Resumos
Este artigo examina ações de cidadania e de proteção dos direitos humanos das mulheres. Aborda a articulação global de movimentos de mulheres e feministas e o seu impacto na configuração de acordos internacionais e agendas públicas nacionais nos três últimos decênios. A análise busca a conexão entre estudos feministas, de gênero e de capital social para refletir sobre os padrões de inserção política feminina nos âmbitos mundial e brasileiro, avaliar os sentidos e significados dessa participação e a sua incidência na geração de mudanças legais e culturais orientadas à equidade de gênero e à expansão da cidadania das mulheres.
cidadania; direitos humanos; feminismo; gênero; capital social
This article examines actions of citizenship and protection of the women's human rights. It addresses the articulation of global women's movement and feminists and their impact in the international agreements and in the national government agendas in the last three decades. The analysis seeks the connection between feminist studies, gender and social capital to reflect on the patterns of political insertion of women in the world and in Brazil, to assess the meanings of this participation and its impact on the legal and cultural changes oriented to gender equity and to the women's citizenship expansion.
Citizenship; Human Rights; Feminism; Gender and Social Capital
ARTIGOS
Cidadania e feminismo no reconhecimento dos direitos humanos das mulheres
Citizenship and feminism in recognition of the women's human rights
Jussara Reis Prá; Léa Epping
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
RESUMO
Este artigo examina ações de cidadania e de proteção dos direitos humanos das mulheres. Aborda a articulação global de movimentos de mulheres e feministas e o seu impacto na configuração de acordos internacionais e agendas públicas nacionais nos três últimos decênios. A análise busca a conexão entre estudos feministas, de gênero e de capital social para refletir sobre os padrões de inserção política feminina nos âmbitos mundial e brasileiro, avaliar os sentidos e significados dessa participação e a sua incidência na geração de mudanças legais e culturais orientadas à equidade de gênero e à expansão da cidadania das mulheres.
Palavras-chave: cidadania; direitos humanos; feminismo; gênero; capital social.
ABSTRACT
This article examines actions of citizenship and protection of the women's human rights. It addresses the articulation of global women's movement and feminists and their impact in the international agreements and in the national government agendas in the last three decades. The analysis seeks the connection between feminist studies, gender and social capital to reflect on the patterns of political insertion of women in the world and in Brazil, to assess the meanings of this participation and its impact on the legal and cultural changes oriented to gender equity and to the women's citizenship expansion.
Key Works: Citizenship; Human Rights; Feminism; Gender and Social Capital.
Introdução
A sociedade brasileira dispõe hoje de espaços significativos de participação e reivindicação no âmbito internacional. No caso das mulheres, encontram-se aí diversos instrumentos para a proteção e a expansão de seus direitos. Tais instrumentos foram se ampliando historicamente por meio da ratificação de planos, acordos, tratados ou protocolos, e isso pode ser creditado ao empenho e à mobilização de movimentos de mulheres e feministas. Pelo diálogo e em decisões negociadas com instâncias sociais e governamentais, surge a possibilidade de intervir no desenho e na gestão de políticas públicas, incluindo a disputa por garantia de direitos e pela equidade de gênero. Desse cenário emana uma nova concepção de cidadania fundamentada na ideia do reconhecimento e da ampliação de direitos da população feminina, incluindo os civis, políticos, sociais, culturais, além dos sexuais e reprodutivos. Enfim, o reconhecimento dos direitos humanos das mulheres.
É com referência ao quadro de reformulações no modo de conceber e reconhecer os direitos humanos das mulheres que se pretende refletir sobre suas experiências participativas em ações de fomento à cidadania feminina. Em vista disso, interessa delinear, neste texto, a contribuição das mulheres e de redes de articulação feminista a tratados, acordos, protocolos e convenções internacionais.
Iniciamos o trabalho abordando o significado da criação de instrumentos internacionais de fomento à cidadania feminina, de modo a qualificar a experiência participativa das mulheres e a sua influência na formulação de agendas públicas voltadas à equidade de gênero. Para tal fim, utilizam-se como referência o processo de formatação do Ciclo Social da ONU e documentos ratificados pelo Brasil, como o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw, 1979)1 e o Plano de Ação da Conferência de Beijing (1995). Na sequência, examinam-se algumas propostas teóricas para embasar a ideia de participação e de cidadania, direcionando o enfoque para a conexão entre os aportes teóricos feministas, dos estudos de gênero e do capital social. Assim, estima-se contribuir para a análise dos padrões de inserção política voltados a incidir na formulação de agendas públicas, na geração de mudanças culturais orientadas à equidade de gênero e à expansão da cidadania feminina.
O fomento à cidadania feminina e a experiência participativa das mulheres
Poucos contextos realçaram os resultados das lutas pela expansão da cidadania feminina como os de criação de instrumentos de proteção aos direitos humanos, que resultaram na incorporação das questões da mulher a uma agenda social internacional. Tal agenda, de acordo com José Augusto Lindgren Alves,2 revela uma expressão nova e o esforço normativo de vários segmentos sociais, materializado em um conjunto de grandes conferências mundiais realizadas na década de 1990. Assim, essa acepção de agenda social extrapola as competências de órgãos como o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (Ecosoc) e suas comissões.3 Isso pelo fato de essas conferências,
[...] diferentemente das anteriores, independentes e fragmentárias, além de terem intensidade seqüencial inusitada, forma[re]m um conjunto de configuração quase sistêmica, que aborda as questões de maneira abrangente e integrada, como temas globais, a envolver toda a humanidade. E ao procurar estabelecer de maneira não-impositiva, consensualmente, diretrizes inter e intra-Estados para toda a humanidade, a Agenda Social [...] subscreve a crença numa razão universal.4
Acompanhando o estudo de Alves, podemos citar as seis conferências identificadas por ele como componentes essenciais da chamada Agenda Social das Nações Unidas, conforme o disposto no Quadro 1.
Em menção aos eventos arrolados de 1992 a 1996 e sem esquecer que novos temas passam a integrar a mesma agenda após este último ano (infância, segurança alimentar, intolerância ao racismo e à xenofobia, entre outros), vale enfatizar, como o faz Alves, que a Agenda Social, formatada no último decênio do século XX, incluiu o protagonismo social entre seus componentes principais. Nas palavras do autor,
Mais do que os demais foros multilaterais, da ONU ou de outros sistemas, a modernidade contemporânea da Agenda Social leva em conta, além dos Estados, os demais atores crescentemente protagônicos no domínio do social. Sob esse prisma, é significativo que cada uma das grandes conferências governamentais da década de 90 se faça acompanhar de reuniões paralelas de organizações não-governamentais, cuja participação e influência nas deliberações dos governos vêm crescendo acentuada e incessantemente.5
Para o escopo desta análise, não cabem enfoques pormenorizados desses eventos, e sim direcionar a atenção para os que abordam diretamente a questão das mulheres. Para tanto, mostra-se oportuno registrar alguns dos significados do documento elaborado no encontro de Beijing, sem se esquecer das três conferências mundiais sobre mulher que o antecederam (México, Copenhague e Nairóbi). Antes disso, porém, compete referenciar o Programa de Ação da Conferência do Cairo, dada a sua contribuição ao tema dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos e ao empoderamento das mulheres.
Entre os 15 princípios a orientar o Programa de Ação do Cairo, o de número quatro estipula como alicerce dos programas de população e de desenvolvimento a promoção da igualdade de gênero, a equidade entre os sexos, a capacitação e o empoderamento (empowerment) das mulheres,6 a eliminação da violência contra elas e a garantia de controlarem sua própria fecundidade. Já o oitavo princípio, além de determinar como dever dos Estados a adoção de medidas para garantir o direito ao usufruto do maior padrão possível de saúde física e mental, inclui na sua formulação aqueles relativos à saúde reprodutiva, englobando o planejamento familiar e a saúde sexual. Referindo-se a tais princípios, Alves ressalta que, apesar da advertência no Preâmbulo desse documento de não ser propósito da Conferência do Cairo criar novos tipos de direitos humanos,
[...] o Programa de Ação do Cairo é o primeiro documento de adoção universal que acolhe e explicita a expressão "direitos reprodutivos" - antiga e importante postulação das mulheres, que não chegou a ser incluída na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher [Cedaw], de 1979. Implícitos no direito à liberdade de escolha do número e espaçamento de filhos, já consagrado na Proclamação de Teerã, da primeira Conferência Internacional de Direitos Humanos de 1968, somente agora se encontram eles claramente definidos e reconhecidos.7
Na mesma direção, Leila Linhares Barsted e Jacqueline Herman8 localizam no Programa de Ação do Cairo a introdução de um novo paradigma no debate sobre população. Isso se verifica, dizem elas, pelo deslocamento da questão demográfica para o campo dos direitos humanos, mais precisamente, pela identificação dos direitos reprodutivos como direitos humanos. Contudo, tal reconhecimento só se tornou possível devido à atenção e à postulação incisiva do movimento feminista e de mulheres.
A experiência das mulheres em conferências anteriores das Nações Unidas sobre população e desenvolvimento (1974 e 1984) e meio ambiente e desenvolvimento (Rio-92) serviria para alertá-las sobre a polêmica questão do crescimento populacional e sobre o interesse em limitá-lo - nomeadamente em países periféricos - para combater a pobreza e a desigualdade social. A reação das mulheres a esse discurso, tido como "controlista" e "autoritário", levou seus grupos e organizações a defenderem "que as causas explicativas da produção da pobreza estão nos modelos de desenvolvimento excludentes que não podem ser corrigidos pela simples redução da população pobre".9 Nesses termos, como expressam Barsted e Herman,
O movimento internacional de mulheres demonstrou, já em 1992, uma formidável capacidade de mobilização e articulação. Definindo uma agenda própria sobre a relação entre população e desenvolvimento, o movimento internacional de mulheres rejeitou os princípios controlistas e introduziu no debate das Nações Unidas as questões relativas aos direitos reprodutivos no marco de um processo de desenvolvimento e de respeito aos direitos humanos.10
No Brasil não foi diferente. Como assinalam as autoras, "a atuação de grupos autônomos, organizações não-governamentais e governamentais de mulheres foi decisiva para definir uma posição de respeito à cidadania da mulher [...]".11 Tal postura, segundo elas, em realidade irá reafirmar princípios já explicitados na Constituição Federal de 1988, em específico, o conteúdo do artigo 226, § 7º, que dispõe sobre "o direito de mulheres e homens decidirem livremente sobre concepção e anticoncepção, e o dever do Estado de informar e assegurar a prestação dos serviços necessários para a garantia desses direitos".12
Ainda a respeito do Plano de Ação do Cairo, cabe concluir, seguindo as autoras, a importância do diagnóstico da situação mundial registrado no Plano. Nele são destacados "a situação das mulheres e das meninas e o novo papel dos homens face às responsabilidades familiares, em especial no campo da saúde reprodutiva". Outro ponto do Plano enfatizado por Barsted e Herman é a atenção aos "impactos diferenciados, sobre homens e mulheres, dos processos sociais, econômicos, culturais, políticos e ambientais". Dessa forma, segundo elas, a partir da análise dos diversos "aspectos da vida social", o documento "insta os Estados-membros das Nações Unidas a assumirem compromissos para a efetiva eliminação da pobreza e o respeito aos direitos humanos fundamentais, particularmente nos aspectos relativos à condição da mulher".13
Na esteira de processos dessa natureza, o Brasil, como outros países-membros das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA), ratificou uma série de convenções, protocolos e planos de ação originados em diferentes eventos internacionais. Incluindo-se aí os relacionados ao tema mulher, entre eles a Carta das Nações Unidas (1945), a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979), a Declaração de Viena (1993), a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher (1993), a Convenção de Belém do Pará (1995), a Declaração de Beijing (1995) e o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw). O último passou a vigorar no país somente em 2002. Mais recentemente, o país se comprometeu com o pacto planetário, envolvendo 191 Estados-membros das Nações Unidas (2000) em torno das Metas do Milênio, a serem cumpridas até 2015, assumindo em duas delas o empenho de promover a igualdade de gêneros e empoderar a mulher (terceira meta) e melhorar a saúde materna (quinta meta).
Assim, as Metas do Milênio servem para reiterar a tônica de estratégias já definidas nas Conferências de Viena e do Cairo, nos compromissos e nas recomendações de Copenhague, na Plataforma de Ação de Beijing e no Cedaw. Reiteram, ademais, a mudança qualitativa no tratamento dos direitos humanos e da cidadania feminina, registrada em documentos resultantes de conferências gerais e das exclusivas sobre mulheres. Em suma, fruto dos espaços de participação, reivindicação, cooperação e representação por elas conquistados.
Em referência a esse cenário, Nelly Stromquist oferece importante contribuição ao estudo da experiência participativa no contexto internacional, com o exame do papel de Organizações Não Governamentais (ONGs) de mulheres e feministas durante as conferências da ONU. Segundo a autora, "os vários esforços internacionais nas linhas de gênero sempre foram iniciados por grupos de mulheres, geralmente vinculadas a redes de desenvolvimento (WID) dentro das ONGs".14 Durante essas conferências - a saber, México, 1975; Copenhague, 1980; Nairóbi, 1985; Beijing, 1995 - foram realizadas sessões paralelas, denominadas de "contraencontros", em que após os debates eram elaborados relatórios (documentos sombra ou alternativos) que destacavam os problemas enfrentados pelas mulheres, formulando recomendações aos representantes governamentais presentes no encontro oficial. Com muita frequência, diz a autora, essa ação paralela obtinha êxito e a garantia da inclusão de suas deliberações nos documentos oficiais. Em decorrência, tal conteúdo passaria a influenciar na elaboração de programas e políticas públicas voltados à equidade de gênero.
Quanto à importância dos compromissos fixados nessas oportunidades, Stromquist reconhece que,
Embora recomendações cujo acordo foi feito durante conferências internacionais não possuam valor legal - em oposição àquelas assinadas em convenções internacionais -[,] essas declarações oficiais podem ser usadas como pontos de apoio e possuem um enorme valor como fórum público, com muita participação e troca de pontos de vista.15
Concernente à ação das mulheres junto a conferências mundiais, cabe ressaltar a importância da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw), visto constituir um dos documentos de maior alcance entre os produzidos no âmbito internacional. A Cedaw, adotada em 1979 pela Assembleia Geral da ONU, definiu o que constitui discriminação contra as mulheres e apresentou uma agenda de atividades nacionais visando eliminar essa discriminação. Para fins dessa Convenção, o termo "discriminação contra a mulher" é entendido como
[...] toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, sobre a base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais das esferas política, econômica, social, cultural e civil ou em qualquer outra esfera.16
A Convenção fornece fundamentos para estabelecer a igualdade entre mulheres e homens, assegurando ao segmento feminino igual acesso e oportunidades na vida política e pública, assim como em educação, saúde e emprego, com ênfase na situação das mulheres rurais. A normativa da Convenção teve pontos de encontro com diferentes conferências. Os Estados participantes concordam em adotar as medidas apropriadas, incluindo legislação específica e ações especiais, de caráter temporário, destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher, possibilitando à última o exercício e gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.
Com a ratificação ou aceite dos termos de uma convenção, os países estão obrigados legalmente à execução do seu conteúdo. Igualmente, assumem o compromisso com a apresentação de relatórios nacionais, pelo menos a cada quatro anos, comprovando se houve o avanço das medidas implantadas para cumprir as obrigações firmadas no Protocolo Facultativo da Convenção. No mesmo processo, um relatório alternativo (não governamental) subsidia o Comitê que avalia as ações dos governos nacionais. Ao lado disso, grupos e organizações de mulheres, responsáveis pela elaboração do documento alternativo, contam com assento e voz nas Nações Unidas para corroborar ou confrontar o conteúdo dos relatórios governamentais. No caso do Brasil, nas duas ocasiões em que o país encaminhou seu relatório ao Comitê Cedaw (2003 e 2007), o processo de elaboração do relatório alternativo teve significativa participação de redes e articulações nacionais e resultou na formulação de políticas públicas para as mulheres.
Como esclarece Stromquist, esse é um "acordo com obrigações legalizadas e representa a mais forte acusação contra o domínio patriarcal, ao investir contra violência conjugal, casamentos precoces e discriminação sexual na educação e no trabalho".17 De acordo com a autora, mesmo com as reservas de muitos países a determinados artigos da Convenção, a cada nova conferência realizada a pressão mundial por sua implementação tende a aumentar. Assim, a Conferência de Direitos Humanos em Viena (1993) operou como elemento de força e pressão para renovar o ímpeto da Cedaw. Desse prisma, reiterava-se o proposto no documento da referida Conferência, mediante o reconhecimento dos direitos das mulheres como direitos humanos internacionais.
A Conferência de Nairóbi (1985) estabeleceu estratégias que também funcionaram como elemento de pressão no mesmo processo. Conforme Ana Herrera, o encontro de Nairóbi encerrou na ONU a Década da Mulher com o documento Estratégias para o futuro (FLS), identificando áreas de ação a serem implementadas no período de 1986 a 2000.18 O documento apresentou medidas concretas a serem conduzidas por governos nacionais e organismos internacionais para a superação de problemas nas áreas de emprego, educação, saúde, agricultura e indústria.
As indicações da FLS foram reiteradas na Plataforma de Ação de Beijing (1995), em um conjunto de recomendações que torna mais rígidos os mecanismos de aplicação e o monitoramento de políticas públicas.19 Naquela ocasião,
[...] o movimento internacional de mulheres defendeu vitórias alcançadas até então frente a muitos interesses opostos da parte dos governos, grupos religiosos ou fundamentalistas e os meios de comunicação. Esta Conferência legou ao movimento de mulheres uma agenda política bastante específica para dialogar e negociar com os governos e outros atores da sociedade civil. Essencialmente, a agenda consiste em traduzir os acordos de Beijing em políticas públicas e seguir lutando pela justiça de gênero.20
Com a presença de 184 países e 5 mil organizações não governamentais, acordou-se, em Beijing, a adoção de medidas para garantir a igualdade de acesso e plena participação das mulheres em instâncias de poder, e a inserção da perspectiva de gênero nas legislações e em políticas, programas e projetos estatais. Segundo Vargas Valente, citada por Herrera, nesse contexto "os movimentos nacionais de mulheres assumem o desafio de assegurar o compromisso da sociedade civil para afirmar a cidadania plena das mulheres, rechaçando as muitas formas nas quais as mulheres são excluídas e subordinadas".21 No encontro de Beijing (1995), da mesma forma que no do Rio de Janeiro (1992), de Viena (1993) ou do Cairo (1994),
o movimento de mulheres articulou-se internacionalmente para que as Nações Unidas ratificassem as conquistas de Conferências anteriores e avançassem em direção à definição de direitos e das estratégias necessárias para a concretização da cidadania da mulher.22
Em síntese, com a realização de conferências internacionais e a assinatura de tratados, acordos, protocolos ou convenções, criam-se importantes formas de apoio para confrontar o problema das desigualdades de gênero, tanto em países desenvolvidos como nos em desenvolvimento. Nesse sentido, várias conferências mundiais sobre mulher (México, 1975; Copenhague, 1980; Nairóbi, 1985; e Beijing, 1995) e, em especial, a Cedaw23 serviriam para definir a natureza e a gama de problemas que afetam o segmento feminino em diferentes sociedades. Expressava-se, assim, uma das faces da experiência participativa das mulheres, propiciando instrumentos para a elaboração de programas e políticas públicas sensíveis à equidade de gênero.
Equidade de gênero e igualdade de direitos
Ao avaliar retrospectivamente o caminho percorrido pelas mulheres nas três últimas décadas, não podemos deixar de perceber o seu esforço para mudar as normas vigentes sobre as concepções de gênero e estabelecer as bases para buscar a igualdade de direitos. Sem dúvida, a experiência participativa das brasileiras e seu empenho junto às Nações Unidas e a instâncias sociais e governamentais forneceram os recursos necessários para empreender essa caminhada. Porém, ao pensar nos próximos decênios, podemos perceber que essas práticas continuam a demandar atenção, apesar de evidenciarem muitos resultados exitosos. O aparente reconhecimento da cidadania feminina e a sua inclusão em programas de governos e em agendas nacionais, a partir dos anos 1990, não têm se mostrado capaz de garantir todos os direitos humanos a todas as mulheres. Portanto, essa tarefa continua imperativa para quem defende a expansão da cidadania feminina e a equidade de gênero.24
Enfocando a questão por esse ângulo, assume relevância avaliar a conexão entre feminismo, gênero e capital social.25 Isso requer refletir sobre a incorporação dessas perspectivas à análise política, reconhecendo-as como "campos interdisciplinares, que propõem a integração de dimensões institucionais, simbólicas e subjetivas".26 Expressão essa utilizada por Elizabeth Jelin ao relacionar gênero e direitos humanos, e aplicável à nossa reflexão. Nesses termos, endossamos a ideia da autora de que a incorporação da perspectiva de gênero promoveu uma "luta entre enfoques" na comunidade acadêmica, e isso consideramos não ser diferente em estudos sobre capital social, como veremos adiante.
Quanto ao gênero, seguimos a reflexão de Jelin sobre a genealogia do conceito na América Latina, de correspondência inegável no Brasil. A autora reporta sua análise aos anos 1960 a fim de examinar as condições históricas e os antecedentes conceituais para o desenvolvimento dessa perspectiva. De início, identifica o esquecimento do lugar social das mulheres nos estudos que mobilizaram aquele momento histórico (capitalismo periférico, dependência, marginalidade ou mobilidade social). Ao lado disso, refere que nem mesmo a articulação política feminista do final dessa década chamou a atenção para a condição feminina. Esclarece a respeito que, no paradigma dominante da época (teorias da modernização e marxismo), qualquer conexão com o sistema político era analisada "sem a mediação de instituições, atores e movimentos sociais - que apareciam no cenário sócio-político e reclamavam novas capacidades interpretativas dos cientistas sociais".27
Ainda segundo Jelin, na literatura da época encontravam-se poucos estudos sobre o tema mulher, uns tratando da sua participação na força de trabalho e na educação, outros de sua fertilidade. Os últimos, alvos de polêmica em torno da sexualidade feminina, alertaram as feministas para um assunto que mais tarde aportaria nas conferências das Nações Unidas (gerais e sobre mulher), demandando uma defesa acirrada dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres; polêmica a marcar os debates e as negociações durante a Conferência do Cairo (1994), antes tratada.
O incremento da participação das mulheres no meio acadêmico e em movimentos sociais, durante os anos 1960, também não chamou atenção para elas. E isso independente de as feministas trazerem à tona problemas como o da invisibilidade e da subordinação femininas. Portanto, apesar da centralidade desse debate para a formação da perspectiva de gênero, ele não atingiu
o establishment das ciências sociais da região. Foi sim, algo que ficou, ou ajudou a conformar, um espaço segregado [...] de acadêmicas e militantes que começavam a reivindicar o feminismo e a luta pelos direitos da mulher.28
Mesmo assim, quando se faz um balanço da década de 1970 é de realçar, como o faz Jelin, a importância da contribuição feminista, que, com o uso do conceito de patriarcado, desnudou as relações de poder, vinculando as relações familiares às relações sociais.
Passaria então mais de um decênio até que se vislumbrasse a possibilidade de incorporar o olhar feminista a outras perspectivas de análise. Todavia, não sem ter de enfrentar adversidades, entre elas os problemas deflagrados pela nova ordem neoliberal, incluindo a pobreza e o desemprego. Além disso, tem-se a marca de uma postura dominante de vertente normativa, cuja aposta na criação de regras e leis parece ser o suficiente para constituir cidadania. Coube a teóricas feministas questionar essa posição. E foi nos fóruns internacionais que elas alertaram para a distinção entre de jure (formal) e de facto (material), com seu pleito contemplado em instrumentos internacionais de proteção aos direitos das mulheres e registrado num dos seus textos mais expressivos, o da Cedaw. Nomeadamente, advogaram que muitas vezes é mais fácil superar obstáculos legais do que práticas impostas pela cultura, por mentalidades ou pela fragilidade da política pública.
Daí a relevância teórica e política do tema da cidadania para o feminismo, em especial a partir do final do século passado. Em países como o Brasil, o investimento no processo de construção democrática e de ampliação da participação política alimenta esse debate. Diálogo esse pautado aqui e em outros países pelo ocaso de regimes ditatoriais (América Latina e leste europeu), pela crise das chamadas democracias representativas e por demandas de inclusão social. No caso brasileiro, isso impõe a tarefa de construir a democracia sob a presença de movimentos sociais caracterizados pela diversidade cultural e por incorporarem concepções como as de gênero e de raça/etnia a projetos emancipatórios e antidiscriminatórios e a novas propostas de políticas públicas.
Concernente às questões de gênero, o debate sobre democracia tem como referentes transformações nos conceitos de cidadania, de participação política e de esfera pública, bem como as críticas feministas relativas à forma de incorporação das mulheres aos novos cenários democráticos. Como sujeito e objeto desse processo, o feminismo somou-se aos movimentos de mulheres, articulou-se em redes e capitalizou, nacional e internacionalmente, a defesa dos diretos humanos das mulheres e a sua materialização em uma agenda pública referida a gênero. Do ponto de vista do capital social, essa articulação pode ser vista como resultado da mobilização de ativos (recursos) sociais, políticos, culturais e legais acumulados por grupos e organizações de mulheres e feministas, que resultaram em acordos, tratados ou convenções para promover e defender os direitos humanos das mulheres.
Assim, o projeto emancipatório e democrático, requerido por distintas vertentes feministas, reflete a conexão ou a possível convergência entre a perspectiva de gênero e a de capital social. Presumível pois, como adverte Jelin,29 não é raro uma terminologia emergir com sentidos e intencionalidades excludentes. Sendo assim, podemos evocar novamente o argumento de Jelin para ponderar que o capital social, assim como o feminismo, teve a sua leitura a partir do liberalismo. Exemplo a incluir são os projetos de instituições econômicas multilaterais como o Banco Mundial, que também contempla as questões de gênero. Igualmente, propõe-se a investir em capital social e a impulsionar políticas para ampliar a participação social e econômica das mulheres. E o faz ciente de que em muitas áreas as mulheres têm maior potencial produtivo que os homens, portanto justificando seus investimentos.
Os estudos de gênero têm criticado posturas dessa natureza, em especial quanto ao uso político do conceito em países periféricos.30 Ao lado disso, as abordagens de gênero reconhecem a importância da perspectiva do capital social, não obstante fazem ressalvas a algumas de suas análises clássicas. Seu foco são avaliações de autores como Coleman e Putnam, questionados por secundarizarem as relações de gênero e, em decorrência, as relações de poder.31 Tais avaliações expressam claramente as duas proposições de Joan Scott em relação ao termo "gênero".32 Conceito por ela definido como "elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos" e como "primeiro modo de dar significados às relações de poder". Ou, pelo acréscimo da própria autora, "o gênero é um primeiro campo no seio do qual, ou por meio do qual, o poder é articulado".33 Concernente às mulheres, isso significa a tendência de a balança do público e do político pesar a favor dos homens quando se trata de ocupar espaços de poder e decisão.
Examinando o problema da participação das mulheres nesses espaços, Vivien Lowndes assume a relevância empírica e epistemológica do conceito de capital social, em particular, para quem se importa com as diferenças de gênero na política.34 Associado a isso, destaca o pouco interesse do debate de capital social pelas questões de gênero e nele identifica certa relutância em integrar temas concernentes à mulher e à política aos modelos do capital social. Em referência à obra de Robert Putnam35 sobre a democracia na Itália, Lowndes advoga não tratar o estudo da dinâmica de gênero. Ademais, questiona o fato de, entre as associações locais examinadas pelo autor, 73% representarem clubes esportivos e 1% áreas de saúde e serviços sociais, alegando que tal desproporção minimiza justamente os espaços onde há maior concentração de mulheres. Daí considerar necessária a ampliação do foco empírico e teórico do capital social.
Nesse sentido, quando se trata de evidência empírica, é inquestionável a capacidade feminina de mobilizar ativos (recursos) e de formar redes de relações sociais, pressupostos na geração de capital social. Fato comprovado se considerarmos os frutos gerados na luta pelo reconhecimento dos direitos humanos das mulheres empreendida em âmbitos locais e internacionais. Contudo, essas ações nem sempre são consideradas por não se incorporarem, necessariamente, à política formal. Na mesma direção, Susan James pondera que, apesar do esforço teórico de ligar ações comunitárias (participação informal) a fenômenos políticos formais (participação em partidos, governo e parlamento), "o debate do capital social reforça, freqüentemente, a clássica distinção público/privado".36 Segundo ela, isso ocorre devido à identificação do que se supõe ser atividade das mulheres, ou seja, algo "distanciado do mundo político da cidadania e irrelevante a ele".37 Lowndes é mais enfática. Para essa autora, urge superar a divisão entre público e privado na própria Ciência Política, entendendo ser tal superação indispensável às análises do capital social.38
Carole Pateman faz uma leitura semelhante sobre a cidadania feminina e a dicotomia entre público e privado, mas por outro ângulo. Seu enfoque está na teoria do contrato social.39 Pelo exame dessa teoria, a autora vê o patriarcado e o contrato sexual (casamento e prostituição) constituídos nesse pacto como responsáveis pela exclusão das mulheres da cidadania. Nas palavras da autora, o contrato original é social e também sexual, "é sexual no sentido de patriarcal", pois "cria o direito político dos homens sobre as mulheres" e garante o "acesso sistemático dos homens aos corpos das mulheres".40 Nesse modelo, assevera Pateman, esfera pública (masculina) e privada (feminina) se dividem, mas só a primeira recebe atenção; a segunda (privada) "não é encarada como sendo politicamente relevante".41
Finalmente, lembrando os argumentos de Lowndes, James, Scott e Pateman, compete estabelecer que isolar as relações de gênero das teorias das relações sociais e da teoria política pode servir de impedimento para problematizar e incidir sobre um conjunto de desigualdades. Dito de outro modo, isolando o gênero, ficam subsumidas as relações de poder e as assimetrias que operam tanto na esfera privada como na esfera pública, ou seja, na família, na sociedade, no mercado e nas instituições políticas.
Nesse plano, assume relevância a contribuição dos estudos de gênero à análise da realidade social e política, em resposta à necessidade de gerar mudanças nas relações de poder entre homens e mulheres. Oportuno, então, referir aqui conceitos como o de empoderamento, sobretudo, pelo significado político da ampliação do seu marco interpretativo. Como alude Jelin, comentando León,42 a noção de empoderamento, de início pensada pelo feminismo "como processo de superação da desigualdade e da subordinação",43 mais tarde iria se somar a outras ideias. Daí a defesa de "uma maior autonomia individual e coletiva, da capacidade de mobilização e de transformação das estruturas de discriminação e desigualdade".44
Desse ponto de vista, interessou entender o processo de mobilização das mulheres (empoderamento) e somá-lo ao de desenvolvimento e fortalecimento de suas redes de relações sociais (capital social). Também interessou entender de que maneira elas utilizam esses ativos como recurso de interlocução e de negociação para a elaboração de uma agenda política referida a gênero.
Reflexões finais
Importantes mandatos sobre igualdade de gênero surgiram de conferências mundiais e interamericanas, nas quais os governos nacionais se comprometeram a promover a igualdade de gênero na formulação de políticas e programas públicos. O mais explícito dos mandatos mundiais inclui a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw, 1979), o Programa de Ação do Cairo (1994), a Plataforma de Ação de Pequim (1995) e as metas acordadas internacionalmente na Declaração do Milênio (2000), que identificaram "a igualdade de gênero e o empoderamento da mulher" como condição vital para a consecução de todas as outras metas. Em nível regional, os mandatos mais pertinentes vêm da Convenção de Belém do Pará sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher (1994).
No Brasil, o documento Estratégias da Igualdade (1997) e o I e o II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2004 e 2007) oportunizaram a maximização dos conteúdos de instrumentos internacionais (mundiais, interamericanos e regionais) de reconhecimento e defesa dos direitos das mulheres. A Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340), editada em 2006 e que dispõe sobre a violência doméstica e familiar, exemplifica esse processo acionando duas dessas convenções nos termos do seu artigo primeiro:
Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do: § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil.45
A fim de analisar o protagonismo das mulheres, enfocamos sua experiência participativa em contextos internacionais, visando, precisamente, a uma primeira aproximação aos cenários das Nações Unidas. Nosso objetivo é buscar outro centro de atenção para avaliar o potencial político das redes de relações articuladas por e entre movimentos de mulheres e feministas em espaços de poder e decisão. A contribuição de experiências dessa natureza é inegável, haja vista o poder de intervenção das mulheres na agenda pública, ou como poderíamos intuir, inspiradas em León,46 a criação de uma agenda internacional de empoderamento mesmo enfrentando situações de pobreza, exclusão social, crises financeiras ou governabilidade, a exemplo de brasileiras e de outras latino-americanas.47
As evidências realçadas no estudo denotam avanços no reconhecimento dos direitos das mulheres como direitos humanos, na interlocução dessas com o Estado e no desenho de políticas públicas de gênero. Isso permite dimensionar a capacidade de mobilização de grupos e organizações de mulheres (capital social) e o seu potencial de inserção política. Tal potencial, no entanto, encontra limites diante de verdadeiras cadeias de relações de poder que vão do espaço social até o institucional. Por esse prisma, ao entabularmos a conexão entre feminismo, gênero e capital social, interessava-nos, parafraseando Jelin, "Relacionar o plano das instituições com os padrões culturais de sentido",48 transcendendo marcos habituais de análise política. Já com a intenção de trazer à tona padrões que retratam as assimetrias de gênero, ressaltamos a clássica dicotomia entre esfera pública e privada, subsidiadas pela avaliação de Lowndes49 e James50 sobre gênero e capital social e pela versão feminista do contrato social (sexual) elaborada por Pateman.51
Também procuramos identificar a capacidade de mobilização das mulheres, tendo em vista as transformações impulsionadas pelo ideário feminista e pela prática participativa das mulheres. Tal prática, contudo, pode variar entre as próprias mulheres segundo as necessidades de cada grupo, ora motivando demandas por acesso à saúde ou moradia entre as menos favorecidas, ora gerando reivindicações por acesso à educação superior entre as mais favorecidas. Em compensação, temas de abrangência universal podem unir esses grupos, potencializando a sua capacidade de ação coletiva e o seu poder de reivindicação. Situações a incluir, como lembra Stromquist,52 temas considerados universais como o do enfrentamento da violência doméstica ou de direito ao controle do próprio corpo.
Não por acaso slogans como "Quem ama não mata!" retratavam, no Brasil dos anos 1980, a reação feminista à absolvição de assassinos de mulheres, liberados pela justiça por "Legítima defesa da honra". Não por acaso o lema "Nossos corpos nos pertencem" serviria às feministas como uma de suas principais bandeiras de luta mundial; expressão reconhecida desde a primeira Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher (1975) na defesa dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos das mulheres. Enfim, baluartes da oposição aos termos do contrato sexual no Brasil e no mundo.
Afinal, as mulheres ao longo do tempo ampliaram e construíram sua identidade coletiva como grupo homogêneo com objetivos comuns. O espectro de suas reivindicações aumentou e, embora muitas ainda não sejam atendidas, consolidaram-se avanços inegáveis. Das manifestações radicais dos anos 1960, da participação em movimentos sociais, sindicatos e partidos políticos entre os anos 1970 e 1980, elas chegam aos anos 1990 para compor a Agenda Social das Nações Unidas.
Assim a questão de gênero se impõe como objeto de estudos a demandar maior atenção dos estudiosos da política. Um olhar atento à trajetória das mulheres e às mudanças promovidas por seu protagonismo pode fornecer subsídios a futuros estudos acerca de diversas questões como as da cidadania, do empoderamento, dos direitos humanos, da participação política, do capital social e das políticas públicas. O conhecimento da experiência acumulada pelas mulheres poderia, também, orientar ações e estratégias de outros setores da sociedade que buscam maior participação política e igualdade de direitos.
Por último, cabe indagar: o que a perspectiva feminista pode sugerir de novo para o enfrentamento das discriminações contra as mulheres? Como o registrado em outra ocasião, a perspectiva da prática feminista e os estudos sobre mulher e gênero enriquecem as análises políticas, expondo as desigualdades sociais e as assimetrias que hierarquizam as relações de poder.53 Portanto, como sugere o feminismo, desconstruir estereótipos e falsas dicotomias e caminhar em direção à igualdade de direitos e à equidade de gênero são condições indispensáveis para quem vislumbra uma sociedade democrática e cidadã.
Recebido em 26 de fevereiro de 2010 e aceito para publicação em 14 de outubro de 2011
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
25 Abr 2012 -
Data do Fascículo
Abr 2012
Histórico
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Recebido
26 Fev 2010 -
Aceito
14 Out 2011