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{reprograma}: gênero e tecnologia em um estudo de caso preliminar

Resumo:

A partir de um estudo de caso preliminar, neste artigo analisa-se uma iniciativa de impacto social cujo foco é a capacitação profissional de mulheres na área de programação. A {reprograma} é uma organização sem fins lucrativos que oferece cursos gratuitos a mulheres de baixa renda desempregadas. Discute-se em que medida tais atividades permitem o desenvolvimento de uma ‘consciência de gênero’ e como o tema se reflete na experiência profissional das participantes. O artigo parte da hipótese de que as desigualdades de gênero na área de programação podem ser superadas por meio de iniciativas como a {reprograma}, que incentivam não apenas o desenvolvimento de capacidades para uma atuação profissional qualificada, mas também a oportunidade de promover mudanças neste mercado de trabalho.

Palavras-chave:
gênero; gap de gênero; programação; mulheres; tecnologia

Abstract:

Based on a preliminary case study, this paper seeks to examine a social impact initiative whose focus is in the training of women in the programming area. {reprograma} is a non-profit organization dedicated to reducing gender inequalities in the Brazilian technology market by offering free programming bootcamps to low-income unemployed women. The main objective is to demonstrate the extent to which this program allows its alumnae to develop a gender awareness and how or if this is reflected in their professional experiences. The hypothesis is that gender inequalities in the programming area can be overcome by initiatives such as this one which encourage not only the development of capacities for a qualified professional work, but also the opportunity to bring about changes in this labor market.

Keywords:
Gender; Gender Gap; Programming; Women; Technology

Introdução

Por que há tão poucas mulheres no mercado de trabalho de tecnologia? A cada ano, novas publicações revelam a participação fundamental de mulheres no desenvolvimento da informática e do conhecimento aplicado à área de programação (Marie HICKS, 2017HICKS, Marie. Programmed Inequality: How Britain Discarded Women Technologists and Lost its Edge in Computing. Cambridge: MIT Press, 2017.). Porém, pouco se ouve falar sobre os nomes de Ada Lovelace (1815-1852), criadora do primeiro algoritmo processado em uma máquina, e de Grace Murray Hopper (1906-1992), responsável pela criação da Flow-Matic, que serviu de base para uma das linguagens de programação mais populares em todo o mundo, a Common Business Oriented Language (COBOL).

Quando os primeiros computadores começaram a ser utilizados parecia evidente que esta seria uma área de atuação exclusivamente feminina, pois cabia às mulheres a tarefa de ‘computar’, isto é, de fazer cálculos (Steven LUBAR, 1998LUBAR, Steven. “Men/Woman/Production/Consumption”. In: HOROWITZ, Roger; MOHUN, Arwen (Orgs.). His and Hers: gender, consumption, and technology. Charlottesville: University Press of Virginia, 1998.). Juliana Schwartz et al. (2006SCHWARTZ, Juliana et al. “Mulheres na informática: quais foram as pioneiras?”. Cadernos Pagu [online], Campinas, n. 27, p. 255-278, 2006. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332006000200010&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt . ISSN 1809-4449. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-83332006000200010. Acesso em 08/03/2019.
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) destacam que a linguagem e o repertório empregados na metodologia científica sempre tenderam a desvalorizar características tidas como femininas, como a subjetividade, a cooperação e a empatia. No entanto, como demonstra Clevi Rapkiewicz (1998RAPKIEWICZ, Clevi. Femina Computationalis ou A construção do Gênero na Informática. 1998. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Sistemas e Computação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil., p. 215), uma das possíveis explicações para o apagamento da participação feminina na história da informática se refere ao fato de que a maior parte das contribuições de mulheres se deu no desenvolvimento de softwares e, talvez, “porque esta história seja contada na maioria das vezes com base na evolução do hardware e suas diferentes gerações”.

Após a 2ª Guerra Mundial, as mudanças ocasionadas pela revolução digital foram acompanhadas de uma gradativa desaparição das mulheres da área de tecnologia e, em particular, da área de programação (HICKS, 2017HICKS, Marie. Programmed Inequality: How Britain Discarded Women Technologists and Lost its Edge in Computing. Cambridge: MIT Press, 2017.). Não obstante os direitos e os avanços conquistados pela atuação de ativistas e dos diversos movimentos feministas, persistiu ao longo de todo o século XX, e ainda nos dias atuais, o senso comum de que homens e mulheres teriam vocações distintas e ‘inatas’.

A partir de um estudo de caso preliminar sobre gênero e tecnologia, procura-se, neste artigo, responder à inquietação que lhe deu origem. O seu foco é a startup social {reprograma}, cuja fundação ocorreu no ano de 2015, em São Paulo. A {reprograma} se dedica ao ensino de programação para mulheres de baixa renda e/ou desempregadas, a fim de reduzir o gap de gênero no mercado de tecnologia brasileiro. Embora seja o setor que mais cresce em todo o mundo, faltam profissionais capacitados para ocupar as vagas oferecidas pelo mercado. Em 2017, a Organização das Nações Unidas fez o alerta global de que as mulheres estão fora dos principais postos de trabalho gerados pela revolução digital. No Brasil, os dados do Censo da Educação Superior (BRASIL, 2019BRASIL. Censo da Educação Superior. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2019. Disponível em https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-da-educacao-superior.
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) revelam que a presença feminina em cursos de ciência e tecnologia ainda é extremamente baixa. Em consequência disso, as mulheres brasileiras, assim como as latino-americanas, estão sub-representadas na área de programação (Guillermina YANSEN; Mariano ZUKERFELD, 2014YANSEN, Guillermina; ZUKERFELD, Mariano. “Why Don’t Women Program? Exploring Links between Gender, Technology and Software”. Science, Technology and Society, v. 19, n. 3, p. 305-329, October 2014.; Peter McKENNA, 2002McKENNA, Peter. Gender and programming: a difference in style? 2002. PhD Thesis. University of Liverpool, Liverpool, Lancashire, England.).

A partir desta conjuntura, o artigo dialoga com o campo de estudos em Tecnologias de Informação e Comunicação para o Desenvolvimento (ICT4D), contribuindo para uma temática ainda inexplorada na literatura. A história, a missão institucional e as atividades promovidas pela {reprograma} permitem a reconsideração do conceito de gênero no campo das ICT4D e da “abordagem de capacidades” (Amartya SEN, 1999SEN, Amartya. Development as freedom. London: Oxford University Press, 1999.), justamente por se tratar de dois elementos-chave na arquitetura institucional e nos projetos desenvolvidos pela instituição.

A pesquisa de Paschoal Russo e Reinaldo Guerreiro (2017RUSSO, Paschoal; GUERREIRO, Reinaldo. “Percepção sobre a sociomaterialidade das práticas de contabilidade gerencial”. Revista de Administração de Empresas, v. 57, n. 6, p. 567-584, nov./dez. 2017.) serviu de inspiração para o tratamento das seguintes questões: Como o gênero é mobilizado no ensino de programação? A missão institucional e os cursos oferecidos promovem uma apropriação generificada de tecnologias e artefatos? Como as participantes do curso veem o desenvolvimento de uma ‘consciência de gênero’? Esta ‘consciência’ se relaciona com uma perspectiva interseccional e atenta aos problemas do racismo e aos processos de exclusão? Após a participação nos cursos, as ex-alunas percebem uma mudança em sua atuação profissional?

Objetivos

Demonstrar em que medida as atividades oferecidas pela {reprograma} permitem às participantes o desenvolvimento de uma ‘consciência de gênero’ e como o tema se reflete em suas experiências profissionais. Como objetivos complementares, pretende-se analisar a percepção e a trajetória de mulheres participantes dos cursos da {reprograma} e o impacto de uma educação generificada na experiência profissional no mercado de tecnologia.

Justificativa

Nas ciências humanas e nas ciências sociais aplicadas considera-se que um objeto de pesquisa relevante depende da identificação de um ‘problema teórico’ que tenha correspondência com um ‘problema sociológico’. Trata-se de identificar na literatura uma questão inexplorada e que permita uma contribuição original. E que se refira, ao mesmo tempo, a um fenômeno social que ainda não tenha sido suficientemente investigado e conhecido. Portanto, gênero se refere aqui tanto a um ‘problema’ (na consideração do gender gap responsável pela desigualdade salarial e de oportunidades de trabalho entre homens e mulheres), quanto ao conjunto de ideias, demandas e iniciativas que visam ao empoderamento feminino.

A partir de uma consulta às bases de dados de periódicos acadêmicos, constata-se que o gênero, as desigualdades e as relações marcadas por essa categoria ainda não foram devidamente investigadas em pesquisas de campo e/ou estudos de caso que permitam compreender o ingresso e a experiência profissional de mulheres no mercado de tecnologia. Além disso, faltam estudos destinados à compreensão do que se convencionou chamar de “interseccionalidade” (Kimberlé CRENSHAW, 2002, p. 177; Carla AKOTIRENE, 2018, p. 87). Isto é, a articulação entre raça, classe, gênero e sexualidade em sociedades caracterizadas por problemas decorrentes do racismo e de outras formas de violência e discriminação, que incidem na empregabilidade, renda e atuação profissional de mulheres, especialmente mulheres negras, indígenas e transexuais.

A pesquisa The Network Skills in Latin America (Evelyn PINEDA; Carlos GONZALEZ, 2016PINEDA, Evelyn; GONZALEZ, Carlos. “Networking Skills in Latin America”. IDC/Cisco [online], 2016. Disponível em Disponível em https://www.cisco.com/IDC_Skills_Gap_LatAm.pdf . Acesso em 08/03/2019.
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), encomendada pela Cisco Systems, revelou que até o ano de 2019 esperava-se a abertura de 500 mil ofertas de emprego na área de tecnologia da informação e telecomunicações na América Latina. Apesar do protagonismo político e econômico na região, o Brasil é justamente o país com a maior carência de mão de obra especializada, com um déficit de aproximadamente 200 mil profissionais. Em 2015, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE, 2015PNAD/IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2015. Disponível em Disponível em https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pesquisa/44/0 . Acesso em 08/03/2019.
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) identificou que as mulheres representavam apenas 20% do contingente de trabalhadores na área. Um ano antes, a pesquisa “Estatísticas de gênero” (IBGE, 2014IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Estatísticas de Gênero: Uma Análise dos Resultados do Censo Demográfico. Rio de Janeiro, 2014. Disponível em Disponível em https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv88941.pdf . Acesso em 22/05/2019.
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) demonstrou que o percentual de mulheres brancas com ensino superior completo era duas vezes maior do que o de mulheres negras. Em suma, as dificuldades no acesso à educação, a violência e as desigualdades étnico-raciais se refletem no mercado de trabalho.

Partindo dessa realidade, a organização Olabi, sediada no Rio de Janeiro, produziu o relatório PretaLab (2018OLABI. “Um levantamento sobre a necessidade e a pertinência de incluir mais mulheres negras na inovação e na tecnologia”. Pretalab [online], 2018. Disponível em Disponível em https://www.pretalab.com . Acesso em 21/04/2019.
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), que retrata a necessidade de incluir mulheres negras e indígenas nas áreas de inovação e tecnologia. Os dados foram obtidos a partir de uma pesquisa com 570 mulheres, de 17 a 67 anos, e revelam que a falta de estímulo, de iniciativas e de políticas específicas comprometem a possibilidade de que um número mais expressivo de mulheres venha a se interessar por essas áreas. Diagnóstico que evidencia semelhanças entre a situação brasileira e o cenário internacional (Pamela RANGEL, 2018RANGEL, Pamela. A Quantitative Examination of Gender Bias and Language Paradigm in the Evaluation of Source Code. 2018. PhD (Thesis) - School of Business and Technology Management, Northcentral University, San Diego, California, United States of America.; Susan MICHIE; Debra NELSON, 2006MICHIE, Susan; NELSON, Debra. “Barriers women face in information technology careers”. Women in Management Review, v. 21, n. 1, p. 10-27, January 2006.).

A {reprograma} nasceu da constatação desta conjuntura. Segundo Mariel Reyes Milk, fundadora e diretora da organização, “a {reprograma} visa sensibilizar, empoderar e educar mulheres brasileiras em programação”, além de mostrar que “esse é um mercado possível e muito próspero também para elas, que podem - e devem - contribuir no desenvolvimento de novas tecnologias” (RME, 31/08/2016RME (Rede Mulher Empreendedora). “{reprograma} abre inscrições para curso gratuito de programação para mulheres”. RME [online], 2016. Disponível em Disponível em https://rme.net.br/2016/08/31 . Acesso em 08/03/2019.
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). O objetivo da startup “é mudar o mindset das alunas, reprogramar a forma com que elas se percebem como contribuidoras do espaço de TI”, o que é promovido por meio de “sessões de mentoria com mulheres líderes de empresas, como IBM, Thought Works e Nubank, que dividem com as alunas suas experiências como mulheres em tecnologia” (Dimitria COUTINHO, 2018COUTINHO, Dimitria. “Reprograma coloca mulheres no mercado de trabalho de tecnologia”. Ada [online], 2018. Disponível em Disponível em https://ada.vc/2018/12/13/reprogramamercado-de-trabalho/ . Acesso em 21/04/2019.
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).

Carla de Bona, cofundadora e diretora de ensino da {reprograma}, conta que, desde o início de sua trajetória, sempre se viu na condição de ser a única mulher em ambientes e eventos de tecnologia, como o World Skills. Após a conclusão da graduação e de um mestrado na área de comunicação semiótica, Carla de Bona ingressou na carreira docente e diz ter se surpreendido com o fato de que as turmas continuavam majoritariamente masculinas: “Quanto mais você sobe de nível na área de tecnologia, mais você é capaz de ver o gap de gênero” (comunicação pessoal, 20/04/2019). Foi a partir desse tipo de experiência que Carla de Bona se sentiu motivada a atuar como voluntária em projetos como o “Minas Programam” e a criar, em parceria com outras profissionais mulheres, o projeto-piloto que deu origem à {reprograma}.

Metodologia e coleta de dados

O artigo consiste em uma reflexão sobre os dados obtidos em uma pesquisa que se encontra em desenvolvimento. A opção por um “estudo de caso” se justifica pelo fato de a {reprograma} representar uma iniciativa que articula os temas do gênero e da tecnologia, além de favorecer o desenvolvimento de uma abordagem que aproxima a análise teórica e conceitual desses temas em face de um caso empírico. A seleção da {reprograma} como objeto deste estudo de caso também decorre do pioneirismo da iniciativa, que é a primeira e a única, no Brasil, a oferecer cursos de capacitação profissional (presenciais e a distância) voltados exclusivamente a mulheres, de maneira contínua e em diferentes áreas de atuação em programação: desenvolvedores front-end (pessoas que projetam e implementam o que você vê no seu navegador web), back-end (responsáveis pela programação que opera nos bastidores) e full-stack (aqueles que fazem ambas as coisas).

Na primeira etapa da pesquisa, foi realizada uma revisão bibliográfica em periódicos reconhecidos por seu alto “fator de impacto” e que se encontram listados no portal ICT4D Journal Ranking Table. A janela temporal do levantamento se concentrou nos últimos dez anos (2009-2019), embora tenham sido incluídas referências consideradas relevantes pela literatura especializada, cujas datas de publicação são anteriores a esse período.

Na consulta às bases de dados foram utilizadas as seguintes ‘palavras de busca’, em inglês e português: gender; gender studies; gender gap; gender related issues; women’s empowerment; career development; information technology; communication technologies; information and communication technology; ICT4D; ICT; ICT for development; ICT4D field research; programming; employability; Latin America; Brazil. Em um primeiro momento, as ‘palavras de busca’ foram utilizadas apenas no campo de abstracts das bases de dados, inserindo-se simultaneamente todas as palavras de busca com a ferramenta “e/ou” ativada nos serviços de pesquisa avançada. Como no exemplo a seguir: gender and/or gender studies and/or gender gap etc. Após o primeiro levantamento, fez-se uma busca combinada entre os campos de abstracts e keywords.

Na segunda etapa da pesquisa, realizou-se um survey por meio do compartilhamento, via e-mail, de um questionário on-line, que foi respondido por 118 mulheres que participam - ou já participaram - das atividades e cursos oferecidos pela {reprograma}. Os questionários eram compostos de 25 perguntas, das quais 24 previam respostas de múltipla escolha e 1 de resposta aberta. Não foi requerida a identificação nominal das participantes, a fim de que o anonimato garantisse a expressão das opiniões de forma espontânea e sem eventuais constrangimentos. O questionário continha uma seção de comentários, onde as respondentes compartilharam críticas, depoimentos e sugestões sobre políticas de incentivo ao ingresso de mulheres na área de tecnologia, assim como para a continuidade da pesquisa. De modo geral, buscou-se traçar o perfil socioeconômico e étnico/racial (autodeclarados) das mulheres e investigar as percepções sobre os temas do gênero e da tecnologia, com foco na experiência de participação nos cursos da {reprograma} e em suas trajetórias profissionais. Para a organização e análise qualitativa das respostas abertas (discursivas) foi utilizado o software NVivo, como instrumento de suporte para o cruzamento de dados e para a identificação das palavras e temas mais recorrentes.

Revisão da literatura: por que o gênero importa?

O conceito de gênero tem sido utilizado para salientar a dimensão cultural em que estão inseridas as diferenças entre homens e mulheres. Estas diferenças podem se traduzir em assimetrias que, por sua vez, revelam desigualdades ou formas de discriminação que costumam ser justificadas, legitimadas ou tornadas consensuais em uma determinada sociedade. Esse processo de ‘naturalização’ das diferenças e dos papéis sociais de homens e mulheres se relaciona com a compreensão de que existiriam determinadas condutas e prerrogativas socialmente aceitas como válidas, segundo uma distinção fundada no sexo de cada indivíduo.

No início do século XX, duas publicações tornadas clássicas (Marcel MAUSS, 1936MAUSS, Marcel. “Les techniques du corps”. Journal de Psychologie, n. 32, p. 271-293, 15 mars-15 avril 1936.; Margareth MEAD, 1935MEAD, Margareth. Sex and temperament in three primitive societies. New York: Dell, 1935.) questionaram o entendimento ocidental sobre as diferenças entre homens e mulheres ao demonstrar, a partir de pesquisas em sociedades indígenas, que a corporalidade e os padrões de comportamento não dependem de uma suposta ‘natureza humana’, mas dos modos pelos quais os indivíduos são socializados no interior de suas culturas e sociedades. Em suma, no lugar da natureza, a cultura. No lugar do determinismo biológico, a construção histórica e social das diferenças humanas.

No entanto, permanece no senso comum a crença a respeito de uma suposta diferença natural entre homens e mulheres, que justificaria a existência de diferentes vocações, papéis sociais, remuneração, condutas, vestuário etc. Em contraposição a isso, o início do século XX foi marcado por uma onda de movimentos de mulheres, brancas, em sua maioria, mobilizadas nas lutas pelo direito ao voto, à educação, ao divórcio e à propriedade privada. Em meados do século XX, o feminismo deixava de ser apenas um movimento político e gradativamente se tornou um movimento acadêmico e literário, com a publicação de livros como o clássico The feminine mystique (1963), da escritora e ativista Betty Friedan (1971FRIEDAN, Betty. Mística feminina. Petrópolis: Vozes, 1971.), e Le deuxième sexe (1949), de Simone de Beauvoir (1967BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo. Volume 2. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967.). A releitura dessa história tem restituído às ativistas e intelectuais negras, como Sojourner Truth (1797-1883), um protagonismo fundamental e indispensável na crítica à essencialização do gênero. O que abriu o caminho para o desenvolvimento das obras de outras pensadoras negras, inclusive no contexto brasileiro, tais como Sueli Carneiro (2003CARNEIRO, Sueli. “Mulheres em movimento”. Estudos Avançados, v. 17, n. 49, p. 117-132, 2003.) e Lélia Gonzalez (2011GONZALEZ, Lélia. “Por um feminismo Afro-Latino-Americano”. Caderno de Formação Política do Círculo Palmarino, n. 1, p. 12-20, 2011. Disponível em Disponível em https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/271077/mod_resource/content/1/Por%20um%20feminismo%20Afro-latino-americano. pdf . Acesso em 11/05/2020.
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).

Na esteira desses acontecimentos, a filósofa Judith Butler desfez a distinção convencional entre sexo e gênero ao sugerir que os corpos de todos os sujeitos são ‘generificados’ desde o primeiro momento de sua existência. O gênero seria um tipo particular de processo, um modo específico de performatividade: “É a estilização repetida do corpo, um conjunto de atos repetidos no interior de uma estrutura reguladora altamente rígida, a qual se cristaliza no tempo para produzir a aparência de uma substância, de uma classe natural de ser” (BUTLER, 2018BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018., p. 191).

Em seu sentido performativo (BUTLER, 1996BUTLER, Judith. “Gender as Performance: an interview with Judith Butler”. Radical Philosophy, n. 67, p. 32-39, Summer 1996.), o gênero é compreendido como um processo de “tornar-se”, de vir a ser, que é atravessado por relações de poder e por esforços de autonomia e emancipação de indivíduos e grupos sociais. Em outras palavras, o gênero depende de atos que fazem existir aquilo que ele nomeia: “Neste caso, um homem ‘masculino’ ou uma mulher ‘feminina’. As identidades de gênero são construídas e constituídas pela linguagem, o que significa que não há identidade de gênero que preceda à linguagem” (Sarah SALIH, 2002SALIH, Sara. Judith Butler - Routledge Critical Thinkers. London: Routledge, 2002., p. 46). A “consciência de gênero” decorre, por sua vez, da percepção que cada indivíduo tem acerca de sua condição e posição social, enquanto mulher ou homem. Esta consciência implica o reconhecimento das desigualdades presentes em cada sociedade (Ineke BUSKENS; Natasha PRIMO, 2010BUSKENS, Ineke; PRIMO, Natasha. “Integrating gender awareness in ICT4D research: concept paper for ACACIA International Development Research Center Ottawa, Canada”. IDRC-CRDI, Grabouw, p. 1-71, 2010. Disponível em Disponível em https://idl-bnc-idrc.dspacedirect.org/bitstream/handle/10625/47248/133612.pdf?sequence=1&isAllowed=y . Acesso em 21/04/2019.
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). Como no caso brasileiro, onde as realidades vividas pelas mulheres resultam de relações de gênero hierárquicas e racialmente determinadas (Salete SILVA, 2015SILVA, Salete. “Contribuições para a incorporação da perspectiva de gênero no parlamento”. Interfaces Científicas - Direito, Aracaju, v. 3, n. 2, p. 29-42, fevereiro 2015., p. 32; Susana GAMBA; Tania DIZ, 2007GAMBA, Susana; DIZ, Tania (Orgs.). Dicionário de Estúdios de Género y Feminismo. Buenos Aires: Biblios, 2007.). A crítica à heteronormatividade não implica, porém, a ideia de um ‘niilismo moral’. O questionamento das normas sociais não visa à sua destruição, mas à reflexão sobre quais são as normas adequadas ao tempo presente e aos sujeitos que nele vivem.

O gênero também é uma categoria analítica que pode conectar as experiências de países da América Latina (Ernesto GANTMAN et al., 2015GANTMAN, Ernesto R.; YOUSFI, Hèla; ALCADIPANI, Rafael. “Challenging Anglo-Saxon dominance in management and organizational knowledge”. Revista de Administração de Empresas, v. 55, n. 2, p. 126-129, março/abril 2015.; Caroline STRATTON; Diane BAILEY, 2015STRATTON, Caroline; BAILEY, Diane. “A Turn to Latin America: Improving Theory Development in the ICT4D Literature”. In: iCONFERENCE, 2015. New Port Beach, University of California, Irvine: The Donald Bren School of Information and Computer Sciences. Proceedings, 2015. p. 1-11. Disponível em: Disponível em: http://hdl.handle.net/2142/73438 . Acesso em 22/05/2019.
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; Arturo ESCOBAR, 2010ESCOBAR, Arturo. “Latin America at a crossroads?”. Cultural Studies, v. 24, n. 1, p. 1-65, January 2010.; Chrisanthi AVGEROU, 2008AVGEROU, Chrisanthi. “Information systems in developing countries: a critical research review”. Journal of Information Technology, v. 23, n. 3, p. 133-146, June 2008.) àquelas do ‘Norte Global’, uma vez que os dados sobre o gap de gênero revelam que este é um problema de alcance transnacional (Helen ODAME, 2005ODAME, Helen. “Introduction”. In: VALK, Marine (Org.). Gender and ICTs for development: A global sourcebook. KIT (Royal Tropical Institute), Critical Reviews and Annotated Bibliographies Series. Amsterdam/Oxford: KIT/Oxfam, 2005. p. 13-23.; Nisreen AMEEN; Robert WILLIS, 2018AMEEN, Nisreen; WILLIS, Robert. “Towards closing the gender gap in Iraq: understanding gender differences in smartphone adoption and use”. Information Technology for Development, v. 25, n. 4, p. 660-685, March 2018.; Amy ANTONIO; David TUFFLEY, 2014ANTONIO, Amy; TUFFLEY, David. “The Gender Digital Divide in Developing Countries”. Future Internet, v. 6, n. 4, p. 673-687, October 2014.; Victoria ENGLUND, 2019ENGLUND, Victoria. Foundation for Media Alternatives: A qualitative study of women empowerment through ICT. 2019. Thesis (Bachelor) - Department of Humanities, Education and Social Sciences, Örebro University, Örebro, Örebro, Sweden.).

No entanto, essa ‘conexão’ não está restrita às questões de gênero, uma vez que, a partir de movimentos sociais nas décadas de 1970 e 80, feministas negras estadunidenses demonstraram como perspectivas de raça, classe, gênero e sexualidade, no que viria a ser conhecido como interseccionalidade,1 1 Para os fins deste artigo, que tem caráter preliminar e diagnóstico, a discussão acerca da interseccionalidade não será aqui aprofundada. Neste estágio da pesquisa de doutorado, pode-se indicar que a interseccionalidade aparece como uma preocupação das mulheres participantes da {reprograma}, exigindo um maior investimento etnográfico para a apreensão dos sentidos e dos usos que as mesmas fazem deste conceito. Para as leitoras interessadas em um panorama mais abrangente da história e dos usos do conceito de interseccionalidade, recomenda-se a leitura do artigo “Se perdeu na tradução? Feminismo negro, interseccionalidade e política emancipatória”, de Patricia Hill Collins (2017). interatuam como sistemas de intersecção de poder e de opressão na luta pela liberdade e justiça social. Aspectos que também são vividos por mulheres do ‘Sul Global’ e descritos, no Brasil, pelo trabalho pioneiro de Lélia Gonzalez. À medida que algumas dessas ativistas adentraram a vida acadêmica, elas trouxeram consigo suas ideias e ativismo político para os estudos de raça, classe e gênero. Foi com a publicação do artigo Mapping the Margins: Intersectionality, Identiy Politics, and Violence against Women of Color, de Kimberé Crenshaw (1991), que o termo interseccionalidade passou a ganhar espaço e a ser reconhecido no campo acadêmico. Esses esforços mostram que, ao se observar e reconhecer a articulação entre as diferentes formas de opressão, a luta pela liberdade não é algo abstrato, mas antes algo que ganha forma a partir da maneira pela qual a luta pela justiça social incorpora os múltiplos sistemas de opressões presentes em nossas sociedades (Patrícia Hill COLLINS, 2017COLLINS, Patricia Hill. “Se perdeu na tradução? Feminismo negro, interseccionalidade e política emancipatória”. Parágrafo, v. 5, n. 1, p. 6-17, jan./jun. 2017.; Carla AKOTIRENE, 2018AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade? São Paulo: Letramento, 2018.; Caroline TOLBERT et al., 2007TOLBERT, Caroline et al. “Are All American Women Making Progress Online? African-Americans and Latinas”. Information Technologies and International Development, v. 4, n. 2, p. 61-88, Winter 2007.).

O diagnóstico de que as mulheres estão excluídas da revolução digital exige a formulação de práticas e de projetos de impacto social, capazes de transformar não apenas a vida de indivíduos, mas os ambientes, as organizações, as relações cotidianas e de trabalho. Este entendimento se encontra respaldado, por exemplo, na “Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável”, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas no ano de 2015 (ONU, 2015ONU. “Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development”. Department of Economic and Social Affairs. Sustainable Development. United Nations, 2015. Disponível em https://sdgs.un.org/2030agenda.
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), e que afirma precisamente o ‘senso de urgência’ implicado no problema da desigualdade de gênero. À primeira vista, pode parecer contraditório que “uma das principais mudanças ocorridas nas relações entre gênero e trabalho na nova economia [tenha sido] a valorização de características associadas ao feminino” (Bárbara CASTRO, 2010CASTRO, Bárbara. “Performing gender at work”. Cadernos Pagu [online], Campinas, n. 35, p. 379-388, 2010. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332010000200014 . ISSN 0104-8333. https://doi.org/10.1590/S0104-83332010000200014. Acesso em 21/04/2019.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
, p. 383), tais como a flexibilidade, a sociabilidade e a presteza. Ocorre que a “feminização das competências” não implica necessariamente que mulheres serão incentivadas a ingressar no mercado de trabalho de tecnologia, pois o trabalhador ideal continua a ser um homem. Para entender como esse fenômeno ocorre, Elisabeth Kelan (2009KELAN, Elisabeth. Performing gender at work. London: Palgrave Macmillan, 2009., p. 144) defende que é necessário demonstrar como as competências são performadas e negociadas, pois, “em termos de gênero, o trabalhador empreendedor e experiente é construído como neutro, mas a experiência vivida por esses trabalhadores é generificada”.

No entanto, a figura de um trabalhador empreendedor, experiente e neutro revela ainda uma outra dimensão das relações entre gênero e tecnologia. Como bem afirmou Donna Haraway (1995HARAWAY, Donna. “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”. Cadernos Pagu, Campinas, n. 5, p. 7-41, 1995 [1988]. Disponível em Disponível em https://periodicos.sbu.unicamp.br/cadpagu/article/1828 . Acesso em 07/05/2020.
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), toda produção de conhecimento é situada e, ao reconhecer esse olhar parcial, é possível trabalhar por uma ciência objetiva. Dessa maneira, a busca pelo conhecimento se torna uma prática política. A autora defende que a noção de objetividade, baseada na imparcialidade, na produção de um conhecimento universal, foi empregada para ser um instrumento de dominação: “A objetividade feminista trata da localização limitada e do conhecimento localizado, não da transcendência e da divisão entre sujeito e objeto. Desse modo podemos nos tornar responsáveis pelo que aprendemos a ver” (HARAWAY, 1995HARAWAY, Donna. “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”. Cadernos Pagu, Campinas, n. 5, p. 7-41, 1995 [1988]. Disponível em Disponível em https://periodicos.sbu.unicamp.br/cadpagu/article/1828 . Acesso em 07/05/2020.
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, p. 21).

Gênero e as Tecnologias de Informação e Comunicação

Odame (2005) situa a origem das Tecnologias de Informação e Comunicação para o Desenvolvimento (ICT4D) na década de 1970, quando economias e sociedades foram revolucionadas por novas teorias a respeito dos modos de produção, de forma concomitante ao surgimento da agenda da UNESCO relativa à colaboração global em torno da difusão de informações e conhecimentos. Naquele momento, o conceito de digital divide aparecera como uma forma de descrever a assimetria das relações entre os hemisférios Norte e Sul, em termos das estruturas de telecomunicações e de acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs).

As referências ao gênero e aos temas a ele associados apareceram em três campos. O primeiro consistia de iniciativas no âmbito acadêmico a partir da inter-relação de gênero, ciência e tecnologia, por meio das quais foram promovidos cursos de formação em educação científica e profissional para mulheres (jovens e adultas), permitindo assim o aparecimento do primeiro grupo de lobby para mulheres nas TICs. O segundo era composto por organizações multilaterais, como a UNESCO e o Banco Mundial. O terceiro se referia aos movimentos sociais de mulheres e feministas, em diversos países.

Geoff Walsham (2017WALSHAM, Geoff. “ICT4D research: reflections on history and future agenda”. Information Technology for Development, v. 23, n. 1, p. 18-41, January 2017.) propõe uma periodização alternativa: 1) “Primórdios”, de 1980 a 1990, com destaque para os temas tradicionais dos sistemas de informação aplicados aos países em desenvolvimento; 2) “Expansão de horizontes”, de 1990 a 2000, momento de diversificação de temas, métodos, teorias e conceitos, como o de gênero; e 3) “Proliferação”, de 2000 aos dias atuais, quando se dá a consolidação da literatura e das pesquisas em ICT4D, de modo concomitante ao aparecimento de novas tecnologias e das propostas de interdisciplinaridade, bem como das críticas em relação à natureza do desenvolvimento social e econômico.

Neste artigo, dialoga-se com a literatura de ICT4D relacionada aos períodos de “Expansão” e “Proliferação”, baseando-se, principalmente, na “abordagem de capacidades” de Sen (1999). Embora o autor dê pouca atenção ao tema da tecnologia, diversas pesquisadoras e pesquisadores reconheceram o potencial da abordagem de capacidades para a análise do impacto das Tecnologias da Informação e Comunicação para o Desenvolvimento (Mmabatho TSHIVHASE et al., 2016TSHIVHASE, Mmabatho et al. The use of Sen’s capability approach in ICT4D: an exploratory review. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON INFORMATION RESOURCES MANAGEMENT (CONF-IRM), 10, 2016, Capetown, University of Capetown. Proceedings, 2016. Disponível em Disponível em https://aisel.aisnet.org/confirm2016/10 . Acesso em 22/05/2019.
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; Matthew SMITH et al., 2011SMITH, Matthew et al. “Mobile phones and expanding human capabilities”. Information Technologies and International Development, v. 7, n. 3, p. 77-88, January 2011.; Yingqin ZHENG, 2009ZHENG, Yingqin. “Different spaces for e-development: What can we learn from the capability approach?”. Information Technology for Development, v. 15, n. 2, p. 66-82, February 2009.). Cabe ressaltar que a utilização da abordagem de Sen (1999) deve ser acompanhada da compreensão de que apenas a tecnologia não resolverá as questões básicas de equidade de gênero relacionadas a capacidades e oportunidades (Reena PATEL; Mary PARMENTIER, 2005PATEL, Reena; PARMENTIER, Mary. “The Persistence of Traditional Gender Roles in the Information Technology Sector: A Study of Female Engineers in India”. Information Technologies and International Development, v. 2, n. 3, p. 29-46, Spring 2005.; Kentaro TOYAMA, 2015TOYAMA, Kentaro. Geek heresy: Rescuing social change from the cult of technology. New York: Public Affairs, 2015.).

Adriana Quinaud (2018QUINAUD, Adriana. Rede social empresarial: uma proposta de abordagem interdisciplinar, multiteórica e integrativa. 2018. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.) destaca ainda que as autoras e autores que desenvolvem pesquisas sobre as novas tecnologias e práticas sociais encontram no conceito de affordance (que, eventualmente, poderia ser traduzido como propiciação) uma alternativa analítica para explicar por que pessoas que utilizam a mesma tecnologia podem se envolver em práticas de comunicação e em relações de trabalho semelhantes ou diferentes. Nesta abordagem, “os recursos não são exclusivamente propriedades de pessoas ou de artefatos - são constituídos nas relações entre as pessoas e a materialidade das coisas com as quais entram em contato” (QUINAUD, 2018, p. 93). Portanto, “o foco não está na forma como os artefatos de TIC podem ser utilizados, mas nos objetivos e capacidades dos atores relacionados com a potencial utilização de artefatos de TIC” (Ann MAJCHRZAK et al., 2016MAJCHRZAK, Ann et al. “Designing for digital transformation: Lessons for information systems research from the study of ICT and societal challenges”. MIS Quarterly: Management Information Systems, v. 40, n. 2, p. 267-278, June 2016., p. 272).

Como sugere Karen Dale (2005DALE, Karen. “Building a Social Materiality: Spatial and Embodied Politics in Organizational Control”. Organization, v. 12, n. 5, p. 649-678, September 2005., p. 652), “a materialidade está imbuída de cultura, língua, imaginação, memória; e não pode ser reduzida a mero objeto ou objetividade”. Argumento semelhante ao do sociólogo Manuel Castells (2001CASTELLS, Manuel. “Epilogue: Informationalism and the Network Society”. In: HIMANEN, Pekka. The hacker ethic, and the spirit of the information age. New York: Random House Trade Paperbacks, 2001. p. 155-178., p. 155), quando destaca que “o tipo de tecnologia que se desenvolve e difunde numa determinada sociedade molda decisivamente a sua estrutura material”. E poder-se-ia complementar: repercute também em sua estrutura social. A proposta de Wanda Orlikowski (2007ORLIKOWSKI, Wanda. “Sociomaterial Practices: Exploring Technology at Work”. Organization Studies, v. 28, n. 9, p. 1435-1448, September 2007.) sobre o entrelaçamento recursivo entre os domínios material e social, aliada à abordagem de capacidades de Sen (1999), permite o aprofundamento da compreensão das relações entre gênero e tecnologia e as suas implicações culturais, econômicas e sociomateriais. Como exemplos, veja-se abaixo alguns estudos desenvolvidos em diálogo com essa literatura.

Ameen e Willis (2018AMEEN, Nisreen; WILLIS, Robert. “Towards closing the gender gap in Iraq: understanding gender differences in smartphone adoption and use”. Information Technology for Development, v. 25, n. 4, p. 660-685, March 2018.) investigam o gap de gênero no Iraque a partir da análise das diferentes formas de uso de smartphones por homens e mulheres. A pesquisa foi realizada com a aplicação de questionários entre mulheres de 18 a 29 anos. Os fatores culturais se mostraram mais preponderantes do que o fator econômico para a compreensão do gap de gênero. O acesso a smartphones pelas mulheres iraquianas é visto como um importante mecanismo de empoderamento feminino, por permitir que elas tenham maior autonomia em suas interações e relações profissionais. A pesquisa demonstrou que as mulheres iraquianas preferem as relações tecnologicamente mediadas do que aquelas que se dão no contato direto com pessoas estranhas ao ambiente familiar. Considerando que a população feminina corresponde à metade da população nacional, o ingresso no mercado de telecomunicações, como clientes e potenciais profissionais, afetaria positivamente o desenvolvimento econômico nacional.

Antonio e Tuffley (2014ANTONIO, Amy; TUFFLEY, David. “The Gender Digital Divide in Developing Countries”. Future Internet, v. 6, n. 4, p. 673-687, October 2014.) apresentam uma revisão da literatura destinada ao estudo das relações entre mulheres e tecnologias em países em desenvolvimento. Os autores destacam que as mulheres que vivem neste contexto têm uma participação muito inferior à de homens no uso e no desenvolvimento de tecnologias, o que se pode explicar pelo fato de que nessas sociedades persistem as considerações tradicionais acerca dos papéis sociais adequados às mulheres. Porém, constata-se que, na medida em que a parcela feminina da população passa a ter acesso a tecnologias da informação, como a internet, os benefícios são rapidamente notados em suas relações pessoais, familiares e comunitárias.

A economista indiana Ashima Goyal (2011GOYAL, Ashima. “Developing women: why technology can help”. Information Technology for Development, v. 17, n. 2, p. 112-132, April 2011.) explora o conceito de tecnologia de produção doméstica ao demonstrar o potencial dessas tecnologias para o aumento da equidade e da eficiência da participação feminina no mercado de trabalho. Segundo os dados da autora, o sul asiático, o Oriente Médio e o norte da África têm as mais baixas taxas de participação feminina no mercado de trabalho formal, o que não significa que essas mulheres não tenham uma atuação fundamental para a manutenção de suas famílias e residências, a partir de diferentes modos de ocupação e trabalho. A modernização que reconfigurou as relações de trabalho e os processos produtivos em nível global não foi acompanhada de uma melhora significativa da participação feminina na área de tecnologia.

Sen (1999) já havia demonstrado que o desrespeito às mulheres, aos seus direitos e bem-estar impacta a capacidade de obter renda, empregos fora do ambiente doméstico, acesso e reconhecimento dos direitos de propriedade, e as oportunidades de alfabetização. Sen enfatizava a importância de considerar, nos estudos sobre desenvolvimento, a liberdade que os indivíduos têm para alcançar o bem-estar em termos de suas capacidades pessoais. Isto é, de suas reais oportunidades “de fazer e de ser” o que planejam e valorizam para si mesmos. Esta “abordagem de capacidades” tem sido amplamente utilizada na literatura sobre ICT4D e na idealização de iniciativas como as da {reprograma}.

Patel e Parmentier (2005), em uma pesquisa sobre mulheres engenheiras na Índia, demonstram que, apesar dos esforços governamentais e das políticas dedicadas ao combate do gender gap na área de tecnologia, persiste o cenário de sub-representação feminina no mercado de trabalho indiano. Por essa razão, assim como Toyama (2015), as autoras alertam para o fato de que somente a tecnologia não resolverá questões básicas de equidade de gênero relacionadas a capacidades e oportunidades. Tolbert et al. (2007) sublinham um aspecto adicional e que se refere à necessidade de considerar a dimensão interseccional do gap de gênero no setor de tecnologia, uma vez que mulheres afro-americanas e latinas sofrem as consequências da discriminação a que estão expostas, além de ter as suas trajetórias pessoais e profissionais marcadas pela pobreza e por uma educação de nível inadequado ou insuficiente.

Em um artigo intitulado Why don’t women program?, Yansen e Zukerfeld (2014) partem de uma questão que interessa diretamente a este artigo e que pode ser resumida da seguinte maneira: por que, em uma atividade que parece semelhante a outras em que as mulheres têm conquistado espaço e protagonismo, não encontramos um processo análogo de incorporação e de atuação feminina? Os autores propõem uma análise fundamentada no processo de socialização, da infância à vida adulta, e na maneira pela qual a trajetória das mulheres é impactada pela desigualdade de oportunidades e de incentivo à participação no setor de tecnologia na cidade de Buenos Aires, Argentina. Entre as possíveis medidas para redução do gap de gênero, os autores indicam a necessidade de que as escolas e instituições de ensino encorajem meninas e mulheres a participar de cursos e eventos focados no desenvolvimento de tecnologia, a criação de bolsas de pesquisa e a assistência a mulheres em cursos e projetos universitários, e o estabelecimento de incentivos e de eventuais punições a empresas que não se empenham em contratar mulheres em oportunidades de emprego nessa área.

Estudo de caso preliminar

Gênero e Tecnologia na {reprograma}

Desde 2015, ano de fundação da {reprograma}, foram realizados 7 cursos, com uma taxa de conclusão de 96% e a formação de 179 mulheres. A parceria de speed hiring com empresas na área de tecnologia possibilitou a contratação de 80% da turma de desenvolvedoras de front-end (ambiente gráfico e interface de websites, nas linguagens de HTML, CSS e Javascript).

Em relação ao perfil das 118 mulheres que responderam ao questionário on-line, destaca-se o fato de que 95,8% delas têm de 16 a 39 anos. Em sua maioria, são solteiras e possuem renda mensal entre R$ 999,00 a R$ 4.990,00. Quanto ao perfil étnico-racial, 68,6% se autodeclaram brancas, percentual que já foi mais elevado no início das atividades da {reprograma} (Carla de Bona, comunicação pessoal, 21/04/2019). Por essa razão, foram adotadas medidas de incentivo à participação de mulheres negras tanto nos processos seletivos de novas alunas quanto na formação das equipes de professoras. Tais medidas têm se mostrado bem-sucedidas, pois 28,8% das respondentes se declaram negras (pardas ou pretas). Porém, algumas delas defendem a necessidade de medidas mais efetivas, a fim de que a diversidade étnico-racial brasileira se reflita na composição das turmas.

Um espaço com mulheres brancas, cis,2 2 Mulher cis (que tem o sexo de nascimento conectado com o gênero feminino). Na pesquisa on-line, 98,3% das participantes se autodeclararam como “Mulher Cis” e 1,7% como “Não binárias” (quem se recusa a ter que necessária e/ou unicamente assumir a binaridade de gênero ou deixar que ela o restrinja). com ensino médio completo, ensino superior completo, cursinho, colégios particulares e uma boa família NÃO É diversidade. É elitismo puro, transvestido de “diversidade”. Não existe RESISTÊNCIA em mulheres privilegiadas, que tiveram toda a base necessária para ocupar o espaço em que estão. A diversidade deve estar na cor e na classe social dessas mulheres (Respondente n° 116, pergunta n° 25, destaques no original).

O que se convencionou chamar de interseccionalidade (CRENSHAW, 2002CRENSHAW, Kimberlé. “Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero”. Revista Estudos Feministas, v. 10, n. 1, p. 171-188, 1º semestre 2002.; AKOTIRENE, 2018AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade? São Paulo: Letramento, 2018.), a articulação entre os marcadores sociais de raça, classe, gênero e sexualidade, bem como essas opressões estão imbricadas, aparece com frequência nas respostas. Evidencia-se, assim, o desafio de promover um projeto para mulheres e que seja, ao mesmo tempo, sensível e eficaz ao abordar a questão das desigualdades étnico-raciais, em um país onde a raça é uma categoria determinante nas relações cotidianas. Um dos depoimentos sintetiza a questão:

É preciso melhorar a capacitação de mulheres e considerar questões raciais e de gêneros diversos. Investir na formação de conhecimento para o mercado, com palestras, contratos e acordos para manutenção de ambientes de trabalho saudáveis para grupos vulneráveis (Respondente n° 28, pergunta n° 25).

No entanto, como aponta o relatório PretaLab (2018), no caso das mulheres negras, o cenário é tão invisibilizado que faltam dados precisos para mensurar a sua atuação. O que também impõe limites para uma análise mais detalhada do perfil das participantes da {reprograma}, no que se refere à realidade das mulheres negras no Brasil.

Em relação à escolaridade, os dados demonstram que 96,7% das respondentes estão cursando ou já concluíram o ensino superior, nas mais variadas áreas de conhecimento. Apesar de uma ligeira concentração nas áreas de comunicação (13,6%) e de ciência da computação (13,6%), é digno de nota que as ciências humanas (9,3%) apareçam à frente de cursos que, tradicionalmente, são mais próximos da área de programação, como as engenharias (6,8%) e as ciências da informação (1,7%). O caráter pioneiro e transformador da {reprograma} torna-se evidente diante do percentual de 32,2% das respondentes que jamais haviam feito qualquer curso de informática. Além disso, 75,4% delas dizem que antes da {reprograma} nunca haviam trabalhado na área e 97,5% pretendem se manter ou ingressar em carreiras de tecnologia.

Em relação ao gap de gênero e às desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho, praticamente todas as respondentes relatam que possuíam conhecimento prévio desses temas. Segundo Carla de Bona, cofundadora e diretora de ensino, os cursos da {reprograma} não têm um conteúdo específico sobre gênero, mas é oferecida às participantes uma aula introdutória sobre “mulheres na tecnologia” (comunicação pessoal, 20/04/2019). As professoras são orientadas a incentivar a ‘sororidade’ e a demonstrar que os indivíduos tendem a replicar aquilo que vivenciam na sociedade:

Por mais que a gente queira construir um ambiente de sororidade entre as alunas, no fundo, a gente repete coisas que já viveu. Temos sempre que cuidar para que os grupos de alunas tenham sororidade entre si e com as professoras, já que muitas delas são ex-alunas. Não incentivando um ambiente de competição. O patriarcado é muito eficiente. Ele faz com que a gente repita comportamentos, enquanto poderíamos construir uma experiência nova. Esse é um esforço constante, de lembrar a elas que aquele espaço não é individual, mas coletivo (Carla de Bona, comunicação pessoal, 20/04/2019).

Em depoimentos veiculados em reportagens e na página da {reprograma} na internet, as participantes dizem que a educação diferenciada na área de programação lhes permitiu não apenas a obtenção de uma capacitação profissional, mas também a compreensão da importância do protagonismo feminino. Destacam que o suporte psicológico, a ‘sororidade’ e a mentoria de mulheres profissionais foram fundamentais para que se sentissem estimuladas a prosseguir na área, assim como para que venham a contribuir para a criação de ambientes de trabalho e de produtos amigáveis ao público feminino. Por se tratar de um conceito ‘nativo’ e multifacetado, uma descrição mais detida e minuciosa somente será possível nas próximas fases da pesquisa, quando se poderá apreender, junto às participantes, os sentidos e os modos pelos quais elas conceituam o que é e como se manifesta o que chamam de ‘sororidade’. O depoimento abaixo ilustra a perspectiva de uma ex-aluna sobre o tema:

Cansa essa coisa de ter que provar a sua capacidade o tempo todo. Ficar provando que você merece estar ali. Penso que se houvesse mais mulheres, não seria tão ruim. É melhor poder chegarmos juntar em um lugar. E a {reprograma} faz isso. Mostra que você não precisa competir com outras mulheres. Que você pode chegar sozinha, mas que vai ser bem duro e cansativo. Que o melhor é chegarmos juntas. E que não precisamos competir umas com as outras. Sororidade é isso. Pra mim, é o maior ensinamento (Respondente n° 50, pergunta n° 25).

Em geral, o gênero aparece nas respostas como uma categoria de diagnóstico das desigualdades que se refletem no cotidiano, apesar de também aparecer descrito como um processo em aberto, ao longo do qual as mulheres aprimoram as suas capacidades e descobrem novas oportunidades de atuação profissional. Muitas delas problematizam o senso comum que diferencia homens e mulheres a partir de características supostamente naturais. Outras apontam a dimensão “performativa” do gênero, em sentido semelhante àquele proposto por Judith Butler (1996BUTLER, Judith. “Gender as Performance: an interview with Judith Butler”. Radical Philosophy, n. 67, p. 32-39, Summer 1996.; 2007), destacando as consequências das práticas culturais e discursivas nas vidas de homens e mulheres.

Acredito que se deve incentivar desde a infância, pelo menos nas escolas, mostrando todas as possibilidades do mercado de tecnologia e que não é tão difícil quanto pode parecer. [...] Promover dentro das escolas, universidades e organizações eventos que mostrem aos homens e às próprias mulheres o quanto o machismo está impregnado e precisa ser desconstruído, urgentemente e em grande escala (Respondente n° 10, pergunta n° 25).

É importante não reproduzir distinção entre meninas e meninos, ainda na infância; incentivar meninas a interagir com as mesmas coisas que os meninos, o que consequentemente ampliará a visão dessas meninas na escolha profissional futura. E com relação às mulheres, atualmente, ampliar as oportunidades de capacitação tecnológica (Respondente n° 42, pergunta n° 25).

A inserção da mulher através da disseminação das experiências de outras mulheres. Não podemos ser aquilo que não conseguimos ver. É preciso inserir a visão de que a mulher pode fazer parte de qualquer espaço, e isso independe de gênero, através da experiência e vivência de outras mulheres, através da construção de uma comunidade onde elas se sintam à vontade para se espelhar umas nas outras (Respondente n° 87, pergunta n° 25).

É revelador o fato de que 41,5% das respondentes não conheciam mulheres profissionais no mercado de tecnologia antes de ingressarem na {reprograma}. Para 65,3%, o principal motivo para a baixa participação de mulheres no setor é o machismo e o preconceito de gênero, imbricados, por sua vez, ao pertencimento das respondentes a distintas classes sociais e perfis socioeconômicos - o que se pode notar, principalmente, nas falas de respondentes que se autodeclaram negras. Iniciativas como as da {reprograma} são vistas como uma “forma de luta” e de empoderamento feminino:

Sinceramente, nós mulheres devemos continuar lutando para ocupar esses espaços. Em uma sociedade capitalista, machista e patriarcal, como a que vivemos, atitudes como a da {reprograma}, de incentivar mulheres na área, de auxiliar e ensinar, são uma forma de luta e sempre serei grata a esse projeto (Respondente n° 7, pergunta n° 25).

[...] Diminuindo a desigualdade de gênero, vejo como consequência positiva a diminuição da desigualdade social como um todo (Respondente n° 8, pergunta n° 25).

Iniciativas como a {reprograma}, PrograMaria, Laboratória etc. desempenham um papel importantíssimo, tanto na colocação das mulheres no mercado de trabalho, quanto na manutenção dessas (criando uma rede de ajuda de valor imensurável) (Respondente n° 11, pergunta n° 25).

[...] A nossa cultura retrógrada e machista “excluiu” a opção de escolha das mulheres para a área de tecnologia, e agora é hora de retornar! (Respondente n° 83, pergunta n° 25).

Uma das participantes (Respondente n° 2, pergunta n° 25) apontou a necessidade de fomentar as ações em escolas públicas e privadas sobre mulheres na tecnologia e acredita que os cursos de capacitação devem ter uma atenção especial para a inclusão de mulheres-mães. Outra participante se manifestou no mesmo sentido: Temos que capacitar e apoiar as nossas meninas. Mostrar que elas podem estar onde quiserem e, quando numa posição dentro de uma empresa, fazer a nossa parte para combater essa desigualdade (Respondente n° 3, pergunta n° 25).

Segundo Buskens e Primo (2010BUSKENS, Ineke; PRIMO, Natasha. “Integrating gender awareness in ICT4D research: concept paper for ACACIA International Development Research Center Ottawa, Canada”. IDRC-CRDI, Grabouw, p. 1-71, 2010. Disponível em Disponível em https://idl-bnc-idrc.dspacedirect.org/bitstream/handle/10625/47248/133612.pdf?sequence=1&isAllowed=y . Acesso em 21/04/2019.
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, p. 33), “a consciência de gênero se refere ao compromisso de tomar consciência dos padrões de pensamento sobre o gênero, dos costumes e comportamentos que os acompanham e dos efeitos que estes têm sobre as mulheres, os homens, suas realidades vividas e os seus ambientes”. Parte considerável das mulheres que responderam ao questionário demonstra justamente essa compreensão, ao indicar a necessidade de reeducar homens e mulheres e de promover uma alteração demindset” (Respondente n° 114, pergunta n° 25).

São duas frentes: a primeira é a (re)educação de homens e mulheres a respeito das questões de igualdade; e (re)ensinar as mulheres a respeito do nosso lugar na área de tecnologia, que nos foi tirado ao longo dos anos pela postura machista da sociedade. A segunda é incentivar e criar redes de apoio, que incentivem as mulheres na área de tecnologia e que as ajudem a ocupar os espaços no mercado de trabalho (Respondente n° 12, pergunta n° 25).

Em um curto prazo, programas de incentivo à área da tecnologia e cursos voltados às mulheres desde o colégio, para elas se interessem e para que entendam que esse é um caminho possível, desde cedo. Mostrar a importância da inclusão para empresas, com políticas inclusivas reais, que não sejam só fachada, e com vagas voltadas a isso. Programas de capacitação e políticas antimachistas que envolvam as equipes de profissionais, como um todo (porque não adianta nada contratar mulheres para que elas enfrentem um ambiente de trabalho horroroso depois) (Respondente n° 34, pergunta n° 25).

Ao serem questionadas sobre a sua avaliação acerca de um projeto feito por mulheres e para mulheres, praticamente todas (99,2%) afirmam ser “muito importante”. Quando avaliam a capacidade de atuação profissional após a conclusão dos cursos, 55,1% dizem que se sentem “preparadas” e um percentual de 27,1% afirma que se sentem “muito preparadas”.

Considerando os cursos realizados pelas respondentes, 64,4% delas participaram de cursos de front-end, 18,6% de back-end, 10,2% de cursos a distância e 10,2% de full-stack. Esses dados são bastante reveladores e confirmam a tendência identificada pela pesquisadora norte-americana Miriam Posner, do Departamento de Estudos Informacionais da Universidade da Califórnia. Posner (2017) alerta para o fato de que “a sabedoria convencional diz que a chave para reduzir a desigualdade de gênero na tecnologia é dar às mulheres as habilidades que elas precisam para entrar em determinados papéis”, porém, “na prática, quanto maior a entrada de mulheres em um novo campo [profissional], maior parece ser a sua perda de valor” (POSNER, 2017POSNER, Miriam. “We can teach women to code, but that just creates another problem”. The Guardian [online], 2017. Disponível em Disponível em https://www.theguardian.com/techwomen-code . Acesso em 21/04/2019.
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). Isto porque a subdivisão de áreas no campo da programação tende a refletir as hierarquias e desigualdades de gênero:

Mas aqui está o problema: a indústria de tecnologia impõe uma hierarquia de gênero distinta entre o desenvolvimento de front-end e back-end. As mulheres são alocadas como desenvolvedoras front-end, enquanto os homens trabalham no back-end - onde geralmente ganham significativamente mais dinheiro do que as suas colegas de front-end (POSNER, 2017).

Uma das respondentes do questionário demonstrou incômodo em relação a esta situação. Em suas palavras, é preciso investir em outras frentes, como a capacitação e a conscientização de mulheres desde a escola, [...] e, pelo amor de Deus, ajudar mulheres a entrar em outras carreiras de TI, porque só ficar no front-end não dá (sic) (Respondente n° 103, pergunta n° 25). Contudo, assim como no caso de mulheres negras, mencionado acima, faltam dados sobre a remuneração média dos profissionais da área de tecnologia no Brasil para que se possa elaborar uma análise comparada em relação ao contexto euro-americano, avaliado por Miriam Posner (2017).

Nas respostas discursivas, chama atenção que as palavras “capacitação”, “incentivo”, “oportunidades” e “gênero” apareçam em uma proporção muito superior às menções ao “machismo” e ao “preconceito”. A frequência dessas palavras deve ser considerada em relação aos temas abordados nas respostas e que revelam o entendimento das participantes de que a inclusão de mulheres no setor de tecnologia se refere, principalmente, à capacitação e à criação de oportunidades. É o que se pode inferir da maioria dos relatos:

Precisamos de mais iniciativas como a Reprograma, que capacitam tecnicamente mulheres e as inserem nas áreas de tecnologia, a fim de reduzir este gap [de gênero] (Respondente n° 15, pergunta n° 25).

Continuar com as iniciativas que nos capacitam a entrar nessa área. Com dados estatísticos, insistir e reforçar junto às empresas e à população sobre os preconceitos contra a mulher na área de tecnologia. E apontar os benefícios de nos integrar nesse mercado (Respondente n° 36, pergunta n° 25).

Desmistificar a ideia de que mulheres têm dificuldade de aprendizagem e mostrar o poder de transformação da tecnologia. Mas, principalmente, aumentar as oportunidades de trabalho e de ambientes com equidade/igualdade de gênero, desde a seleção de vagas (Respondente n° 59, pergunta n° 25).

Como dito anteriormente, a abordagem de capacidades de Amartya Sen (1999) permite analisar a liberdade dos indivíduos em termos das capacidades e das oportunidades que eles detêm para atingir os seus objetivos de vida. Ainda que o tema da tecnologia não seja central na obra do autor, a sua conceituação tem sido utilizada em pesquisas que procuram avaliar o impacto das Tecnologias da Informação e da Comunicação para o Desenvolvimento (TSHIVHASE et al., 2016; SMITH et al., 2011; ZHENG, 2009). No caso específico de países como o Brasil, é importante não perder de vista que a tecnologia não resolverá todas as questões relativas às desigualdades de gênero (PATEL; PARMENTIER, 2005; TOYAMA, 2015; ZHENG, 2009), uma vez que é preciso considerar a importância de outras variáveis e problemas, como aqueles evidenciados pelo conceito de interseccionalidade.

Considerações finais

Pretendeu-se, neste artigo, apresentar algumas considerações sobre a relação entre gênero e tecnologia, a partir do estudo de caso preliminar de uma startup de impacto social dirigida à capacitação profissional de mulheres na área de programação. Foram demonstradas as bases teóricas e empíricas que permitem afirmar que as desigualdades que marcam as relações de gênero no setor de tecnologia podem ser mais bem compreendidas com a aproximação entre os estudos de Tecnologias da Informação e Comunicação e aqueles originados nas Ciências Humanas, como os estudos críticos da ciência, tecnologia e gênero. Nesse sentido, uma das abordagens interdisciplinares mais bem-sucedidas tem sido a de “sociomaterialidade”, com destaque para os trabalhos de Orlikowski (2007), por refletir sobre o entrelaçamento entre o social e o material.

Os dados preliminares demonstram que as respondentes têm clareza sobre a importância de uma conjunção de esforços para a redução das desigualdades de gênero. Elas percebem e afirmam que as transformações que desejam não se resumem à capacitação profissional e à obtenção de empregos no setor de tecnologia. Para tanto, identificam a participação da sociedade civil, das instituições governamentais e da iniciativa privada como fatores-chave para uma transformação radical e profunda das relações entre homens e mulheres no Brasil e no mundo. Além disso, pode-se notar uma preocupação acerca da importância de um olhar atento à diversidade das mulheres, como as mulheres negras, indígenas e trans, entre outras.

Quanto ao impacto de iniciativas como a {reprograma} na trajetória profissional de ex-alunas, considera-se que a empregabilidade “refere-se aos conhecimentos e habilidades que os indivíduos trazem a um empregador” (Yvonne AI-CHI; Arul CHIB, 2018LOH, Yvonne Ai-Chi; CHIB, Arul. “Tackling social inequality in development: beyond access to appropriation of ICTs for employability”. Information Technology for Development, p. 532-551, 2018. DOI: 10.1080/02681102.2018.1520190.
https://doi.org/10.1080/02681102.2018.15...
, p. 4) e que, nas palavras de Claudia Heijde e Beatrice Van Der Heijden (2006HEIJDE, Claudia; VAN DER HEIJDEN, Beatrice. “A competence-based and multidimensional operationalization and measurement of employability”. Human Resource Management, v. 45, n. 3, p. 449-476, August 2006.), pode-se definir como uma “expertise ocupacional” (p. 454). Esta capacidade seria valorizada pelos empregadores como uma aptidão para exercer determinado trabalho (Robert HOGAN et al., 2013HOGAN, Robert et al. “Employability and career success: Bridging the gap between theory and reality”. Industrial and Organizational Psychology, v. 6, n. 1, p. 3-16, March 2013.).

Em vista dos depoimentos e dos dados a respeito da percepção das respondentes sobre a sua capacidade de atuação profissional, infere-se que as egressas dos cursos da {reprograma} percebem uma melhora incontestável de sua empregabilidade. Como se trata de um mercado de trabalho em expansão e com carência de mão de obra qualificada, as possibilidades de inserção e de atuação profissional após a conclusão dos cursos são reais e muito promissoras. Porém, como alertam os autores que se dedicam aos estudos de gênero e ICT4D, ao menos na atual conjuntura, é previsível que a atuação de mulheres se concentre nas vagas com menores salários (como as de front-end). O que se soma aos desafios impostos às mulheres no mercado de trabalho em países como o Brasil, marcados por uma forte desigualdade de gênero, pelo machismo, racismo, a discriminação e outras formas de violência.

Como limitações deste estudo, destacam-se a necessidade de aprofundamento da análise da literatura e a realização de entrevistas em profundidade, com profissionais mulheres e homens no setor de tecnologia e de programação. Assim como no trabalho de Dorothea Kleine (2013KLEINE, Dorothea. Technologies of choice? ICTs, development and the capabilities approach. Cambridge: MIT Press, 2013.), em uma próxima etapa desta pesquisa será realizado um estudo etnográfico, com o objetivo de observar a interação entre as participantes e o ambiente em que ocorrem as atividades e os cursos da {reprograma}. A partir da ampliação e do aprofundamento da pesquisa, vislumbra-se a possibilidade de uma análise comparada da {reprograma} em face de iniciativas semelhantes, sobretudo em países da América Latina e no contexto euro-americano, surgidas de diferentes demandas e em resposta à própria diversidade das mulheres engajadas nessas iniciativas.

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  • 1
    Para os fins deste artigo, que tem caráter preliminar e diagnóstico, a discussão acerca da interseccionalidade não será aqui aprofundada. Neste estágio da pesquisa de doutorado, pode-se indicar que a interseccionalidade aparece como uma preocupação das mulheres participantes da {reprograma}, exigindo um maior investimento etnográfico para a apreensão dos sentidos e dos usos que as mesmas fazem deste conceito. Para as leitoras interessadas em um panorama mais abrangente da história e dos usos do conceito de interseccionalidade, recomenda-se a leitura do artigo “Se perdeu na tradução? Feminismo negro, interseccionalidade e política emancipatória”, de Patricia Hill Collins (2017).
  • 2
    Mulher cis (que tem o sexo de nascimento conectado com o gênero feminino). Na pesquisa on-line, 98,3% das participantes se autodeclararam como “Mulher Cis” e 1,7% como “Não binárias” (quem se recusa a ter que necessária e/ou unicamente assumir a binaridade de gênero ou deixar que ela o restrinja).
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    RODRIGUES FOLLADOR, Silvia. “{reprograma}: gênero e tecnologia em um estudo de caso preliminar”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 29, n. 1, e67314, 2021.
  • Financiamento:

    Não se aplica
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2019
  • Revisado
    28 Maio 2020
  • Aceito
    26 Jun 2020
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