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Estudos de Gênero e História Social

Gender Studies and Social History

Resumos

Busco mostrar em que os Estudos de Gênero podem colaborar com a História Social, argumentando a partir de três eixos: 1) avaliação da importância do olhar preocupado com gênero para uma compreensão mais acurada do social sob uma perspectiva histórica; 2) análise das abordagens teórico-metodológicas atentas à construção social das diferenças sexuais que dialogam com a disciplina histórica - a desenvolvida dentro dos marcos da História Social e a ligada ao pós-estruturalismo de Joan Scott " a partir de duas preocupações: a) destacar as possibilidades de ação humana e b) enfrentar questões gerais da disciplina; e 3) exposição de como o debate em torno dessas abordagens colabora para as atividades de pesquisa e a reflexão teórica. Meu objetivo último é tentar ajudar a aumentar o número de trabalhos de pesquisa em História que lançam mão do conceito de gênero no Brasil.

gênero; Estudos de Gênero; História Social; pós-estruturalismo; historiografia; História das Mulheres


This text intends to show how Gender Studies can collaborate with Social History from three axis of argumentation: 1) it discusses the relevance of Gender Studies for a more accurate understanding of the social characteristics under a historical perspective. 2) It examines two of the theoretical-methodological approaches on the social construction of sexual differences adopted in History works; revisits the proposal developed from the angle of Social History confronted with post-structuralist proposal of J. Scott based in two programs clearly adopted by both: a) highlight human agency possibilities and b) face general questions of historical discipline from a gender perspective. 3) It shows how the debate concerning those approaches collaborates for research activities and theoretical reflection.

Gender; Gender Studies; Social History; Post-structuralism; Historiography; Women's History


ENSAIO

Estudos de Gênero e História Social

Gender Studies and Social History

Carla Bassanezi Pinsky

Historiadora

RESUMO

Busco mostrar em que os Estudos de Gênero podem colaborar com a História Social, argumentando a partir de três eixos: 1) avaliação da importância do olhar preocupado com gênero para uma compreensão mais acurada do social sob uma perspectiva histórica; 2) análise das abordagens teórico-metodológicas atentas à construção social das diferenças sexuais que dialogam com a disciplina histórica – a desenvolvida dentro dos marcos da História Social e a ligada ao pós-estruturalismo de Joan Scott " a partir de duas preocupações: a) destacar as possibilidades de ação humana e b) enfrentar questões gerais da disciplina; e 3) exposição de como o debate em torno dessas abordagens colabora para as atividades de pesquisa e a reflexão teórica. Meu objetivo último é tentar ajudar a aumentar o número de trabalhos de pesquisa em História que lançam mão do conceito de gênero no Brasil.

Palavras-chave: gênero; Estudos de Gênero; História Social; pós-estruturalismo; historiografia; História das Mulheres.

ABSTRACT

This text intends to show how Gender Studies can collaborate with Social History from three axis of argumentation: 1) it discusses the relevance of Gender Studies for a more accurate understanding of the social characteristics under a historical perspective. 2) It examines two of the theoretical-methodological approaches on the social construction of sexual differences adopted in History works; revisits the proposal developed from the angle of Social History confronted with post-structuralist proposal of J. Scott based in two programs clearly adopted by both: a) highlight human agency possibilities and b) face general questions of historical discipline from a gender perspective. 3) It shows how the debate concerning those approaches collaborates for research activities and theoretical reflection.

Key Words: Gender; Gender Studies; Social History; Post-structuralism; Historiography; Women's History

O número de trabalhos de História que lançam mão do conceito de gênero no Brasil é muito baixo. Poderia ser maior. Com este texto busco mostrar aos historiadores (meus interlocutores privilegiados) que é possível responder positivamente à pergunta: "os Estudos de Gênero podem colaborar com a História Social?". Minha argumentação se dá em torno de três eixos:

1) avaliação da importância do olhar preocupado com gênero para uma compreensão mais acurada do social sob uma perspectiva histórica;

2) análise das abordagens teórico-metodológicas atentas à construção social das diferenças sexuais que dialogam com trabalhos de História, tanto a desenvolvida dentro dos marcos da chamada História Social, quanto a ligada ao pensamento pós-estruturalista. A primeira, defendida por historiadoras como Louise Tilly, Eleni Varikas e Catherine Hall, inspira-se na corrente historiográfica de vertente marxista (adotada por Edward P. Thompson, Eric Hobsbawm, Natalie Davis, Michelle Perrot, entre outros). A segunda tem como principal defensora a historiadora Joan Scott, que, influenciada por obras de Foucault e Derrida, passou a criticar a História Social e sustentar o que chamou de uma nova epistemologia para os estudos históricos. Essas abordagens são aqui analisadas a partir de duas preocupações explícitas em ambas: a) destacar as possibilidades de ação humana na história e b) enfrentar questões gerais da disciplina histórica adotando uma perspectiva que leva gênero em conta;1 1 E a famosa Judith Butler vai ficar de fora? Tenho dúvidas se os desafios de Judith Butler e se conceitos como "múltiplas identidades" ou gender trouble são imprescindíveis aos historiadores. É provável mesmo que a História Social possa dar conta dos fenômenos da mudança social e da ação humana com suas próprias ferramentas disciplinares.

3) exposição de como o debate em torno dessas abordagens colabora para as atividades de pesquisa e a reflexão teórica. Com isso, busco inspirar um ou outro historiador a estudar questões de gênero em seus trabalhos de pesquisa. Daí, talvez, o tom um tanto didático do texto...

História das Mulheres

Para observar as vantagens da preocupação com o tema e mesmo da adoção do conceito de gênero, é interessante relembrar as conquistas da História das Mulheres, assim como as primeiras tentativas de incorporar os Estudos de Gênero à disciplina histórica.

A História das Mulheres adquiriu expressão a partir década de 1970, inspirada por questionamentos feministas e por mudanças que ocorriam na historiografia, entre as quais, a ênfase em temas como família, sexualidade, representações, cotidiano, grupos "excluídos". Seu sucesso atrelou-se aos avanços da Nouvelle Histoire, Social History, Cultural History e dos Estudos de População.

A produção historiográfica passível de ser reunida sob o título História das Mulheres foi e é bastante diversificada em termos de assuntos, métodos e qualidade intelectual. Entretanto, esses trabalhos têm em comum: a atenção às mulheres do passado e o reconhecimento de que a condição feminina é constituída histórica e socialmente.

Vários historiadores, após denunciar a exclusão das mulheres nos trabalhos de História feitos até então, procuraram torná-las visíveis na chamada História Geral. Essa preocupação foi especialmente marcante nos primeiros momentos de desenvolvimento da História das Mulheres. Para alguns críticos, entretanto, isso não foi suficiente por não afetar profundamente a historiografia tradicional, com seus recortes temáticos, periodizações, fontes e "fatos históricos" já bem delimitados.2 2 Joan SCOTT, 1988b.

Porém, muitos outros trabalhos sim contestaram a História Geral existente por tomar o homem branco e ocidental como "medida da humanidade", e não reconhecer que as mulheres podem ter trajetórias distintas das dos homens. Na tarefa de reescrever a História, agora levando as mulheres em consideração, por um lado, ganharam destaque as biografias de mulheres e as evidências da participação feminina nos acontecimentos históricos e na vida pública. Por outro lado, passou a ser valorizada a "dimensão política da vida privada", local privilegiado, mas não único, da female agency. Nas pesquisas sobre "pessoas comuns", as mulheres também foram contempladas em "biografias coletivas" de diversos grupos sociais.3 3 Louise TILLY, 1990. Historiadores empenharam-se em estabelecer relações entre as experiências femininas e as vivências de classe e/ou étnicas e entre as classes e/ou os grupos étnicos. Certos trabalhos apresentaram as mulheres atuando na história da mesma forma que os homens. Outros, por sua vez, revelaram possibilidades diferenciadas das experiências femininas.4 4 Alguns chegaram até a falar de uma "cultura feminina", enfatizando a diferença. Esses foram, posteriormente, criticados por isolarem as mulheres do contexto social mais amplo e supervalorizarem seus poderes e esferas restritas de atuação.

A História das Mulheres deixava clara a importância da diferença sexual na organização da vida social em diversos contextos muito bem mapeados. Um grande avanço, sem dúvida, mas ainda insatisfatório para os que reivindicavam resultados mais amplos para além das meras descrições. Não basta acrescentar as mulheres aos livros de História – disseram –, é preciso repensar o próprio saber histórico e privilegiar abordagens analíticas.5 5 Gisela BOCK, 1988; e Joan SCOTT, 1988a. Atendendo ao apelo, vários historiadores procuraram explicar o desenrolar do processo histórico oferecendo novas narrativas, apresentando novas causas e demonstrando consequências antes ignoradas.

Surgiram também inquietações do tipo: como as experiências masculinas passaram a ser as únicas representativas da história humana? Qual o efeito do "olhar sobre as mulheres" na prática historiográfica? Assim, estudos sobre mulheres serviram para "questionar a prioridade relativa dada à 'história do homem', em oposição à 'história da mulher', expondo a hierarquia implícita em muitos relatos históricos",6 6 SCOTT, 1992. em caracterizações de avanços e retrocessos e em temas e periodizações, tais como Renascimento, Revolução Francesa e cidadania, classe trabalhadora, conquista da América. "Se uma forma de periodização significa a eleição de determinados acontecimentos como os mais importantes para assinalar uma mudança fundamental na organização econômica, social, política, uma periodização no feminino será aquela que elege como acontecimentoschaves aqueles relevantes para as mulheres".7 7 Carmen ESCANDÓN, 1991.

A tendência do enfoque exclusivo sobre as mulheres acabou dando lugar ao estudo das relações entre os sexos (o pressuposto: as mulheres são definidas também em relação aos homens, e vice-versa). A própria experiência masculina passou a ser estudada para além de categorias pretensamente neutras, como classe e etnicidade. O feminino foi visto como reportado necessariamente ao masculino nas práticas concretas e simbólicas, em relações de poder, conflito ou complementaridade, dentro de contextos históricos específicos. As relações sociais de sexo adquiriram o mesmo status de categorias como classe e raça e passaram a ser consideradas imprescindíveis em teorias que se propõem a explicar as mudanças sociais.

Para Catherine Hall e Leonore Davidoff, por exemplo, "sexo e classe operam sempre juntos, e a consciência de classe também adota sempre uma forma sexuada ainda que a articulação de ambos nunca seja perfeita". A distinção entre homem e mulher é um fato sempre presente; determina a experiência, influi na conduta e estrutura expectativas.8 8 Catherine HALL e Leonore DAVIDOFF, 1987.

O debate sobre a necessidade e as maneiras de tornar o saber histórico preocupado com a construção social das diferenças sexuais um campo de conhecimento mais analítico prosseguiu e continua até hoje. Dentro desse debate, existem várias ressalvas e críticas, como também defesas ardorosas, do atrelamento da pesquisa com tal preocupação aos métodos e ferramentas conceituais da chamada História Social. As discussões a esse respeito chegaram a tomar rumos inusitados quando alguns envolvidos foram além do questionamento das formas de elaboração dos fatos históricos e criticaram a própria metodologia de análise da disciplina. Voltaremos a isso.

A preocupação com gênero

Em outras reflexões, o termo sexo foi questionado por remeter ao biológico e a palavra gênero passou a ser utilizada para enfatizar os aspectos culturais relacionados às diferenças sexuais. Gênero remete à cultura, aponta para a construção social das diferenças sexuais, diz respeito às classificações sociais de masculino e de feminino. A partir dessa visão aparentemente consensual do conceito de gênero, o termo foi empregado de diferentes maneiras pelos historiadores.

Os Estudos de Gênero entraram na História. Nesse debut, herdaram muitos dos pressupostos, preocupações e metodologias de pesquisa da já atuante História das Mulheres, mas também reformularam ou contestaram vários outros.

Uma das formas, talvez a mais interessante, de adoção do termo é seu emprego como categoria de análise. Nesse sentido, uma das propostas da História preocupadas com gênero é entender a importância, os significados e a atuação das relações e representações de gênero no passado, suas mudanças e permanências dentro dos processos históricos e suas influências nesses mesmos processos.9 9 Carla BASSANEZI, 1992.

Na avaliação de Joan Scott (feita em 1986), com a qual muitos historiadores concordaram, os Estudos de Gênero representam a grande saída diante dos impasses provocados por teorias que procuram causas originais da dominação do sexo feminino pelo masculino. Trabalhos preocupados com "origens" e "causas primárias", apesar de terem colaborado para o conhecimento da "condição feminina", terminavam muitas vezes por subordinar as relações entre homens e mulheres a uma "causa essencial" abstrata e universal, sem refletir sobre os significados das transformações dessas relações (podemos acrescentar: tomando a própria dominação masculina como pressuposto, como se fosse algo a-histórico). As chamadas teorias do patriarcado explicam a subordinação "universal" e "invariável" das mulheres pela necessidade masculina de controle da sexualidade feminina, fixando a oposição homem/mulher. As correntes feministas marxistas apontam, por sua vez, para o peso da necessidade capitalista de controlar a força de trabalho feminina na divisão sexual do trabalho (procurando garantir o "papel reprodutivo" e a manutenção de um "exército de reserva").

Essas duas perspectivas (e suas variantes, como, por exemplo, as teorias da "dominação dual") não avançam no sentido de explicar historicamente a diversidade das formas de relações entre os sexos e as representações distintas do masculino e do feminino existentes em vários contextos e culturas. A categoria de gênero, entretanto, ajuda a pensar nessas questões, escapar ao reducionismo, levar em conta as transformações históricas e incorporar, na pesquisa e na análise, seus entrecruzamentos com etnia, raça, classe, grupo etário, nação, entre outras variáveis.

Em determinadas abordagens, o termo "gênero" vai se sofisticando na promessa de enriquecer os estudos históricos. Tomado como uma categoria, ou seja, um modo de perceber e analisar relações sociais e significados, gênero pode ser empregado como uma forma de afirmar os componentes culturais e sociais das identidades, dos conceitos e das relações baseadas nas percepções das diferenças sexuais. Em outras palavras, a categoria de gênero remete à ideia de que as concepções de masculino e de feminino possuem historicidade.

Assim, os significados de "ser homem", "ser mulher" ou de identidades e papéis [relacionados de algum modo a concepções que fazem referência a sexo] como "mãe", "boa esposa", "moça de família", "chefe da casa" são entendidos, na perspectiva de gênero, como situações produzidas, reproduzidas e/ou transformadas ao longo do tempo.10 10 BASSANEZI, 1992.

Como uma categoria de análise, gênero por si só não pressupõe ou descreve nada além do fato de que percepções das diferenças sexuais são capazes de nortear relações sociais. Não traz em si um conteúdo. Não se refere a um objeto específico. Não define de antemão condições, identidades e relações. Portanto, estudar gênero demanda pesquisa.

A vantagem da categoria de gênero é justamente permitir, e mais, exigir que o estudo e a análise sejam feitos sem definições preestabelecidas com relação aos significados ligados às diferenças sexuais. Essas definições devem ser buscadas em cada contexto. A questão central a ser respondida pelos pesquisadores parte do "como": como, em situações concretas e específicas, as diferenças sexuais são invocadas e perpassam a construção das relações sociais?

O objeto da investigação não precisa ser necessariamente a categoria empírica "mulher" (ou "homem"), pode ser o significado atribuído a objetos11 11 Antropólogos ensinam que coisas também podem ser vistas como masculinas ou femininas (Suely KOFES, 1993). e atitudes. Pode remeter às condições de desigualdade, a manifestações e a ideias sobre sexualidade, maternidade, paternidade; às relações familiares ou de trabalho; às ideias veiculadas pelos meios de comunicação. Pode tratar das manifestações subjetivas ou dos discursos científicos (da Medicina, da História, da Biologia). Isso porque as representações de gênero estão presentes – sendo construídas, reproduzidas e contestadas – em vários espaços, tais como as instituições, o mercado de trabalho, os meios de comunicação, os movimentos sociais, as experiências coletivas e as escolhas individuais.

Existem até historiadores com estudos interessantíssimos sobre a influência das concepções de gênero nas ideias sobre civilização12 12 Como o estudo de Mary Louise Roberts (1992) sobre a França em "crise cultural" no pós-Primeira Guerra Mundial. ou nas concepções nacionalistas em vários lugares do mundo e em diversas épocas.13 13 HALL, 1993. Em minha opinião, esses temas são os que melhor simbolizam a novidade e o alcance de voo da categoria de gênero, pois não falam direta e imediatamente de homens e mulheres concretos, e sim de concepções de masculino e feminino presentes e atuantes no processo histórico.

As propostas de Joan Scott

Um grande marco nos Estudos de Gênero foi a publicação, em 1986, de "Gender: A Useful Category of Historical Analysis", de Joan Scott, que problematizava gênero em termos de categoria de análise como uma forma de fazer com que os trabalhos preocupados com as diferenças sexuais passassem das descrições para as explicações (inquietação compartilhada por vários outros autores) e, finalmente, para a elaboração de teorias.

A definição de gênero que Scott apresenta nesse texto parte de duas proposições: a) gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos; e b) gênero é um modo primário de significar relações de poder. A primeira refere-se ao processo de construção das relações de gênero. A segunda refere-se à pertinência da aplicação do termo como categoria de análise de outras relações de poder.14 14 Eleni VARIKAS, 1991.

Para Scott, a definição de gênero envolve ainda quatro elementos que podem operar em conjunto:

a) símbolos que evocam múltiplas representações (por exemplo, Eva e Maria, inocência e corrupção, virtude e desonra). Eles devem ser pesquisados em suas modalidades e nos contextos específicos em que são invocados;

b) conceitos normativos que evidenciam as interpretações e os significados dos símbolos (doutrinas religiosas, regras sociais, científicas, políticas), e que remetem a afirmações dominantes dependentes da rejeição ou repressão de possibilidades alternativas. Aqui, o desafio das pesquisas seria revelar o debate por trás da aparência de uma permanência eterna na representação binária e hierárquica de gênero;

c) política, instituições e organização social, noções e referências que devem ser incluídas nas análises, pois gênero é construído tanto no parentesco quanto na economia e na política; e

d) identidade subjetiva. O pesquisador pode examinar os modos pelos quais as identidades de gênero são constituídas, relacionando-as a atividades (educacionais, políticas, familiares etc.), organizações e representações sociais contextualizadas.

Enfim, Scott propõe que os pesquisadores observem "os efeitos do gênero nas relações sociais de maneira sistemática e concreta".15 15 SCOTT, 1986.

A afirmação de que o gênero é um campo primário no qual ou por meio do qual o poder é articulado (apesar de não ser o único, é um meio recorrente de proporcionar a significação de poder) conduz o historiador a buscar as formas pelas quais os significados de gênero estruturam a organização concreta e simbólica de toda a vida social, ou seja, as referências que estabelecem distribuições de poder (controle ou acesso diferencial às fontes materiais e aos recursos simbólicos). Gênero é tanto produto das relações de poder quanto parte da construção dessas próprias relações. Os pesquisadores podem, portanto, pensar nas seguintes questões: como as instituições incorporaram gênero? Por que as mulheres permaneceram por tanto tempo invisíveis no conhecimento histórico? O sujeito da ciência e a objetividade científica são engendered (pautados por gênero)? Quais são os efeitos sociais da associação entre Estado totalitário e masculinidade, regimes autoritários e controle da sexualidade feminina?16 16 Cito, como exemplo, dois objetos de estudo capazes de demonstrar como gênero é evocado para definir relações de poder: a) o nazismo, cujo ideal de superioridade é simbolizado pelo homem ariano, que cultua a virilidade e tem como objetivo o extermínio dos judeus (que conduz, entre outras coisas, à esterilização em massa de mulheres judias) (BOCK, 1988); e b) a discussão do caráter gendered masculino do espaço público burguês na época da Revolução Francesa: a política da monarquia, chamada de "política da alcova", é associada pelos discursos revolucionários, negativamente, ao feminino e à imoralidade. Em contrapartida, a República (a política visível do espaço público) é associada, positivamente, ao masculino. Um estudo como esse fornece pistas sobre a exclusão das mulheres (relacionada à formação da virtude republicana) e sobre como, a partir de quais mecanismos ideológicos, a crítica da autoridade arbitrária não chega ao interior da família burguesa (Joan LANDES, 1988).

Scott pergunta: se as significações de gênero e as de poder se constroem mutuamente, como ocorrem as mudanças? – uma grande questão da História –, ou seja, se as estruturas se reproduzem, como se dão as rupturas? Para Scott, as respostas não são únicas. Elas devem ser buscadas em cada contexto histórico. As pesquisas ancoradas na disciplina histórica têm mostrado que movimentos sociais, rebeldias individuais, transformações econômicas, crises demográficas etc., podem servir para que sejam redefinidos os termos de gênero ou reforçar os conceitos tradicionais sob novas aparências. Dessa forma, por exemplo, "homem" e "mulher" – categorias aparentemente fixas ligadas à natureza dos sexos – podem receber definições alternativas ou incorporar possibilidades antes negadas ou reprimidas.

Essas propostas de Scott foram amplamente aplaudidas, mesmo porque algumas delas já vinham sendo postas em prática por historiadores sociais.17 17 VARIKAS, 1991. As preocupações militantes dessa autora e seu apelo para reflexões acadêmicas que colaborassem com o projeto feminista também atraíram atenções e elogios. Outros textos de Scott, porém, provocam reações negativas, por diversos motivos em vários campos: suas críticas aos Estudos de Gênero ligados à História social, suas observações relativas aos "limites epistemológicos" da própria História Social e, finalmente, sua aproximação com métodos linguísticos e o que chamou de pós-estruturalismo.

A opção pós-estruturalista de Joan Scott

Joan Scott deve sentir-se à vontade ao fazer críticas à História Social: em 1978, publicou, em parceria com Louise Tilly, um livro brilhante nessa linha de abordagem chamado Woman, Work and Family.18 18 TILLY e SCOTT, 1987. Esse livro é uma rara e competente combinação de macro-História (comparativa, de grande duração, preocupada com longos processos) e História do cotidiano. Especificamente, ele é o resultado bemsucedido de um esforço de estudar a história do trabalho das mulheres na França e na Inglaterra no período 17001950. Sustentando o princípio de que o conhecimento das experiências femininas, no caso, a atuação das mulheres no mundo do trabalho, só pode surgir da compreensão dos contextos econômicos, demográficos e familiares nos quais essas mulheres configuram suas vidas, as autoras delineiam a trajetória do trabalho das mulheres a partir das mudanças e permanências desses fatores inter-relacionados. A obra não apenas trata do impacto da industrialização no trabalho feminino e de sua estreita relação com as estratégias de reprodução das famílias – como pretendem as autoras –, como também contribui com pistas em bases sólidas para o estudo das mentalidades e das intersecções entre condições estruturais, relações sociais e escolhas individuais.

Posteriormente, referindo-se à parceria entre História Social e História das Mulheres (e fazendo uma espécie de autocrítica), Scott diria:

os historiadores sociais (eu, dentre eles) documentaram os efeitos da industrialização sobre as mulheres, um grupo cuja identidade comum nós pressupomos. Questionávamos menos freqüentemente naquela época sobre a variabilidade histórica do próprio termo "mulheres", como ele se alterou, como no decorrer da industrialização, por exemplo, a designação mulheres "trabalhadoras" como uma categoria separada de "trabalhadores" criou novas percepções sociais do que significava ser uma mulher.19 19 SCOTT, 1992.

Para Scott, a História Social, ao estudar processos ou sistemas por meio de grupos humanos particulares e ao pluralizar os objetos e as narrativas históricas, abriu espaço para a História das Mulheres e de Gênero. Entretanto, "reduziu a ação humana colocando-a em função de forças econômicas e fez do gênero um de seus inúmeros subprodutos", e não algo que pudesse ser estudado em si mesmo. Isso ocorre porque a História Social defende que a diferença de gênero pode ser entendida dentro de seu quadro explicativo (econômico).20 20 SCOTT, 1988b. A ideia adotada pela História Social de que categorias de identidade refletem uma experiência objetiva (e que, portanto, determinações objetivas e efeitos subjetivos constituem esferas separadas) conduz a explicações que servem mais para confirmar que para modificar visões preestabelecidas sobre as mulheres. Essa concepção remete a uma essência feminina e consequentemente a interesses (e consciência) determinados pela posição econômica ou sexual. Uma história escrita nesses termos endossa a ideia da diferença sexual imutável e termina por ser usada para justificar a discriminação.21 21 SCOTT, 1988a, introdução. Para que se possa romper com o campo conceitual (da Filosofia Ocidental), que tem construído o mundo hierarquicamente em termos de universalidades masculinas e especificidades femininas, é necessária uma nova abordagem teórica.22 22 SCOTT, 1988e.

Scott, então, descarta a História Social e afirma ter encontrado no pós-estruturalismo uma "epistemologia mais radical", capaz de "tratar as mulheres como sujeitos da história e gênero como uma categoria analítica".23 23 SCOTT, 1988c. A autora chama de pós-estruturalismo as abordagens linguísticas e filosóficas calcadas em ideias de Derrida e Foucault. Para Scott, as teorias da linguagem empregadas pelos pós-estruturalistas ajudam a pensar "como as pessoas constroem significados", "como a diferença (e, portanto, diferença sexual) opera na construção do significado" e "como as complexidades dos usos contextuais abrem caminho para mudanças no significado".24 24 SCOTT, 1987.

Quando Scott fala em linguagem, não quer dizer representação de ideias que causam relações materiais ou da qual resultam.25 25 SCOTT, 1987, 1988e. Por linguagem, ela entende "sistemas de significado ou conhecimento" em que o significado é criado por meio da diferenciação. Afirma que "não há realidade social fora ou anterior à linguagem", ou seja, "é impossível separar significados de experiências, não há experiência social separada da percepção das pessoas sobre ela", "linguagem não é só as idéias que as pessoas têm sobre determinados assuntos, mas as suas representações e organizações da vida e do mundo".26 26 SCOTT, 1987, 1988c, 1988e. "Linguagem não somente possibilita a prática social; ela é a prática social".27 27 SCOTT, 1987. Textos não são só documentos, mas também "articulações de qualquer tipo ou meio, inclusive práticas culturais".28 28 SCOTT, 1988e. Discurso não é uma forma de expressão, ou palavras, mas é um conjunto não só de modos de pensar, de entender, como o mundo opera e qual o lugar de cada um nele, como também de modos de organizar vidas, instituições e sociedades, de implementar e justificar desigualdades, mas também de recusá-las.29 29 SCOTT, 1987. Em outras palavras, discurso "é uma estrutura de proposições, termos, crenças e categorias histórica, social e institucionalmente específicas".30 30 SCOTT, 1988e. Scott diz ter optado por essa noção porque ela permite quebrar com as oposições conceito/prática, representações/vida concreta, material. Diferença é a "noção de que o significado é feito através de contraste: uma definição positiva se baseia na negação ou repressão de algo representado como sua antítese". E, finalmente, desconstrução é a análise das operações da diferença (modos pelos quais os significados são postos para funcionar) nos textos.31 31 SCOTT, 1988e.

Uma abordagem que vê o significado como algo construído em termos de diferença é útil (para os historiadores com preocupações feministas), já que percebe a diferença sexual como uma maneira de estabelecer significado.32 32 SCOTT, 1988c. A apropriação do pós-estruturalismo pelos Estudos de Gênero no sentido de pensar a diferença (em termos de pluralidade e diversidade, em vez de unidade e universalidade), segundo Scott, vai ao encontro das necessidades teóricas de se estudarem as relações de poder, a produção dos significados e as formas de construção e de legitimação das hierarquias de gênero. Nessa perspectiva, gênero é redefinido como conhecimento (o saber) sobre a diferença sexual.33 33 SCOTT, 1988a, introdução. O conhecimento se refere a tudo em que se constituem as relações sociais (ideias, instituições, estruturas, práticas, rituais). Conhecimento é um modo de ordenar o mundo e é inseparável da organização social. Assim, "gênero é a organização social da diferença sexual". Os significados estabelecidos por gênero podem ser contestados politicamente, e é por meio deles que as relações de poder são constituídas.

Um dos princípios caros a essa abordagem é o de que os significados são produzidos diferencial e hierarquicamente. Diferencialmente por ocorrerem por meio de contrastes e oposições binárias (uma definição positiva se baseia na negação ou repressão de algo representado como sua antítese, por exemplo, homem/mulher, identidade/ diferença, presença/falta). Hierarquicamente por haver um termo dominante, prioritário, e outro subordinado, secundário.34 34 SCOTT, 1988e, 1992. As oposições reprimem ambiguidades internas e a heterogeneidade de cada categoria. Encobrem assim a interdependência dos termos (pois, na verdade, o segundo é necessário ao primeiro). Por exemplo: "se a definição de Homem permanece na subordinação da Mulher, então uma modificação na condição da Mulher requer (e provoca) uma modificação em nossa compreensão do Homem (um simples pluralismo cumulativo não funciona)".35 35 SCOTT, 1992.

Os estudos pós-estruturalistas prometem ser capazes de relativizar o status de todo conhecimento, ligar conhecimento a poder e teorizá-lo em termos de operações da diferença. Consideram que podem dizer como as hierarquias de gênero são construídas e legitimadas (tratando de processos, não de origens; de causas múltiplas, de retóricas e discursos, e não de ideologias e consciências).36 36 SCOTT, 1988a, introdução. Segundo Scott, esses estudos enfocam os processos conflitivos que estabelecem significados (tomados, nessa perspectiva, como instáveis, abertos à contestação e redefinição). Apontam as maneiras pelas quais conceitos de gênero adquirem a aparência de fixos. E lidam com jogo de forças envolvido nessa construção, ou seja, a política.

Nessa abordagem, os interesses que controlam ou contestam significados são produzidos discursivamente, são relativos e contextuais, e não inerentes aos atores ou às suas posições estruturais (não há, como na abordagem da História Social, interesses objetivamente determinados e nem uma separação entre condições materiais, pensamentos e ações engendrados por aquelas).37 37 SCOTT, 1988a, introdução. Os significados são disputados localmente dentro de campos de força discursivos que se sobrepõem, influenciam e competem uns com os outros. Porém, aparecem como verdades, exercendo uma função legitimadora de poder.38 38 SCOTT, 1988e. Política é, portanto, o processo pelo qual jogos de poder e conhecimento constituem identidade e experiência, e estas, por sua vez, são fenômenos organizados discursivamente em contextos e configurações particulares.39 39 SCOTT, 1988a, introdução.

Ainda segundo Scott, a desconstrução é o método mais indicado para criticar, reverter e deslocar as oposições binárias, revelando, com isso, o seu funcionamento, expondo os termos reprimidos e desafiando o status natural da dicotomia dos pares.

Aplicações (?)

Um exemplo que ilustra a aplicação dessa abordagem é a análise que a própria Scott faz do famoso "Caso Sears" (1979-1986),40 40 SCOTT, 1988e. que levou aos tribunais norte-americanos o debate "igualdade versus diferença".

A loja Sears, com a assessoria de uma historiadora, apoiou-se em argumentos que enfatizavam a diferença sexual – homens e mulheres têm interesses distintos com relação a postos de trabalho e tipos de emprego – para justificar a política salarial da empresa contra as acusações de discriminação que lhe haviam sido feitas por feministas. As feministas, por sua vez, insistiam em argumentos que acabaram sendo entendidos como uma "suposição" a favor da igualdade de interesses das mulheres com relação a escolhas de emprego e, consequentemente, à questão salarial. As feministas perderam a causa.

À luz do pós-estruturalismo, Scott afirma que "igualdade" e "diferença", na verdade, não designam termos opostos, e sim interdependentes ("igualdade não é a eliminação da diferença e a diferença não obsta a igualdade"). Portanto, uma discussão mais profunda seria a que girasse em torno da relevância de ideias gerais de diferença sexual em contextos específicos. O termo "diferença" pode ser usado positivamente – enfatizando a desigualdade escondida em um termo aparentemente neutro, pois, por exemplo, o termo "trabalhador" pode não dar conta das especificidades das experiências femininas – ou negativamente – justificando um tratamento desigual.

Scott toma o "Caso Sears" como uma lição "sobre a operação do discurso como um campo político" em que conceitos são manipulados para implementar e justificar um poder. A solução seria expor a formulação "igualdade versus diferença" como uma ilusão, pois o primeiro termo diz respeito a princípios e valores reivindicados e o segundo, a uma "ferramenta analítica" (antítese de semelhança ou identidade) cujo contexto deve ser especificado. Em outras palavras, a natureza da comparação deve ser explicitada, e não posta como algo inerente às categorias de "homem" e "mulher", cuja oposição generalizada acaba por obscurecer as diferenças entre as mulheres, as semelhanças entre homens e mulheres e as distintas experiências históricas. A proposta, portanto, é enfatizar as diferenças (atenção ao plural!).

A ênfase nas diferenças proporciona uma maior diversidade que a simples oposição homem/mulher. Dá condições para a criação de identidades individuais e coletivas (algumas pessoas se identificam, porque, entre tantas diferenças, têm algo em comum, por exemplo, sofrem discriminação, reivindicam determinados direitos). As diferenças destacadas desafiam identidades fixas e categorias essencialistas e podem ser o próprio significado da igualdade reivindicada: "a igualdade reside na diferença".

Scott questiona a visão de que igualdade e diferença são de fato dicotômicas. E "propõe que a igualdade pode impor indiferença às diferenças; logo, de acordo com sua avaliação, é possível ser tanto diferente quanto igual".41 41 Marnie HUGES-WARRINGTON, 2002.

As sugestões de Scott para a análise das oposições binárias presentes nas operações dos discursos têm sido aproveitadas também por alguns pesquisadores que não concordam totalmente com seus princípios pós-estruturalistas. Sueann Caulfield,42 42 Sueann CAULFIELD, 1991. por exemplo, faz uso das "teorias epistemológicas de significação" para analisar as construções de gênero (no discurso da revista Vida Policial, entre 1925 e 1927) referentes a conceitos, tais como "mulher honesta"/"desonesta", "garotas modernas"/"futura boa mãe". Caulfield também se inspira nessas teorias para demonstrar que gênero é usado como ponto de referência para construir e legitimar relações sociais e interesses políticos que vão do campo da sexualidade ao das lutas raciais, dos conflitos nos espaços público e privado ao projeto de construção da nacionalidade brasileira.

A proposta de Scott – como instrumento teórico-metodológico para o entendimento de como gênero significa relações de poder e de como é tomado como referência para cristalizar identidades – mostra-se útil na análise que Caulfield faz da linguagem conceitual da revista que utiliza como fonte de pesquisa. Porém, essa historiadora prefere outras abordagens teóricas ao enfrentar a questão das subjetividades e da ação humana (human agency), pois reconhece – assim como vários outros historiadores – os limites do pós-estruturalismo diante dessa problemática.

Pesquisadores preocupados com a militância política fora dos muros acadêmicos, por sua vez, consideram as posições que privilegiam as diferenças culturais entre homens e mulheres perigosas para os movimentos sociais contrários à discriminação, como é o caso do feminista. Segundo eles, as diferenças acabam sendo tomadas como permanentes e irredutíveis. E os argumentos igualitaristas (que servem como antítese do senso comum conservador) acabam ficando em segundo plano. A ideia de que a ênfase nas diferenças possibilita a criação de "identidades individuais e coletivas" não os convence, pois – argumentam – o pensamento que procura reconhecer um número cada vez maior de diferenças dentro das diferenças (a diferença múltipla) "só pode ir parar na mônada, no átomo, isto é, na afirmação de que todo indivíduo é único e diferente".43 43 Antônio Flávio PIERUCCI, 1990.

As implicações políticas das abordagens teóricas não podem ser descartadas, porque a própria Scott procura justificar sua adesão ao pós-estruturalismo por uma opção político-feminista, cujos objetivos seriam: tornar as mulheres sujeitos históricos; apontar e transformar as desigualdades entre homens e mulheres; modificar a distribuição de poder existente; produzir um novo conhecimento sobre a diferença sexual; articular uma (ou várias) identidade(s) política(s) em torno de algumas lutas de interesse das mulheres, sem conformá-las a estereótipos. Enquanto interpretam o mundo, os historiadores são capazes de contribuir para mudá-lo, afirma Scott.44 44 SCOTT, 1988a. É impossível, portanto, dizer que ela não tem boas intenções. Scott não é uma alienada.

Joan Scott versus E. P. Thompson

Entre as propostas de Scott está um amplo questionamento da disciplina histórica, tomada tanto como método quanto como instituição. Questionar a própria História é importante porque as representações, os retratos que faz, do passado contribuem para a construção de gênero no presente; as "políticas da História" fazem parte de relações de poder.45 45 SCOTT, 1988a.

Para Scott, a discriminação sofrida pelas mulheres nos estudos históricos pode não ter ocorrido apenas por machismo ou por um viés de gênero dos profissionais, e sim por problemas inerentes aos próprios métodos gender blind (cegos à questão de gênero) da História Social. O trabalho de E. P. Thompson,46 46 Não cabe aqui desenvolver com detalhes as ideias de E. P. Thompson, o debate em torno delas ou os termos de sua contribuição para o desenvolvimento da História e da Sociologia histórica (para isso, ver: Harvey KAYE, 1984; Bryan D. PALMER, 1981; e Ellen TRIMBERG, 1984). Para uma análise de aspectos de sua forma de escrever História e do modo como define os conceitos de "experiência", "ação", "determinação" e "hegemonia", ver: BASSANEZI, 1994. Contudo, é bom mencionar que, orientado por uma perspectiva marxista, Thompson rompe com análises simplistas economicistas. Incorpora a cultura em sua abordagem e enfatiza a ação humana no processo dinâmico da história, que, para ele, engloba tanto condicionamentos e determinações quanto a atuação dos sujeitos. Procura entender o "processo histórico e integrar a análise da cultura e da ação humana em uma análise macroestrutural de mudança social". Afirma ser contra uma teoria descolada do empírico; daí a importância que atribui à pesquisa. Além disso, sua visão de História assume, explicitamente, um duplo compromisso: com as evidências históricas e com os problemas e as questões sociais do presente. A formação da classe operária inglesa,47 47 The Making of the English Working-Class, no original publicado em 1963. é tomado como exemplo dessa afirmação.

Scott escolhe analisar essa obra pela influência que exerceu (e exerce) na História das Mulheres e de Gênero, apesar de, segundo a historiadora, Thompson nunca ter tecido considerações a respeito de gênero, de experiências femininas diferenciadas (ou não) das experiências dos trabalhadores em geral ou do peso dos aspectos masculinos e femininos na formação da classe trabalhadora.48 48 SCOTT, 1988d.

Em sua crítica ou "análise textual", Scott afirma que o historiador concebe o movimento coletivo das lutas sociais em termos unificados, pois fala de The Making of, o processo, como uma única grande história.49 49 Será que essa crítica, no limite, não questiona o próprio pressuposto da disciplina História, que espera que o profissional da área, a partir de suas pesquisas, apresente uma narrativa legível sobre o período ou o processo histórico estudado? Isso dificulta a incorporação da diversidade ou da diferença. Afirma também que, embora "homem" (humano) ou "trabalhador" possam ter um sentido neutro no trabalho de Thompson, a questão da mulher não está nele representada (e se estivesse, a coerência da narrativa seria desafiada, já que o texto, apesar de falar sobre mulheres, não trata de seus papéis históricos). Assim, a narrativa da obra é gendered (ela própria marcada por gênero), pois os conceitos gerais nos quais se baseia, na verdade, possuem um viés masculino.

Thompson, na visão de Scott, demonstra que as tradições auxiliam os trabalhadores na sua luta por direitos. Porém, dá a entender que as experiências domésticas femininas "atrapalham" essa luta; as reivindicações das mulheres, baseadas nessas vivências, são apresentadas, preconceituosamente, como imediatistas, menos políticas ou com um peso bem menor no processo de formação da classe trabalhadora. A presença das mulheres no trabalho de Thompson apenas enfatiza a relevância das associações de classe e da política dos homens. As mulheres são prioritariamente associadas às funções domésticas, mesmo sendo trabalhadoras, e o impacto diferencial do capitalismo sobre elas é negligenciado. Na luta dos trabalhadores ingleses, descrita pelo historiador, as mulheres são retratadas mais como companheiras leais que como militantes convictas.

A variedade de comportamentos políticos é avaliada de acordo com um esquema gendered, ou seja, um esquema que emprega símbolos comumente relacionados ao masculino e ao feminino para identificar polos positivos e negativos das estratégias políticas adotadas pelos trabalhadores. Assim, o racionalismo é considerado algo positivo na formação da consciência de classe, enquanto as referências religiosas e os usos do imaginário sexual são vistos como negativos. As mulheres que se encaixam no ideal de heroínas racionais são vistas como exceção, comportamse como homens. A análise de Thompson faz com que o religioso, o espiritual e o doméstico (codificados como feminino) não sejam vistos como "aperfeiçoadores" da política. Enfim, a definição de experiência de classe (como fortemente determinada pelas relações produtivas50 50 Aqui, Scott parece adotar uma visão estreita do termo "relações produtivas", opondo as esferas da "produção" (o mundo do trabalho, o espaço público) e da "reprodução" (o mundo doméstico, privado). nas quais os homens se inserem), empregada por Thompson, coloca a domesticidade de lado e associa implicitamente produtores e ação política efetiva. Embora esteja claro que nem todos os trabalhadores são homens, a produção é representada como uma atividade, ainda que não exclusivamente de homens, masculina.

Além dessas críticas específicas dirigidas ao trabalho mais famoso de Thompson, Scott toma o autor como um representante de uma tradição de historiadores comprometidos com a questão da igualdade social que, entretanto, descartam como reacionária qualquer tentativa de reconhecimento da complexidade da diferença sexual. Em consequência disso, os primeiros trabalhos de História das Mulheres, ancorados na tradição thompsoniana, foram incapazes de explicar o papel marginal das mulheres na formação da classe operária. Então – argumenta ela –, só com a revisão das premissas teóricas do trabalho de Thompson é que a política da classe operária pode ser percebida como um campo de luta de visões diferentes sobre uma "nova sociedade" (revelando, por exemplo, que as vozes femininas eram mais ligadas ao socialismo utópico e, com a vitória do racionalismo, o "socialismo científico", elas ficaram excluídas).51 51 Há quem tenha identificado em um artigo posterior de Thompson – "The Moral Economy Revisited" (1990), mais especificamente na parte em que trata dos papéis de gênero nos food riots ("motins por alimentos", ocorridos no século XVIII e início do XIX) – respostas indiretas às críticas de Scott. Afetado ou não por essas críticas, o fato é que, nesse trabalho, a partir da pesquisa em documentos (como gosta de fazer), Thompson dá bastante espaço à participação das mulheres nos motins, sua relação com os homens e com as autoridades, sua atuação no comércio e na economia familiar. O historiador alerta para a confusão que a noção de "igualdade" (ou a de "desigualdade") pode trazer ao ser empregada erroneamente por historiadores de hoje na caracterização das relações entre homens e mulheres do passado. Naquela época, as pessoas não agiam por noções como esta, posto que "estavam profundamente habituadas a aceitar que os papéis de homens e mulheres fossem diferentes", com certos espaços de justaposição. "Era exatamente a extensão e a importância manifesta dos papéis da mulher e suas responsabilidades que dava a ela autoridade na casa e respeito na comunidade". Thompson explica a proeminência das mulheres nos motins em parte por seu papel destacado na economia (que lhes dava autoridade para administrar a vida diária e autoconfiança para reivindicar em protestos públicos). Entretanto, afirma, "é tolice supor que a reciprocidade e o respeito entre trabalhadores homens e mulheres nas comunidades dissolvessem as diferenças sexuais". Por outro lado, as evidências "contestam os estereótipos da submissão feminina, timidez ou confinamento das mulheres ao mundo privado da casa". Como de costume, Thompson enfatiza o estudo contextualizado da cultura e das ações dos sujeitos históricos.

Na busca de uma explicação para os modos distintos pelos quais os interesses de classe são expressos ou definidos e, assim, contemplar a diversidade na narrativa histórica, Scott acaba descartando totalmente o que chama de "rede analítica de Thompson". "Rede" esta que, segundo a historiadora, comete o equívoco de advogar uma correlação simples e direta entre esferas separadas: a da existência social e a do pensamento político. Outro de seus erros seria sustentar que a consciência emana da experiência e considerar classe como um movimento unificado enraizado numa percepção singular de interesse.

Scott reitera que a abordagem mais frutífera encontrase no estudo das organizações das representações (os contextos e as políticas de qualquer sistema de representação) nos discursos a partir das seguintes questões: como as categorias de classe foram formuladas por meio das representações em momentos históricos específicos? Quais os limites das formas linguísticas? Quais as lutas das definições envolvidas (afirmações, negações, repressões)? Como uma definição torna-se dominante? Como gênero é utilizado na construção de classe (terminologias, programas políticos e organização simbólica)? Ela garante que o resultado dessa abordagem será não um conceito unitário de classe (ou gênero), e sim um conceito de classe (ou gênero) como um campo de múltiplos e disputados significados.52 52 SCOTT, 1988d. A construção dos significados, portanto, deve ser analisada como um conjunto de eventos em si mesmos, sem que seja empregada a distinção entre vida material e pensamento político, como fazem os textos clássicos.

Se os próprios estudos históricos colaboram na construção das representações da diferença sexual, também eles merecem ser desconstruídos, alerta Scott.

Antecipando-se a algumas críticas e respondendo a outras, Scott afirma que, embora alguns interpretem as ideias de Foucault como um argumento a favor da futilidade da ação humana na luta por mudanças sociais, elas devem, de fato, ser lidas como um alerta contra soluções simplistas, um conselho para que os atores pensem melhor sobre as implicações e os significados filosóficos e políticos dos programas e das estratégias que endossam.53 53 SCOTT, 1988e.

O casamento da História Social com os Estudos de Gênero

Foram muitas as críticas à proposta de Scott. Ao responder diretamente a algumas delas,54 54 Linda GORDON, 1990; Bryan D. PALMER, 1987; e Christine STANSELL 1987. a historiadora55 55 SCOTT, 1987, 1990. basicamente acusou seus críticos de não terem entendido direito o que ela havia escrito. Viu-se então obrigada a reiterar suas definições de "discurso", "linguagem" e "desconstrução" como coisas bem diferentes e mais abrangentes que as interpretações dadas pelos críticos (e, realmente, são definições aparentemente tão complexas e distintas das que os historiadores sociais costumam dar para os mesmos termos que não admira terem causado confusão).

Em geral, os críticos valorizam o trabalho de Scott e comungam de suas preocupações políticas. Vários historiadores consideram "perspicaz" sua análise sobre os Estudos da Mulher e "original e promissora" sua visão a respeito de gênero. Concordam (uns mais, outros menos) com certas observações a respeito da historiografia, mas grande parte não se convence dos argumentos em favor do pós-estruturalismo.56 56 Scott também foi acusada de adotar indiscriminadamente o desconstrutivismo; ao se apropriar do vocabulário de Derrida e Foucault, nem sempre soube questionar suas (deles) suposições. "Por exemplo, é verdade que 'não há nenhuma realidade externa ou anterior à língua'? [...] É possível distinguir os objetos do estudo literário dos objetos do estudo histórico?" (HUGESWARRINGTON, 2002). Para eles, o problema principal não está nas questões que Scott apresenta, mas na abordagem que propõe para resolvê-las. Consideram que ela foi "injusta" ao depor a História Social e insistem nas possibilidades positivas dessa linha de pesquisa.

Uma das críticas mais recorrentes e interessantes diz respeito à deficiência das ferramentas teóricas pós-estruturalistas diante da questão da ação humana. Tal deficiência acentua-se quando se tenta casar essa abordagem com um projeto político como o explicitado por Scott, qual seja, romper com os determinismos, fazer das mulheres sujeitos históricos e fornecer elementos para se questionarem as desigualdades de gênero. Caracteriza-se aí uma contradição.

Caulfield57 57 CAULFIELD, 1991. pergunta: como a análise textual resolve a questão dos modos como as identidades subjetivas ou os pontos de vista alternativos são construídos? Como pode haver ação se há somente sujeitos/objetos produzidos discursivamente? Como estudar rupturas e resistências se a ação humana parece dissolver-se diante dos onipresentes "sistemas discursivos"? Ao pressupor que a ação ocorre dentro de uma linguagem conceitual que estabelece por si limites e contém, ela própria, possibilidades de negação, resistência e interpretação, como reconhecê-los?

Para Tilly,58 58 TILLY, 1990. o método da desconstrução com sua ênfase no texto (quer se trate de um enunciado, da linguagem ou de oposições binárias) parece subestimar a ação humana e superestimar a coerção social. Ele praticamente ignora o ator e o mundo pautado por relações sociais concretas, e não atribui peso suficiente às lutas sociais nas mudanças históricas. E, mais, não pressupõe minimamente a relevância das condições em que as relações de poder se transformam.

De fato, diante de uma abordagem teórica que afirma que "a elaboração dos significados envolve conflito e poder", pois "os significados são localmente disputados dentro de campos de força discursivos" que "se sobrepõem, influenciam e competem uns com os outros, aparecem como verdade e servem a uma função legitimadora de poder",59 59 SCOTT, 1988e. podemos perguntar: qual o espaço para a ação? Ou, como faz Varikas,60 60 VARIKAS, 1991. qual é o estatuto do sujeito da história?

Na abordagem pós-estruturalista, as respostas não são claras. Se, por um lado, parece afirmar a possibilidade de "intervenção dos sujeitos agentes" (ao mencionar a instabilidade do significado dos conceitos resultantes dos processos de contestação e, consequentemente, de múltiplas redefinições), por outro lado, parece negá-la diante da "impessoalidade das forças discursivas que constroem o significado". Essa segunda leitura (favorecida pela "ausência literal do sujeito na exposição das teorias de produção do significado") remete a um assustador determinismo: o da estrutura da linguagem. Mesmo quando se afirma a existência de "conflitos internos", as pessoas parecem não existir ou contar decisivamente para os resultados dos "jogos de poder".61 61 VARIKAS, 1991.

Em um de seus artigos, Scott parece considerar a influência da dinâmica das relações sociais na elaboração do significado ao afirmar que o poder de controlar um campo de força discursivo particular reside nas alegações do conhecimento incorporado em escritos/documentos, organizações, instituições e relações sociais (hierárquicas).62 62 SCOTT, 1988e. Porém, Scott não deixa claro – ao falar em termos de "oposições binárias", "processos textuais de aquisição de significado" e "forças de significação" – como se dá essa influência e que peso ela tem no processo de elaboração e, menos ainda, no de contestação dos significados, ou, se preferirmos, das mudanças na história. A própria autora reconhece que as explicações foucaultianas não satisfazem seus colegas historiadores, preocupados em entender como as mudanças ocorrem, em especial aqueles que perguntam pelas "causas".63 63 SCOTT, 1988e.

Para Tilly, o método preconizado por Scott coloca em questão "a existência de um mundo real e a possibilidade de descrevê-lo e explicá-lo".64 64 TILLY, 1990. Criticar os que afirmam a possibilidade de se resgatarem os fatos históricos "brutos", "tal como aconteceram", não é o mesmo que negar que eles tenham existido e que é válido tentar chegar próximo a eles, construindo narrativas e oferecendo interpretações. Os historiadores sociais atuais não têm mais a pretensão de chegar à "verdade" do passado. Sabem ser possível obter apenas verdades parciais, mas não negam que os acontecimentos da história tenham ocorrido e tenham tido efeitos concretos. Além disso, têm um compromisso com os fatos reconstituídos a partir das evidências e, apesar de interpretálos, não os inventam. Abrir mão desses pressupostos é abrir mão da própria prática histórica.

Se há um acordo com relação à validade de procurar resgatar o passado a partir de questões que nos inquietam hoje, vamos adiante. A etapa seguinte é assumir que essa é uma tarefa que pode ser executada sempre parcialmente, pois parece ser possível mergulhar sempre mais profundamente na pesquisa para se descobrirem novas evidências ou ângulos alternativos que sugerem interpretações novas ou mais abrangentes.65 65 Guita DEBERT, 1986. A compreensão dos acontecimentos e o resgate de experiências, as generalizações, as categorias e as teorias formuladas devem ser cotejados com os achados da pesquisa e a representatividade dos dados (ainda que, na prática, "investigação" e "análise", ou "descoberta" e "teoria", não sejam dois momentos totalmente distintos do trabalho do pesquisador). Escrever História não é escrever ficção ou registrar versões sem nenhum critério. A descrição, a explicação da "realidade" e as generalizações subsequentes devem aliar-se à preocupação de fazer uma leitura crítica das fontes, questionar ideias preconcebidas a respeito do assunto e, se for o caso, chamar a atenção para outros esquemas interpretativos. Diante da variedade de versões, é preciso questionar o sentido dessa diversidade e as condições de sua produção. Por outro lado, nos casos em que o objetivo é estabelecer uma reconstituição minimamente consensual da história,66 66 Mesmo sabendo que ela pode mudar com o tempo e a evolução dos questionamentos dos pesquisadores em seu presente, mesmo reconhecendo o viés próprio das fontes e a inevitabilidade do viés próprio do historiador, e o dos seus futuros leitores, é preciso escrever uma história. o historiador deve escolher entre uma versão ou outra e apresentar justificativas sólidas para o resultado de seu trabalho.67 67 Sobre esse assunto, ver: Natalie DAVIS, 1990; Bryan D. PALMER, 1987; Carla PINSKY, 2006; E. P. THOMPSON, 1978; Eleni VARIKAS, 1991; entre muitos outros.

A proposta de dar mais atenção às relações de poder que perpassam os documentos e os dispositivos institucionais agrada a historiadores sociais, como Tilly, Varikas e Hall. As análises do discurso (no sentido mais restrito) que se valem de algumas ferramentas linguísticas também não encontram oposição, mas a substituição do método da História Social pelo da desconstrução, sim.

Tilly68 68 TILLY, 1990. aponta para o limite desse método na tarefa de explicar o social, pois "permite a explicitação de significações ocultadas", mas "não permite construir novas". Além disso, não leva em conta tempo e contexto, dois recortes fundamentais para os historiadores. A desconstrução praticamente nega as explicações (como um passo adiante das descrições). Portanto, é um equívoco preferi-la a uma abordagem preocupada em encontrar causas e consequências que leva em conta as condições sociais, os fatores relacionados às mudanças e às próprias relações de gênero.

Hall,69 69 HALL, 1991. por sua vez, apela para o sentimento (que considera algo importante na escrita da História): "nós realmente pensamos em nós mesmos como sujeitos inseridos em um campo discursivo? Não é também vital pensar sobre os modos pelos quais os indivíduos e grupos são capazes de desafiar significados e expandir o terreno?".

Varikas,70 70 VARIKAS, 1991. como essas outras duas historiadoras, não acredita nas promessas referentes ao potencial político do pós-estruturalismo. Duvida da possibilidade de, com essa abordagem, conhecermos o papel dos atores sociais que se situam na base das hierarquias (de gênero, por exemplo) nos "processos de diferenciação" estabelecidos pelas próprias hierarquias. Além disso, não vê como o pesquisador possa ter acesso a essa informação por meio da desconstrução. Para Varikas, outro problema que o pós-estruturalismo de Scott não resolve é o do tratamento dos documentos. Como sua metodologia parece desenvolvida apenas para o trabalho com "discursos constituídos", fica a questão de como trabalhar em seus termos quando os documentos usados informam pouco sobre as relações de força pelas quais seu discurso é constituído (quando, por exemplo, as mulheres são o objeto do discurso). E mesmo quando o discurso analisado tenha sido produzido por mulheres, o pesquisador pode cometer erros gravíssimos de interpretação, pois não são só os modelos culturais e as formações discursivas que explicam os discursos dessas mulheres. As experiências acumuladas (vivências e interpretações) também o fazem e, portanto, também precisam ser estudadas.

E o que, então, a História Social oferece aos Estudos de Gênero?

Com várias das ferramentas comumente empregadas pela História Social, o pesquisador pode estudar as representações dos sujeitos e as relações de gênero a partir dos documentos, depoimentos e indícios variados produzidos e deixados pelas próprias pessoas das quais eles falam (como diários, cartas, testemunhos, textos publicados em qualquer mídia).

O pesquisador também pode estudar relações de gênero, comportamentos, mentalidades e práticas a partir da fala de outros, inclusive de sujeitos ou discursos situados no primeiro plano das hierarquias (por exemplo, homens, produtores/detentores de saber, reprodutores de discursos dominantes, autoridades) ou de discursos mantenedores da ordem social.71 71 Por exemplo, dos meios de comunicação (como as revistas femininas estudadas em: BASSANEZI, 1992), ou dos legisladores (como no trabalho de: CAULFIELD, 2000). Por um lado, o pesquisador pode utilizar essas fontes para estudar tanto as normas culturais, os modelos de conduta e a moral dominante, a ordem social e as hierarquias de poder estabelecidas, quanto analisar as contradições internas desses discursos, suas ambiguidades, armadilhas e lacunas. Por outro lado, pode estudar essas mesmas fontes para detectar as atuações e performances dos atores históricos, submissas e/ou rebeldes aos limites sociais. Práticas, reinterpretações, tensões e conflitos presentes na vida dos sujeitos históricos emergem muitas vezes das entrelinhas e se revelam diante do olhar de um leitor mais atento (como, por exemplo, atitudes de "moças mal comportadas", "esposas infelizes, mulheres "rebeldes", "conflitos de geração", resistências variadas e projetos de vida alternativos).72 72 Como procurei mostrar em: BASSANEZI, 1992.

Muitas das críticas de Scott à História das Mulheres não se sustentam, e os que saem em sua defesa argumentam com exemplos concretos. Muitos trabalhos considerados "descritivos" trataram de estudar a vida das mulheres no passado, sem isolar seu tema de outras preocupações históricas (como a força das ideias que contestam determinações sociais ou a relação entre os "vencedores" e os "vencidos"). Outros, mais "analíticos", trataram de explicitar como suas pesquisas específicas contribuem para a discussão de questões "mais amplas" da disciplina histórica (por exemplo, os fatores envolvidos nas transformações sociais, as formas de resistência à ordem social e a mobilidade social). Além disso, apresentaram novas questões (tais como a importância da economia doméstica; o viés de gênero nos discursos nacionalistas; as definições de masculinidade e feminilidade relacionadas a esferas para além da vida privada, que afetam a estrutura legal, política e econômica; as condições de variação da divisão sexual do trabalho). Muitos deles utilizaram gênero como categoria de análise, sem precisar lançar mão do pós-estruturalismo.73 73 HALL, 1990, 1991; HALL e DAVIDOFF, 1987; TILLY, 1990; e VARIKAS, 1991.

Um número grande de trabalhos, utilizando métodos da História Social, procura abordar o passado a partir da perspectiva de gênero. Fazem isso ao comparar e relacionar experiências e representações masculinas e femininas. Chamam atenção para as diferenças, variações e semelhanças entre classes, grupos etários e/ou étnicos, ao longo do tempo em contextos distintos. Reformulam, a partir da perspectiva de gênero, conceitos (como o de trabalhador ou o de cidadão, por exemplo). Atentos a gênero, estudam as "operações do poder" em muitos espaços e tempos históricos. E vários deles dedicam-se a mostrar como e por que a escrita da História foi (e, por vezes, ainda é) marcada por um viés de gênero centrado no masculino. Outros ainda questionam as ideologias da "objetividade e neutralidade" de discursos científicos e de projetos políticos que se dizem baseados na racionalidade.74 74 Catherine HALL, 1991; Bonnie G. SMITH, 2003; e Louise TILLY, 1990.

A própria crítica ao essencialismo não surgiu graças ao pós-estruturalismo, e sim a estudos que se debruçaram, por exemplo, sobre "povos dominados" ou determinados grupos étnicos, e a trabalhos que privilegiaram temas e recortes, como "mulheres negras", "sociedades orientais", entre outros. Segundo Hall, "a diferença" tornou-se assunto do feminismo ocidental devido não ao pós-estruturalismo, e sim ao desafio ao etnocentrismo; e só a capacidade de descentralizar nossas práticas (tarefa para a qual o pósestruturalismo fez muito pouco) é que contribui para o desenvolvimento de uma política que valorize de fato a diferença.75 75 HALL, 1991.

Historiadores sociais preocupados com gênero não veem necessidade de abandonar seus pressupostos em favor do pós-estruturalismo para estudar as formas pelas quais as representações e os símbolos constroem gênero e relações sociais. Com as ferramentas de que dispõem, sentem-se capazes de visitar o passado em busca das especificidades, descontinuidades e continuidades dos significados (por exemplo, de "ser homem", "ser mulher", "ser jovem" etc.) e das relações (familiares, de trabalho etc., e até do próprio significado desses termos em cada época e contexto). Descrevem (parte importante do trabalho histórico), mas também analisam. Recusam de antemão definições dominantes ou essencialistas das diferenças dos sexos e historicizam noções relativas à masculinidade e feminilidade. Procuram ainda entender as relações de gênero também em termos de relações de poder. Investigam as experiências e, ao mesmo tempo, interpretam significados culturais, conferindo historicidade às representações de gênero. E, finalmente, buscam no próprio desenvolvimento da historiografia76 76 Serviram e servem de apoio, por exemplo, os Estudos de População (padrões de casamento, taxas de fecundidade, migrações, situação dos domicílios), a História Mundial, os estudos de processos em larga escala (urbanização, industrialização, globalização etc.), a História das Ideias, a História Política, a História Econômica e a dos Movimentos Sociais. ferramentas metodológicas e dados para suas pesquisas.77 77 BASSANEZI, 1992; TILLY, 1990; e VARIKAS, 1991.

As acusações de que a História Social reduz as ações humanas em função das forças econômicas não têm sentido diante das inúmeras pesquisas nessa área baseadas no pressuposto de que a história não é o fruto de leis impessoais acima dos indivíduos, mas o resultado (ainda que frequentemente incontrolável e enviesado) das ações humanas. Elas levam em conta o problema do ator e das experiências e enfrentam a questão das possibilidades de ação diante das determinações. Fazem isso ao reconhecer que a história e a sociedade são produtos da ação dos indivíduos (mais ou menos intencionais) tanto quanto são capazes de modelar essa mesma ação.78 78 Por exemplo: TILLY, 1990. É parte do projeto da História Social o reconhecimento da iniciativa humana. A ideia de Marx de que os "homens fazem sua história, mas não nas condições que escolheram, e sim nas que lhes foram legadas pelo passado" ou "as circunstâncias fazem os homens na mesma medida em que os homens fazem a circunstâncias" é uma forte referência.79 79 Carlos Nelson COUTINHO, 1987. Na História Social, portanto, os sujeitos são estudados em sua relação com as determinações (sociais, políticas, econômicas e até culturais) e as possibilidades de agir; o pressuposto é de que, na história, as pessoas atuam dentro de condições objetivas determinadas (se as condições são favoráveis, as ações são viáveis).

Não há como acusar de gender blind (cegos a gênero) ou androcêntricos pesquisadores que equiparam gênero à classe (recusando-se, portanto, a explicar gênero como um subproduto da economia) e que analisam a influência do gênero na constituição da classe (e vice-versa), incorporando nos conceitos de classe (ou de etnicidade, ou de grupo etário, entre outros) as experiências diferenciadas de homens e mulheres.80 80 Ver: HALL, 1990; HALL e DAVIDOFF, 1987; SMITH, 2003; e VARIKAS, 1991. E ainda a primeira parte de Scott (1988d). Essas acusações também não se sustentam diante de trabalhos preocupados com o peso das experiências femininas na constituição de representações sociais.

Não é necessário ser pós-estruturalista para se interessar pelos modos engendered (pautados por gênero) da construção dos significados ou dos jogos de poder. Uma História Social analítica e de gênero é capaz de não só demonstrar que o poder constrói gênero e que gênero é utilizado como metáfora para outras relações de poder, como também pode explicar em que termos e quais as causas e consequências dos processos, as condições históricas que tornam as desigualdades e as hierarquias mais ou menos acentuadas e como os limites mudam com as condições históricas.81 81 CAULFIELD, 2000; e TILLY, 1990. Portanto, é ainda no âmbito da História Social que muitas pessoas encontram subsídios para projetos políticos que implicam em romper com "determinismos biológicos" e questionar desigualdades sociais baseadas nas percepções da diferença sexual.

Pesquisadores esclarecem que as "posições estruturais" não dizem respeito ao "econômico", e sim à produção e reprodução da vida real concreta.82 82 Como lembra Heleieth SAFFIOTI (1990). Debatendo com Scott, confirmam que a História Social toma como ponto de partida uma ligação (de causalidade, relacionada a um ou mais fatores) entre posições estruturais e interesses sociais, necessidades sociais e formas de consciência.83 83 Por exemplo, preocupa-se com as experiências femininas em determinada classe social e pressupõe a existência de alguns (não todos) interesses e necessidades diferenciais das mulheres devido a sua (delas) posição estrutural num certo tipo de relação que envolve poder (VARIKAS, 1991). Entretanto, isso não direciona os resultados a uma resposta única, não banaliza o conteúdo e a multiplicidade possível desses interesses ou as formas como esses interesses se articulam com os interesses comuns de homens e mulheres. Pelo contrário, esse mesmo enfoque é que impulsiona a buscar respostas para esses problemas.

Historiadores sociais rebatem a crítica de postularem uma relação imediata e fatal entre experiência e consciência, afirmando que os interesses comuns de um grupo social são constituídos no processo de reflexão e interpretação dos fatos e das situações do cotidiano. Não subestimam a relevância do estrutural (como as relações de produção), ainda que esse não se estabeleça em outro domínio que não seja a atividade humana. Porém, além disso, valorizam os aspectos culturais presentes nas experiências humanas e seu papel na dinâmica social (constituída por permanências e mudanças). De fato,84 84 Como avalia Varikas (1988). muitos historiadores identificados com a História Social preocupam-se em estudar os modos como homens e mulheres atribuíram significado às suas vidas.85 85 Não há como acusar historiadores como Robert Darnton ou Natalie Davis de simplistas ao tratarem das relações entre ação/ expressão individual e vida social/ estruturas. Para Darnton (1986), "a expressão individual ocorre dentro de um idioma geral, de que aprendemos a classificar sensações e a entender coisas pensando dentro de uma estrutura fornecida por nossa cultura. Ao historiador [...] deveria ser possível descobrir a dimensão social do pensamento e extrair a significação de documentos, passando do texto ao contexto e voltando ao primeiro, até abrir caminho através de um universo mental estranho". Em termos práticos, na História Social, dissolvem-se as oposições do tipo "realidade versus consciência", "determinação versus agency".

Thompson enfrenta o problema da articulação entre ação humana e determinações históricas ao falar sobre o termo experiência:

Os homens e mulheres [...] retornam como sujeitos dentro desse termo – não como sujeitos autônomos, "indivíduos livres", mas como pessoas que experimentam suas situações e relações produtivas determinadas como necessidades e interesses e como antagonismos e em seguida "tratam" essa experiência em sua consciência e sua cultura [...] das maneiras mais complexas (sim, "relativamente autônomas") e, em seguida, agem, por sua vez sobre sua situação determinada. [...] a experiência é um termo médio entre o ser social e a consciência social, é a experiência que dá cor à cultura, aos valores, ao pensamento.86 86 THOMPSON, 1978.

As determinações são entendidas como "limites" fixados, "pressões" exercidas, e não "programação predeterminada" ou "implantação de necessidade". Em outras palavras, Thompson atribui certo peso aos limites impostos pelas condições materiais de existência sobre a formação da consciência e as possibilidades de ação dos sujeitos, mas não um peso absoluto; dentro desses limites (objetivos e culturais) as pessoas podem atuar, contribuindo, em certos casos, para o alargamento dos mesmos limites.

Ao desenvolver um trabalho de pesquisa histórica (com revistas femininas dos Anos Dourados) a partir da perspectiva de gênero, adotei como fio condutor o esquema que redigi da seguinte forma:

As concepções relacionadas a percepções da diferença sexual tanto são produtos das relações sociais quanto produzem e atuam na construção destas relações. Em outras palavras, assim como as idéias influenciam a vida das pessoas, as experiências e os elementos materiais da existência, por sua vez, influem na constituição do pensamento (moldando as formas de as pessoas interpretarem tudo o que relacionam de algum modo às diferenças sexuais). [...] As relações entre pessoas e grupos sociais se estabelecem a partir das maneiras pelas quais eles dão significado e interpretam suas experiências (entre elas a da percepção das diferenças sexuais), em épocas e contextos determinados, a partir de limites culturais específicos, e, ao mesmo tempo, passam a agir de acordo com os significados construídos. A realidade social define os parâmetros de escolhas possíveis dos sujeitos históricos que, dentro das determinações de seu tempo (as "condições objetivas"), também participam dos processos de construção, manutenção e contestação dos significados e das relações de gênero (e, consequentemente, da distribuição de poderes marcada por concepções de gênero) em uma certa ordem social. Essa ordem fica ameaçada, entre outras coisas, quando sua potência é questionada pela ação de sujeitos que, conscientemente ou não, coletiva ou individualmente, desafiam, burlam ou tentam transformar seus limites. Assim, as transformações históricas nas relações pautadas por gênero estão ligadas tanto a mudanças no contexto sócio-econômico, nas sensibilidades e nas interpretações culturais gerais quanto às resistências e reivindicações concretas de sujeitos históricos (rebeldias femininas, por exemplo: quando certas mulheres assumem atitudes que desafiam normas do comportamento feminino apropriado, ameaçam e podem chegar a subverter as relações de gênero estabelecidas, participando, assim, da reformulação destas relações).87 87 BASSANEZI, 1992.

Em publicação posterior – Pássaros da liberdade: jovens, judeus e revolucionários no Brasil –,88 88 PINSKY, 2000. pude observar com mais clareza o entrelaçamento das questões de gênero com as de classe, grupo etário e etnicidade. A perspectiva de gênero enriqueceu meu estudo da trajetória dos participantes de um movimento juvenil preocupado em desafiar a ordem social e contribuir para o estabelecimento de uma nova era ao propor um estilo de vida socialista radical num contexto de igualdade sexual em que, inclusive, defendia-se o "amor livre". Entre outros assuntos, procurei investigar se as relações de gênero dominantes na sociedade mais ampla resistiram ou não em um grupo jovem, estruturado, emocionalmente motivado e com um projeto explícito de mudança de práticas e valores. Constatei que aquele movimento juvenil não só foi capaz de se mostrar como uma alternativa às concepções de gênero dominantes para o futuro, no kibutz, como viabilizou, no presente, entre seus membros, relações e identidades de gênero em muitos pontos distintas das que predominavam fora, na sociedade mais ampla.

As concepções baseadas na diferença sexual e etária são produtos da história. Assim, as vivências de rapazes e moças e suas visões sobre o que era próprio ou socialmente aceito para homens e mulheres e para jovens, na luta revolucionária e na sociedade que pretendiam criar, foram frutos de seu tempo. As inter-relações de determinações sociais e ação dos sujeitos históricos envolvidos desenvolveram-se no cotidiano de uma geração formada por imigrantes ou descendentes de imigrantes que chegaram ao Brasil fugindo da pobreza ou de perseguições antissemitas na Europa. Forjaram-se, de um lado, na intersecção entre as tradições judaicas, a cultura familiar, a herança dos diversos movimentos juvenis sionistas socialistas e as relações interétnicas, entre gerações, de classe e de gênero, que caracterizavam a sociedade urbana brasileira dos anos 19401950. E, de outro, foram moldadas pelas novas experiências, reflexões e vontades daqueles jovens idealistas. Sempre determinação social e opção pessoal.

O belíssimo trabalho de Sueann Caulfield89 89 CAULFIELD, 2000. – Em defesa da honra: moralidade modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918-1940) – valeu-se do conceito de gênero para melhor compreender as práticas sobre honra nos âmbitos pessoal, familiar, jurídico e nacional e sua relação com hierarquias de poder, sexuais, sociais e raciais. Mostrou como, mesmo sem ideais revolucionários e sem rejeitar frontalmente "as normas que mantêm sistemas de honra e vergonha", pessoas envolvidas com os meandros da Justiça foram responsáveis por mudanças nos significados de honra, nos valores sexuais e na concepção de "mulher moderna". Algumas delas foram, inclusive, capazes de ampliar os limites das convenções relativas às relações de gênero e das identidades femininas e masculinas. Aproveitando-se das possibilidades oferecidas à História pela perspectiva de gênero, Caulfield estudou, ainda, a função das normas ligadas à honra sexual nos debates públicos sobre a modernidade do Brasil e nas formas como a modernização cosmopolita ocorreu na primeira metade do século XX.

Gênero e História: homens, mulheres e a prática histórica, de Bonnie G. Smith,90 90 SMITH, 2003. retrata o viés de gênero embutido no processo de profissionalização da disciplina histórica: as "definições evolutivas de masculinidade e feminilidade" estreitamente ligadas à definição de História. O livro destaca ainda o trabalho das historiadoras, desde o século XVIII; os preconceitos sofridos e sua contribuição para a ampliação dos objetos e temas da História. Com sua pesquisa específica, Smith colabora também para uma análise historiográfica e metodológica da nossa disciplina.

Peter N. Stearns – em sua bela síntese História das relações de gênero91 91 Peter N. STEARNS, 2007. – promoveu uma união instigante entre os Estudos de Gênero e a chamada História Mundial, a linha que "elege o mundo como objeto de pesquisa", compara sociedades e civilizações e analisa as mudanças mais significativas nos processos de longa duração. Stearns vai da pré-história ao século XXI. Investiga o que ocorre com as definições de masculinidade e de feminilidade e com as relações de gênero quando duas culturas distintas entram em contato. Estudou o feminino e o masculino nas primeiras civilizações agrícolas e, depois, o que ocorreu com as relações de gênero a partir do encontro entre as civilizações da China e Índia antigas e sociedades do mundo clássico e determinados grupos nômades. Observou também a interação de duas importantes concepções de gênero no momento em que o budismo se expandiu da Índia para a China. Com relação ao período pós-clássico, descreveu o que se passou com as relações de gênero nas regiões de expansão do islamismo, nos primeiros contatos culturais do Japão com a China, e nos séculos de invasão mongol. Examinou a questão de gênero nos contatos culturais pós-1450 da Europa Ocidental com a Rússia e com partes da Ásia (Filipinas e Índia) e os encontros na América entre povos tão distintos quanto os colonizadores, os nativos americanos e os escravos trazidos da África. Sobre o século XIX, Stearns verificou as transformações de gênero que se deram a partir do encontro do Ocidente com povos da Oceania, da África e da Ásia, num momento em que os próprios padrões ocidentais estavam se modificando com rapidez. Analisa, para os séculos XX e XXI, as interações entre tradições de gênero e influências externas do contexto mundial que envolvem movimentos feministas, nacionalismos, atuação de organismos internacionais, imigrações, movimentos sociais e globalização cultural. Ao final, a partir de um olhar geral sobre os principais intercâmbios culturais que afetaram as relações de gênero, esboça algumas generalizações, identificando padrões, tipologias e tendências históricas.

Como se vê, é possível e, a meu ver, necessário utilizar o conceito de gênero em trabalhos de História. Eles ganham muito com isso, como poderá constatar o leitor dos livros, acessíveis em português, acima mencionados. Por outro lado, não seria desprezível se também outros pensadores da questão de gênero procurassem dar historicidade às suas análises para evitar o risco de girar em falso em torno de abstrações.

[Recebido em fevereiro de 2008

e aceito para publicação em novembro de 2008]

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  • 1
    E a famosa Judith Butler vai ficar de fora? Tenho dúvidas se os desafios de Judith Butler e se conceitos como "múltiplas identidades" ou
    gender trouble são imprescindíveis aos historiadores. É provável mesmo que a História Social possa dar conta dos fenômenos da mudança social e da ação humana com suas próprias ferramentas disciplinares.
  • 2
    Joan SCOTT, 1988b.
  • 3
    Louise TILLY, 1990.
  • 4
    Alguns chegaram até a falar de uma "cultura feminina", enfatizando a diferença. Esses foram, posteriormente, criticados por isolarem as mulheres do contexto social mais amplo e supervalorizarem seus poderes e esferas restritas de atuação.
  • 5
    Gisela BOCK, 1988; e Joan SCOTT, 1988a.
  • 6
    SCOTT, 1992.
  • 7
    Carmen ESCANDÓN, 1991.
  • 8
    Catherine HALL e Leonore DAVIDOFF, 1987.
  • 9
    Carla BASSANEZI, 1992.
  • 10
    BASSANEZI, 1992.
  • 11
    Antropólogos ensinam que
    coisas também podem ser vistas como masculinas ou femininas (Suely KOFES, 1993).
  • 12
    Como o estudo de Mary Louise Roberts (1992) sobre a França em "crise cultural" no pós-Primeira Guerra Mundial.
  • 13
    HALL, 1993.
  • 14
    Eleni VARIKAS, 1991.
  • 15
    SCOTT, 1986.
  • 16
    Cito, como exemplo, dois objetos de estudo capazes de demonstrar como gênero é evocado para definir relações de poder: a) o nazismo, cujo ideal de superioridade é simbolizado pelo homem ariano, que cultua a virilidade e tem como objetivo o extermínio dos judeus (que conduz, entre outras coisas, à esterilização em massa de mulheres judias) (BOCK, 1988); e b) a discussão do caráter
    gendered masculino do espaço público burguês na época da Revolução Francesa: a política da monarquia, chamada de "política da alcova", é associada pelos discursos revolucionários, negativamente, ao feminino e à imoralidade. Em contrapartida, a República (a política visível do espaço público) é associada, positivamente, ao masculino. Um estudo como esse fornece pistas sobre a exclusão das mulheres (relacionada à formação da virtude republicana) e sobre como, a partir de quais mecanismos ideológicos, a crítica da autoridade arbitrária não chega ao interior da família burguesa (Joan LANDES, 1988).
  • 17
    VARIKAS, 1991.
  • 18
    TILLY e SCOTT, 1987.
  • 19
    SCOTT, 1992.
  • 20
    SCOTT, 1988b.
  • 21
    SCOTT, 1988a, introdução.
  • 22
    SCOTT, 1988e.
  • 23
    SCOTT, 1988c.
  • 24
    SCOTT, 1987.
  • 25
    SCOTT, 1987, 1988e.
  • 26
    SCOTT, 1987, 1988c, 1988e.
  • 27
    SCOTT, 1987.
  • 28
    SCOTT, 1988e.
  • 29
    SCOTT, 1987.
  • 30
    SCOTT, 1988e.
  • 31
    SCOTT, 1988e.
  • 32
    SCOTT, 1988c.
  • 33
    SCOTT, 1988a, introdução.
  • 34
    SCOTT, 1988e, 1992.
  • 35
    SCOTT, 1992.
  • 36
    SCOTT, 1988a, introdução.
  • 37
    SCOTT, 1988a, introdução.
  • 38
    SCOTT, 1988e.
  • 39
    SCOTT, 1988a, introdução.
  • 40
    SCOTT, 1988e.
  • 41
    Marnie HUGES-WARRINGTON, 2002.
  • 42
    Sueann CAULFIELD, 1991.
  • 43
    Antônio Flávio PIERUCCI, 1990.
  • 44
    SCOTT, 1988a.
  • 45
    SCOTT, 1988a.
  • 46
    Não cabe aqui desenvolver com detalhes as ideias de E. P. Thompson, o debate em torno delas ou os termos de sua contribuição para o desenvolvimento da História e da Sociologia histórica (para isso, ver: Harvey KAYE, 1984; Bryan D. PALMER, 1981; e Ellen TRIMBERG, 1984). Para uma análise de aspectos de sua forma de escrever História e do modo como define os conceitos de "experiência", "ação", "determinação" e "hegemonia", ver: BASSANEZI, 1994. Contudo, é bom mencionar que, orientado por uma perspectiva marxista, Thompson rompe com análises simplistas economicistas. Incorpora a cultura em sua abordagem e enfatiza a ação humana no processo dinâmico da história, que, para ele, engloba tanto condicionamentos e determinações quanto a atuação dos sujeitos. Procura entender o "processo histórico e integrar a análise da cultura e da ação humana em uma análise macroestrutural de mudança social". Afirma ser contra uma teoria descolada do empírico; daí a importância que atribui à pesquisa. Além disso, sua visão de História assume, explicitamente, um duplo compromisso: com as evidências históricas e com os problemas e as questões sociais do presente.
  • 47
    The Making of the English Working-Class, no original publicado em 1963.
  • 48
    SCOTT, 1988d.
  • 49
    Será que essa crítica, no limite, não questiona o próprio pressuposto da disciplina História, que espera que o profissional da área, a partir de suas pesquisas, apresente uma narrativa legível sobre o período ou o processo histórico estudado?
  • 50
    Aqui, Scott parece adotar uma visão estreita do termo "relações produtivas", opondo as esferas da "produção" (o mundo do trabalho, o espaço público) e da "reprodução" (o mundo doméstico, privado).
  • 51
    Há quem tenha identificado em um artigo posterior de Thompson – "The Moral Economy Revisited" (1990), mais especificamente na parte em que trata dos papéis de gênero nos
    food riots ("motins por alimentos", ocorridos no século XVIII e início do XIX) – respostas indiretas às críticas de Scott. Afetado ou não por essas críticas, o fato é que, nesse trabalho, a partir da pesquisa em documentos (como gosta de fazer), Thompson dá bastante espaço à participação das mulheres nos motins, sua relação com os homens e com as autoridades, sua atuação no comércio e na economia familiar. O historiador alerta para a confusão que a noção de "igualdade" (ou a de "desigualdade") pode trazer ao ser empregada erroneamente por historiadores de hoje na caracterização das relações entre homens e mulheres do passado. Naquela época, as pessoas não agiam por noções como esta, posto que "estavam profundamente habituadas a aceitar que os papéis de homens e mulheres fossem
    diferentes", com certos espaços de justaposição. "Era exatamente a extensão e a importância manifesta dos papéis da mulher e suas responsabilidades que dava a ela
    autoridade na casa e
    respeito na comunidade". Thompson explica a proeminência das mulheres nos motins em parte por seu papel destacado na economia (que lhes dava autoridade para administrar a vida diária e autoconfiança para reivindicar em protestos públicos). Entretanto, afirma, "é tolice supor que a reciprocidade e o respeito entre trabalhadores homens e mulheres nas comunidades dissolvessem as diferenças sexuais". Por outro lado, as evidências "contestam os estereótipos da submissão feminina, timidez ou confinamento das mulheres ao mundo privado da casa". Como de costume, Thompson enfatiza o estudo contextualizado da cultura e das ações dos sujeitos históricos.
  • 52
    SCOTT, 1988d.
  • 53
    SCOTT, 1988e.
  • 54
    Linda GORDON, 1990; Bryan D. PALMER, 1987; e Christine STANSELL 1987.
  • 55
    SCOTT, 1987, 1990.
  • 56
    Scott também foi acusada de adotar indiscriminadamente o desconstrutivismo; ao se apropriar do vocabulário de Derrida e Foucault, nem sempre soube questionar suas (deles) suposições. "Por exemplo, é verdade que 'não há nenhuma realidade externa ou anterior à língua'? [...] É possível distinguir os objetos do estudo literário dos objetos do estudo histórico?" (HUGESWARRINGTON, 2002).
  • 57
    CAULFIELD, 1991.
  • 58
    TILLY, 1990.
  • 59
    SCOTT, 1988e.
  • 60
    VARIKAS, 1991.
  • 61
    VARIKAS, 1991.
  • 62
    SCOTT, 1988e.
  • 63
    SCOTT, 1988e.
  • 64
    TILLY, 1990.
  • 65
    Guita DEBERT, 1986.
  • 66
    Mesmo sabendo que ela pode mudar com o tempo e a evolução dos questionamentos dos pesquisadores em seu presente, mesmo reconhecendo o viés próprio das fontes e a inevitabilidade do viés próprio do historiador, e o dos seus futuros leitores, é preciso escrever uma história.
  • 67
    Sobre esse assunto, ver: Natalie DAVIS, 1990; Bryan D. PALMER, 1987; Carla PINSKY, 2006; E. P. THOMPSON, 1978; Eleni VARIKAS, 1991; entre muitos outros.
  • 68
    TILLY, 1990.
  • 69
    HALL, 1991.
  • 70
    VARIKAS, 1991.
  • 71
    Por exemplo, dos meios de comunicação (como as revistas femininas estudadas em: BASSANEZI, 1992), ou dos legisladores (como no trabalho de: CAULFIELD, 2000).
  • 72
    Como procurei mostrar em: BASSANEZI, 1992.
  • 73
    HALL, 1990, 1991; HALL e DAVIDOFF, 1987; TILLY, 1990; e VARIKAS, 1991.
  • 74
    Catherine HALL, 1991; Bonnie G. SMITH, 2003; e Louise TILLY, 1990.
  • 75
    HALL, 1991.
  • 76
    Serviram e servem de apoio, por exemplo, os Estudos de População (padrões de casamento, taxas de fecundidade, migrações, situação dos domicílios), a História Mundial, os estudos de processos em larga escala (urbanização, industrialização, globalização etc.), a História das Ideias, a História Política, a História Econômica e a dos Movimentos Sociais.
  • 77
    BASSANEZI, 1992; TILLY, 1990; e VARIKAS, 1991.
  • 78
    Por exemplo: TILLY, 1990.
  • 79
    Carlos Nelson COUTINHO, 1987.
  • 80
    Ver: HALL, 1990; HALL e DAVIDOFF, 1987; SMITH, 2003; e VARIKAS, 1991. E ainda a primeira parte de Scott (1988d).
  • 81
    CAULFIELD, 2000; e TILLY, 1990.
  • 82
    Como lembra Heleieth SAFFIOTI (1990).
  • 83
    Por exemplo, preocupa-se com as experiências femininas em determinada classe social e pressupõe a existência de alguns (não todos) interesses e necessidades diferenciais das mulheres devido a sua (delas) posição estrutural num certo tipo de relação que envolve poder (VARIKAS, 1991).
  • 84
    Como avalia Varikas (1988).
  • 85
    Não há como acusar historiadores como Robert Darnton ou Natalie Davis de simplistas ao tratarem das relações entre
    ação/ expressão individual e
    vida social/ estruturas. Para Darnton (1986), "a expressão individual ocorre dentro de um idioma geral, de que aprendemos a classificar sensações e a entender coisas pensando dentro de uma estrutura fornecida por nossa cultura. Ao historiador [...] deveria ser possível descobrir a dimensão social do pensamento e extrair a significação de documentos, passando do texto ao contexto e voltando ao primeiro, até abrir caminho através de um universo mental estranho".
  • 86
    THOMPSON, 1978.
  • 87
    BASSANEZI, 1992.
  • 88
    PINSKY, 2000.
  • 89
    CAULFIELD, 2000.
  • 90
    SMITH, 2003.
  • 91
    Peter N. STEARNS, 2007.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 2009

    Histórico

    • Recebido
      Fev 2008
    • Aceito
      Nov 2008
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