Acessibilidade / Reportar erro

A semiótica de um enterro prematuro: o feminismo em uma era pós-feminista

The semiotics of pemature burial: feminism in a postfeminist age

Resumos

Neste artigo, exploro as representações da morte do feminismo para compreender os significados maiores que cercam as declarações do fim simbólico do feminismo. Começarei investigando dois mecanismos pelos quais a morte do feminismo é produzida para expor os valores implícitos dos tanatófilos do feminismo. Depois considerarei versões rivais dos "signos da morte", de forma a explorar como as suposições peculiares sobre a ontologia do feminismo estão presas a formas específicas de morte metafórica. Dado o tipo particular de distorção implicada no enterro prematuro de um feminismo global florescente, a seção final do artigo situa o contemporâneo dobrar dos sinos pela morte do feminismo no contexto de uma história gendrada de práticas de enterro em vida. Através da escavação e da interpretação de tais práticas arcaicas, relacionarei o enterro retórico do feminismo contemporâneo a um esforço contínuo para minar as lutas feministas por justiça social.

pós-feminismo; narrativas de enterro; práticas de enterro; corpo do feminismo; Antígona


In this article, I will explore how the death of feminism is represented in order to plumb the larger meanings embedded in proclamations of feminism's symbolic death. I will begin by investigating two mechanisms by which feminism's death has been produced to unearth the tacit values of feminism's morticians. I will then consider competing accounts of the "signs of death" in order to explore how particular assumptions about the ontology of feminism are tied to specific forms of metaphorical death. Given the particular kind of distortion involved in the premature burial of a thriving global feminism, the final section of the article situates contemporary feminism's death knell in the context of a gendered history of live burial practices. By excavating and interpreting such archaic practices, I will link the rhetorical burial of contemporary feminism to an ongoing effort to undermine feminist struggles for social justice.

Postfeminism; Burial Narratives; Burial Practices; Corpse of Feminism; Antigone


SEÇÃO DEBATES: TRADUÇÕES DO PÓS-FEMINISMO

A semiótica de um enterro prematuro: o feminismo em uma era pós-feminista

The semiotics of pemature burial: feminism in a postfeminist age

Mary Hawkesworth

Rutgers University

RESUMO

Neste artigo, exploro as representações da morte do feminismo para compreender os significados maiores que cercam as declarações do fim simbólico do feminismo. Começarei investigando dois mecanismos pelos quais a morte do feminismo é produzida para expor os valores implícitos dos tanatófilos do feminismo. Depois considerarei versões rivais dos "signos da morte", de forma a explorar como as suposições peculiares sobre a ontologia do feminismo estão presas a formas específicas de morte metafórica. Dado o tipo particular de distorção implicada no enterro prematuro de um feminismo global florescente, a seção final do artigo situa o contemporâneo dobrar dos sinos pela morte do feminismo no contexto de uma história gendrada de práticas de enterro em vida. Através da escavação e da interpretação de tais práticas arcaicas, relacionarei o enterro retórico do feminismo contemporâneo a um esforço contínuo para minar as lutas feministas por justiça social.

Palavras-chave: pós-feminismo; narrativas de enterro; práticas de enterro; corpo do feminismo; Antígona.

ABSTRACT

In this article, I will explore how the death of feminism is represented in order to plumb the larger meanings embedded in proclamations of feminism's symbolic death. I will begin by investigating two mechanisms by which feminism's death has been produced to unearth the tacit values of feminism's morticians. I will then consider competing accounts of the "signs of death" in order to explore how particular assumptions about the ontology of feminism are tied to specific forms of metaphorical death. Given the particular kind of distortion involved in the premature burial of a thriving global feminism, the final section of the article situates contemporary feminism's death knell in the context of a gendered history of live burial practices. By excavating and interpreting such archaic practices, I will link the rhetorical burial of contemporary feminism to an ongoing effort to undermine feminist struggles for social justice.

Key Words: Postfeminism; Burial Narratives; Burial Practices; Corpse of Feminism; Antigone.

"A morte anunciada se presta à especulação."

Nicole LORAUX, 1987, p. x

"Aquela/e que abraça uma causa ilegítima não tem lugar."

SOPHOCLES, 1973, p. 35

O feminismo tem experimentado um crescimento sem precedentes nas últimas quatro décadas. Nas palavras de Sonia Alvarez,

Os lugares onde as mulheres que se declaram feministas atuam ou podem atuar se multiplicaram. Não se reduzem mais somente às ruas, aos grupos autônomos ou de conscientização, às oficinas para educação popular, etc. Embora as feministas continuem nesses espaços hoje, também estão em uma variedade de outras arenas culturais, sociais e políticas: nos corredores das Nações Unidas, na academia, nas instituições governamentais, na mídia e em organizações não-governamentais (ONGs), entre outras.1 1 ALVAREZ 1998, p. 4.

Através de um trabalho por demais invisível de ativistas feministas pelo mundo, o feminismo emerge em múltiplas lutas que raramente chamam a atenção da imprensa.

Dentro das instituições oficiais de Estado na África, Ásia, Austrália, Europa, América Latina e América do Norte, os projetos feministas estão em andamento, viabilizados pela inserção ampla de questões de gênero nos centros de poder e pela criação de "aparelhagens nacionais" para as mulheres, tais como ministérios para as mulheres, secretarias para as mulheres e comissões pela igualdade de gênero. O braço feminista das Nações Unidas, o Fundo de Desenvolvimento para Mulheres das Nações Unidas (UNIFEM - United Nations Development Fund for Women), está trabalhando com organizações de mulheres autóctones em todos os continentes para salvaguardar as vidas e a subsistência das mulheres, e para assegurar seus direitos econômicos, políticos e civis.

Vários Estados, tais como a Suécia e a Holanda, vêm instituindo esforços pela igualdade de gênero entre suas maiores iniciativas de política externa. Femocratas2 2 N.T.: Termo usado na Austrália e Nova Zelândia para a mulher na carreira política ou para uma servidora civil sênior. In: http://en.wiktionary.org/wiki/femocrat; Uma burocrata feminista. In: http://www.wordwebonline.com/en/FEMOCRAT . Data de acesso: 21 de dezembro de 2006. trabalham em agências governamentais em todas as nações, à exceção de uma ou duas, para estruturar iniciativas políticas visando a necessidades, preocupações e interesses das mulheres, por mais contestados que sejam esses conceitos.3 3 Hester EISENSTEIN, 1991. Como resultado de quatro conferências mundiais sobre mulheres apoiadas pelas Nações Unidas, 162 nações ratificaram a Convenção para Eliminar Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (CEDAW Convention to Eliminate All Forms of Discrimination Against Women), e ativistas pelo direito das mulheres em todas essas nações vêm trabalhando para pressionar seus governos para que mudem as constituições, leis e práticas habituais de acordo com as diretrizes elaboradas pela CEDAW. Um consenso quase universal entre as nações é o apoio à Plataforma de Ação de Beijing; as ativistas feministas trabalham localmente, assim como através das Nações Unidas, monitorando os processos, para pressionar pela implementação da Plataforma de Beijing.

As ONGs feministas proliferam, criando uma vibrante sociedade civil feminista. Páginas da Web como "Electrapages" e "Euronet" fornecem informações sobre dezenas de milhares de organizações ao redor do mundo, criadas por e para mulheres que buscam desenvolver agendas políticas para mulheres, realizar auditorias de gênero e análises de impacto de gênero de políticas governamentais, construir coalizões progressivas entre mulheres, aprofundar o significado de democracia e democratização, fornecer serviços de grande necessidade para as mulheres e pressionar os setores públicos e privados para incluir mais mulheres e responder melhor aos seus interesses.4 4 O endereço da Web para o diretório da Electra é http://www.electrapages.org. O endereço da página da Euronet, uma base de dados das organizações de mulheres ao redor do mundo é: http://www.euronet.nl/~fullmoon/womlist/womlist.html. O alcance substancial de tal trabalho feminista inclui lutas pela subsistência; política de alimentação, combustível e lenha; saúde das mulheres e liberdade reprodutiva; educação para mulheres e meninas; oportunidade de empregos, remuneração igualitária e condições seguras de trabalho; proteção contra o assédio sexual, o estupro, a violência doméstica e o tráfico sexual; direitos das mulheres como direitos humanos; militarização; pacifismo; ambientalismo; desenvolvimento sustentável; democratização; direitos ao bem-estar social; AIDS; paridade em empregos públicos; noticiários eletrônicos para mulheres; periódicos, editoras e gráficas feministas; e revisão curricular, pedagogia feminista e produção acadêmica feminista.

Um fenômeno estranho acompanha o crescimento sem precedentes do ativismo feminista pelo mundo: a declaração recorrente da morte do feminismo. Desde os anos 1970 até o novo milênio, jornalistas, acadêmicos e mesmo algumas acadêmicas feministas declararam o fim do feminismo e saudaram o advento da era pós-feminista. Entre 1989 e 2001, por exemplo, durante um período no qual o número de organizações feministas cresceu exponencialmente, uma busca Lexis-Nexis de jornais de língua inglesa mostrou 86 artigos referindo-se à morte do feminismo e mais 74 artigos referindo-se à era pós-feminista.5 5 Para uma visão geral do crescimento do feminismo durante esse período, veja Jude HOWELL e Diane MULLIGAN, 2003. Como podemos interpretar tais notícias da morte do feminismo? Diante do entusiasmo e variedade das formas proliferativas da teoria e da prática feministas, qual o significado do enterro prematuro do feminismo?

Sarah Webster Goodwin e Elisabeth Bronfen caracterizaram os textos sobre morte como sendo formas de construir significados especialmente ricas para a análise semiótica, pois "cada representação da morte é uma representação equivocada".6 6 GOODWIN e BRONFEN, 1993, p. 20. Em casos de morte literal, as palavras buscam tornar presente aquilo que a morte fez radicalmente ausente, dessa forma representando equivocadamente seu sujeito. Mas as notícias de morte em relação ao feminismo envolvem um tipo muito diferente de representação equivocada. Esses relatos textuais da morte servem como sinais alegóricos para algo mais, um meio de identificar um suposto perigo a ser eliminado, uma forma para uma comunidade se definir através daqueles que ela simbolicamente escolhe para matar. O enterro prematuro do feminismo, então, precisa ser mais bem examinado.

Neste artigo, exploro as representações da morte do feminismo para compreender os significados maiores que cercam as declarações do fim simbólico do feminismo. Começarei investigando dois mecanismos pelos quais a morte do feminismo é produzida, o "obituário" e as versões narrativas da "extinção evolucionária," para expor os valores implícitos dos tanatófilos do feminismo. Depois considerarei versões rivais dos "signos da morte", de forma a explorar como as suposições peculiares sobre a ontologia do feminismo estão presas a formas específicas de morte metafórica. Dado o tipo particular de distorção implicada no enterro prematuro de um feminismo global florescente, a seção final de meu artigo situa o contemporâneo dobrar dos sinos pela morte do feminismo no contexto de uma história gendrada de práticas de enterro em vida. Através da escavação e da interpretação de tais práticas arcaicas, relacionarei o enterro retórico do feminismo contemporâneo a um esforço contínuo para minar as lutas feministas por justiça social.

Mecanismos de morte

O obituário

Em novembro de 1976 a revista Harper's publicou como matéria de capa "Réquiem para o movimento de mulheres",7 7 Veronica GENG, 1976. o primeiro de muitos pronunciamentos da mídia de que a "segunda onda" do feminismo estava morta. Não houve nada de especial em novembro de 1976 que sinalizasse a morte do feminismo, nenhum cataclismo, nenhum acidente trágico, nenhum trauma social que lembrasse morte e nenhum drama de cabeceira; simplesmente surgiu um mensageiro com a notícia. Assim, como nas convenções da tragédia grega na Antigüidade Clássica, a morte do feminismo "nos vem através de palavras. No início, o público não vê nada. Tudo começa sendo falado, sendo ouvido, sendo imaginado".8 8 LORAUX, 1987, p. vii.

O ensaio da Harper's escrito por Veronica Geng deu sustentação aos obituários posteriores do feminismo, reportando o surgimento do movimento, traçando o aparecimento da doença debilitante e assegurando ao leitor que não houve nenhum truque, nenhuma intervenção externa, simplesmente morte por causas naturais, ou talvez feridas auto-infligidas. De acordo com o texto de Geng, as causas da morte foram inúmeras. O movimento de mulheres tinha perdido seu ponto de apoio, distanciado-se das mulheres americanas e abandonado seu propósito original: a conscientização, a política confrontacional e a organização de mulheres segundo "a crença de que poderia haver mudança se as pessoas se unissem e declarassem que a queriam".9 9 GENG, 1976, p. 52. Ao invés de agir em consonância para produzir uma mudança social, o movimento feminista se faccionalizou, passando a se constituir por

indivíduos e grupos altamente especializados, cada um cultivando seu misterioso pedacinho de terra com tal profundidade de forma a mistificar e rejeitar quaisquer generalistas interessados que perambulam em busca de uma forma de contribuir com os objetivos maiores da liberação das mulheres.10 10 GENG, 1976, p. 53.

O faccionalismo abriu espaço para uma luta ferrenha. A Organização Nacional para Mulheres (NOW National Organization for Women) ficou obcecada com a construção de sua imagem, fazendo declarações sobre um movimento de mulheres unificado, mesmo ao expurgar as lésbicas e radicais, cuja simples existência parecia incompatível com as políticas de respeitabilidade que a NOW abraçava. Segundo a visão de Geng, as radicais se autodestruíram, ao advogar um

separatismo pseudolésbico, não apenas dos homens, mas da "cultura patriarcal" - abandonando, assim, a maior parte do terreno no qual o poder masculino pode ser atacado. Elas congelaram o ímpeto de idéias e verdade emocional que havia dado vida às suas organizações.11 11 GENG, 1976, p. 55.

O grupo "realista" que surgiu dentro da política partidária dos Democratas e Republicanos demandou inicialmente igual representação em fóruns partidários, incluindo as convenções nacionais, mas gradualmente foi se flexibilizando no processo de negociação com o conservadorismo cultural, até o extremo de deixar mesmo de existir, reduzindo suas demandas no campo do realismo político, ao ponto de não mais mostrar qualquer relação reconhecível com o feminismo, enquanto o grupo da "justiça social" desperdiçou suas energias em uma variedade grande demais de causas (racismo, discriminação contra gays e lésbicas, pobreza, guerra e imperialismo), deixando-o sem tempo, força ou recursos concentrados para pressionar por um "auto-interesse feminista".12 12 GENG, 1976, p. 64.

A autópsia de Geng oferece uma narrativa de dissolução que pode parecer muito familiar, talvez porque tenha sido repetida com tanta freqüência.13 13 Para o replay mais recente, veja Kay HYMOWITZ, 2002. Nessas versões de segunda mão somos convidados não apenas a imaginar a morte do feminismo, mas a entender que sua ruína foi causada por processos internos ao feminismo. Coloquialismos usados para descrever a morte do feminismo são totalmente auto-referenciais, invocando metáforas de suicídio ("morreu por suas próprias mãos") ou por idade ("seu tempo simplesmente se esgotou"). Talvez o que seja mais interessante no réquiem de Geng é a evocação a um feminismo unívoco idealizado, encorajando uma "emancipação das mulheres", mesmo quando nega legitimidade aos feminismos multivocais e castiga as estratégias concretas para promover uma mudança social. O que os cientistas sociais caracterizam como divisão e especialização do trabalho, essenciais ao crescimento a longo prazo das organizações, Geng descreve como fragmentação e dissolução. O que as feministas reconhecem como uma lição duramente aprendida (que a descentralização das mulheres ocidentais de classe média, brancas; o reconhecimento das múltiplas vozes dentro do movimento; o apoio às prioridades das mulheres de cor e mulheres do sul global; e o combate ao racismo, homofobia, heteronormatividade e imperialismo cultural foram cruciais para o cultivo de um feminismo internacional inclusivo) Geng constrói como uma dose letal de diferença. Dessa forma, tal estrutura familiar para o desaparecimento do feminismo carrega uma moral clara. Modos de ativismo feminista que desafiam os limites fixados pela cultura dominante nos Estados Unidos devem ser banidos do mundo dos vivos.

Extinção evolucionária

Alguns textos sobre o passamento do feminismo sugerem processos evolucionários vagos através dos quais o feminismo foi transformado em algum estágio mais avançado de sua existência. Nas palavras de Ann Brooks, o "pós-feminismo" é a "expressão de um estágio no constante movimento evolucionário do feminismo".14 14 BROOKS, 1997, p. 1. Enquanto Brooks reconhece que nos discursos populares o pós-feminismo tem estado relacionado a uma política de reação ao feminismo (p olitics of backlash), ela argumenta que o termo pós-feminismo tem um significado muito diferente na teoria feminista e não implica de forma alguma anti-feminismo, uma visão que contestarei adiante. Mas, como as histórias problemáticas do darwinismo social e a sociobiologia deixaram claro, as metáforas evolucionárias da "seleção natural" e da "sobrevivência do mais capaz" raramente são simpáticas ao feminismo. Enquanto a natureza precisa do pós-feminismo tem sido um assunto de considerável controvérsia, alguns usos do termo são compatíveis com uma forte convicção de que o feminismo extinguiu-se ou logo se extinguirá. Em 1988 Nicholas Davidson aclamou o advento do pós-feminismo como um "novo consenso sobre o gênero" que implicava uma retomada da feminilidade e da masculinidade tradicionais, um recuo da politização da vida pessoal, uma recuperação e preservação do "direito das mulheres como donas-de-casa", e a restauração do modelo do macho provedor da família.15 15 DAVIDSON, 1988, p. 335-340. De acordo com Davidson, a era pós-feminista emerge como uma revolta contra as feministas "quando lutam para sustentar a mão morta do passado".16 16 DAVIDSON, 1988, p. 336. De fato, sob o ponto de vista de Davidson, o pós-feminismo implica uma grande coalizão que unifica diversos grupos:

A Era Pós-feminista também engajará milhões de jovens mulheres solteiras em revolta contra as expectativas unisexistas que encontram. Mas, diferente da Era Feminista, incluirá a participação cooperativa de todos os grupos sociais. De fato, é difícil pensar em um único grupo maior, cujos interesses não se oponham aos da ortodoxia feminista: mulheres femininas diminuídas pela desvalorização feminista do feminino; mulheres ambiciosas inferiorizadas pela politização feminista de conquista pessoal; todos os homens; crianças em suma, a grande maioria das pessoas; de forma que a dissipação prematura da perspectiva feminista como uma força social significativa começa a parecer não apenas possível, mas provável.17 17 DAVIDSON, 1988, p. 337. Ao contrário de muitas versões da morte do feminismo, que postulam um fait accompli [N.T.: fato consumado], Davidson sugere que uma "batalha" final pode ser necessária para manter o feminismo em seu túmulo: "Mas o feminismo não se curvará de boa vontade. Entrincheirado nos centros de influência mais poderosos de nossa cultura, desde a academia e o jornalismo até Hollywood e a indústria editorial, as feministas estão hoje posicionadas para administrar uma forte influência a longo prazo em nossa cultura, apesar de seu sucesso ou insucesso no mercado de idéias ou nas urnas de votação. Elas devem ser enfrentadas em cada passo do caminho, desde nossos partidos políticos até nossas festas, ou prevalecerão em decorrência daquilo que, em muitos casos, tem sido seu maior trunfo: a nossa mera falta de resistência" (DAVIDSON, 1988, p. 337).

Embora esse "novo consenso" pareça ser inseparável de apelos para o retorno aos valores familiares tradicionais em voga nos círculos fundamentalistas cristãos, Davidson insiste em que

as mulheres americanas não estão regredindo ao feminismo, mas progredindo para além dele. Estão se movimentando para além do feminismo, para um mundo no qual suas esperanças, medos, desejos e instintos não sejam mais postos em dúvida ou rejeitados como uma parte destrutiva de "condicionamento", mas bem vindos e aceitos como os atributos positivos que são, que dão vida, inerentes à mulher.18 18 DAVIDSON, 1988, p. 339-340.

Contrastando com a invocação de Davidson de instintos naturais e relações tradicionais de gênero como fundamento do pós-feminismo, Tania Modleskimapeia19 19 MODLESKI, 1991. , em Feminism without Women (Feminismo sem mulheres), a emergência do pós-feminismo nos trabalhos de uma série de pessoas que se autoproclamam feministas (freqüentemente homens) na academia. Enquanto se apropriam de termos de análise feminista, esses acadêmicos "negam as críticas e enfraquecem as metas do feminismo - com efeito nos trazendo de volta a um mundo pré-feminista".20 20 MODLESKI, 1991, p. 3. Sob o disfarce de estudarem relações de gênero, esses acadêmicos sutilmente levam os homens de volta ao centro de análise e sugerem que as mulheres são sujeitos de interesse acadêmico apenas em relação aos homens. Em tais discursos, as lésbicas e os homens gays são novamente considerados invisíveis, na medida em que as pressuposições heterossexistas estruturam as diretrizes da investigação. Além disso, esses textos tacitamente invocam conceitos liberais de política que consideram a igualdade perante a lei como o limite do projeto feminista, eliminando assim questões de assimetria de poder que permeiam as relações sociais. Apelidando esses acadêmicos de "ginocidas feministas", Modleski argumenta que eles usam o feminismo como um

canal até o campo mais inclusivo dos estudos de gênero, [campo este que é] não mais julgado... como deveria ser, de acordo com as contribuições que pode dar ao projeto feminista e com a ajuda que pode nos dar para iluminar as causas, efeitos, extensão e limites do domínio masculino.21 21 MODLESKI, 1991, p. 5

De acordo com Modleski, então, o pós-feminismo engloba um modo de análise intelectual ou crítica que subverte o feminismo e como tal deveria ser compreendido como decididamente anti-feminista. Modleski sugere que, apesar da cooptação dos termos feministas, esse modo de análise acadêmica tem implicações profundamente conservadoras.

Mudando o foco da academia para modos de consciência, Judith Stacey caracteriza o pós-feminismo como a "incorporação, revisão e despolitização simultâneas de muitas das metas centrais da segunda onda do feminismo".22 22 STACEY, 1992, p. 322. Stacey descreve o pós-feminismo como "consciência e estratégias que um número cada vez maior de mulheres desenvolveu em resposta às dificuldades e oportunidades da sociedade pós-industrial".23 23 STACEY, 1992, p. 323. Stacey concorda com Davidson de que a massa é a base do pós-feminismo, particularmente entre mulheres, mas ela argumenta que os fatores que contribuem para o crescimento do pós-feminismo são bastante distintos do anti-feminismo, do sexismo e do conservadorismo. Stacey propõe uma análise materialista que enfatiza as mudanças sistêmicas introduzidas pela "família e trabalho pós-industriais".24 24 STACEY, 1992, p. 323. Nos últimos vinte anos, na medida em que o valor real dos salários caiu, mais e mais mulheres entraram para o mercado de trabalho. A taxa de divórcios aumentou, assim como o número de nascimentos fora do casamento, gerando um número cada vez maior de mulheres solteiras como provedoras. Essas mudanças nas relações materiais, muito além das demandas feministas por igualdade, transformaram as condições de vida das mulheres, levando-as a procurar uma ideologia que as ajudasse a enfrentar tais condições. Stacey constrói o pós-feminismo exatamente como tal mecanismo de enfrentamento, que despolitiza o feminismo, tirando sua agenda pública e colocando-o diretamente dentro de casa. De acordo com Stacey, mulheres pós-feministas anseiam por uma vida doméstica igualitária, na qual homens comunicativos e encorajadores alegremente assumem sua parte nos cuidados da casa e na criação dos filhos.

Frances Mascia-Lees e Patricia Sharpe25 25 MASCIA-LEES e SHARPE, 2000. mudam o lugar do pós-feminismo da consciência e desejos de mulheres contemporâneas para o terreno da cultura contemporânea. Elas usam o pós-feminismo para descrever nosso contexto cultural atual, "um contexto no qual o feminismo dos anos 1970 é problematizado, lascado, considerado suspeito".26 26 MASCIA-LEES e SHARPE, 2000, p. 3. De acordo com Mascia-Lees e Sharpe, a dinâmica dentro do feminismo, do estudo das mulheres, dos discursos pós-modernos e da cultura popular contribuiu para o pós-feminismo. Na medida em que as feministas empoderaram mais e diferentes mulheres para dar voz a suas preocupações, "o feminismo perdeu sua identidade única, singular, mesmo que ilusória".27 27 MASCIA-LEES e SHARPE, 2000, p. 5. Com a proliferação dos feminismos e com a ocupação pelas feministas de lugares cada vez mais diversos e contraditórios, não foi mais possível identificar qualquer instância especial como feminista. Realmente, de acordo com Mascia-Lees e Sharpe, "não é fácil, divertido, empoderador ou mesmo possível assumir uma posição feminista hoje em dia".28 28 MASCIA-LEES e SHARPE, 2000, p. 3. Como as acadêmicas nos estudos das mulheres se tornaram cada vez mais absorvidas em "debates internos" distantes das mobilizações feministas fora da academia, a teoria feminista começou a enfatizar a "natureza paradoxal" da empreitada feminista. Nas palavras de Joanne Frye,

O feminismo tem como objetivo as liberdades individuais através da mobilização da solidariedade de sexo. O feminismo admite a diversidade entre as mulheres enquanto postula que as mulheres reconheçam sua unidade. O feminismo requer consciência de gênero para sua base, mas pede a eliminação de papéis predeterminados de gênero.29 29 FRYE, 1987, p. 2.

Contando com "somente paradoxos a oferecer",30 30 Joan SCOTT, 1996. o feminismo pareceu ser de pouco interesse para um público clamando por coisas inovadoras e interessantes. Com a ascensão dos discursos pós-modernistas na academia, as contestações sobre as concepções de identidade(s) e diferença(s) "questionaram radicalmente a autoridade para se falar... [Portanto,] no atual tribunal das idéias ninguém tem autoridade para uma reivindicação".31 31 MASCIA-LEES e SHARPE, 2000, p. 9. Complicando mais a "alegoria sintetizante" de fragmentação e desamparo do pós-modernismo, de acordo com Mascia-Lees e Sharpe, prevalece a "ideologia da auto-ajuda" na cultura popular, que desintegra o político no terapêutico.32 32 MASCIA-LEES e SHARPE, 2000, p. 93. Aquelas feministas que tentam nadar contra a correnteza pós-moderna, forçando suas críticas ao poder masculino, são "quase afogadas pelo discurso sempre proliferativo da auto-ajuda".33 33 MASCIA-LEES e SHARPE, 2000, p. 95. Dentro da estrutura proposta pelo movimento de homens, o que as feministas denunciam como dominação masculina está re-descrito como "mau comportamento", que é o próprio resultado de uma vitimização dos homens como se fossem crianças indefesas. As prescrições feministas para reestruturar os domínios público e privado são assim suplantadas pelas intervenções terapêuticas projetadas para reclamar e tratar a pobre criança interior. Intelectualmente insustentável, politicamente impraticável e terapeuticamente vencido, o feminismo definha. Qualquer tola tentativa de recuperar o feminismo tem de ser reconhecida como "nostálgica e ingênua, um resquício de um desejo pelo Éden perdido".34 34 MASCIA-LEES e SHARPE, 2000, p. 59.

Seja em revoltas populares putativas contra o feminismo, na crítica acadêmica, na consciência das mulheres na sociedade pós-industrial ou na cultura contemporânea, o pós-feminismo participa do mapeamento do espaço social que deixa o feminismo sem teto e sem chão. Os limites do viável são redesenhados para excluir qualquer presença feminista. Dentro da estrutura narrativa da extinção evolucionária, o pós-feminismo é um marcador de tempo assim como de espaço, sugerindo uma seqüência temporal na qual o feminismo foi transcendido, ocluído, ultrapassado. Invocações de pós-feminismo, então, poderiam ser lidas como banimentos, nos obrigando a imaginar as relações de gênero, educação superior, psiques individuais e cultura contemporânea em geral como zonas espaciais e temporais nas quais o feminismo foi eclipsado. De forma muito parecida com os obituários na mídia popular, as alegações sobre o pós-feminismo proclamam que o feminismo se foi, partiu, morreu.

Representações do cadáver do feminismo

Como Nicole Loraux tão apropriadamente observou, "A morte anunciada se presta à especulação".35 35 LORAUX, 1987, p. x. As declarações em relação à morte do feminismo estimulam muitas conjecturas. Como pode o cadáver do feminismo ser representado? Quais formas de vida são atribuídas ao feminismo e como podem ser ligadas a determinados espasmos da morte? O feminismo tem sido concebido de maneira muito ampla, como uma idéia, um conjunto de convicções, uma ideologia, um movimento social, e uma práxis. Como conceitualizar a morte de fenômenos tão diversos quanto as representações mentais, preceitos morais, modos de ser e formações sociais?

Em Três guinéus,36 36 WOOLF, 1938. Virginia Woolf oferece uma genealogia do feminismo. Mapeando a origem do termo para jornalistas na França do final do século XIX, Woolf observa que foi cunhado para caricaturar e humilhar as mulheres engajadas na luta por "Justiça, Igualdade e Liberdade". Embora algumas sufragistas na Inglaterra e nos Estados Unidos decidissem se apropriar do termo para seus próprios projetos, Woolf sugere que traços da caricatura original continuaram a assombrar o feminismo, distorcendo sua natureza e seus objetivos. De fato, Woolf comenta que, na cabeça de muitos, o feminismo se confundiu com a luta pelos direitos das mulheres, interpretados de forma restrita o direito de ganhar seu próprio sustento, de receber seu próprio salário, direito à educação, de profissionalizar-se e de votar. Uma vez que as mulheres brancas na Nova Zelândia, Austrália, Grã-Bretanha e Estados Unidos tinham conquistado esses direitos através de campanhas históricas no século XIX e início do século XX, o termo feminismo pareceu peculiarmente obsoleto, irrelevante e desnecessário. Aquelas que persistissem em dar continuidade às demandas feministas poderiam assim ser consideradas tolas, anacrônicas e excessivamente estridentes.

Para marcar a significância da aquisição desses direitos pelas mulheres e para que a luta incessante contra tirania e opressão masculina fosse desprendida da noção errônea de que a batalha já estava vencida, Woolf imaginou uma pira fúnebre na qual as mulheres iriam destruir a palavra feminista. Elas queimariam a palavra para libertar o projeto em curso. O cenário incendiário de Woolf, um dos primeiros rituais de morte simbólica relacionados ao termo feminismo, marca um conceito de morte alinhado muito de perto com o de ressurreição. Isso porque, em sua visão, a purgação das conotações negativas associadas a um termo insultante era um mecanismo que poderia ressuscitar a idéia maior de que as mulheres e homens iriam continuar a lutar juntos contra a opressão de gênero, libertos da contaminação da distorção e da falsa representação. Contrastando fortemente com as noções de morte como a desintegração e o desaparecimento de uma determinada entidade orgânica, Woolf descreve uma pira fúnebre cuja imagem tem o objetivo de clarear o intelecto. No domínio das representações mentais, sugeriu Woolf, a extinção do termo feminista poderia impulsionar o processo de reconhecimento das demandas feministas.

Imaginando uma extinção ritual do termo por amor à causa, Woolf anteviu um debate recorrente dentro do feminismo, que continua a ressoar entre as mulheres na Europa Oriental, China e África, entre mulheres jovens da Europa Ocidental e dos Estados Unidos: o que fazer com a "f-word".37 37 N.T.: Com a expressão "f-word", Hawkesworth sugere uma analogia ao palavrão, a uma palavra chula, de baixo calão. Algumas mulheres usam a tática de Woolf de assassinar o termo, decidindo deixar o rótulo feminista fortemente caricaturado para continuar seu trabalho em paz. Em tais instâncias, o sacrifício ritual do feminismo é carregado de ambigüidade, pois o projeto deve continuar.

Na esteira dos ataques ao Pentágono e ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001, Jerry Falwell inicialmente caracterizou o inferno resultante como um exemplo da ira divina infligida sobre a humanidade para punição pelas aberrações das ideologias feministas (e outras ideologias progressistas). Traduzir o feminismo como uma ideologia - ao invés de uma idéia ou um conjunto de convicções morais sobre a importância da liberdade, igualdade e justiça para as mulheres e homens - é evocar uma grande quantidade de associações politizadas com uma longa história no pensamento político. Considere-se, por exemplo, o verbete ideology no Cambridge Dictionary of Philosophy: "geralmente um termo menosprezado, usado para descrever a visão política de outrem, que alguém considera sem sustentação".38 38 Robert AUDI, 1999, p. 416. Os usos contemporâneos da ideology tendem a evocar tanto Napoleão Bonaparte quanto Karl Marx. Napoleão denunciou a ideologia como visões abstratas, fanáticas e não práticas dos intentos revolucionários de destruir as fundações da sociedade civilizada. Conservadores contemporâneos como Falwell, que denunciam o feminismo como uma ideologia que ameaça a santidade do lar, da família e da comunidade moral, podem ser considerados herdeiros de Napoleão. A visão ameaçadora de Falwell do castigo bíblico representa o cadáver do feminismo, fulminado por vingança divina. Nesse espetáculo tão esperado de desforra, Deus ajuda o "Homem" a expulsar da comunidade um corpo feminista perigoso que corrompe o corpo político. O feminismo está envolto pelas chamas de Falwell para o ritual da purificação da comunidade maior.

Marx identificou a ideologia com as idéias de uma classe dominante estabelecida. Segundo essa visão, uma ideologia é uma expressão idealizada e inerentemente distorcida dos interesses materiais da classe dominante, permeando de forma característica a consciência e estruturando o entendimento da maioria dos membros de uma sociedade específica. Dada sua relação de oposição às idéias dominantes na sociedade contemporânea, o feminismo claramente não se encaixa na concepção marxista de ideologia. Mas as relações de poder que Marx procurou iluminar com o conceito de ideologia foram apagadas através do tempo. Como conseqüência, muitos interpretam a ideologia em um sentido mais vago, como um conjunto de idéias que possibilitam os interesses de uma classe ou determinado grupo. Nesse sentido mais vago, o feminismo pode ser interpretado como um conjunto de crenças e valores que favorecem as mulheres. Nesse sentido vago, o feminismo como uma ideologia parece ser inseparável das conotações negativas do feminismo que Woolf procurou extinguir com sua pira funerária em 1938.

Mas esse cadáver feminista aparece em contextos inesperados. De fato, a necessidade de assassinar o corpo da "igualdade" feminista é uma característica importante em certos cenários de morte que circulam dentro das fileiras feministas bem como dentro dos círculos conservadores. Considere-se, por exemplo, como a caracterização do "pós-feminismo como um estado atual do pensamento feminista"39 39 BROOKS, 1997, p. 7. é uma escrita que tem o efeito unilateral de invisibilizar a existência das variedades de feminismo. Enquanto celebra as abordagens pós-modernas e pós-estruturalistas à teoria feminista como "o amadurecimento do feminismo, cuja maturidade se cristaliza em um corpo teórico e político confiante, representando o pluralismo e a diferença", Brooks40 40 BROOKS, 1997, p. 1. faz parecer que todas as feministas se engajaram no pós-feminismo. Ao invés de reconhecer que todas as versões do feminismo se confrontam com uma agenda inacabada e continuam a lutar para atingir metas cada vez mais ilusórias, algumas feministas retoricamente acabam com os modos alternativos do feminismo.

A ironia de se mesclar a teoria pós-moderna feminista a toda a prática feminista, dessa forma eliminando o feminismo liberal, o feminismo cultural, o feminismo lésbico e o feminismo social sob o signo da pluralidade e diferença pós-feminista, não se perderá com as ativistas e teóricas reduzidas a cadáveres. Durante as campanhas pelos direitos das mulheres nos séculos XIX e XX, centenas de milhares de mulheres tomaram as ruas, igrejas, sinagogas, sindicatos e salas de aula para propagandear suas causas, educar o público, arrecadar assinaturas em petições, pressionar políticos eleitos por leis, e pressionar por mudança e justiça social. O feminismo é freqüentemente descrito como um movimento social para capturar as dimensões de uma ação coletiva autogerada, independente e inovadora, incorporada ao ativismo de tantas mulheres. Porém, ao caracterizar as diversas manifestações e sucessos do ativismo feminista como um único movimento, muitas narrativas estabelecem metáforas de tempo de vida que atribuem ao feminismo um determinado começo e um final definido, um nascimento e morte. Enquanto essa estrutura narrativa reduz o feminismo a um determinado conjunto de metas (direitos de propriedade, direitos políticos, sufrágio, oportunidade ocupacional e educacional, legislação para igualdade salarial, ou direitos de aborto) e enfatiza o alcance histórico dessas metas, tem a conseqüência não intencional de condenar o feminismo a um tempo de vida um tanto limitado. O "Movimento de Mulher" do século XIX nos Estados Unidos, por exemplo, recebe um tempo de vida de 72 anos, com seu nascimento em Seneca Falls, em 1848, e sua morte em 1920, com a ratificação da Emenda Dezenove. A "segunda onda", ao contrário, morreu muito jovem, tendo nascido, de acordo com relato de Sara Evans, no início dos anos 1960 no Student Non-Violence Coordinating Committee (SNCC - Comitê Coordenador Estudantil de Não-Violência) e morrido por volta de 1976, de acordo com Veronica Geng.41 41 Enquanto Personal Politics (Sara EVANS, 1979) proporciona um relato profundamente imperfeito das origens da segunda onda do feminismo, "privilegiando" as experiências de uma pequena corte de feministas brancas envolvidas no SNCC e no Students for a Democratic Society (Estudantes para uma Sociedade Democrática), o livro é freqüentemente citado por não-historia-dores como um "relato definitivo". As historiadoras feministas, incluindo a própria Evans, têm criticado o preconceito racial e a estreiteza ideológica do relato. Em Born for Liberty (EVANS, 1989) ela segue adiante com uma narrativa muito mais intrincada e multicultural do feminismo.

Enquanto não há dúvidas de que a concepção do feminismo como um movimento social é especialmente apropriada sob certas condições, uma confiança excessiva nessa estrutura analítica apresenta uma série de desvantagens. Traduzir o feminismo exclusivamente em termos de movimento social joga com a fascinação da mídia pelo espetáculo, mas tem o efeito desagradável de permitir aclamações de morte quando as mulheres não estejam mais nas ruas. Confundir o feminismo com formas de protesto e demonstrações de massa mantém uma representação do feminismo como um perpétuo outsider. Já que esse status de outsider é fundamentalmente incompatível com o trabalho dentro do sistema, o feminismo está condenado a manifestações temporárias e fugazes, pois a institucionalização dos princípios feministas e a mobilização dentro das instituições permanecem para sempre fora de alcance.

As estruturas de movimento social também tendem a reduzir as metas feministas àquelas mais adequadas a questões legislativas. Uma vez que estas tenham sido aprovadas, o feminismo é considerado obsoleto. Assim, enquanto a concepção de feminismo como movimento social realça uma forma de ativismo feminista em certos períodos, tem o irônico efeito de declarar o feminismo morto, muito antes de as feministas terem alcançado as transformações sociais que almejaram. O movimento é considerado morto enquanto as feministas continuam a luta para alcançar sua agenda não concretizada.

Patricia Misciagno42 42 MISCIAGNO, 1997. observou que o feminismo é mais bem concebido como práxis do que como movimento social. Contrariamente à noção de mobilização feminista concebida como movimento social, que postula a existência de líderes formadores de consciência e motivadores de indivíduos à ação, a noção de práxis sugere que o feminismo surge autonomamente dentro dos indivíduos na medida em que estes lutam com as contradições em suas vidas. Segundo Misciagno, a identidade feminista não é causada por condições materiais nem pela aceitação de uma ideologia formulada por outros. É um imperativo existencial que se desenvolve dentro da mulher na medida em que ela luta para vencer as desigualdades e contradições advindas das condições de opressão.43 43 MISCIAGNO, 1997, p. 48. Por exemplo, as desigualdades encontradas na linha de montagem da Johnson Controls podem engendrar o feminismo dentro das mulheres da classe operária que buscam acesso a melhores salários; uma decisão judicial de que as mulheres afro-americanas não podem entrar simultaneamente com processos contra discriminação por sexo e discriminação por raça, porque as doutrinas legais que governam essas duas formas de discriminação divergem, pode engatilhar um forte feminismo, atento às complexidades da interseccionalidade entre as mulheres negras; e a homofobia concretizada na Defesa do Ato do Casamento, que restringe as formas públicas nas quais o amor pode ser manifestado, pode acender o feminismo entre as lésbicas que vivem em relações de parceria.

Conceber o feminismo como práxis ajuda a dar sentido à multiplicidade e plurivocalismo do ativismo feminista. Dentro de uma estrutura de práxis, poderia haver tantos modos de feminismo quanto há experiências de desigualdades raciais. O conceito de práxis desloca o ativismo feminista do drama e espetáculo de demonstrações de massa, cujo propósito é atrair a atenção da mídia, para a política da vida diária, iluminando assim as diversas lutas feministas nos esforços das mulheres para subsistir, viver com dignidade e respeito, resistir à violência e construir comunidades justas e sustentáveis. A concepção do feminismo como práxis também enfatiza que se tornar uma feminista é um processo complexo que se desenvolve com o tempo e envolve mudanças de autoconhecimento, comportamento, modos de vestir e de postura, relações com amigos e amantes, assim como mudanças em mundos materiais e sociais. O modelo de práxis do feminismo insiste em que o feminismo nunca é fixo ou estático. Nesse sentido, o feminismo nunca é um projeto terminado; cresce e muda com as condições mutantes da opressão das mulheres.

O feminismo como práxis permite que a morte entre na estrutura através de analogias com o tempo de vida de um indivíduo. Na medida em que a práxis individualiza o feminismo, relacionando seu surgimento com a consciência sobre, resistências contra e alegações de injustiça racial nas vidas de certas mulheres, pode-se dizer que determinados modos de feminismo morrem com a morte de certas fseministas. Enquanto tal analogia de expectativa de vida ajuda a dar sentido ao uso da metáfora da morte no feminismo, permanece uma lacuna significativa entre as alegações de morte do feminismo e a perda de certas instâncias do feminismo com as mortes de certas mulheres. O conceito de práxis do feminismo dá um significado às alegações de morte. Mas é um significado que continua sendo um grande deslocamento do intento dos que proclamam a morte, que implica a total erradicação de todas as formas de feminismo, não simplesmente o passamento de uma determinada feminista. Planejada para explicar o processo pelo qual a consciência feminista surge em certas mulheres, a individualização, no centro desse relato de feminismo como práxis, nunca pretendeu explicar a eliminação do feminismo como uma força social.

O cadáver do feminismo é uma figura grandemente versátil, que transita tanto pela área feminista quanto pela anti-feminista. Nos textos feministas, as representações do cadáver feminista imitam a mãe que morre no parto, possibilitando a vida de outro. O sacrifício ritual do termo feminismo permite que os projetos transformadores multifacetados continuem. Conceitos recém-formados sobre os interesses das mulheres ligados às lutas evolucionárias das diversas espécies de feminismos liberais, radicais, lésbicos e socialistas são substituídos através de um processo de seleção natural por uma pluralidade pós-feminista, que leva adiante a carga genética feminista. Sucessivas ondas de movimentos feministas morrem para que gerações subseqüentes possam se beneficiar das melhorias conseguidas pelo ativismo feminista. Feministas individuais morrem tendo encontrado significado em sua prática feminista, nos deixando um mundo melhor, obtido por suas diversas lutas. Postas em tal estrutura utilitária, as representações feministas do cadáver feminista podem ser consideradas benignas, pois significam perecer pelo bem maior do feminismo.

As representações anti-feministas do cadáver do feminismo também clamam por fins benéficos, embora não para as feministas. Dentro da estrutura de Falwell, o feminismo é uma abominação ideológica abatida pela ira divina, propiciando um sinal aos fiéis para expurgar elementos corruptos de suas fileiras. Dentro da estrutura de Davidson, a extinção do feminismo produz harmonia social e a restauração dos valores tradicionais, que permitirá que todos os membros da comunidade floresçam de acordo com suas inclinações "naturais".

O cadáver feminista pode ser um significante em sistemas radicalmente diferentes de significado. Dada a devastadora evidência da continuidade vibrante do feminismo no mundo, no entanto, seria útil investigar o significado não da morte per se, mas do enterro prematuro do feminismo.

A semiótica do enterro prematuro

A prática do "enterro em vida" tem uma história - e uma história gendrada. Uma exumação dessa história pode dar algumas chaves para os significados possíveis do enterro prematuro do feminismo. O enterro em vida das mulheres foi documentado em várias culturas: Egito antigo, Roma republicana e Europa medieval. Quero explorar algumas dessas práticas históricas para lançar luz à semiótica do enterro prematuro do feminismo.

No Egito antigo, homens de riqueza e poder eram costumeiramente enterrados com seus seguidores de forma que suas necessidades pudessem ser satisfeitas adequadamente no "outro mundo." Arqueólogos chamaram a prática de "funeral com sacrifício humano". Joseph Campbell sugere que o enterro em vida de esposas e, "nas tumbas mais opulentas, de todo o harém"44 44 CAMPBELL, 1962, p. 60. deveria ser compreendido como uma extensão dos papéis sociais desempenhados pelas mulheres em vida. Assim, a economia gendrada de cuidado que estruturava os deveres das mulheres permanecia constante em vida e, através do enterro em vida, na morte. Dentro dessa estrutura explicativa, as mulheres existiam para servir às necessidades de seu marido-senhor. O enterro em vida permitia que elas desempenhassem a função que lhes foi atribuída em todos os mundos possíveis. Suas mortes prematuras eram insignificantes em um cosmos que as considerava menos que um humano. De fato, Campbell comenta, "esses sacrifícios não eram propriamente, de fato, de indivíduos; isto é, não eram seres especiais, diferenciados de uma classe ou grupo por conta de qualquer senso de realização de um destino ou responsabilidade individual pessoal".45 45 CAMPBELL, 1962, p. 65. A mecânica desse argumento é instrutiva. Um sistema social atribui às mulheres papéis e tarefas específicas que subordinam sua humanidade, considerando-as instrumentos das necessidades de outros. Tendo definido sua existência como instrumental, o sistema percebe que não há sacrifício quando suas mortes são obrigações que elas precisam cumprir. Podemos ler a morte do feminismo sob essa lógica instrumentalista? Podemos enxergar um propósito maior que o feminismo e sua morte poderiam estar destinados a servir?

Em um primeiro olhar, a substância do ativismo feminista parece totalmente incompatível com uma economia gendrada de cuidados que privilegiam as necessidades dos homens, pois no coração do feminismo está uma luta pela liberdade das mulheres. Mas muitos que constroem o feminismo temporalmente como um momento de transição entre um mundo pré-feminista e um mundo pós-feminista estão na realidade instrumentalizando o projeto feminista. O estão tomando como uma experiência falha a serviço de uma verdade mais ampla: a verdade do "papel natural" das mulheres, a verdade da "feminilidade e masculinidade tradicionais". A função do feminismo, então, é demonstrar a impossibilidade de igualdade significativa entre homens e mulheres, uma função servida pelo advento do pós-feminismo. Nesse sentido, o convite a imaginar o feminismo morto é um convite ao repúdio da igualdade sexual e da justiça de gênero, a aceitar as relações de poder assimétricas entre homens e mulheres como a ordem natural das coisas, e a aceitar o abismo intransponível entre nossos ideais putativos e a realidade vivida.

Talvez não seja por acaso que o anúncio da morte do feminismo tenha sido publicado pela primeira vez nos Estados Unidos, uma democracia liberal que professa manter a igualdade entre seus mais "valiosos ideais." A morte do feminismo afirma a auto-evidência das verdades proclamadas pelos fundadores da república americana na Declaração da Independência: "[...]todos os homens foram criados iguais, foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis" (ênfase minha). Agora, como antes, o ideal existe a grande distância das experiências vividas de mulheres e de pessoas de cor. Mesmo quando as feministas tentam cumprir a promessa de igualdade, o projeto é considerado inviável. Assim, o enterro em vida do feminismo serve imediatamente para "desmanchar" as aspirações de igualdade das mulheres e desempoderá-las, enquanto afirma a sabedoria do status quo.

O enterro em vida também foi praticado em contextos muito diferentes da economia gendrada de cuidados do Egito antigo. Dez casos de "sepultamento em vida" de virgens vestais foram documentados durante a república romana.46 46 J. P. V. D. BALSDON, 1963, p. 240. Como mantenedoras de um ofício sagrado, as virgens vestais recebiam a responsabilidade de assegurar que o fogo sagrado do templo da deusa Vesta nunca se apagasse. De acordo com W. Warde Fowler, a guarda do fogo sagrado tinha uma importância crítica tanto política quanto religiosa: "Em todas as tarefas públicas desempenhadas por elas, uma referência pode ser ligada a uma idéia principal que o alimento do Estado, do qual o fogo sagrado era símbolo, dependia de um desempenho acurado de seus deveres para sua manutenção".47 47 FOWLER, 1899, p. 114. Pureza, inocência, castidade e virgindade foram consideradas pré-requisitos para o desempenho fiel das obrigações das virgens vestais ao Estado. De fato, "a pureza das Virgens Vestais foi o símbolo e garantia da boa saúde e salvação da própria Roma".48 48 BALSDON, 1963, p. 238.

O enterro em vida era a punição aplicada às virgens vestais consideradas culpadas de impureza ou imoralidade sexual. De acordo com Plutarco, as virgens vestais que pusessem em risco a segurança de Roma por sua própria "corrupção" sexual eram sepultadas vivas em

um pequeno aposento sob a terra, construído com uma escada de acesso. Continha um leito, uma lâmpada acesa e pequenas porções para as necessidades mais básicas à existência pão, água em uma jarra, leite e azeite, de modo que os romanos pudessem ter suas consciências tranqüilas e ninguém poderia dizer que eles houvessem matado de fome uma mulher dedicada aos rituais mais sagrados.49 49 Citado por BALSDON, 1963, p. 240.

O sepultamento em vida nessa instância, poderia parecer, constitui uma sentença de morte sem um carrasco, um meio de redimir o sistema de um mal político sem supor responsabilidade na produção de um cadáver.

Se as virgens vestais tinham colocado o império em risco por seus encontros amorosos, por que deveriam os romanos se preocupar em impor um castigo capital bem merecido? J. P. V. D. Balsdon comenta que o sepultamento em vida das virgens vestais era uma ocorrência rara, bem mais rara que a atividade sexual por parte das mulheres consagradas a esse ofício sagrado. Eram feitas acusações e cumpridas sentenças apenas quando uma calamidade nacional ou intriga política tornava de bom augúrio agradar aos deuses ou reformar a moral pública do Estado através da imposição de uma sentença a uma virgem vestal. Em tais casos, a culpa real da virgem vestal acusada não era uma questão relevante.50 50 BALSDON, 1963, p. 239-242. Dado o status problemático da condenada, a punição era cuidadosamente articulada para deslocar a responsabilidade e a culpa. No momento do sepultamento em vida a mulher condenada não ficava nem entre os vivos nem entre os mortos. Confinada em um espaço além dos vivos e ainda não morta, a vestal sacrificada é contida de maneira que seu retorno seja impossibilitado. Dentro da terra, ela é retirada da percepção sensorial dos vivos. Ela não pode reclamar deles. Mas ainda não morta ela não recebe os rituais de luto, a lembrança de sua vida e suas contribuições. Ela é apagada.

O caso do sepultamento em vida das virgens vestais oferece novas possibilidades interpretativas do enterro prematuro do feminismo. O enterro em vida no caso romano envolve uma atribuição de culpabilidade que não se encontra nos costumes de sepultamento das concubinas do Egito. Se tomado ao pé da letra, o enterro em vida das virgens vestais significa punição pela negligência de um dever político ou mesmo sedição.51 51 BALSDON, 1963, p. 240, comenta que, quando as virgens vestais eram acusadas, os pontífices geralmente se baseavam no testemunho dos escravos. Segundo a lei romana, o testemunho de escravos contra seus amos era aceito apenas em casos que envolvessem acusações de "incesto" (impureza) e alta traição. Referências aos cuidados do Estado como primeiros deveres políticos invocam noções de lealdade e apoio para com o regime, negligenciados pela supostamente impura vestal. O feminismo poderia ser acusado por derrogações similares de deveres em relação ao regime político atual? Não estaria o feminismo sendo construído como um modo de sedição, garantindo assim um sacrifício ritual que expurgue o sistema de um mal político?

A emergência do feminismo como um fenômeno global coincidiu com o fim da guerra fria e a ressurgência do capitalismo sob o signo da globalização. Ao mesmo tempo em que o Ocidente declarava vitória sobre o sistema soviético e equacionava a democratização com as reformas econômicas neoliberais e reformas políticas democráticas liberais, as feministas documentavam uma desigualdade crescente e difundida nos Estados capitalistas e entre o norte e o sul. A "feminização da pobreza", que as feministas demonstraram ser um fenômeno global em ascensão, é evidência incontestável das limitações das prescrições neoliberais para o desenvolvimento sustentável.52 52 De acordo com a UNIFEM, 2002, as mulheres constituem cerca de 70 por cento do 1,3 bilhão de pobres do mundo. Os 564 milhões de mulheres rurais vivendo em pobreza em 1990 representavam um aumento de 47 por cento sobre o número de mulheres pobres em 1970. O quinto mais pobre da população do mundo (1 bilhão de pessoas) ganha apenas 1,4 por cento da riqueza do mundo. Em outras palavras, as mulheres trabalhadoras mais pobres no sul global ganham menos de um dólar por dia. O vibrante ativismo das feministas do sul global contra as políticas de ajuste estrutural e acerca das políticas de subsistência faz troça das alegações de que o capitalismo cura a pobreza. A luta contínua das feministas por uma eqüidade de gênero e pela igual participação das mulheres nas tomadas de decisão públicas e privadas constitui um formidável desafio para os regimes democráticos liberais nos quais as mulheres são lamentavelmente sub-representadas, ocupando menos de 20 por cento das cadeiras nos corpos decisórios nacionais. Poderiam tais contestações feministas ser interpretadas como traições políticas, como vigorosas tentativas de subverter os sistemas econômicos e políticos dominantes, dessa forma provocando a punição através de um sepultamento em vida?

É central para essa estrutura interpretativa o fato de a culpa ou inocência de certas virgens vestais ser irrelevante para a sentença do sepultamento em vida quando as maquinações políticas das elites consideraram necessário um sacrifício ritual. Isso nos ajuda a compreender como o enterro ritual do feminismo poderia ser ratificado por decreto mesmo que objetivamente as feministas não sejam culpadas de sedição. Afirmações recorrentes da morte do feminismo afastam o ativismo feminista da percepção sensorial dos vivos. Sutilmente transformando o ativo em inerte na mente pública, as proclamações da morte do feminismo apagam o ativismo de milhões de mulheres ao redor do globo que estão atualmente lutando por justiça social. Esse apagamento impede qualquer ameaça que o ativismo feminista possa oferecer ao sistema predominante, enquanto sustenta um mito do apoio universal para a agenda neoliberal. Enfatiza a noção hegemônica de que o modo americano é o melhor para o mundo. Relega ao silêncio da tumba as vozes daqueles que se opõem aos esforços dos Estados Unidos para refazer o mundo à sua própria imagem. Operando dentro de tal dialética de traição e punição, o enterro em vida do feminismo parece merecido, mesmo que a culpa oficial esteja longe de ser provada. A remoção do feminismo global da consciência dos vivos pela proclamação da morte é também um bálsamo protetor. Elimina-se a ameaça aos valores do regime dominante sem carrasco e sem defunto. Como acontecia com os romanos de Plutarco, não há necessidade de dores de consciência quando a causa do desaparecimento do feminismo é uma morte anunciada.

Talvez o caso mais conhecido de uma mulher condenada ao sepultamento em vida não nos vem por fontes históricas, mas pelo teatro grego. Antígona, de Sófocles, reconta a história de um sepultamento em vida como uma punição política. Interpretações clássicas da tragédia geralmente enfatizam lutas importantes de princípios inconciliáveis - liberdade versus destino, consciência privada versus bem-estar público, deveres de família versus obrigação civil, lei humana versus "lei superior", instintos primários versus razão política, as demandas dos vivos versus as demandas dos mortos, e as exigências da guerra versus as necessidades de paz53 53 George STEINER, 1986. - mas essas interpretações raramente respondem à representação de subversão de gênero e suas ligações com a ordem política que Sófocles articula nesse drama. Uma leitura feminista de Antígona, então, pode trazer insights do simbolismo gendrado do enterro em vida que ajudam a lançar luz sobre o enterro prematuro do feminismo.

Em Antígona, Creonte, rei de Tebas, sepulta viva a filha de Édipo porque ela violou sua lei: ela enterra seu irmão assassinado, contra a proibição explícita do rei. Assim, o crime de Antígona é também de subversão. Mas quando Creonte torna pública a condenação de Antígona, sua traição implica muito mais do que a transgressão da ordem real. Decidindo pela ação, Antígona desafia a ordem de gênero que mantém a pólis de Creonte. Escolhendo agir de acordo com sua consciência e sua própria compreensão da lei de Zeus, Antígona usurpa a prerrogativa masculina: a ação no domínio da liberdade. A análise de Creonte do ato de Antígona deixa isso claro:

Ela já tinha mostrado a sua insolência desafiando minha lei. Não satisfeita exibe agora uma insolência maior, se vantajando do feito.

É evidente que eu sou mais homem, e ela o homem se eu deixar impune a petulância.54 54 SOPHOCLES, 1973, 40 [584-97]; ênfase da autora. Tradução para o português de Millôr Fernandes (SÓFOCLES. Antígona. 5. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1966, p. 26).

Creonte percebe o fato de Antígona reclamar a liberdade reservada para os homens como uma ameaça à sua masculinidade e a seu ofício real. Se ela pode agir como homem, então ele está emasculado. Na construção da liberdade como um jogo gendrado de tudo ou nada, Creonte define as implicações desse confronto com Antígona. Ele interpreta a imposição da vontade de Antígona, manifestada em tal ato de desafio, como sua emasculação. Enquanto Antígona descreve sua ação em termos de dever a seu irmão morto e aceitação de uma lei superior ao desejo de Creonte, este insiste que a ação seja interpretada como uma subversão de gênero com efeitos degendrantes. De acordo com ele, a ação de Antígona não apenas desempenha um papel ritualmente designado aos homens na antiguidade grega; ela também o feminiza.

Em sua Antígona, Sófocles apresenta uma cultura que não é apenas um espaço físico gendrado, destinando às mulheres as profundezas do espaço doméstico enquanto confere aos homens o mundo público, mas também a virtude gendrada. Entre as qualidades específicas do sexo inventariadas por Aristóteles, a discussão sobre a coragem como uma performance gendrada ajuda a dar sentido à interpretação de Creonte da ofensa de Antígona. Em Politics, Aristóteles estipula que a "coragem de um homem é mostrada no comando, a de uma mulher, na obediência".55 55 ARISTOTLE, 1946, 1260a 23-24. Se Creonte permite que a ação de Antígona permaneça impune, ele de fato aceita seu comando. Através da aquiescência obediente, ele seria feminizado. Permitindo que ela o governe, ele conferiria a ela o poder de governar que a natureza outorga ao homem.56 56 Nas palavras de Aristóteles: "Quase todas as coisas governam e são governadas de acordo com a natureza. Mas o tipo de governo difere; o homem livre governa o escravo de maneira diferente daquela em que ele governa a mulher, ou a criança... pois o escravo não tem faculdade deliberativa alguma; a mulher tem, mas sem autoridade, e a criança tem, mas é imatura" (ARISTOTLE, 1946, book 1, chapter 13, 1260a 8-15). Como homem e como rei, Creonte sente-se compelido a recusar essa possibilidade. Assim, ele diz ao coro: "Estou vivo... nenhuma mulher vai me governar".57 57 SOPHOCLES, 1973, 42 [645]. Essa passagem também pode ser traduzida como: "Não me submeterei a uma mulher" ou "Não serei superado por uma mulher" (NT). E ele se movimenta rapidamente para reafirmar seu comando, ordenando a prisão e morte de Antígona, dessa maneira restaurando a ordem "natural" do gênero. Ao escolher o sepultamento em vida como a punição adequada para Antígona, Creonte busca reimpor a imanência, a passividade e a necessidade, bem como seu governo sobre ela, dizendo ao coro que esse sepultamento a forçará a ser uma mulher e conhecer o seu lugar.58 58 SOPHOCLES, 1973, 44 [716].

A tumba como o espaço apropriado para uma mulher rebelde e o agente decisivo da socialização do gênero está sujeita a múltiplas interpretações.59 59 Em Speculum of the Other Woman, Luce Irigaray, 1985, joga com as palavras quase homônimas e ntre (caverna) e ventre (útero), em sua leitura crítica da alegoria da caverna de Platão. Para Irigaray, a caverna é um espaço onde o homem se apropria de símbolos do materno-feminino e busca dominá-los, confinando-os a uma ilusão de simetria. Através de comparações, analogias e metáforas que afirmam a presença da mulher, os homens a eclipsam. Convertendo a diferença em semelhança, os homens reconhecem a presença da mulher somente sob o signo do semelhante. Uma vez que Antígona é sepultada em uma caverna, é possível extra-polar uma interpretação de Irigaray desse modo punitivo de engendramento. A tumba seria o espaço dentro do qual as feministas estão reduzidas à semelhança dos homens, e seus projetos são domados para responder aos interesses e desejos masculinos. Homi Bhaba oferece outra possibilidade interpretativa. Em "The Other Question", Bhaba comenta que a escuridão significa feminilidade e a feminilidade significa escuridão: "A escuridão significa nascimento e morte ao mesmo tempo; é, em todos os casos, um desejo de retornar à completude da mãe, um desejo de uma linha não rompida e não diferenciada de visão e origem" (BHABA, 1986, p. 170). Dentro dessa estrutura, relegar o feminismo à escuridão do túmulo seria uma estratégia de transformar mulheres autônomas em uma fantasia masculina do sustentáculo maternal. Encerrar Antígona no interior da terra, fora do olhar dos vivos e das possibilidades de livre ação, é sujeitá-la a processos duplos de privação-privatização que mimetizavam a sina das respeitáveis mulheres atenienses confinadas a seus lares. De acordo com o mandato de Creonte, a tumba é voltada a servir não somente como o agente de sua morte, mas também como o agente de um cruel reengendramento. Destituída da possibilidade de livre ação, Antígona será reduzida a um corpo inerte, devolvido à necessidade de imanência que os filósofos clássicos equacionam com a essência do ser mulher. Essa simbologia não se perde em Antígona. Quando entra nos seus aposentos de morte, descreve um retorno à esfera das mulheres. "Para minha tumba, meu casamento, meu lar, a eterna vigília do túmulo: estou indo para os meus".60 60 SOPHOCLES, 1973, 55 [1043]. O decreto de morte de Creonte é usado para assegurar que a passiva aquiescência que Antígona recusa na vida estruturará sua relação com a morte. No entanto Antígona por fim rejeita tal aquiescência. Na morte, assim como na vida, ela escolhe a ação. Ao invés de, passivamente, ir esperando sufocar, ela faz um nó de seu véude virgem e se enforca. Com a morte de Antígona por suas próprias mãos, Sófocles mostra o pequeno espaço permitido às mulheres na tragédia grega. Como observa Loraux, "As mulheres na tragédia... são livres o bastante para se matar, mas não são livres o bastante para escapar do lugar ao qual pertencem" (LORAUX , 1987, p. 23).

O destino de Antígona significa mais que a normalização de gênero como uma punição por essa transgressão, pois seu enterro em vida restaura a ordem de gênero somente através de sua aniquilação. Seu sepultamento constitui a exclusão vital através da qual a comunidade reconfigura seus limites. O coro, a voz dos valores da comunidade nessa tragédia, afirma a adequação das medidas extremas para aqueles que desafiam os valores fundamentais da pólis: "Aquela/e que abraça uma causa ilegítima não tem lugar. Afasta esta/e estranha/o de minha mente e de meu lar".61 61 SOPHOCLES, 1973, 35 [453-55]. Através do enterro em vida, Antígona é exilada além dos limites da casa e além dos limites da pólis. De acordo com os termos ditados por sua sociedade patriarcal, poderia não haver espaço na consciência de suas contemporâneas, de fato nenhum espaço entre os vivos para uma mulher que age por uma causa ilegítima. Antígona personifica a causa ilegítima. Nascida de um pai que era seu irmão, nunca poderá ser reconhecida como uma descendente legítima. Escolhendo viver segundo sua própria consciência, desafiando a ordem do rei, ela se declara fora da lei. Por suas palavras e atos ela se declara origem e agente de sua ação. Não busca autorização de nenhum homem. Ela é, assim, o protótipo das mulheres rebeldes em ondas sucessivas de ativismo feminista que desafiam a ordem existente de ser.

Declarando-se "identificadas com mulheres", criando modos de análise de gênero que colocam a mulher no centro, desenvolvendo agendas para ação política segundo as articulações contextualmente específicas dos interesses e necessidades das mulheres, e insistindo em que sua subordinação é uma injustiça intolerável, as feministas promovem várias causas ilegítimas causas que nem levam o nome nem a benção do(s) pai(s). Como Antígona, as feministas parecem "ter nascido para fazer oposição" ao poder patriarcal. O enterro prematuro do feminismo contemporâneo pode então ser lido como mimético do destino de Antígona. O sepultamento em vida parece um destino particularmente terrível para o feminismo, projetado para provocar o máximo de dor nas mulheres que procuram afirmar sua liberdade. A tumba representa a privatização derradeira para as estratégias políticas feministas, que buscaram até agora tornar públicas as experiências de domesticidade, intimidade, sexualidade e consciência. O sepultamento em vida do feminismo, então, coincide perfeitamente com a redução neoliberal da agenda política, restringindo os espaços públicos, restaurando o véu da privacidade. Ao limitar a esfera de ação feminista, bem como a compreensão pública do politicamente contestável, o enterro em vida do feminismo pelo neoliberalismo reengendra as feministas bem como os projetos feministas, levando-as de volta a uma inércia forçada, enquanto reafirma a santidade das relações privadas para além do escrutínio público ou da ação política.

Os obituários recorrentes do ativismo feminista podem também ser interpretados como uma reconfiguração dos limites da comunidade, projetada para ir muito além do mero exílio do feminismo; projetada, na realidade, para aniquilá-lo. O distanciamento é um dispositivo retórico para separar um "nós" do "elas"; para os mortais não há maior distância do que entre os vivos e os mortos. Declarar o feminismo morto é, então, caracterizar o ativismo autônomo das mulheres como totalmente estranho aos vivos, para representá-lo como um modo de existência tão estranha que não pode ser tolerado dentro de "nossas comunidades". Ritualmente reinscrevendo a morte do feminismo a cada invocação do pós-feminismo, aqueles que expulsariam o feminismo do mundo contemporâneo causam dano enquanto mascaram sua própria culpabilidade. Jean-François Lyotard definiu dano como algo errado, acompanhado da perda de meios para provar o agravo.62 62 LYOTARD,1990, p. 5. O enterro prematuro do feminismo constitui exatamente esse dano. Sem cadáver, nenhuma prova de morte, apenas uma vaga indicação de ferimentos auto-infligidos e causas naturais, a morte anunciada do feminismo apaga o ativismo pela justiça social das mulheres no mundo todo, enquanto cobre as pegadas do apagamento. As proclamações de morte do feminismo convidam o público a participar desse dano, para enterrar ritualmente aquelas cuja causa é justiça racial e de gênero, enquanto coloca a injustiça além da cura. Falta ver se o público aceitará esse convite ou repudiará essa fraude.

Jean Franco63 63 FRANCO, 2002. mostrou que milhares de significados se acumulam em torno de cadáveres poderosos. O defunto feminista é claramente compatível com a multiplicidade de significados. Mas, se estou correta em afirmar que causam dano tanto a notícia rotineira do obituário do feminismo quanto a persistente produção do mundo contemporâneo como a zona espacial e temporal do pós-feminismo, então pode ser que as feministas queiram mirar esse campo cultural visando a uma ação intensiva.

Tradução: Maria Isabel de Castro Lima

Revisão da tradução: Cláudia Junqueira de Lima Costa e Eliana de Souza Ávila

  • ALVAREZ, Sonia. "Feminismos latinoamericanos: reflexiones teóricas y perspectivas comparativas". In: RÍOS TOBAR, Marcela (Org.). Reflexiones teóricas y comparativas sobre los feminismos en Chile y America Latina Santiago: Notas del Conversatorio, 1998. p. 4-22.
  • ARISTOTLE. The Politics Ed. and trans. Ernest Barker. Oxford: Oxford University Press, 1946.
  • AUDI, Robert (ed.). The Cambridge Dictionary of Philosophy. 2nd ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.
  • BALSDON, J. P. V. D. Roman Women: Their History and Habits. New York: Day, 1963.
  • BHABA, Homi. "The Other Question: Difference, Discrimination and the Discourse of Colonialism." In: BARKER, Francis, HULME, Peter, IVERSEN Margaret, and LOXLEY Diana (eds.). Literature, Politics, Theory London: Methuen, 1986. p. 165-188.
  • BROOKS, Ann. Postfeminisms: Feminism, Cultural Theory, and Cultural Forms London: Routledge, 1997.
  • CAMPBELL, Joseph. The Masks of God: Oriental Mythology. New York: Viking, 1962.
  • DAVIDSON, Nicholas. The Failure of Feminism. Buffalo, N.Y.: Prometheus Books, 1988.
  • EISENSTEIN, Hester. Gender Shock: Practicing Feminism on Two Continents Boston: Beacon, 1991.
  • EVANS, Sara. Personal Politics. New York: Vintage Books, 1979.
  • ______. Born for Liberty. New York: Free Press, 1989.
  • FOWLER, W. Warde. The Roman Festivals. New York: Macmillan, 1899.
  • FRANCO, Jean. The Decline and Fall of the Lettered City. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 2002.
  • FRYE, Joanne. "The Politics of Reading Feminism: The Novel and the Coercions of 'Truth.'" Paper presented at the Midwest Modern Language Association Meeting, Columbus, Ohio, November 1987.
  • GENG, Veronica. "Requiem for the Women's Movement." Harper's, 49-56, 61-68, Nov. 1976.
  • GOODWIN, Sarah Webster, and BRONFEN Elisabeth. Death and Representation. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1993.
  • HOWELL, Jude, and MULLIGAN, Diane (eds.). "Gender and Civil Society: Challenges for International Feminism." Special issue of International Feminist Journal of Politics, v. 5, n. 2, 2003.
  • HYMOWITZ, Kay. "The End of Herstory." City Journal, v. 12, n. 3, 2002. p. 1-9.
  • IRIGARAY, Luce. Speculum of the Other Woman. Ithaca, N.Y.: Cornell University Press, 1985.
  • LORAUX, Nicole. Tragic Ways of Killing a Woman. Trans. Anthony Forster. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1987.
  • LYOTARD, Jean-François. Heidegger and "The Jews". Trans. Andreas Michel and Mark S. Roberts. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1990.
  • MASCIA-LEES, Frances, and SHARPE, Patricia. Taking a Stand in a Postfeminist World: Toward an Engaged Cultural Criticism. Albany, N.Y.: SUNY Press, 2000.
  • MISCIAGNO, Patricia. Rethinking Feminist Identification: The Case for De Facto Feminism. Westport, Conn.: Praeger, 1997.
  • MODLESKI, Tania. Feminism without Women: Culture and Criticism in a "Postfeminist" Age. New York: Routledge, 1991.
  • SCOTT, Joan. Only Paradoxes to Offer: French Feminists and the Rights of Man. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1996.
  • SOPHOCLES. Antigone. Trans. Richard Emil Braun. Oxford: Oxford University Press, 1973.
  • STACEY, Judith. "Sexism by a Subtler Name: Postindustrial Conditions and Postfeminist Consciousness in Silicon Valley." In: HELLY, Dorothy, and REVERBY, Susan (ed.). Gendered Domains: Rethinking Public and Private in Women's History Ithaca, N.Y.: Cornell University Press, 1992. p. 322-338.
  • STEINER, George. Antigones. Oxford: Clarendon, 1986.
  • UNIFEM (United Nations Development Fund for Women). Progress of the World's Women, 2002 Available at http://www.unifem.org 2002.
  • WOOLF, Virginia. Three Guineas. New York: Harcourt, Brace & World, 1938.
  • 1
    ALVAREZ 1998, p. 4.
  • 2
    N.T.: Termo usado na Austrália e Nova Zelândia para a mulher na carreira política ou para uma servidora civil sênior. In:
    http://en.wiktionary.org/wiki/femocrat; Uma burocrata feminista. In:
    http://www.wordwebonline.com/en/FEMOCRAT . Data de acesso: 21 de dezembro de 2006.
  • 3
    Hester EISENSTEIN, 1991.
  • 4
    O endereço da Web para o diretório da Electra é
    http://www.electrapages.org. O endereço da página da Euronet, uma base de dados das organizações de mulheres ao redor do mundo é:
  • 5
    Para uma visão geral do crescimento do feminismo durante esse período, veja Jude HOWELL e Diane MULLIGAN, 2003.
  • 6
    GOODWIN e BRONFEN, 1993, p. 20.
  • 7
    Veronica GENG, 1976.
  • 8
    LORAUX, 1987, p. vii.
  • 9
    GENG, 1976, p. 52.
  • 10
    GENG, 1976, p. 53.
  • 11
    GENG, 1976, p. 55.
  • 12
    GENG, 1976, p. 64.
  • 13
    Para
    o replay mais recente, veja Kay HYMOWITZ, 2002.
  • 14
    BROOKS, 1997, p. 1. Enquanto Brooks reconhece que nos discursos populares o pós-feminismo tem estado relacionado a uma política de reação ao feminismo (p
    olitics of backlash), ela argumenta que o termo
    pós-feminismo tem um significado muito diferente na teoria feminista e não implica de forma alguma anti-feminismo, uma visão que contestarei adiante.
  • 15
    DAVIDSON, 1988, p. 335-340.
  • 16
    DAVIDSON, 1988, p. 336.
  • 17
    DAVIDSON, 1988, p. 337. Ao contrário de muitas versões da morte do feminismo, que postulam um
    fait accompli [N.T.: fato consumado], Davidson sugere que uma "batalha" final pode ser necessária para manter o feminismo em seu túmulo: "Mas o feminismo não se curvará de boa vontade. Entrincheirado nos centros de influência mais poderosos de nossa cultura, desde a academia e o jornalismo até Hollywood e a indústria editorial, as feministas estão hoje posicionadas para administrar uma forte influência a longo prazo em nossa cultura, apesar de seu sucesso ou insucesso no mercado de idéias ou nas urnas de votação. Elas devem ser enfrentadas em cada passo do caminho, desde nossos partidos políticos até nossas festas, ou prevalecerão em decorrência daquilo que, em muitos casos, tem sido seu maior trunfo: a nossa mera falta de resistência" (DAVIDSON, 1988, p. 337).
  • 18
    DAVIDSON, 1988, p. 339-340.
  • 19
    MODLESKI, 1991.
  • 20
    MODLESKI, 1991, p. 3.
  • 21
    MODLESKI, 1991, p. 5
  • 22
    STACEY, 1992, p. 322.
  • 23
    STACEY, 1992, p. 323.
  • 24
    STACEY, 1992, p. 323.
  • 25
    MASCIA-LEES e SHARPE, 2000.
  • 26
    MASCIA-LEES e SHARPE, 2000, p. 3.
  • 27
    MASCIA-LEES e SHARPE, 2000, p. 5.
  • 28
    MASCIA-LEES e SHARPE, 2000, p. 3.
  • 29
    FRYE, 1987, p. 2.
  • 30
    Joan SCOTT, 1996.
  • 31
    MASCIA-LEES e SHARPE, 2000, p. 9.
  • 32
    MASCIA-LEES e SHARPE, 2000, p. 93.
  • 33
    MASCIA-LEES e SHARPE, 2000, p. 95.
  • 34
    MASCIA-LEES e SHARPE, 2000, p. 59.
  • 35
    LORAUX, 1987, p. x.
  • 36
    WOOLF, 1938.
  • 37
    N.T.: Com a expressão "f-word", Hawkesworth sugere uma analogia ao palavrão, a uma palavra chula, de baixo calão.
  • 38
    Robert AUDI, 1999, p. 416.
  • 39
    BROOKS, 1997, p. 7.
  • 40
    BROOKS, 1997, p. 1.
  • 41
    Enquanto
    Personal Politics (Sara EVANS, 1979) proporciona um relato profundamente imperfeito das origens da segunda onda do feminismo, "privilegiando" as experiências de uma pequena corte de feministas brancas envolvidas no SNCC e no Students for a Democratic Society (Estudantes para uma Sociedade Democrática), o livro é freqüentemente citado por não-historia-dores como um "relato definitivo". As historiadoras feministas, incluindo a própria Evans, têm criticado o preconceito racial e a estreiteza ideológica do relato. Em
    Born for Liberty (EVANS, 1989) ela segue adiante com uma narrativa muito mais intrincada e multicultural do feminismo.
  • 42
    MISCIAGNO, 1997.
  • 43
    MISCIAGNO, 1997, p. 48.
  • 44
    CAMPBELL, 1962, p. 60.
  • 45
    CAMPBELL, 1962, p. 65.
  • 46
    J. P. V. D. BALSDON, 1963, p. 240.
  • 47
    FOWLER, 1899, p. 114.
  • 48
    BALSDON, 1963, p. 238.
  • 49
    Citado por BALSDON, 1963, p. 240.
  • 50
    BALSDON, 1963, p. 239-242.
  • 51
    BALSDON, 1963, p. 240, comenta que, quando as virgens vestais eram acusadas, os pontífices geralmente se baseavam no testemunho dos escravos. Segundo a lei romana, o testemunho de escravos contra seus amos era aceito apenas em casos que envolvessem acusações de "incesto" (impureza) e alta traição.
  • 52
    De acordo com a UNIFEM, 2002, as mulheres constituem cerca de 70 por cento do 1,3 bilhão de pobres do mundo. Os 564 milhões de mulheres rurais vivendo em pobreza em 1990 representavam um aumento de 47 por cento sobre o número de mulheres pobres em 1970. O quinto mais pobre da população do mundo (1 bilhão de pessoas) ganha apenas 1,4 por cento da riqueza do mundo. Em outras palavras, as mulheres trabalhadoras mais pobres no sul global ganham menos de um dólar por dia.
  • 53
    George STEINER, 1986.
  • 54
    SOPHOCLES, 1973, 40 [584-97]; ênfase da autora. Tradução para o português de Millôr Fernandes (SÓFOCLES.
    Antígona. 5. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1966, p. 26).
  • 55
    ARISTOTLE, 1946, 1260a 23-24.
  • 56
    Nas palavras de Aristóteles: "Quase todas as coisas governam e são governadas de acordo com a natureza. Mas o tipo de governo difere; o homem livre governa o escravo de maneira diferente daquela em que ele governa a mulher, ou a criança... pois o escravo não tem faculdade deliberativa alguma; a mulher tem, mas sem autoridade, e a criança tem, mas é imatura" (ARISTOTLE, 1946, book 1, chapter 13, 1260a 8-15).
  • 57
    SOPHOCLES, 1973, 42 [645]. Essa passagem também pode ser traduzida como: "Não me submeterei a uma mulher" ou "Não serei superado por uma mulher" (NT).
  • 58
    SOPHOCLES, 1973, 44 [716].
  • 59
    Em
    Speculum of the Other Woman, Luce Irigaray, 1985, joga com as palavras quase homônimas e
    ntre (caverna) e
    ventre (útero), em sua leitura crítica da alegoria da caverna de Platão. Para Irigaray, a caverna é um espaço onde o homem se apropria de símbolos do materno-feminino e busca dominá-los, confinando-os a uma ilusão de simetria. Através de comparações, analogias e metáforas que afirmam a presença da mulher, os homens a eclipsam. Convertendo a diferença em semelhança, os homens reconhecem a presença da mulher somente sob o signo do semelhante. Uma vez que Antígona é sepultada em uma caverna, é possível extra-polar uma interpretação de Irigaray desse modo punitivo de engendramento. A tumba seria o espaço dentro do qual as feministas estão reduzidas à semelhança dos homens, e seus projetos são domados para responder aos interesses e desejos masculinos. Homi Bhaba oferece outra possibilidade interpretativa. Em "The Other Question", Bhaba comenta que a escuridão significa feminilidade e a feminilidade significa escuridão: "A escuridão significa nascimento e morte ao mesmo tempo; é, em todos os casos, um desejo de retornar à completude da mãe, um desejo de uma linha não rompida e não diferenciada de visão e origem" (BHABA, 1986, p. 170). Dentro dessa estrutura, relegar o feminismo à escuridão do túmulo seria uma estratégia de transformar mulheres autônomas em uma fantasia masculina do sustentáculo maternal.
  • 60
    SOPHOCLES, 1973, 55 [1043]. O decreto de morte de Creonte é usado para assegurar que a passiva aquiescência que Antígona recusa na vida estruturará sua relação com a morte. No entanto Antígona por fim rejeita tal aquiescência. Na morte, assim como na vida, ela escolhe a ação. Ao invés de, passivamente, ir esperando sufocar, ela faz um nó de seu véude virgem e se enforca. Com a morte de Antígona por suas próprias mãos, Sófocles mostra o pequeno espaço permitido às mulheres na tragédia grega. Como observa Loraux, "As mulheres na tragédia... são livres o bastante para se matar, mas não são livres o bastante para escapar do lugar ao qual pertencem" (LORAUX , 1987, p. 23).
  • 61
    SOPHOCLES, 1973, 35 [453-55].
  • 62
    LYOTARD,1990, p. 5.
  • 63
    FRANCO, 2002.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006
    Centro de Filosofia e Ciências Humanas e Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário - Trindade, 88040-970 Florianópolis SC - Brasil, Tel. (55 48) 3331-8211, Fax: (55 48) 3331-9751 - Florianópolis - SC - Brazil
    E-mail: ref@cfh.ufsc.br