, além de eventualmente aceita por membros do júri.2 Essa foi a tese sustentada pelo renomado advogado criminalista Evandro Lins e Silva na defesa de seu cliente, Raul Fernandes do Amaral Street (conhecido como “Doca”), réu confesso, pelo assassinato da então namorada, a mineira Ângela Diniz (conhecida como “pantera de Minas”), na Praia dos Ossos, em Búzios (RJ), no ano de 1976.

O emprego dessa manobra legal no Tribunal do Júri de Cabo Frio, em 1979, três anos após o crime, culminou na culpabilização de Ângela pelo próprio assassinato - tanto pela mídia quanto pela sociedade da época - e rendeu ao réu uma pena de dois anos por excesso culposo da legítima defesa. Por já ter cumprido um terço da pena em 1977, Doca Street saiu livre do tribunal, e apenas dois anos mais tarde, em um segundo julgamento, foi condenado a 15 anos de reclusão por homicídio doloso qualificado.

A partir desses eventos, o segundo episódio do podcast Praia dos Ossos levanta uma discussão sobre o porquê de, à época do primeiro julgamento, a vítima ter sido convertida em culpada. Tal episódio, foco desta análise, reenquadra, 41 anos depois, a fala do advogado de defesa durante a sustentação oral diante do Tribunal do Júri, transmitida ao vivo pela Rádio Nacional. A mídia em questão, o podcast, emergiu no Brasil em 2004, a partir do surgimento de novas tecnologias e da expansão da internet, como um modelo radiofônico assíncrono ainda de caráter amador. No entanto, evoluiu e entrou no que Tiziano Bonini (2020) define por “segunda era do podcasting”, iniciada nos Estados Unidos em 2012. Essa fase se distingue pela transformação do podcasting em uma prática produtiva comercial e um meio de consumo massivo.

Os novos hábitos de produção e consumo impulsionados pelo modelo sob demanda do podcast abriram espaço para a experimentação de gêneros e formatos que “exploram a capacidade expressiva, sensorial e artística da linguagem radiofônica” (João da Silva; Diogo de Oliveira, 2020, p. 186). Essas peças sonoras estiveram à margem da programação das grandes emissoras brasileiras, marcadas pelo sistema comercial de rádio AM/FM, que sempre priorizou o imediatismo e a instantaneidade (Silva; Oliveira, 2020).

O podcast Praia dos Ossos enquadra-se em um formato radiofônico de jornalismo narrativo em suporte digital que, segundo Marcelo Kischinhevsky (2018), investe na apuração em profundidade, ouvindo extensamente as fontes escolhidas sem a restrição de tempo do radiojornalismo convencional. O podcast narrativo, conforme Kischinhevsky (2018, p. 79), “é caracterizado pela produção seriada, com ganchos que remetem à radiodramaturgia, embora se apoie fundamentalmente em conteúdo de caráter informativo”.

Esse potencial de aprofundar discursos que podem ter sido abordados superficialmente pela mídia oficial, somado à sua facilidade técnica de produção e distribuição, atribui ao podcast a capacidade de ampliar a autorrepresentação de grupos que têm por objetivo construir interpretações outras de suas identidades, interesses e necessidades. Desse modo, tal mídia possibilita que discursos contra-hegemônicos circulem na sociedade, figurando, assim, como espaço de dissolução de estereótipos e significados cristalizados. Nesse sentido, os novos letramentos digitais podem ser tomados como lugares onde a vida social pode ser “construída, criticada, transformada, reinventada ou, em última análise, transgredida” (Luiz Paulo da Moita Lopes, 2010, p. 400).

A partir dessa perspectiva, para pensar os podcasts como forma de ressignificação de discursos em circulação social, este estudo teve por objetivo analisar o horizonte valorativo no tocante à identidade feminina no podcast Praia dos Ossos, com vistas a observar de que forma tal objeto discursivo foi revalorado pela série radiofônica.

Na subseção a seguir, apresentam-se as concepções bakhtinianas de enunciado, discurso, ideologia, horizonte valorativo e valoração social (Mikhail Bakhtin, 2011 [1979]; 2015 [1930-1936]; Pável Medviédev, 2012 [1928]; Volóchinov, 2019 [1921-1930]; 2021 [1929]). Na subseção 3, há um detalhamento do objeto de análise, o podcast Praia dos Ossos, precedido da exposição do percurso metodológico mobilizado neste estudo. Por fim, na subseção 4, é apresentada a análise empreendida.

A dimensão valorativa nos enunciados concretos

O Círculo de Bakhtin assume a noção de linguagem a partir da perspectiva dialógica, não como um sistema estável e abstrato de formas, mas como um objeto vivo, dinâmico e ideologicamente preenchido (Bakhtin, 2015 [1930-1936]). Nessa mirada teórica, os falantes e ouvintes interagem dialogicamente, agindo sobre a língua a partir de seus horizontes axiológicos particulares.

Do mesmo modo, estabelece-se um diálogo entre os enunciados acerca de um mesmo objeto, a partir da relação dialógica entre enunciados já ditos e prefigurados, isto é, a resposta ou compreensão ativa que o falante antecipa. Isso porque “cada enunciado é como um elo na corrente complexamente organizada de outros enunciados” (Bakhtin, 2011 [1979], p. 272).

Nesse diálogo ininterrupto entre enunciados, o discurso encontra o objeto para o qual se volta sempre já difamado, contestado, avaliado por discursos alheios e está sempre voltado para a futura palavra-resposta: provoca a resposta, antecipa-a e constrói-se voltado para ela (Bakhtin, 2015 [1930-1936]). Como afirma Bakhtin, o objeto de discurso

[...] está envolvido e penetrado por opiniões comuns, pontos de vista, avaliações alheias, acentos. O discurso voltado para o seu objeto entra nesse meio dialogicamente agitado e tenso de discursos, avaliações e acentos alheios, entrelaça-se em suas relações mútuas, funde-se com uns, afasta-se de outros, cruza-se com terceiros [...] (2015 [1930-1936], p. 48).

Esse entrecruzamento de vozes constituído no interior das relações dialógicas configura o discurso, que assume sua materialidade concreta na forma de enunciado - a real unidade da comunicação discursiva. Sendo assim, “o discurso só pode existir de fato na forma de enunciados pertencentes a um determinado sujeito do discurso, e fora dessa forma não pode existir” (Bakhtin, 2011 [1979], p. 274). O enunciado proferido por falantes historicamente situados, por sua vez, é constituído de uma dimensão extraverbal - a situação de interlocução - imprescindível para a compreensão do seu sentido. Essa dimensão não-verbal, segundo Volóchinov (2019 [1921-1930]), engloba três aspectos: o espaço e o tempo comum aos falantes, o conhecimento e a compreensão da situação comum a eles e a avaliação comum dessa situação.

Dito isso, é importante destacar que é na interseção entre a situação de interação social e a materialidade (a expressão verbal/semiótica) do enunciado, que se evidencia a sua dimensão valorativa, aquela que mais interessa e este estudo.

O conceito de valoração/axiologia é um dos pilares na construção teórica do Círculo. Isso porque enfatiza que não há enunciado destituído de uma dimensão valorativa, uma vez que não há neutralidade na linguagem e todo enunciado é constituído no bojo das ideologias. Assim, pode-se aventar que tampouco há ideologia sem uma expressão material, isto é, “tudo que é ideológico possui significação sígnica” (Volóchinov (2021 [1929]), p. 93, grifos do autor), no sentido de que a ideologia está ligada a um sistema de signos que “não só reflete, mas também inevitavelmente refrata todos os fenômenos da vida social” (Volóchinov, 2019 [1921-1930], p. 314). O que significa dizer que, por meio dos signos, os sujeitos historicamente situados constroem os conjuntos de valores que mobilizam para interpretar e significar sua realidade.

Com base nessa perspectiva, é importante destacar que, na concepção do Círculo de Bakhtin, a noção de ideologia transcende a elaboração marxista da ideologia num sentido depreciativo (Rodrigo Acosta Pereira; Nívea Rohling, 2020) como “falsa consciência” ou simplesmente a expressão de uma má ideia. Pelo contrário, entende-se por ideologia a expressão de uma tomada de posição, sendo, portanto, uma construção social; conforme Valdemir Miotello (2005, p. 176), “o sistema sempre atual de representações de sociedade e de mundo construído a partir de referências constituídas nas interações e nas trocas simbólicas desenvolvidas por determinados grupos sociais organizados”. Sob esse prisma, é inadequado interpretar ideologia, na concepção bakhtiniana, como disfarce, um “mascaramento do real” (Carlos Alberto Faraco, 2009, p. 47), embora haja o reconhecimento de ideologias hegemônicas nos processos de produção de sentidos.

Visto que a ideologia perpassa a linguagem por meio da acentuação valorativa dos signos, cabe ressaltar que os signos carregam em si diferentes visões de mundo e pontos de vista representativos de um dado indivíduo ou grupo social, construídos em determinados espaços-tempos históricos e concretos. Ou seja, por meio do signo, o interlocutor materializa uma atitude valorativa em direção ao objeto do seu discurso, sendo, pois, a expressividade um elemento constitutivo do enunciado. Em outras palavras, é no aspecto expressivo da palavra, isto é, na relação subjetiva emocionalmente valorativa do falante com o conteúdo e sentido de seu enunciado, que se tornam mais “‘visíveis’ os modos como as avaliações sociais, construídas nos grupos sociais, refratam-se nos signos” (Acosta Pereira; Rohling, 2020, p. 23).

É justamente esse vínculo com a sua dimensão não-verbal, este caráter expressivo, que diferencia o enunciado da palavra e da oração, inerentemente neutras. Sobre esse aspecto, Bakhtin (2011 [1979], p. 290) enfatiza que “as palavras não são de ninguém, em si mesmas nada valorizam, mas podem abastecer qualquer falante e os juízos de valor mais diversos e diametralmente opostos dos falantes”. Assim, as palavras, desprovidas de expressividade, ganham matizes valorativos ao converterem-se em enunciados concretos.

Segundo Medviédev (2012 [1928]), a valoração penetra o enunciado por inteiro, determinando todos os seus aspectos verbais como os recursos lexicais, gramaticais e composicionais que o compõem.

[...] é essa avaliação social que atualiza o enunciado tanto no sentido da sua presença factual quanto no do seu significado semântico. Ela determina a escolha do objeto, da palavra, da forma, e a sua combinação individual nos limites do enunciado. Ela determina, ainda, a escolha do conteúdo e da forma, bem como a ligação entre eles (Medviédev, 2012 [1928], p. 184).

Ainda no tocante à valoração social, Volóchinov (2019 [1921-1930]) ressalta que é a entonação da palavra que a leva para fora de seus limites verbais, fazendo-a entrar em contato direto com a vida e atribuindo ao todo linguisticamente estável um movimento histórico vivo e um caráter irrepetível. A expressão sonora da palavra não se orienta somente pelo objeto e pelos modos como ele já foi referenciado por outros discursos, mas também pelo auditório social, ou seja, o interlocutor para o qual o falante se dirige. Logo, todos esses fatores incidem nas peculiaridades estilístico-composicionais dos enunciados.

Por ser socialmente orientado, o dito ou o modo de dizer é sempre valorado levando-se em conta as reações do interlocutor antecipadas pelo locutor. Isto é, a entonação tem relação com a resposta ativa presumida do outro. “Há, portanto, em todo discurso, um ajuste, uma negociação entre entonação avaliativa e responsividade ativa, que começa antes mesmo de ser proferida a primeira palavra” (Adail Sobral, 2009, p. 87). Acerca da orientação social do enunciado, Bakhtin (2011 [1979]), discorre:

Ao falar, sempre levo em conta o fundo aperceptível da percepção do meu discurso pelo destinatário: até que ponto ele está a par da situação, dispõe de conhecimentos especiais de um dado campo cultural da comunicação; levo em conta as suas concepções e convicções, os seus preconceitos (do meu ponto de vista), as suas simpatias e antipatias - tudo isso irá determinar a ativa compreensão responsiva do meu enunciado por ele (p. 302).

É na realização do enunciado concreto que o outro assume um papel determinante no ato de valoração, uma vez que é na situação real de interação, na relação com o ouvinte, que se definem as escolhas sígnicas de um enunciado. Ademais, visto que um enunciado concreto expresso valorativamente é um evento único, irrepetível, considera-se pertinente destacar o caráter vivo e móvel do signo ideológico, uma vez que ele é capaz de incorporar novos sentidos de acordo com as mudanças históricas e sociais. Isso porque o signo é marcado pelo horizonte valorativo de uma época e de um grupo social determinado (Volóchinov, 2019 [1921-1930]. Desse modo, ao integrar-se ao signo, o horizonte valorativo dos grupos socialmente organizados de determinada época agrega a ele um ponto de vista, uma posição axiológica/avaliativa (Acosta Pereira; Rohling, 2020). Sob esse prisma, as palavras “funcionam como agente e memória social, pois uma mesma palavra figura em contextos diversamente orientados” (Miotello, 2005, p. 172).

De acordo com Faraco (2009), as várias vozes sociais contraditórias coexistentes no signo equivalem aos diferentes modos pelos quais o mundo entra no horizonte apreciativo dos grupos humanos. Trata-se de contradições ideológico-sociais entre o passado e o presente, entre as várias épocas do passado, entre os vários grupos do presente, entre os futuros possíveis e contraditórios (Miotello, 2005).

O horizonte valorativo, por sua vez, constitui-se de índices sociais de valor, elementos essenciais na constituição do signo ideológico. Esses índices de valor emergem a cada etapa do desenvolvimento da sociedade, quando um conjunto específico e limitado de objetos recebe atenção social, tornando-se tema da comunicação ideológica (Volóchinov, 2019 [1921-1930]). Em outros termos, somente ao adquirir valor social, o signo constitui-se como tal.

Contudo, para que um objeto assuma um caráter sígnico em determinado grupo social, “é necessário que ele esteja relacionado com os pressupostos socioeconômicos essenciais da existência desse grupo, e que ele toque, ao menos tangencialmente, os fundamentos da existência material desse grupo” (Volóchinov, 2019 [1921-1930], p. 314). Em outros termos, a língua segue a evolução da vida social, na medida em que, a cada tempo, novos valores sociais emergem e os signos incorporam novos índices de valor.

Com base na dimensão valorativa da linguagem, que se altera em virtude das mudanças sócio-históricas, considera-se relevante investigar como o horizonte axiológico no tocante à identidade feminina se materializa no podcast Praia dos Ossos, considerando o embate valorativo entre dois enunciados produzidos em diferentes espaços de tempo, considerando a distância de 41 anos entre a produção do enunciado primeiro e o contemporâneo (enunciado-resposta).

Tendo, pois, explicitados os fundamentos teóricos que embasam o presente artigo, passa-se à descrição dos dados de análise.

O podcast Praia dos Ossos e a reconstrução de pontos de vista sobre um mesmo objeto de discurso

O podcast Praia dos Ossos3 é uma série documental radiofônica produzida pela Rádio Novelo e lançada em plataformas de streaming em 2020. Praia dos Ossos foi a primeira série original da produtora fundada por Branca Vianna, também idealizadora e apresentadora do podcast.

Organizada em oito episódios, a produção narra a história de vida e o assassinato da socialite mineira Ângela Diniz (conhecida como “pantera de Minas”), morta a tiros pelo então namorado, o paulista Raul Fernandes do Amaral Street (conhecido como “Doca”), na Praia dos Ossos, em Búzios (RJ), no ano de 1976. O assassinato de Ângela Diniz foi amplamente divulgado no Brasil à época, e até hoje é retomado discursivamente quando se trata de caso de semelhantes.

Praia dos Ossos, aqui considerado como um enunciado único produzido no elo da comunicação discursiva, na concepção bakhtiniana do termo, responde a uma infinidade de discursos que carregam a visão patriarcal instanciada na “legítima defesa da honra”.

Ademais, o podcast como um acontecimento discursivo concreto de caráter dialógico agencia outras vozes, outros pontos de vista ao remontar um dos casos emblemáticos de assassinato de uma mulher por seu parceiro. Assim, em função do seu objetivo discursivo de reorientar valorativamente esses discursos aos quais responde ativamente, a série revisita esse evento de 1976 sob um outro olhar, distanciado das vozes da época, marcadas por essa visão sobre a mulher como culpada pela própria morte, como se discutirá na análise.

Para tanto, além de explorar o crime em si, Praia dos Ossos descreve detalhadamente a vida de Ângela Diniz antes de tornar-se a conhecida “pantera de Minas” ou de conhecer Doca. Esse olhar é um ponto de vista pouco explorado pela mídia brasileira na época de sua morte. Os episódios narram eventos que se passaram em Belo Horizonte, onde Ângela cresceu, por meio de entrevistas com amigos, colegas de escola, que ajudam a traçar seu perfil. A fim de reconstituir os eventos ligados ao crime, o podcast recorre à personagens como feministas que protestaram contra o resultado do primeiro julgamento de Doca, a funcionária que estava na casa da Praia dos Ossos no momento dos disparos contra Ângela, e o próprio Doca Street, já em liberdade, aos 84 anos. Todas essas vozes trazidas no podcast funcionam como uma combinação que evidencia uma outra orientação valorativa sobre quem é Ângela Diniz, distanciada do perfil traçado pela defesa de Doca à época. Assim, o podcast não se limita a narrar o crime que tornou Ângela Diniz uma personagem conhecida do público; antes, conta a história não contada da Ângela.

Esse evento produziu o clichê da imprensa da época “das colunas sociais para as páginas policiais” e culminou na decisão de Ângela de sair de Minas Gerais e ir viver longe dos filhos, no Rio de Janeiro, tendo representado, pois, um divisor de águas em sua vida. No tocante ao conteúdo sonoro, destacamos a riqueza de detalhamento do podcast, que possibilita ao ouvinte reconstituir a história de Ângela Diniz e conhecer a trajetória dessa “personagem” enquanto ouve os episódios. Porém, essa reconstrução se dá em outras bases; ocorre sob um olhar valorativo contemporâneo que está apartado 41 anos do evento em tela.

Nesse espaço-tempo que separa o evento da produção do podcast, estão diversas leituras e discussões no âmbito dos estudos feministas que revaloram e problematizam casos de violência e morte de mulheres por seus parceiros.4 Isso significa dizer que se trata de uma narrativa em que o horizonte valorativo é reconfigurado a partir de um processo de reenunciação de um enunciado já dito. Neste caso, a partir de uma dimensão axiológica distinta e combativa ao patriarcalismo e machismo vigentes à época e visivelmente atual!

Dito isso, delimitou-se para análise mais detalhada o segundo episódio da série, intitulado “O julgamento”, apresentado na subseção a seguir.

Sobre o julgamento de Doca. Ou seria de Ângela?

Como dito antes, o segundo episódio do podcast - “O julgamento - é o foco deste estudo, cujo objetivo foi analisar o horizonte valorativo no tocante à identidade feminina, reenunciada no episódio que tematiza o primeiro julgamento à época. Neste episódio, embora outras vozes tenham sido evocadas para compor os depoimentos, foram selecionados excertos proferidos pelo advogado de defesa, Evandro Lins e Silva, na sustentação oral transmitida ao vivo pela Rádio Nacional (1979), e falas da apresentadora do podcast, Vianna, ao reenquadrar valorativamente tais eventos de acordo com seus objetivos discursivos.

A análise teve como baliza a observação atenta de posições axiológicas e de relações dialógicas que apontam para a incorporação de discursos já ditos e não ditos (resposta-ativa presumida) e para a reacentuação valorativa dos objetos discursivos. A partir dessa orientação, foi possível observar os modos como a identidade da mulher, discursivizada por Evandro Lins e Silva em 1979, foi ressignificada no podcast Praia dos Ossos.

Neste episódio, são reenquadrados pela autora do podcast eventos relacionados ao primeiro julgamento de Doca Street, no Tribunal do Júri de Cabo Frio, em 1979. Naquela ocasião, o advogado de defesa de Doca, Evandro Lins e Silva, apostou em uma estratégia moral para justificar o crime e convencer o júri de que seu cliente cometera um ato de desespero em nome da própria honra, e, portanto, merecia sua clemência.

Durante a sustentação oral perante os membros do júri, além de mencionar os desentendimentos com o ex-marido em torno da convivência com os filhos, os crimes nos quais Ângela esteve envolvida e que figuraram em páginas policiais, o advogado enfatizou sua fama de “pantera”, apelido atribuído a ela pelo colunista social Ibrahim Sued. Em virtude dessa linha argumentativa, o júri acabou por aderir ao posicionamento do advogado de defesa e decidiu por uma pena de dois anos de prisão, para Doca, por excesso culposo da legítima de defesa, a ser cumprida em liberdade. Tal resultado causou indignação e mobilizou grupos feministas que não aceitaram o argumento da legítima defesa da honra para justificar a morte violenta de mulheres.

Nesse contexto, surgiu o slogan “Quem ama não mata”, movimento de combate à violência contra a mulher iniciado em 1980, que pressionou a opinião pública e culminou na anulação desse primeiro julgamento. Dois anos depois, em 1981, Doca foi novamente julgado e, dessa vez, sentenciado a 15 anos de prisão por homicídio doloso.

A dimensão axiológica dos enunciados evidencia certos traços identitários do feminino, construídos no âmago das relações hierárquicas existentes entre homens e mulheres. O discurso do advogado, pertencente originalmente à esfera jurídica, teve por intenção persuadir o júri popular de que Doca Street havia cometido um crime passional justificável pela conduta da vítima, Ângela Diniz. Por outro lado, o discurso de Vianna, produzido na esfera midiática, tem por objetivo discursivo refletir sobre o papel social da mulher e as relações hierárquicas entre os gêneros, sendo o cerne da série documental problematizar a culpabilização da vítima do crime, aos olhos da sociedade da época.

Explicitado de modo mais amplo o episódio em tela, passa-se à análise mais pontual, na qual são apresentados excertos que foram transcritos de acordo com as normas elaboradas por Dino Preti (1999), a saber: as letras maiúsculas marcam a entonação enfática da fala, as reticências indicam qualquer pausa, inclusive substituindo as vírgulas, e o sinal “::” indica a prolongação de vogais, podendo ser aumentado para “::::” ou mais, a depender da duração do alongamento. Ainda em conformidade com as normas para transcrição de Preti (1999), não é utilizado o ponto final e as iniciais maiúsculas aparecem somente nos nomes próprios e nas siglas.

Posteriormente, os dados transcritos foram organizados do seguinte modo: os enunciados proferidos por Evandro Lins e Silva são identificados por EE e, por EB, os enunciados proferidos por Vianna.

A “pantera de Minas”

Para construir a defesa de Doca, o advogado produz seu discurso a partir de uma orientação valorativa depreciativa que avalia Ângela Diniz sob uma perspectiva moral, como uma mulher transgressora de valores, como se pode observar nos excertos a seguir.

[EE1] senhores jurados... vejamos agora... uma vez que já traçamos assim ligeiramente um perfil de Raul Fernandes do Amaral Street... vamos ver se podemos dizer a mesma coisa da vítima... desgraçadamente... não o podemos fazer

[EE2] Ângela era uma mulher sedutora... belíssima... como todos veem... beLÍssima, encantadora... a pantera de Minas... mas... desgraçadamente... ela seguiu um caminho diferente daquele que nós... homens... éh:::: menos avançados nesse tema... procuramos seguir... é uma realidade

[EB1] [...] a Ângela sai de BH e vira colunável nacional... namorando... saindo a noite... vivendo uma vida que na boca do Evandro mais parece Sodoma e Gomorra

[EE3] ela não podia admitir certos princípios... ela queria a vida LIvre ... liberTIna... depraVAda... senhores jurados (frase exclamativa)... desgraçadamente... fez uma opção... fez uma esCOlha naquele instante... deixou os filhos... veio para o Rio de Janeiro... eu pergunto às senhoras do conselho... não sei se são mães... mas abandonariam TRÊS crianças, uma pequenina de quatro anos?

Tal valoração se manifesta, sobretudo, pelo acabamento estilístico dos enunciados, que evidencia esse tom depreciativo por meio das escolhas lexicais do enunciador (uma mulher sedutora, belíssima, encantadora; a pantera de Minas). Além disso, no modo de marcar seu acento depreciativo em relação ao objeto discursivo, há o uso do modalizador desgraçadamente (em EE1 e EE2) ao referir-se às condutas de Ângela. A seleção desse léxico não é destituída de axiologia, antes, é perpassada de intenções e tonalidades que influenciam tal opção. Isso porque as palavras são neutras até que se materializem em uma situação de interação concreta, na qual adquirem significado (Bakhtin, 2011 [1979]).

Na interação concreta, tem-se o papel determinante do outro no ato de valoração de um enunciado, uma vez que, conforme Volóchinov (2019 [1921-1930]), todo discurso é atravessado por relações semântico-valorativas socialmente orientadas, por ser inteiramente penetrado pelas avaliações de seu auditório potencial.

Ao compreender que a entonação leva a palavra para fora dos limites verbais, o que revela a posição valorativa do falante, é possível considerar o discurso do advogado como um ato de responsividade ativa à acusação formulada pelo Ministério Público que tem relação com a resposta ativa presumida que o enunciador tem do outro, os membros do júri.

Nesse sentido, resgatamos a reflexão de Bakhtin (2011 [1979]) de que o falante sempre leva em conta as concepções, convicções, preconceitos simpatias e antipatias do destinatário; até que ponto ele está a par da situação, dispõe de conhecimentos especiais de um dado campo cultural da comunicação para, desse modo, ser capaz de compreender a expressividade do enunciado. Para que a entonação de seu discurso tivesse o efeito almejado - conquistar a clemência desse auditório para seu cliente -, Evandro Lins e Silva levou em conta as características desse auditório social: um júri composto por civis da cidade de Cabo Frio, pertencentes a uma sociedade com princípios morais ainda conservadores, no final dos anos 1970.

No decorrer de seu projeto discursivo, o advogado se expressa oralmente de maneira passional e exaltada, atribuindo carga emocional ainda mais acentuada aos enunciados proferidos, o que lhes confere sentido de indignação. Outra estratégia discursiva empregada pelo advogado, em EE3, é uma pergunta direcionada à parte de seu auditório social (Volóchinov, 2019 [1921-1930]), as mulheres do júri, questionando se elas abandonariam três filhos pequenos, como ele diz ter feito Ângela.

Ao eleger esse léxico (abandonariam), Evandro define o enquadramento de seu discurso, omitindo a informação de que, no acordo judicial do desquite (quando ainda não existia o divórcio, no Brasil), a guarda dos filhos de Ângela foi concedida a seu ex-marido.

O horizonte axiológico se sobressai nos enunciados do advogado, já que o objeto de seu discurso é perpassado pelos já ditos acerca dele, em uma relação dialógica com discursos alheios, uma vez que “o enunciado sempre pressupõe outros enunciados que o antecedem e o sucedem” (Bakhtin, 2011 [1979]).

Esses discursos outros fazem parte da construção sócio-histórica dos sujeitos e definem as identidades de gênero, oriundas de uma série de atos performativos que se dão por meio da linguagem, na medida em que o gênero não é uma condição preexistente do sujeito (Judith Butler, 2017). Em outros termos, os processos de construção da identidade estão intimamente ligados às práticas discursivas dos sujeitos e as identidades são constituídas no interior das interações sociais (Bakhtin, 2011 [1979]). Vale destacar que, na perspectiva bakhtiniana, a identidade é constituída no bojo das relações de alteridade, uma vez que “somente o olhar do outro confere ao sujeito a visão acabada do seu ser” (Sobral, 2009, p. 24).

A possibilidade de o sujeito assumir diferentes identidades por meio dessas relações de alteridade que lhe confere novo e temporário acabamento e está ligada à noção de identidade proposta por Stuart Hall (2006), que assume a perda de uma identidade fixa do sujeito pós-moderno, o que produz um “deslocamento” ou “descentração” desse sujeito. Isso porque, no escopo deste texto, a identidade não é tida como uma essência, um dado ou fato - seja da natureza, seja da cultura. A identidade não é fixa, estável, coerente, unificada, permanente. A identidade tampouco é homogênea, definitiva, acabada, idêntica, transcendental. Ao contrário, a identidade é uma construção, um efeito, um processo de produção, uma relação, um ato performativo. A identidade é instável, contraditória, fragmentada, inconsistente, inacabada (Tomaz Tadeu da Silva, 2014).

Nesse sentido, o sujeito mulher ganha acabamento a partir da visão do outro (perpassada por sua intenção social); um outro - o advogado de defesa - que diz quais comportamentos femininos são ou não socialmente aceitos. Os enunciados de Evandro revelam, pois, como pano de fundo, a problematização da identidade da mulher e o que se espera dela historicamente. De acordo com a reflexão de Ramos (2012), ainda se tem a produção da mulher como um sujeito inferior, instintivamente transgressora, sendo por isso sempre necessária a utilização da violência para mantê-la sob controle.

Essa construção discursiva é refutada pelo discurso-resposta da apresentadora do podcast, Vianna, que enquadra os enunciados outrora proferidos por Evandro Lins e Silva e concede a esse enunciado primeiro um novo tom valorativo. Ao fazer emergir as falas do advogado e colocando-as sob outro ângulo valorativo, a apresentadora se serve das palavras alheias para atingir o propósito discursivo do podcast de confrontar o machismo cristalizado nas relações de gênero, constituídas no discurso patriarcal.

O enquadramento do discurso alheio, nos escritos do Círculo de Bakhtin, caracteriza-se por conferir a esse discurso citado um novo acento de valor, não se tratando apenas de uma operação sintática do ponto de vista do uso da língua (Neil Franco; Rohling; Rafael Alves, 2020). Ainda, de acordo com os autores (2020), o novo enunciado sobre o enunciado já dito, enquadrado em outra situação de interação discursiva, sob novos tons valorativos, caracteriza o ato de reenunciação.

Ao reenquadrar os enunciados do advogado, Branca expressa sua valoração, em EB1, de forma a refutar os signos eleitos por ele (libertina e depravada), revelando sua discordância com o tom depreciativo atribuído por ele à Ângela Diniz. Ao dizer que Ângela estava vivendo uma vida que, na boca do Evandro, mais parece Sodoma e Gomorra, a apresentadora cria uma analogia entre o comportamento de Ângela e o dos habitantes das cidades bíblicas condenadas pela moral religiosa por sua depravação sexual, atribuindo ao enunciado uma entonação de indignação. Esse outro ângulo axiológico, atribuído pelo podcast, refrata as transformações nos modos de se referenciar o objeto discursivo “mulher”, (re)construído sócio e culturalmente por meio de intensas lutas feministas.

Ao partir da premissa de que todas as situações sociais de interação são constituídas por uma instância definida de tempo e de espaço, no interior da qual se constituem os valores compartilhados entre os interlocutores, infere-se que a transformação dos valores interfere na movência das identidades, em cada tempo. Sendo assim, a emergência de novos modos de exercício da feminilidade, desde o final dos anos 1970, foi produto de interações reais ocorridas nesse período, sobretudo no que concerne aos discursos feministas que buscam transgredir os já ditos cristalizados sobre a mulher.

Dito isso, a seguir, discute-se a estratégia discursiva do advogado criminalista de evocar a “honra masculina” como valor máximo a ser preservado, em detrimento da vida da vítima.

A (í)legítima defesa da honra

Como dito antes, uma das estratégias discursivas da defesa à época, e que ecoa ainda nos casos de violência de gênero na contemporaneidade, é culpabilizar a vítima que sofreu o ato violento. No excerto a seguir, evidenciamos como o advogado Evandro Lins e Silva investe todo um “tom” incisivo a fim de culpabilizar a vítima.

[EE4] ela provocou... ela levou a este estado de esPÍrito este homem que era um rapagão... um mancebo boNIto... um exemplar humano belo que se encantou pela beleza e pela sedução de uma mulher fatal... de uma vênus lasCIva

Ao enunciar que seu cliente - um mancebo bonito - caiu nas garras de uma mulher fatal, uma vênus lasciva, Evandro faz escolhas lexicais que revelam seu tom valorativo, este evidenciado ainda pela expressividade de suas falas. Nesse tocante, vale resgatar a noção de Volóchinov (2019 [1921-1930]) de que a entonação se orienta tanto para o ouvinte - como um cúmplice ou testemunha - como para o objeto do enunciado (nesse caso, Doca e Ângela), como um participante vivo, o qual a entonação xinga, acaricia, aniquila ou eleva.

Após construir o perfil de Doca Street como um homem de boa índole, trabalhador, réu primário e condenar a conduta de Ângela, de modo assertivo, o advogado busca persuadir o júri popular de que Ângela provocara o próprio homicídio, como observamos nos excertos na sequência.

[EE5] [...] a sua vida... os seus antecedentes... a sua formação... para então se poder tomar uma decisão JUSta... para verificar até que ponto a participação da vítima contribuiu mais ou menos fortemente para a deflagração da tragédia

[EB2] repetindo: “até que ponto a participação da vítima contribuiu pra deflagração da tragédia”

[EB3] essa era a estratégia do Evandro... o comportamento da Ângela era uma ameaça pra honra do Doca... lembra: ela teria dado em cima de uma mulher na frente de TOdo mundo... depois terminado com ele e ainda chamado ele de corno... a reputação dela de “pantera” era mais do que conhecida... e por isso a culpa não era dele de ter feito o que fez

[EB4] vamo lembrar que não teve nenhuma traição relatada da parte da Ângela... no MÁximo... um toque sensual na perna de uma vendedora ambulante na praia... mas o Evandro apostou nessa abordagem moral

[EE6] nós não sustentamos o direito de matar... não... não suponha ninguém que eu vim aqui sustentar o direito que tenha alguém de matar... NÃO (frase exclamativa)... eu tenho o direito éh:: de expliCAR... de compreender um gesto de desespero... uma explosão inconTIda de um homem ofendido na sua dignidade mascuLIna... comPREENde-se... desCULpa-se... esCUsa-se... isto o Júri faz não é no Brasil... não... é no mundo inteiro... quando há raZÕES, quando há moTIvos

[EB5] é aqui que o Doca começa a aparecer como a verdadeira vítima desse crime... vítima da Ângela

A legítima defesa da honra é referenciada pelo advogado criminalista como um argumento plausível, que justifica a compreensão para o que ele define como um gesto de desespero, uma explosão incontida de um homem ofendido na sua dignidade masculina (EE6), impulsionada pelo comportamento da vítima (EE5). O acabamento estilístico dos enunciados, somado ao tom persuasivo, revela seu acento valorativo orientado por uma ideologia perpetuada pela sociedade patriarcal, baseada na autoridade do homem sobre mulher e filhos no âmbito familiar. Ao compreender os sistemas de representação do ser mulher perante a honra, construída como um bem masculino, observa-se que tal processo se deu em um lugar de anulação, de abjeção da mulher em detrimento dos direitos do homem, processo esse atrelado à manutenção do poder; isso porque a constituição da mulher como ser abjeto, inumano, é necessária para que o domínio do sujeito seja circunscrito (Butler, 2007).

A tese da legítima defesa da honra, amparada nos já ditos sobre o dever social da mulher em preservar a honorabilidade masculina, configura um argumento inconstitucional e que já estava em desuso à época do julgamento de Doca Street. No entanto, Evandro Lins e Silva se valeu da premissa de que o júri, por desconhecer o Código Penal vigente, tomaria uma decisão guiado por suas convicções e crenças pessoais, constituídas no horizonte valorativo patriarcal. Nessa perspectiva, evidencia-se, mais uma vez, que o discurso sempre provoca a resposta, antecipa-a e constrói-se voltado para ela (Bakhtin, 2015 [1930-1936]), presumindo a resposta ativa do outro.

No enunciado-resposta à EE5, Vianna reenuncia a fala do advogado em EB2 (até que ponto a participação da vítima contribuiu pra deflagração da tragédia), pausadamente, com entonação de incredulidade. No conteúdo semântico-objetal em EB3 (Ângela era uma ameaça pra honra do Doca (...) e por isso, a culpa não era dele de ter feito o que fez), Branca reenuncia o discurso de Evandro, elegendo um léxico pertinente ao seu objetivo discursivo. O mesmo movimento de refutação ao discurso do advogado (EE6) também é observado em EB5: É aqui que o Doca começa a aparecer como a verdadeira vítima desse crime.

Há, nos enunciados de Vianna, um reenquadramento discursivo quando as palavras do advogado ganham novos matizes e tonalidades axiológicos de indignação e certa ironia. Ademais, o reenquadramento traz novos sentidos e apresenta um movimento de combate à orientação argumentativa do advogado que está alinhada a uma visão patriarcal.

Tal observação tem relação com a afirmação de Medviédev (2012 [1928]) de que distintos grupos sociais que dispõem de um mesmo aparato lexical podem entoar as palavras de formas profundamente diferentes, inserindo-as em combinações estilísticas e semânticas igualmente diferentes. A entonação avaliativa predominante nos discursos de Vianna, que produz sentido de indignação, está intimamente relacionada ao cronotopo no qual “a honra masculina é um enunciado que parece não mais fazer parte dos discursos proferidos em nossa cultura (…) como se fosse algo que não estivesse de acordo com os arranjos feitos pelas relações de gênero atuais” (Ramos, 2012, p. 54).

Vale destacar a importância da compreensão do conceito bakhtiniano de cronotopo para a presente análise, sendo que este pode ser entendido como uma unidade fundamental na percepção humana da realidade cotidiana por abarcar certas balizas sociais, históricas, culturais e político-econômicas que se manifestam materialmente na forma de enunciados (Acosta Pereira; Amanda Oliveira, 2020). Na visão de Marília Amorim (2018, p. 103), “a concepção de tempo traz consigo uma concepção de homem e, assim, a cada nova temporalidade, corresponde um novo homem”. Em outros termos, os cronotopos, organizados na forma de gêneros que, por sua vez, constroem visões típicas do homem, regularizam as formas de compreensão da realidade social e das ações humanas.

Nessa perspectiva, a mudança do papel social da mulher ao preservar a honra do homem, de uma instância espaço-temporal à outra, está relacionada à individualização dos relacionamentos internos da família. Conforme elucidado por Manuel Castells (1999), a sexualidade tornou-se, em relação aos valores sociais, uma necessidade pessoal não mais canalizada e institucionalizada no seio da família.

Esses novos valores sociais, constituídos em um novo horizonte espaço-temporal, refratam a maneira como os objetos são referenciados. Por isso a importância da produção e publicação de um projeto como Praia dos Ossos, ao trazer à tona falas enunciadas em outro espaço-tempo, outra situação enunciativa, operando uma ressignificação dos modos como Ângela Diniz foi discursivizada na época do crime.

Em artigo publicado na revista Piauí, no ano do lançamento de Praia dos Ossos, Vianna e Flora Thomson-DeVeux (2020), - a apresentadora e a pesquisadora do podcast, respectivamente - reverenciam a luta do movimento feminista desde os anos 1970, reconhecendo seu legado:

Homens que matam suas companheiras não mais são tratados, pelo Judiciário ou pelo público, como personagens admiráveis movidos por amor [...] Também o fato de podermos contar a história de Ângela Diniz de um ponto de vista radicalmente diferente - fundado em ideias que, de radicais, tornaram-se moeda corrente - igualmente serve como testemunho dos avanços do feminismo.

A partir disso, consideramos de fundamental relevância o papel de produtos midiáticos como o Praia dos Ossos, que jogam luz sobre questões sociais, questionando discursos arraigados na cultura como aqueles acerca da naturalização da violência contra a mulher e do machismo ainda reproduzido por instituições e sistemas como o Poder Judiciário.

Considerações finais

Este estudo evidenciou que as avaliações axiológicas se sobressaem nos enunciados analisados, uma vez que os objetos do discurso enfocados - a identidade da mulher - são valorados por sujeitos sócio e historicamente situados e atravessados por valorações outras. Por pertencerem a horizontes espaço-temporais distintos, as vozes sociais agenciadas pelo podcast refletem conjuntos de valores dominantes nos cronotopos aos quais pertencem, configurando assim um embate ideológico/valorativo entre elas.

Ademais, as entoações revelam-se orientadas ainda pelas esferas de atividade humana em que os discursos foram produzidos e pela relação dos autores com os objetos discursivos. Essa expressividade se mostra de modo mais saliente nas marcas estilísticas dos enunciados, sobretudo nas escolhas lexicais.

Os dados evidenciaram, nos enunciados de Evandro Lins e Silva, o acento depreciativo a respeito de Ângela, baseado em um julgamento de valor moral e estabelecendo a honra masculina como valor máximo a ser preservado, com vistas a atribuir a motivação do homicídio ao comportamento da vítima. Por outro lado, os enunciados de Vianna reenquadram as palavras proferidas por Evandro na ocasião do primeiro julgamento de Doca Street, dando-lhes novas tonalidades e novos sentidos.

Nesse novo enquadramento, não é a honra masculina, mas o direito à vida e à liberdade de escolhas que emerge como valores predominantes. Desse modo, o podcast adequa-se à nova situação de interação e ao novo auditório social, com vistas a cumprir seu objetivo discursivo de provocar indignação diante da fala do advogado criminalista, que deprecia o sujeito-mulher.

A reacentuação valorativa produzida pelo podcast, 41 anos após a primeira enunciação, revela a ressignificação dos signos, de um cronotopo a outro. Isso se deu graças ao olhar exotópico lançado sobre as falas do advogado de defesa na transmissão da Rádio Nacional, reenunciadas anos depois, ganhando novo e temporário acabamento.

Assim, este artigo propõe uma reflexão sobre os discursos já ditos acerca do exercício da feminilidade, bem como sobre o papel dos podcasts como espaço de crítica e reconstrução discursiva no que tange às relações de poder no campo dos gêneros sociais.

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  • 1
    A única possibilidade de separação oficial dos casais até a década de 1970 era o desquite, que não dissolvia os vínculos conjugais e não permitia novos casamentos. O fim da sociedade conjugal tornou-se possível somente em 1977, quando entrou em vigor a Lei do Divórcio (Lei n. 6.515/77).
  • 2
    O uso da manobra legal da legítima defesa da honra foi proibido pelo Tribunal Superior de Justiça (STF), em 2021, quando a ação que discute sua aplicação em casos de feminicídios julgados no Tribunal do Júri foi apresentada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). Em agosto de 2023, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou, por unanimidade, inconstitucional o argumento da “legítima defesa da honra”, proibindo seu uso, sob pena de nulidade, em qualquer fase do processo penal ou durante o julgamento perante o Tribunal do Júri.
  • 3
    Os episódios estão disponíveis em plataformas de streaming como Spotify e Deezer, e no site da Rádio Novelo (https://radionovelo.com.br/originais/praiadosossos/).
  • 4
    À época do primeiro julgamento de Doca Street, sequer se falava em “violência de gênero”. Foi somente na segunda metade do século XX que especialmente o feminismo latino-americano passou a desenvolver uma prática crítica que envolveu embates com o Estado e a capacidade propositiva para a conquista de direitos e políticas públicas, como a criação das Delegacias de Defesa da Mulher, a Lei Maria da Penha, de 2006, e a Lei do Feminicídio, de 2015.
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:
    ROHLING, Nívea; ÁBILA, Fernanda. “‘Em legítima defesa da honra’: o horizonte valorativo no podcast Praia dos Ossos”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 33, n. 3, e93842, 2025.
  • Financiamento:
    Não se aplica
  • Consentimento de uso de imagem:
    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:
    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Set 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    13 Abr 2023
  • Revisado
    12 Dez 2024
  • Aceito
    20 Fev 2025
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