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Contando estórias e inventando metodologias para discutir a violência contra as mulheres

Telling stories and inventing methodologies to discuss violence against women

Resumos

Neste artigo discorro sobre a importância de se criar metodologias alternativas para trabalhar com a violência contra as mulheres dentro do campo da psicologia. Produções artísticas como a literatura, o teatro, a contação de histórias, entre outras, possibilitam o questionamento de identidades fixas e binárias na regulação de gênero e podem permitir a reconstrução de normas identitárias por meio de enunciados e gestos inéditos, ensejadores de novos mapas que abarquem as diferenças e refutem as normalizações. Trago a possibilidade de pensar a inserção do/a psicólogo/a nesse debate, amparada em dispositivos artísticos como estratégias de resistência e construção de subjetividades dissidentes, e exemplifico essa narrativa trazendo a estória de Branca e José Pássaro Volante, personagens da obra de Lídia Jorge em "O dia dos prodígios".

violência; violência contra as mulheres; dispositivos artísticos; política ciborgue


In this article I write about the importance of creating alternative methodologies to work with violence against women in the field of psychology. Artistic productions like literature, theatre and storytelling, among others, make it possible to question fixed binary identities in gender regulation and may enable the reconstruction of identitary rules by means of original enunciations and gestures, which give occasion to new maps that can embrace differences and refute normalizations. I bring the possibility of thinking the insertion of the psychologist in this debate, supported by artistic devices as resistance strategies and construction of dissident subjectivities, and I illustrate this narrative bringing the story of Branca and José Pássaro Volante, characters of Lídia Jorge's work "O dia dos prodígios" (The day of the prodigies).

Violence; Violence Against Women; Artistic Devices; Cyborg Policy


ARTIGOS

Érika Cecília Soares Oliveira

Universidade Estadual Paulista

RESUMO

Neste artigo discorro sobre a importância de se criar metodologias alternativas para trabalhar com a violência contra as mulheres dentro do campo da psicologia. Produções artísticas como a literatura, o teatro, a contação de histórias, entre outras, possibilitam o questionamento de identidades fixas e binárias na regulação de gênero e podem permitir a reconstrução de normas identitárias por meio de enunciados e gestos inéditos, ensejadores de novos mapas que abarquem as diferenças e refutem as normalizações. Trago a possibilidade de pensar a inserção do/a psicólogo/a nesse debate, amparada em dispositivos artísticos como estratégias de resistência e construção de subjetividades dissidentes, e exemplifico essa narrativa trazendo a estória de Branca e José Pássaro Volante, personagens da obra de Lídia Jorge em "O dia dos prodígios".

Palavras-chave: violência; violência contra as mulheres; dispositivos artísticos; política ciborgue.

ABSTRACT

In this article I write about the importance of creating alternative methodologies to work with violence against women in the field of psychology. Artistic productions like literature, theatre and storytelling, among others, make it possible to question fixed binary identities in gender regulation and may enable the reconstruction of identitary rules by means of original enunciations and gestures, which give occasion to new maps that can embrace differences and refute normalizations. I bring the possibility of thinking the insertion of the psychologist in this debate, supported by artistic devices as resistance strategies and construction of dissident subjectivities, and I illustrate this narrative bringing the story of Branca and José Pássaro Volante, characters of Lídia Jorge's work "O dia dos prodígios" (The day of the prodigies).

Key Words: Violence; Violence Against Women; Artistic Devices; Cyborg Policy.

Inicio este artigo com algumas considerações a respeito da literatura como possibilidade de discutir o gênero e a violência contra as mulheres dentro do campo da psicologia. Segundo Sandra Azerêdo, Joan Scott, em seu texto Experiência, fala sobre a importância de historiadores/as utilizarem a literatura como uma forma de abrir novas possibilidades para analisar as produções discursivas da realidade social e política enquanto processos complexos e contraditórios. Nesse texto,1 1 Joan SCOTT, 1999. Scott discute a importância de se compreender a experiência como um evento linguístico que não acontece fora de significados estabelecidos. Ela propõe que a análise da linguagem para a compreensão de como os sujeitos são constituídos discursivamente possa se dar por meio da literatura e que esta, por sua vez, pode cooperar para a ruptura da correspondência direta entre palavras e coisas e para o questionamento dos significados únicos, tão frequentes nas investigações realizadas por historiadores/as. A literatura, para ela, teria um status próprio integral, que permitiria olhar para as categorias de análise como construções contextuais e contestáveis.

Para Azerêdo, a crítica de Scott poderia ser estendida à psicologia, pois essa disciplina também não se utiliza da literatura e da ficção e, tal como a história, muitas vezes se limita à reprodução dos fatos e da realidade. Supondo que a narrativa nunca é neutra, implicando em escolhas e posicionamentos políticos, Azerêdo acredita que uma forma de analisar a linguagem poderia se dar pela literatura e pelo cinema, já que ambos podem ser ferramentas importantes para a compreensão da experiência da diferença e da experiência do/a outro/a justamente por exporem a complexidade da construção dos fatos na psicologia. Desse modo, ao se eliminar a literatura das pesquisas em psicologia, cria-se um distanciamento diante da possibilidade de fundar um encontro com a alteridade, e a indicação de Azerêdo2 2 Sandra Maria da Mata AZERÊDO, 2010. é justamente a de se tentar borrar os contornos entre fatos e ficção dentro desse campo como possibilidade de fazer valer produções discursivas originais. Analisando algumas produções cinematográficas e literárias e a tentativa de seus idealizadores de criarem porosidades entre ficção e realidade, a autora articula o "jeito de fazer" deles com a própria prática em psicologia:

O novo jeito de fazer está no encontro com a diferença, no esvaziar-se de si mesmo, colocando o eu na narrativa, enfim, na invenção de novas práticas performativas que resistam à reiteração das normas que produzem o humano numa situação de dominação.

3 3 AZERÊDO, 2010, p. 183.

No campo dos estudos feministas, a poesia também pode ser um caminho dentro do processo de mudança por colocar as mulheres na busca de uma linguagem que lhes possibilite falar numa cultura que, até agora, lançou-as ao silêncio. Essa linguagem nova, que fala do corpo e do poético-literário (da arte, de modo geral), procura entender os lugares das mulheres na linguagem, os acontecimentos que marcam sua submissão ao preconceito e aqueles que marcam sua busca por outros mundos. O que melhor caracterizaria tanto a prática como a teoria feminista seria justamente a ousadia de se aventurar no significado da singularidade das mulheres no mundo capitalista e, para Azerêdo: "[...] isso tem a ver com a afirmação da diferença, a abertura para a poesia, a literatura, a arte, enfim, em nossas teorizações".4 4 AZERÊDO, 2011, p. 83.

A aposta dessa autora, portanto, está na produção de uma linguagem que desconstrua as definições e conceitos que prendem as pessoas a uma subjetividade sujeitada. Também Stela Meneghel e Lupicinio Iñiguez5 5 Stela Nazareth MENEGHEL e Lupicínio IÑIGUEZ, 2007. relatam experiências com oficinas de contação de estória em diferentes coletivos para discutirem violência contra as mulheres e demonstram a importância de se trazer atividades fundamentadas em referenciais participativos. Para eles/as, as oficinas com contadores/as estimulam a construção de estratégias de resistência, através da crítica, dialogicidade e arte. Ao formarem esses grupos, acreditam que podem constituir um dispositivo para alavancar mudanças e agenciar estratégias de resistência às violências.

Trabalhando também com mulheres em situação de violência, Silvia Ramão, Stela Meneghel e Carmen Oliveira6 6 Silvia Regina RAMÃO, Stela Nazareth MENEGHEL e Carmen OLIVEIRA, 2005. propõem, por meio da produção de máscaras e contação de estórias de orixás femininos, o agenciamento de formas de subjetividades que rompam com as demandas assistencialistas características desse tipo de espaço. Através da arte, portanto, seria possível criar mecanismos de ruptura com a linguagem dos fatos, que tem sua maior expressão nos meios de comunicação, os quais ocupam atualmente uma posição disciplinante através de uma lógica da produção performativa da identidade sexual, de gênero, racial ou étnica por meio de uma "inflação da representação (ao vivo)", conforme definiu Beatriz Preciado em entrevista a Jesús Carrillo.7 7 Jesús CARRILLO, 2010.

Além disso, é necessário levar em consideração a afirmação de Avtar Brah8 8 Avtar BRAH, 2004. sobre o fato de que a prática que produz poder também serve para desafiar as práticas opressoras de poder, e que as imagens visuais (pintura, escultura, dança), os registros orais (música e outros sons que produzem poder) e as tecnologias de comunicação são práticas que produzem poder, podendo, portanto, ser utilizadas como contradiscursos para repensá-lo. Assim, trazer linguagens estéticas para discutir tais performatividades também tem o intuito de construir códigos diferenciados junto à população, que caminha em sentidos opostos às linguagens usuais ou as questiona.

Nesse sentido, assinalo a importância da ideia trazida por Gloria Anzaldúa,9 9 Gloria ANZALDÚA, 2000. ao falar da escrita das mulheres terceiro-mundistas, convidando-as a descobrirem uma linguagem que as caracterize, que as liberte das línguas consideradas melhores que as suas, já que a linguagem é claramente marcada tanto pela classe como pela etnia de quem a utiliza. Pode, então, implicar num desafio o uso de metodologias experimentais que reconstruam essas linguagens para o campo das ciências humanas em geral e para a psicologia, em particular.

Levando em conta essas asserções, acredito que o uso de metodologias alternativas (como o teatro, a contação de estórias, a confecção de curtas-metragens, dentre outros) pode fundar dispositivos de resistência sobre questões importantes para o campo da psicologia, permitindo olhares, pensares e também palavras inéditas a respeito das várias violências que são acionadas pelas pessoas em virtude da dificuldade que existe em se conviver com sujeitos ou práticas consideradas desviantes dos padrões estabelecidos socialmente ou, ainda, para mantê-los dentro desses mesmos padrões através da criação de corpos abjetos. Diante dessa intolerância, surgem as violências passíveis de serem acompanhadas cotidianamente: contra as mulheres, contra a população LGBT, contra pessoas de outras raças/etnias e assim por diante.

A ideia de estrear maneiras para falar (e escutar) esses temas começou a ser utilizada por mim a partir da minha pesquisa de doutorado, realizada no período de 2009 a 2013,10 10 Esse texto foi adaptado e fez parte da tese de doutorado intitulada "Gênero, violência contra a mulher e Teatro do(a) Oprimido(a): novas possibilidades de pesquisa e de intervenção social" do Programa de Pós-Graduação em Psicologia e Sociedade da Universidade Estadual Paulista, campus de Assis, sob a orientação da Profa. Dra. Maria de Fátima Araújo, e recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). na qual trabalhei com o Teatro Fórum (TF)11 11 Entendido como um "modelo para a ação futura", o TF é uma das modalidades do Teatro do/a Oprimido/a criada pelo brasileiro Augusto Boal, a qual tem como objetivo convidar os/as espectadores/as a entrar em cena e, por meio de uma ação, auxiliar aquele/a que está vivenciando uma opressão - o/a protagonista ou oprimido/a - a encontrar uma solução para ela. As pessoas que entram no palco são, a um só tempo, atores/atrizes e espectadores/as, daí Boal (2005) cunhá-os/as de "espectatores/atrizes". Aquele/a que faz a mediação entre o palco e a plateia, convidando as pessoas para o debate (fórum) teatral, é conhecido/a como curinga. como método e dispositivo político para discutir a violência em parcerias íntimas contra as mulheres em relações heterossexuais, a partir da construção de uma esquete12 12 Pequena peça de teatro. cuja dramaturgia trazia como estória norteadora aquela retirada do romance da escritora portuguesa Lídia Jorge13 13 Lídia JORGE, 2010. O dia dos prodígios, que traz a narrativa das violências vividas pela personagem Branca no interior de sua relação com José Pássaro Volante. O objetivo desse trabalho foi conhecer as práticas discursivas da plateia (seus discursos sobre poder, amor, casamento, feminilidades, masculinidades, violência em parceiras amorosas etc.) e, junto a isso, tentei incluir o Teatro do/a Oprimido/a (TO) dentro das pesquisas acadêmicas, diferenciando-o das demais metodologias pelo modo particular como o corpo dos sujeitos são ativados dentro desse tipo de espetáculo e da experiência de se construir uma narrativa comum para denunciar opressões no interior das relações ao publicizá-las para um coletivo, levando em consideração os atravessamentos e eixos de diferenciação e poder, como classe social, gênero, religião, idade, entre outros.

Paralelamente a isso, trabalhei com oficinas de teatro, levando jogos e exercícios do TO para discutir assuntos como homofobia, bullying, além de preparar alunos/as da universidade e mulheres em situação de violência para lerem uma esquete sobre violência contra as mulheres e, finalmente, realizar a leitura de uma peça de teatro para discutir homofobia e violência. O uso dessas metodologias teve como função dar visibilidade a temas que têm em comum a violência (seja entre alunos/as de uma escola, seja diante de diferentes orientações sexuais ou, ainda, contra as mulheres), levando-os para o debate por meio do incentivo à literatura e às artes de modo geral. Através da abertura desses espaços junto a diferentes segmentos populacionais e da criação de modos singulares de se falar e pensar, foi possível inaugurar encontros potentes com as pessoas, permitindo a sensibilização para problemas duros e a vivência de experiências de um modo bastante invulgar e não massificado.

Levando em conta o desenvolvimento de metodologias que podem participar na prevenção da violência contra as mulheres - entendendo ser um dos pilares dessa prevenção a denúncia de que as feminilidades e masculinidades são criadas e reguladas por meio de normas identitárias fixas e dicotômicas - acredito que um dos desafios para a psicologia reside em dialogar com as teorias feministas que trazem a desconstrução das identidades e das categorias unas e totalizadoras, tentando assinalar o quanto elas podem contribuir para a área da violência contra as mulheres e se tais leituras podem fomentar debates que contribuam, futuramente, para a construção de posturas que entendam que as políticas públicas devem contemplar, além das medidas que visam à punição do autor da violência, a criação de espaços para a desconstrução e reconstrução dessas normas identitárias e, caso já contemplem isso, reforcem então a necessidade de se investir na visibilidade dessas normas como forma de atacar, profundamente, as violências que surgem em função de sua existência. No caso da violência em parceiras íntimas, é necessário notar que, se a regularização dos corpos femininos se dá por meio de violências exercidas pelos homens a esses corpos, estes mesmos homens, por sua vez, têm os excessos dessa violência (aqui entendidos como crime), regulados pela retirada de sua liberdade, a prisão. Para Benedito Medrado,14 14 Benedito MEDRADO, 2009, p. 410. a prisão os isola do convívio social e os estigmatiza. Como demonstra Butler,15 15 Judith BUTLER, 2005. como uma operação de poder, a regulação de gênero pode adotar uma forma legal, definindo a produção de parâmetros, construindo as pessoas de acordo com normas abstratas que condicionam suas vidas, fazendo-as e desfazendo-as. A ênfase na criminalização da violência nas políticas públicas acaba fazendo com que o número de delegacias seja superior ao número de casas-abrigo e de outros serviços de atendimento para as mulheres, segundo Cecília MacDowell Santos,16 16 Cecília MacDowell SANTOS, 2008. o que significa que nem mesmo as mulheres são inteiramente asseguradas pela lei. Na opinião de Juracy Toneli e Simone Becker,17 17 Maria Juracy TONELI e Simone BECKER, 2008, p. 394, grifo meu. é necessário que se conjugue um viés educativo com outras estratégias, além da punição.

De acordo com a pesquisa realizada em meu doutorado, foi possível compreender que a lei 11.340/06 (conhecida como Lei Maria da Penha) contempla, em suas medidas preventivas, a discussão da violência sofrida pelas mulheres junto à sociedade, mas ainda é pouco o que se vê acontecendo na prática, e noções rígidas prevalecem nas discussões, quando essas acontecem, não ampliando a questão para as várias possibilidades de feminilidades e masculinidades que poderiam servir como parâmetro para uma sociedade que acolhe as diferenças e as multiplicidades. O fato de ser o/a juiz/a a determinar se os homens autores de violência deverão ir a um programa de reeducação também demonstra, mais uma vez, que isso não é tido como essencial, ainda que as pesquisas demonstrem o contrário, pois deixar esse tópico nas mãos da interpretação pessoal de um/a operador/a do direito, devendo ele/ela agir de acordo com o seu bom senso, é um modo de não garantir a efetiva implementação dessa medida.18 18 Trata-se do artigo 45 que modifica a Lei de Execuções Penais, inserindo um parágrafo único ao artigo 152: "Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação" (BRASIL, 2006). Essas pesquisas demonstram o quanto é importante que os homens também possam ser atendidos, a fim de reformularem suas concepções sobre os papéis de gênero que, por serem disponibilizados de forma estereotipada, acabam por fomentar e manter as relações de opressão e violência dentro das parcerias afetivas.19 19 MEDRADO, 2009; Benedito MEDRADO e Ricardo Pimentel MÉLLO, 2008; OLIVEIRA e GOMES, 2011; BEIRAS e CANTERA, 2012; BEIRAS, MORAES, ALENCAR-ODRIGUES e CANTERA, 2012.

Nas discussões desse âmbito, é necessário focalizar a atenção na produção de identidades como uma entidade dinâmica e mutante, situada em contexto, compreendida como um processo e construída nos gestos que a colocam como ancoradouro de práticas sociais e discursivas.20 20 Rosi BRAIDOTTI, 2002. Rosi Braidotti aposta em perguntas que desessencializam as identidades: "[...] como a identidade é construída? Por quem? Sob que condições? Para que fins?".21 21 BRAIDOTTI, 2002, p. 4. Assim, para definir a identidade, é necessário refletir sobre a multiplicidade de discursos e relações de poder que atravessam o caráter complexo de cumplicidade e resistência proporcionadas pela trama das práticas nas quais ela está implicada, daí seu caráter nômade.22 22 MOUFFE, 1999. Não se deve esquecer, contudo, que essas mesmas identidades acabam por assumir padrões específicos ao refletir conjuntos particulares de circunstâncias pessoais, sociais e históricas.23 23 BRAH, 2004. Donna Haraway, por sua vez, aponta para os limites da construção da identidade e prefere falar em afinidade ao invés de identidade, reforçando que as feministas não podem mais desejar nenhuma matriz identitária natural entre as mulheres.24 24 Donna J. HARAWAY, 2000.

O diálogo com teorizações trazidas pelos estudos pós-feministas, queer e pós-coloniais permite análises mais complexas de poder e de opressão, como demonstra Beatriz Preciado,25 25 CARRILLO, 2010. já que se pretendem distanciados de uma lógica binária de dominação (bem/mal, homem/mulher, hetero/homo, gay/lésbica, branco/a/negro/a), na tentativa de dar uma solução dialética para além do gênero e da sexualidade. Estudos que levam em conta a articulação com essas produções têm sido realizados, sobretudo por autores/as que veem com reserva as políticas que priorizam a penalização e problematizam o lugar de invisibilidade conferido ao homem no que diz respeito ao papel ocupado por ele dentro desse contexto.26 26 MEDRADO, MÉLLO, 2008; e Adriano BEIRAS e Leonor CANTERA, 2012. A ideia aqui, portanto, é reforçar a perspectiva de que não é possível pensar no enfrentamento da violência contra as mulheres, desconsiderando a participação e implicação dos homens para seu combate efetivo, isto é, em estratégias que desafiem conjuntamente e tragam para o debate todos/as os/as atores implicados em sua reprodução e manutenção, procurando não essencializar posições e assinalar que tanto mulheres como homens, se vivem em relações interpessoais de violência, o fazem em função de construções sociais, regimes de verdade e de práticas discursivas que legitimam esse tipo de vivência e, portanto, ambos precisam de assistência na tentativa de diluir tais práticas. Se o sujeito pode ser o efeito de discursos, instituições e práticas e, se num dado momento, o "sujeito-em-processo", como afirma Brah,27 27 BRAH, 2004. pode, tanto consciente como inconscientemente, repetir e ressignificar posições nas quais está situado e das quais está investido, a aposta então encontra-se na possibilidade de, através de programas voltados para o atendimento de homens autores de violência, permitir-lhes entrar em contato de maneira diferenciada com as experiências que ser homem implica, revendo, assim, a sua masculinidade.

Trago como possibilidade de se pensar esse tipo de discussão a ideia de ciborgue formulada por Haraway.28 28 HARAWAY, 2000. Pensado como metáfora, máquina e corpo, o ciborgue permitiria a possibilidade de superação das dicotomias e questionaria a naturalidade das categorias gênero e sexo e o desejo de totalidade. O ciborgue é um construto heterogêneo, capaz de apoiar projetos opositivos e liberadores nas práticas de pesquisa, produções culturais e na intervenção política.29 29 HARAWAY, 1995a. Ele está comprometido com a parcialidade, a ironia e a perversidade, é oposicionista e nada inocente, como mito ele significa fronteiras transgredidas, fusões potentes e perigosas possibilidades. Um mundo de ciborgue pode significar, para Haraway, realidades sociais e corporais vividas nas quais as pessoas não temerão identidades permanentemente parciais e posições contraditórias.

Para Dolores Galindo,30 30 Dolores Cristina GALINDO, 2003. Haraway elevou a expressão ciborgue para uma categoria conceitual e política, apontando para o sonho utópico de criar um mundo monstruoso sem gêneros e a possibilidade de sair do labirinto de dualismos pelos quais os corpos são explicados. Para essa autora, Haraway vê as tecnologias de comunicação e biotecnologias como ferramentas para reconstruir o corpo das mulheres e produzir uma linguagem de códigos que desmonte antigas heterogeneidades. Sua proposta é trabalhar com a confusão de fronteiras e o estabelecimento de novas combinações. Segundo Chella Sandoval,31 31 Chella SANDOVAL, 2004. a ideia trazida por Haraway é de que a consciência ciborgue é uma encarnação tecnológica de uma forma particular e específica de consciência opositiva, sendo distinta, portanto, daquela que reproduz a ordem global dominante.

Para as teorizações em psicologia na discussão da violência em parceiras afetivas, é possível levar a proposta de uma política ciborgue formulada por Haraway para repensar o lugar que o/a psicólogo/a ocupa dentro das equipes que trabalham para o enfrentamento da violência contra as mulheres, o modo como pode se posicionar diante do tema e as ferramentas que pode utilizar nesse tipo de discussão. A equipe de atendimento multidisciplinar deve trabalhar de acordo com a lei Maria da Penha de modo integrado, e o que se espera é que seus/suas profissionais sejam capacitados/as para atenderem tanto mulheres como os homens autores de violência, numa perspectiva que leve em consideração as discussões de gênero.

No que diz respeito ao trabalho realizado por psicólogos/as em redes específicas para o atendimento desse tipo de violência, em pesquisa realizada por Heloísa Hanada, Ana Flávia D'Oliveira e Lilia Schraiber,32 32 Heloísa HANADA, Ana Flávia Pires Lucas D´OLIVEIRA e Lilia Blima SHCRAIBER, 2010. foi verificado pela leitura do Guia de Serviços para as Mulheres em Situação de Violência que os/as psicólogos/as estavam em todos os tipos de serviço da região metropolitana de São Paulo, em 2005, ainda que com menor participação em delegacias e serviços jurídicos. Elas observaram, através de entrevistas realizadas com diversos/as profissionais dos serviços de Segurança Pública, Saúde, Assistência Social e Justiça, que a concepção deles/as a respeito da inserção e atuação dos/as psicólogos/as na rede específica é de que há uma dificuldade em delinear a especificidade do serviço da psicologia dentro desse campo. As autoras constatam que existem outras possibilidades de atuação psicológica para além da psicoterapia que podem ser desenvolvidas, abrindo espaço para práticas mais integradas com as ações da equipe. Isso tem grande relevância nesse tipo de trabalho, pois para elas o/a psicólogo/a ainda é popularmente associado/a ao trabalho clínico e nem sempre seu papel é claro dentro das equipes multiprofissionais que geralmente o restringem à saúde mental, e reflexões sobre a assistência psicológica são importantes para essa área. Segundo as autoras, isso se deve ao fato de que há pouco conhecimento sobre as atividades desse/a profissional na rede, o que reflete a diversidade e os conflitos internos ao campo da psicologia, que carece de definições mais claras sobre suas práticas não clínicas para melhor definir as intervenções do atendimento psicológico, já que essas indefinições trazem prejuízo ao diálogo entre os/as profissionais e a articulação de um projeto assistencial integrado com o resto da equipe.

A ideia de trazer metodologias alternativas surge também como uma ferramenta que pode ser utilizada dentro desses espaços com a intenção de romper com demandas que priorizem o assistencialismo através do uso de dispositivos que produzam modificações nos posicionamentos de mulheres e homens diante da violência. A aposta então se dá em assinalar a importância para a psicologia da utilização de metodologias alternativas para trabalhar com o tema da violência contra as mulheres na criação de linguagens desconstrutoras - e a arte é uma delas - refletindo criticamente sobre as ferramentas que serão utilizadas para isso e na tentativa de estabelecer com os/as profissionais da área a possibilidade de configurar-se no "outro inapropriado/vel",33 33 HARAWAY, 1999. isto é, no estabelecimento de uma relação crítica e desconstrutiva e em uma racionalidade difratária como forma de estabelecer conexões potentes que excedam a dominação. O ser "inapropriado/vel" não se encaixa em nenhuma taxonomia, não se encontra situado/a em mapas disponíveis que especificam tipos de atores e atrizes e tipos de narrativas, tampouco fica imobilizado pela diferença. Pelo contrário, ele opera na perspectiva dos saberes localizados34 34 HARAWAY 1995a, 1995b. que agem como mapas de consciência para as pessoas que têm sido inscritas dentro das marcadas categorias de raça e sexo, tão exuberantemente produzidas dentro das histórias das dominações masculinas, racistas e colonialistas. Os saberes localizados são sempre conhecimentos marcados: são novas marcas e orientações dos grandes mapas que globalizam o corpo heterogêneo do mundo na história do capitalismo e do colonialismo masculinos, segundo Haraway.35 35 HARAWAY, 1995a. Através dessa perspectiva, é possível pensar o papel desse/a profissional dentro da equipe multidisciplinar de enfrentamento da violência contra as mulheres e na possibilidade de a psicologia contribuir com estratégias de resistência à normalização, permitindo às pessoas deixarem de fazer o que seu gênero prescreve tal como sugere Preciado em seu Testo Yonqui.36 36 PRECIADO, 2008.

A seguir, trago a estória de Branca e José Pássaro Volante, personagens que inspiraram a produção da esquete de Teatro Fórum com a qual construí a dramaturgia que foi utilizada em minha pesquisa de doutorado. A partir da apresentação dessa obra, abre-se o convite para os/as leitores/as utilizarem esse texto - ou contarem outro - na tentativa de reconstrução de feminilidades e masculinidades.

Branca e José Pássaro Volante: um dia de prodígios

A estória narrada em O dia dos prodígios,37 37 Agradeço a Karina Gomes Bertolino por ter me apresentado essa estória. da escritora portuguesa Lídia Jorge, foi publicada pela primeira vez em 1980 e se passa em Vilaminhos, vila fictícia criada por ela para narrar o caráter mítico que as pessoas daquele lugar encontravam para explicar as mudanças que vinham ocorrendo com o fim da Revolução de 1974. Entre as personagens que compõem essa obra, encontra-se Branca Volante, dona de casa que costura uma colcha com um dragão em seu centro, do tamanho de sua própria casa, e José Pássaro Volante. A atividade de Branca é medida pelo marido, que corrige seus excessos sempre que ela está com o espírito para além das parreiras. Seu corpo é uma superfície de disciplinarização por parte do marido, pois, caso ele constate qualquer distração por parte dela, estampa em sua pele seus cinco dedos: "Não era para doer. Era mais a marca e a lembrança".38 38 JORGE, 2010, p. 36.

Ao longo do livro, a escritora mostra que Pássaro aprendeu a resolver seus conflitos através do uso da força física desde pequeno, herança dos ensinamentos de seu pai, que registra em sua educação o exercício de regras básicas sobre como exercer sua masculinidade. Assim, diante do desejo de vender sua mula Menina, que costumava fugir e que, de algum modo, dava a entender que confrontava seu poder de mando, Pássaro "[...] sentiu que ia ficar repleto de cólera, e a barba que tinha azul e afiada, pôs-se a despontar vigorosa contra a insolência de uma mula tão louca como a mulher, e como ela perversamente misteriosa e cínica".39 39 JORGE, 2010. p. 41, grifo meu. Fica evidente que querer escapar da autoridade de Pássaro coloca a mula na condição de louca, tal como Branca quando não obedece ao seu controle. E Pássaro pensa: "Se eu não soubesse desde moço pequeno, e por ensinamento de meu pai, que espancar uma besta é sempre mais caro do que espancar pessoa, eu te diria, oh velhaca".40 40 JORGE, 2010, p. 41, grifo meu. Pássaro amarra o focinho da mula para conter seu "riso" e, após espancá-la com uma vara de vime, ele sente seu corpo "tremendo como se tivesse amado uma mulher".41 41 JORGE, 2010. p. 42. A descarga liberada por ele ao espancar a mula demonstra o alívio que encontra ao castigar aqueles/as que vão contra aquilo que ele determina, produzindo-lhe prazer a prática desmesurada de poder; ele quer ser obedecido: "E com elas [as mulas] exercitas a voz de comando. Dizes. Alto. Parem. E elas param. Andem. E elas andam. Vá. E elas trotam".42 42 JORGE, 2010, p. 122. Menina, contudo, dispara um relincho e isso é compreendido novamente por Pássaro como uma resistência à sua dominação. Nessa passagem, Lídia Jorge demonstra como a força física é utilizada por ele como forma de controlar a expressão do outro, mesmo que este outro seja apenas um animal. Os/as vizinhos também explicam o nascimento de Pássaro como um ato que provoca dor extrema em sua mãe; segundo Manuel Gertrudes, Pássaro teria nascido "de pés",43 43 JORGE, 2010, p. 76. o que causou imenso sofrimento em Margarida Volante: "Mas ninguém deveria ter de engolir a sua própria vida, só porque um outro nasceu de pés",44 44 JORGE, 2010, p. 77. demonstrando a dor que aquele ser, aquele macho, inaugura na vida das pessoas, desde seu surgimento no mundo.

O mesmo acontece com a esposa, diante de quem se entende como senhor e dono, não precisando consultar seus desejos em nenhuma ocasião. Branca também é comparada à mula, corpo sobre o qual Pássaro cavalga quando bem entende: "Mas Pássaro sentava-se sobre a cintura de Branca, feita selim de coiro, bordado a lã e a espelhinhos. Arreios invisíveis sim, mas Branca via os atafais virem no ar, passarem-lhe por baixo das ancas, e a sobrecarga a apartar-lhe a barriga".45 45 JORGE, 2010, p. 66. Desse modo:

Pássaro

cavalga

.

Branca é um dorso macio de aragem pelada

. Pássaro cavalga como se a

montada

tivesse partido à desfilada pelos caminhos, e ele cego por ver a terra tremer. E então o estremecimento sobre a montada da cama, veloz e horizontal, como se Pássaro se quisesse sacudir de si próprio, despejar o seu interior aí sobre. Larva e linfa esmaecida. Branca fecha os olhos.

46 46 JORGE, 2010, p. 51.

Tomar a esposa sexualmente, sem o seu consentimento, é o modo que Pássaro conhece de se relacionar, e ela, por sua vez, entende que, com sua "navalha de carne [Pássaro] vai-lhe esfacelando a alma, pensando que está apenas a coçar-lhe as virilhas".47 47 JORGE, 2010, p. 96. Ele serve-se dela: "E um dia Pássaro se mandou para cima dela sem uma palavra e lhe disse depois. Estou servido",48 48 JORGE, 2010, p. 65. e quer controlar até mesmo os pensamentos dela, demonstrando como eles são perigosos. Exemplifico isso na passagem em que Branca reclama de uma dor de cabeça localizada entre seus olhos, "no alto da cana do nariz, sob a testa":49 49 JORGE, 2010, p. 88. "Pássaro declara. Não admira, esse é o sítio exacto da cabeça para apontar uma arma. Porque está aí o nó dos pensamentos".50 50 JORGE, 2010, p. 88.

Branca possui uma capacidade de ver, escutar e ouvir através das coisas: "Consigo ouvir animais, pessoas, rumorejo de folhas. Chego a ouvir as ondas. Este tam tam que vem e vai".51 51 JORGE, 2010, p. 48. Ainda que dotada dessa clarividência, ela não consegue entender o motivo que leva o marido a ser um tirano, o que a leva a indagar-se a respeito da origem disso, querendo ter uma "faca afiadinha" para abri-lo e inspecionar o seu interior. Ela imagina que, uma vez encontrado o ovo da larva, poderia examiná-la até que essa se transformasse numa "mancha de líquido sobre o ladrilho".52 52 JORGE, 2010, p. 50. Depois, Branca pegaria uma agulha e uma guita e costuraria o marido da "goela ao púbis", demonstrando que o seu desejo era estancar a violência que acontecia dentro de sua casa, sem que tivesse, contudo, que se separar dele. O que ela espera é um acordar que seja tranquilo, "Pássaro de rosto sereno, falando manso. Parado à mesa como quem estivesse. Embora da goela ao púbis houvesse uma fenda cozida a guita e dedal".53 53 JORGE, 2010, p. 50. Conversando com seus vizinhos, ela diz:

Muito mais difícil é o que eu espero. Eu espero acordar um dia sem sentir o peso do corpo, nem dos ossos, nem das miudezas do ventre. Estar em casa e pensar. Vou abrir a janela. E levantar-me para abrir a janela sem antes pesar quantas arrobas tem o meu assento sobre a cadeira onde estou sentada. Pensar. Vou chamar o Francisquinho. E não precisar de cortar as coleiras que me amarram a língua para chamar por meu filho. Isso eu queria.

54 54 JORGE, 2010, p. 96.

Esse pensamento de Branca, essa espera, é alimentada pela ideia de destino fati,55 55 BOURDIEU, 2007. própria de algumas relações amorosas. Ela conhece o marido aos 17 anos e tem uma de suas premonições ao olhá-lo: "Vai ser aquele. Nunca se sabe. Disseram-lhe. Vai ser aquele, porque tem cara de me querer bater toda a vida".56 56 JORGE, 2010, p. 66. Mas um dia Branca resolve confrontar Pássaro quando ele insinua que ela não tem intenção de terminar a colcha que está bordando. Branca diz: "Usas este bordado como para controlares a minha pessoa no próprio espírito. E eu mais do que submissa, acobardada. Caladinha".57 57 JORGE, 2010, p. 99. É a primeira vez que ela o enfrenta: "E disse. Que mais valia pedir uma esmola por amor de deus, que viver numa casa onde apenas tinha feito de parideira de meninos machos. E servido as coisas que serviam as bestas".58 58 JORGE, 2010, p. 100. Entendendo que havia sido chamado de besta, o marido a convoca a repetir novamente aquilo. Cansada, ela se transforma na "senhora do dragão, das missangas, das linhas, dos pontos",59 59 JORGE, 2010, p. 100. o que faz com que Pássaro se sinta obrigado a tomar uma atitude, sentindo que "a alma do seu pai lhe falava nas veias".60 60 JORGE, 2010, p. 101. Pássaro começa a espancar Branca, mas dessa vez ela reage:

Alcançou com a mão esquerda a tenaz, passou-a à direita, e cega por um fluido de baba e ranho onde nada existia a não ser visco e seu marido concreto. Seu marido concreto. Arremessou-lhe o ferro que se abriu no ar em cruz e se foi espetar na parede, uma mão travessa acima do chapéu de Pássaro. E Pássaro pregado à cadeira, como se as calças que trazia vestidas. E toda a gravidade da terra. O prendessem ao tampo de madeira pelos fundilhos. Sua mulher tinha perdido o juízo.

61 61 JORGE, 2010, p. 101.

Isso desmobiliza Pássaro, dá-lhe vontade de sair dali e ir "pensar para outro lado".62 62 JORGE, 2010, p. 101. Mais uma vez, contudo, a educação dele para ser homem o impede de sair, quando vê os filhos se aproximando: "achou que de novo a alma de seu pai, muito forte e muito homem lhe falava de debaixo da mesa".63 63 JORGE, 2010, p. 100. Pássaro volta a espancar a esposa, agora para ensinar aos filhos como um homem deve agir: "Vejam meus filhos. Urrou duas vezes, engolfou os bicípedes dos braços, de força e ar, e avançou para o quadrúpede, animal de cabelo, Branca".64 64 JORGE, 2010, p. 102. Mas Branca resiste e tenta se defender: "E procurava o rosto de Pássaro. Enfiava os dedos nos olhos de Pássaro. Mordia os olhos de Pássaro".65 65 JORGE, 2010, p. 102. Ela ainda abre a gaveta e pega o facalhão de dois gumes que usava para matar porcos: "Aí Pássaro compreendeu que aquela faca ia mudar a vida".66 66 JORGE, 2010, p. 102. Aquela faca, ou melhor dizendo, a atitude de Branca mudaria a vida dos dois. Pássaro consegue, contudo, tirar a faca das mãos da mulher e, quando aparecem diante da vizinhança, esta chora e grita por nunca ter pensado que Branca fosse capaz de outro gesto senão de obediência, comedimento e castidade.

Também os filhos do casal ficam mobilizados pela figura da mãe que "apesar de parecer morta não queria que a compusessem".67 67 JORGE, 2010, p. 104. As crianças dela, aprisionadas por um "terramoto sentimental de baba e pranto, queriam que uma grande estrela caísse sobre Vilaminhos. Sendo dia. Para que não fossem só eles, meninos de José Pássaro Volante, a sentirem na alma tamanha desgraça".68 68 JORGE, 2010, p. 104. Até aqui Lídia Jorge reposiciona Branca na situação de violência, fazendo-a também revidar como se fosse igual ao marido, causando espanto em vizinhas e vizinhos e demonstrando, também, o quanto seus filhos ficavam penalizados com aquela vida cheia de violências, o que confere ao Pássaro a ideia de que todos estão unindo forças contra ele: os filhos, que são medrosos a ponto de ele "desconhecer o escrito da masculinidade"69 69 JORGE, 2010, p. 123. neles; a vila, que o trata como um forasteiro; e a mulher, que, se não passasse perfume aos domingos ou não levasse um "estalo encontro na cara",70 70 JORGE, 2010, p. 172. desferido por Pássaro, não se notaria a existência. Vê-se, assim, Pássaro abalado porque sua mula fugiu e também porque sua esposa resolveu se opor aos seus desmandos, desestruturando todas as suas certezas. Além disso, a escritora menciona o quanto a atividade de Pássaro está se transformando em coisa do passado, seja porque as mulas carregavam mais moléstias àquela altura, seja porque não se reproduziam e ficavam cada vez mais caras. É como se o agir de Pássaro, sua existência, fosse algo obsoleto: "Arranji este jeito de ser e vida, e agora o que pode um homem fazer?".71 71 JORGE, 2010, p. 123.

Paralelamente a isso, a figura do cantoneiro José Maria questiona Branca, dizendo-lhe que só se liberta quem deseja e lembrando-a o quanto a profissão de Pássaro está circunscrita ao desaparecimento. Ele traz também a ideia do progresso para a vila através dos grandes caminhões que irão substituir o trabalho manual e irão lavrar a terra, demonstrando que o tempo da ditadura chegara ao fim e que Branca poderia modificar sua vida caso reparasse melhor no caminhão (e provavelmente nele, o cantoneiro), pois o caminhão era "a porta para uma boa vida",72 72 JORGE, 2010, p. 149. onde Branca poderia cozinhar em sua carroceria, deitar as crianças, dormir, comer, até mesmo montar um negócio com "pãezinhos com ovo, pirolitos, e viver-se de praia em praia".73 73 JORGE, 2010, p. 149. O cantoneiro incita Branca a libertar-se, queimando sua colcha:

Devia, senhora dona. Ser proibido as pessoas sem coragem falarem. Quando se tem um ser. Ou coisa. Que nos ataca só há dois caminhos. E isto você sabe mas não quer saber. Ou mata ou morre. Não interessa se é com faca, palavra ou tiro. Ou mata ou morre. Você porque não queima a colcha?

74 74 JORGE, 2010, p. 150.

Branca demonstra seu desconhecimento perante o mundo, e o cantoneiro tenta, ainda, explicar-lhe que em Lisboa os soldados e o exército libertaram todos os/as oprimidos/as, lembrando-a também que a velocidade mais veloz de um cavalo a galope poderia ser ultrapassada pelas rodas de uma viatura como aquela que ele conduzia, mostrando-lhe o quanto era muito mais potente que Pássaro. Ele ainda propõe-lhe que os dois saiam de Vilamaninhos, levando os filhos de Branca, a malva, a mesa, as cadeiras e o fogão.

Acontece que Branca passa, com seu dom de antever coisas, a enxergar os pensamentos e as falas interiores de seu marido e adivinha, então, que este deseja mudar sua própria vida. Isso se exprime aqui: "Então sabes no que penso sobre a mudança da vida. Desde há um ano a esta parte que me sinto comido e escoiceado por bestas. Levantou-se Pássaro com voz de noivo. Para tomar a mão de Branca".75 75 JORGE, 2010, p. 172. Não bastasse isso, Branca adivinha que o marido deseja encostá-la no umbral da porta para despi-la e se esfregar contra ela até ficar "aliviado dos teus males".76 76 JORGE, 2010, p. 172. O fato de fazer sexo com Branca pela primeira vez "nessa posição de pessoa",77 77 JORGE, 2010, p. 172. e não de besta, já é um indicativo, segundo ela, de que Pássaro começou a mudar. Branca afirma que ela mesma iniciou uma mudança ao conseguir falar tais palavras junto a ele e chama-o para executar o que havia planejado, ao que ele a indaga a respeito de suas premonições: "E eu não gostaria que me amasses a ponto de me chamares de Passarinho?"78 78 JORGE, 2010, p. 173. E ela responde:

Ai, sim. Disse Branca. Todo desejo de pessoas como tu, é que alguém lhes redobre o amor. Dando elas no entanto, apenas a décima parte do que deveriam dar. Ou nada mesmo. É como fazer uma cova no fundo do poço. Quanto mais a queres seca, mais ela se enche de água. Sendo neste caso a água, a dor e a indiferença. Porque esperas, Pássaro? Tens ali o umbral da casa. Faz escuro. Os teus filhos dormem no quarto de trás e as malvas estão presentes, mas não têm língua. E se tivessem contariam apenas a verdade a quem a quer ignorar. Passarinho.

79 79 JORGE, 2010, p. 173.

É interessante observar que Branca não precisou abrir o marido da "goela ao púbis". Sua liberdade é adquirida a partir do momento em que consegue colocar-se através de palavras ou de violência, permitindo que adquira a capacidade de ler/adivinhar o universo do próprio marido. Isso se expressa aqui: "Agora esse pressentimento de que mesmo inchada de socos e pedindo perdões com a língua sempre ela havia de estar acima de si. De mim. De mim. Pensava Pássaro".80 80 JORGE, 2010, p. 173.

Ele sente raiva desse poder que a esposa adquiriu, pensa-a como "puta" que, mesmo estando atrás da parede da casa, sabe o que ele pensa, "que lhe digo e chamo".81 81 JORGE, 2010, p. 173. Pássaro fica inconsolável, ainda que saiba que, no final das contas, a esposa irá usar aquilo que sabe para cuidar dele e protegê-lo, demonstrando que os papéis de gênero são mantidos: Branca se preocupa se ele toma sereno e fica com a garganta picando, corre para agasalhá-lo, deixando água sobre a cabeceira para que possa beber. Ele pensa:

E tudo o que eu lhe disser, já ela antes saberá,

e assim estará sempre adiante de mim, e eu atrás, atrás.

Como uma sombra de sua pessoa. Sem conseguir ultrapassá-la. Ai de mim.

Nem a sombra do meu pai pode valer a um homem que, cheio de pasmos e dúvidas, só tem a certeza de que a mulher

. Estando em casa, comendo, bebendo e dando de corpo como qualquer um. Pertence a um mundo que vai à frente dos outros vários passos no tempo.

82 82 JORGE, 2010, p. 174, grifo meu.

O poder assumido por Branca, de algum modo, enfraquece o marido, faz com que queira mudar de vida, com que se sinta atrás dela, vendo-a como um ser que tudo sabe, fazendo-o sentirse como uma sombra de sua pessoa. Lígia Jorge deixa explícito que a relação de Branca e Pássaro, como todas as relações interpessoais, é, antes de qualquer coisa, uma relação na qual o poder flui e é disputado pelo casal. A partir do momento em que o poder deixa de se concentrar apenas nas mãos do homem, sua masculinidade passa a ser questionada por ele mesmo: "O que pode um homem depois de tanto desastre havido com as mulas. O que pode um homem fazer, quando uma mulher, saracoteando a saia pela casa é capaz de prever os acontecimentos da vida?".83 83 JORGE, 2010, p. 195. E mais adiante: "E Pássaro sentia a repelência que sente o vencido debaixo do gume da lâmina do vencedor. Poupando-lhe este a vida. O vencido agarrando as calças pela braguilha, sente que ainda está vivo, mas perdeu a excrecência da masculinidade. Cala-te porra de mulher".84 84 JORGE, 2010, p. 197. Diante das adivinhações de Branca e do poder supostamente contido nelas, Pássaro ainda sente vontade de fazer algo: "Pássaro levanta-se. Ainda eu levanto as duas mãos e começo a apertar-lhe o tubo da respiração até ela dar o último solavanco. Esta marafada que agora fala, apesar de tudo, é feita de língua e bofes como os demais".85 85 JORGE, 2010, p. 198. Branca, que sabe o que o marido está pensando, lembra que toda Portugal virá procurá-la para que ela adivinhe o futuro das pessoas e que, ainda que ela cobre por tais consultas, as esmolas serão tantas que todos na casa terão como viver para o resto da vida. Até mesmo Pássaro terá o luxo de passear o gordo corpo sobre as mulas, por puro deleite. Assim, tal como previa o cantoneiro, Branca prefere continuar ao lado do marido, deixando a possibilidade de ir embora com José Maria, dizendo-lhe adeus, sem nunca conhecer o que é doce, "para se julgar a figura duma história de romances",86 86 JORGE, 2010, p. 199. desconhecendo a lembrança dum beijo de boca.

Finalizo este artigo articulando a estória de Branca e Pássaro com o conceito de agência desenvolvido por Sherry Ortner87 87 Sherry B. ORTNER, 2007. para pensar o modo como essa mulher consegue inaugurar um posicionamento inédito em sua relação e a maneira como começa a esforçar-se para não ser mais colocada na esfera da abjeção. Ao contrário disso, ela adivinha o futuro (ou seja, possui controle sobre as ações presentes e futuras) e, em função disso, terá condições de sustentar marido e filhos. Quero elucidar que uma leitura aligeirada dessa situação poderia fazer crer que a cessação de situações como essas pode concentrar-se, única e exclusivamente, nas mãos das mulheres que as sofrem e que defender essa hipótese é, no mínimo, um ato de má-fé. Para Ortner, a agência é um tipo de propriedade dos sujeitos sociais quase sempre distribuída de forma desigual: algumas pessoas conseguem tê-la e outras não, algumas têm mais e outras menos, pois os sujeitos estão sempre inseridos em teias de relações (de afeto, solidariedade, poder, rivalidade ou, ainda, na mescla de todos esses elementos). Seja qual for a agência que conseguem "ter" como indivíduos, trata-se de algo que é sempre negociado na interação, não sendo eles/elas, portanto, agentes livres, não só porque não têm liberdade para formular seus próprios projetos em um vazio social, como também porque não têm capacidade de controlar completamente essas relações para seus próprios fins.

É o que Scott lembra ao falar que os sujeitos são constituídos discursivamente, ainda que existam conflitos nesses mesmos sistemas discursivos, com seus múltiplos sentidos possíveis. Segundo essa autora, os sujeitos possuem agenciamentos, não sendo indivíduos unificados, autônomos ou com livre arbítrio. Longe disso, são sujeitos cujo agenciamento costuma ser criado através de situações e posições que lhes são conferidos, o que significa que ser um sujeito implica estar sujeitado/a a condições de existência definidas, e, ainda que essas condições possibilitem escolhas, elas mesmas não são ilimitadas. Ortner assinala que os/as atores/atrizes subordinados/as nunca são completamente destituídos de agência, e trago a estória de Branca como um vivo exemplo disso: ela resiste à dominação de seu marido de várias maneiras, numa clara demonstração de que o poder presente nas relações é sempre instável e acaba por apresentar um nível significativo de agência, mesmo permanecendo naquela relação. Por um lado, essa permanência de Branca pode demonstrar que ela ainda se encontra amarrada em vigorosas construções que ditam as regras sobre como as mulheres devem se comportar, ou seja, a permanência numa relação que ainda lhe acena possíveis violências vindouras demonstra que os sujeitos escolhem, mas não escolhem por completo, e que é muito difícil se livrar de opressões historicamente forjadas quando se está só e quando o entorno não está preparado para auxiliar. Por outro lado, isso demonstra o que Ortner diz sobre a natureza da resistência: proteger projetos ou o direito de ter projetos, e, de fato, é isso que Branca funda em sua relação com Pássaro: ela passa a ter uma atividade - prever o futuro - , coisa que pretende realizar num quarto escuro que permitirá que aqueles/as que ali serão consultados/as possam chorar abundantemente. Notem: a colcha com o dragão, a partir daí, repousará estendida sobre a cama, dominando o olhar de todos/as.

No caso da obra de Lídia Jorge, Branca é o correlato das transformações pelas quais o país passa, e o desmantelamento da opressão política é desenhado no corpo dessa mulher como a esperança de que os/as portugueses/as possam se livrar das opressões que sofrem e que as mulheres também o façam. Prova disso pode ser encontrada em uma das últimas visões de Branca, antes de a estória terminar: ela vê que outra moradora da vila, Carminha, engravidará no mês de julho, e que aquele que a engravidou, Macário, vai ser "possuído por uma pancada de lua como não há memória de ter tido semelhante".88 88 JORGE, 2010, p. 197. Escondido, ele entra na casa de Carminha com um pedaço de pau bem levantado para amedrontá-la e, quando ela está arrumando as compras no armário da cozinha, toca-lhe com o pau os ombros e se manda para cima dela no chão de ladrilhos. Mas isso, é claro, já é outra estória...

Recebido em 12 de dezembro de 2012

Reapresentado em 13 de junho de 2013

Aprovado em outubro de 2013

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  • Contando estórias e inventando metodologias para discutir a violência contra as mulheres

    Telling stories and inventing methodologies to discuss violence against women
  • 1
    Joan SCOTT, 1999.
  • 2
    Sandra Maria da Mata AZERÊDO, 2010.
  • 3
    AZERÊDO, 2010, p. 183.
  • 4
    AZERÊDO, 2011, p. 83.
  • 5
    Stela Nazareth MENEGHEL e Lupicínio IÑIGUEZ, 2007.
  • 6
    Silvia Regina RAMÃO, Stela Nazareth MENEGHEL e Carmen OLIVEIRA, 2005.
  • 7
    Jesús CARRILLO, 2010.
  • 8
    Avtar BRAH, 2004.
  • 9
    Gloria ANZALDÚA, 2000.
  • 10
    Esse texto foi adaptado e fez parte da tese de doutorado intitulada "Gênero, violência contra a mulher e Teatro do(a) Oprimido(a): novas possibilidades de pesquisa e de intervenção social" do Programa de Pós-Graduação em Psicologia e Sociedade da Universidade Estadual Paulista, campus de Assis, sob a orientação da Profa. Dra. Maria de Fátima Araújo, e recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
  • 11
    Entendido como um "modelo para a ação futura", o TF é uma das modalidades do Teatro do/a Oprimido/a criada pelo brasileiro Augusto Boal, a qual tem como objetivo convidar os/as espectadores/as a entrar em cena e, por meio de uma ação, auxiliar aquele/a que está vivenciando uma opressão - o/a protagonista ou oprimido/a - a encontrar uma solução para ela. As pessoas que entram no palco são, a um só tempo, atores/atrizes e espectadores/as, daí Boal (2005) cunhá-os/as de "espectatores/atrizes". Aquele/a que faz a mediação entre o palco e a plateia, convidando as pessoas para o debate (fórum) teatral, é conhecido/a como curinga.
  • 12
    Pequena peça de teatro.
  • 13
    Lídia JORGE, 2010.
  • 14
    Benedito MEDRADO, 2009, p. 410.
  • 15
    Judith BUTLER, 2005.
  • 16
    Cecília MacDowell SANTOS, 2008.
  • 17
    Maria Juracy TONELI e Simone BECKER, 2008, p. 394, grifo meu.
  • 18
    Trata-se do artigo 45 que modifica a Lei de Execuções Penais, inserindo um parágrafo único ao artigo 152: "Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação" (BRASIL, 2006).
  • 19
    MEDRADO, 2009; Benedito MEDRADO e Ricardo Pimentel MÉLLO, 2008; OLIVEIRA e GOMES, 2011; BEIRAS e CANTERA, 2012; BEIRAS, MORAES, ALENCAR-ODRIGUES e CANTERA, 2012.
  • 20
    Rosi BRAIDOTTI, 2002.
  • 21
    BRAIDOTTI, 2002, p. 4.
  • 22
    MOUFFE, 1999.
  • 23
    BRAH, 2004.
  • 24
    Donna J. HARAWAY, 2000.
  • 25
    CARRILLO, 2010.
  • 26
    MEDRADO, MÉLLO, 2008; e Adriano BEIRAS e Leonor CANTERA, 2012.
  • 27
    BRAH, 2004.
  • 28
    HARAWAY, 2000.
  • 29
    HARAWAY, 1995a.
  • 30
    Dolores Cristina GALINDO, 2003.
  • 31
    Chella SANDOVAL, 2004.
  • 32
    Heloísa HANADA, Ana Flávia Pires Lucas D´OLIVEIRA e Lilia Blima SHCRAIBER, 2010.
  • 33
    HARAWAY, 1999.
  • 34
    HARAWAY 1995a, 1995b.
  • 35
    HARAWAY, 1995a.
  • 36
    PRECIADO, 2008.
  • 37
    Agradeço a Karina Gomes Bertolino por ter me apresentado essa estória.
  • 38
    JORGE, 2010, p. 36.
  • 39
    JORGE, 2010. p. 41, grifo meu.
  • 40
    JORGE, 2010, p. 41, grifo meu.
  • 41
    JORGE, 2010. p. 42.
  • 42
    JORGE, 2010, p. 122.
  • 43
    JORGE, 2010, p. 76.
  • 44
    JORGE, 2010, p. 77.
  • 45
    JORGE, 2010, p. 66.
  • 46
    JORGE, 2010, p. 51.
  • 47
    JORGE, 2010, p. 96.
  • 48
    JORGE, 2010, p. 65.
  • 49
    JORGE, 2010, p. 88.
  • 50
    JORGE, 2010, p. 88.
  • 51
    JORGE, 2010, p. 48.
  • 52
    JORGE, 2010, p. 50.
  • 53
    JORGE, 2010, p. 50.
  • 54
    JORGE, 2010, p. 96.
  • 55
    BOURDIEU, 2007.
  • 56
    JORGE, 2010, p. 66.
  • 57
    JORGE, 2010, p. 99.
  • 58
    JORGE, 2010, p. 100.
  • 59
    JORGE, 2010, p. 100.
  • 60
    JORGE, 2010, p. 101.
  • 61
    JORGE, 2010, p. 101.
  • 62
    JORGE, 2010, p. 101.
  • 63
    JORGE, 2010, p. 100.
  • 64
    JORGE, 2010, p. 102.
  • 65
    JORGE, 2010, p. 102.
  • 66
    JORGE, 2010, p. 102.
  • 67
    JORGE, 2010, p. 104.
  • 68
    JORGE, 2010, p. 104.
  • 69
    JORGE, 2010, p. 123.
  • 70
    JORGE, 2010, p. 172.
  • 71
    JORGE, 2010, p. 123.
  • 72
    JORGE, 2010, p. 149.
  • 73
    JORGE, 2010, p. 149.
  • 74
    JORGE, 2010, p. 150.
  • 75
    JORGE, 2010, p. 172.
  • 76
    JORGE, 2010, p. 172.
  • 77
    JORGE, 2010, p. 172.
  • 78
    JORGE, 2010, p. 173.
  • 79
    JORGE, 2010, p. 173.
  • 80
    JORGE, 2010, p. 173.
  • 81
    JORGE, 2010, p. 173.
  • 82
    JORGE, 2010, p. 174, grifo meu.
  • 83
    JORGE, 2010, p. 195.
  • 84
    JORGE, 2010, p. 197.
  • 85
    JORGE, 2010, p. 198.
  • 86
    JORGE, 2010, p. 199.
  • 87
    Sherry B. ORTNER, 2007.
  • 88
    JORGE, 2010, p. 197.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Maio 2014
    • Data do Fascículo
      Abr 2014

    Histórico

    • Recebido
      12 Dez 2012
    • Aceito
      Out 2013
    • Revisado
      13 Jun 2013
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