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Catanas contra o neoliberalismo-patriarcal em tempos de Aids

Catanas against Neoliberal-Patriarchalism in Times of AIDS

Resumo:

Neste artigo, o objetivo é analisar como as relações sociais de classe, raça e gênero se articulam na história de Moçambique pós-independência para produzir uma realidade de vulnerabilidade estrutural das mulheres ao vírus da imunodeficiência humana (HIV). A pesquisa bibliográfica adota a teoria social crítica para analisar as políticas governamentais, relatórios de ONGs nacionais e internacionais, pesquisas acadêmicas e outros. No país, as relações de classe, gênero e tradições culturais reafirmam o domínio dos homens sobre a sexualidade, a força de trabalho, a terra e propriedade e a cidadania das mulheres, numa intersecção com o ideário neoliberal, afirmando, não sem resistências das mulheres e suas organizações, o lugar de subalternidade e vulnerabilidade das mulheres em um contexto de epidemia generalizada de HIV/AIDS combinada à pobreza.

Palavras-chave:
Vulnerabilidade estrutural; Mulheres; HIV/AIDS; Neoliberalismo; Moçambique

Abstract:

The objective of this article is to analyze how the relations of class, race and gender are articulated in the history of post-independence of Mozambique to produce women's structural vulnerability to HIV. Bibliographic research adopts critical social theory to analyze government policies, national and international NGO reports, academic and other research. Class relations, gender and cultural traditions reaffirm men's domination over sexuality, labor, land and property, and women's citizenship, at an intersection with the neoliberal ideology affirming, not without resistance, the subalternity and vulnerability of women in a context of a widespread HIV/AIDS epidemic. Women's organizations support them in the fight against the increasing feminization of the HIV / AIDS epidemic, combined with poverty.

Keywords:
Structural vulnerability; Women; HIV/AIDS; Neoliberalism; Mozambique

Abrir a machamba

O objetivo deste artigo é analisar como as relações sociais de classe, raça e gênero se articulam na história de Moçambique pós-independência para produzir uma realidade de vulnerabilidade estrutural das mulheres ao HIV. Usamos a metáfora da catana contra o neoliberalismo-patriarcal no título do artigo para expressar a negligência deste sistema na oferta de serviços públicos e de qualidade, e demonstrar quanto árdua tem sido a luta das mulheres para a conquista de direitos, justiça e igualdade de gênero. Catana é uma ferramenta usada para abrir machamba,1 1 Roça, terreno de cultivo agrícola. ou seja, limpar o terreno de troncos, pedras e ervas daninhas para fazer o plantio numa área de produção. É dito que, tradicionalmente, esse é trabalho de homem, mas na prática as mulheres abrem machamba quando não há homens na família, situação de muitas, ou quando despertam para as injustiças da divisão do trabalho no campo. No paralelo do contexto, a luta das mulheres moçambicanas contra a epidemia do HIV exige trabalho árduo, com ferramentas diversas contra as políticas neoliberais que limitam o acesso a serviços e políticas sociais, e na luta por igualdade de gênero na vida produtiva e reprodutiva, para mudar os indicadores da doença no país, cuja prevalência da infecção por HIV em adultos de 15-49 anos é de 11,5%2 2 Os dados mais atuais do país são do INSIDA 2010, último inquérito nacional, realizado em 2009. (MOÇAMBIQUE/INAS, 2010MOÇAMBIQUE/INAS. INSIDA - Inquérito Nacional de Prevalência, Riscos Comportamentais e Informação sobre o HIV e SIDA em Moçambique. Relatório Preliminar sobre a Prevalência da Infecção por HIV 2009. Moçambique: Ministério de Saúde, Instituto Nacional de Saúde de Maputo, 2010.).

Nesse trabalho, entende-se que vulnerabilidade ou vulnerabilidade estrutural têm o mesmo significado, diferindo da vulnerabilidade situacional ou da ideia individualizante de risco, comumente associada aos comportamentos dos indivíduos de forma isolada das relações de poder e ideologias que condicionam, interditam e/ou regulam as práticas sociais de mulheres e homens ou como características inatas de determinados grupos sociais. Nesse sentido, a vulnerabilidade estrutural é socialmente construída e somente transformações nas relações sociais que a determinam e condicionam podem resultar na diminuição ou superação da vulnerabilidade, aqui considerada uma expressão concreta das interseções das relações sociais.

Este artigo focalizará Moçambique, considerando a realidade social e econômica, as mulheres e o enfrentamento do HIV/AIDS (conhecida como Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA - no país). As mulheres em Moçambique, como em outros países africanos e latino-americanos, são marcadas por uma vulnerabilidade estrutural que engendra organicamente um modo patriarcal de produção capitalista. Nancy Holmstrom (2014HOLMSTROM, Nancy. “Como Karl Marx pode contribuir para a Compreensão do Gênero”. In: CHABAUD-RYCHTER, Danielle et al. (Orgs.). O Gênero nas Ciências Sociais: releituras críticas de Marx Weber a Bruno Latour. Brasília: EDUnB; EDUNESP, 2014. p. 343-357.) permite estabelecer as mediações entre situações concretas do cotidiano de mulheres ao redor do mundo - empobrecimento, ultraexploração no ambiente de trabalho, trabalho não pago, violência baseada em gênero, sobrecarga de atividades de cuidado com a família, sobretudo com idosos, crianças e parentes adoecidos etc. -, e as suas determinações racistas, sexistas, classistas sistêmicas, como parte fundamental dos processos de produção e reprodução social.

No ocidente, a discussão sobre vulnerabilidade se origina nos debates do direito internacional acerca da preservação e garantia dos direitos universais do homem. O conceito discute as mediações entre saúde, desigualdade e poder, a adoção em escala global da perspectiva de promoção da saúde, cujo marco de mudança de paradigma de saúde é a Carta de Ottawa publicada em 1986 (BRASIL, 2002BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Projeto Promoção da Saúde. As Cartas da Promoção da Saúde. Ministério da Saúde, Secretaria de Políticas de Saúde, Projeto Promoção da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2002. p. 19-26.), as determinações e os determinantes sociais do processo saúde-doença, bem como o reconhecimento do Estado como o principal responsável pela saúde coletiva das suas populações.

No contexto da epidemia do HIV, o conceito de vulnerabilidade, desde a década de 1980, analisa o processo saúde-doença se deslocando de abordagens unicamente biomédicas e da irreal concepção de “grupos de risco”. A partir do fim da primeira década da epidemia, as abordagens da vulnerabilidade ao HIV foram ampliadas, sobretudo a partir da ação política dos movimentos sociais e Organizações Não Governamentais (ONGs) voltadas ao enfrentamento político, cultural e social da epidemia (Solange ROCHA, 2011ROCHA, Maria Solange Guerra. Silenciosa conveniência entre transgressão e conservadorismo: trajetórias feministas frente à epidemia da Aids no Brasil. 2011. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.; Evandro BARBOSA FILHO; Ana VIEIRA; ROCHA, 2017BARBOSA FILHO, Evandro Alves; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; ROCHA, Solange. “Challenges and Lessons in three decades of HIV epidemic and Neoliberalism: an analysis of Brazil, Mozambique and South Africa”. In: HENRICKSON, Mark et al. (Eds.). Getting to Zero: Global Social Work Responds to HIV. Auckland: IASW, UNAIDS, Massey University Press, 2017. p. 369-390. Disponível em Disponível em https://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/Global-social-work-responds-to-HIV_en.pdf . Acesso em 16/02/2019.
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). Sendo assim, dimensões culturais, programáticas, institucionais e políticas da epidemia tomaram visibilidade e foram tratadas como chaves epistemológicas e políticas de combate ao HIV/AIDS. Segundo José Ayres (1996AYRES, José Ricardo de Carvalho Mesquita. HIV/aids, DST e abuso de drogas entre adolescentes: Vulnerabilidade e avaliação de ações preventivas. São Paulo: Casa da Edição, 1996.), os avanços dessas discussões resultaram na análise da vulnerabilidade ao HIV/AIDS por meio das dimensões individual, programática e social.

Porém, uma breve revisão da literatura sobre a temática evidencia que nesta abordagem a análise da dimensão social das relações sociais estruturantes é menos explorada (BARBOSA FILHO; ROCHA, 2018BARBOSA FILHO, Evandro Alves; ROCHA, Solange. “Três Décadas de Neoliberalismo e de Lutas Contra a Epidemia de HIV/Aids na Periferia Capitalista: uma análise crítica da África do Sul, Brasil e Moçambique”. In: ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; BARBOSA FILHO, Evandro Alves (Orgs.). HIV/Aids e as Teias do Capitalismo, Patriarcado e Racismo: África do Sul, Brasil e Moçambique. Recife: EDUFPE, 2018. p. 27-154.). A escassez de estudos sobre essa dimensão é ainda maior quando se particulariza o peso da vulnerabilidade estrutural ao HIV/AIDS sobre as mulheres, quando, como no caso de Moçambique, o número de mulheres infectadas pelo HIV supera o de homens (ROCHA; VIEIRA; Isabel CASIMIRO; Jorge LYRA, 2018ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; CASIMIRO, Isabel Maria A. P. Cortesão; LYRA, Jorge. “Mulheres, HIV e AIDS: Os silêncios e as vozes no Brasil, África do Sul e Moçambique”. In: ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; BARBOSA FILHO, Evandro Alves (Org.). HIV/Aids e as Teias do Capitalismo, Patriarcado e Racismo: África do Sul, Brasil e Moçambique. Recife: EDUFPE, 2018. p. 353-396.).

A análise histórico-crítica em diferentes períodos históricos propiciou chaves heurísticas para analisar como as relações estruturais das diversas determinações de classe/raça/sexo/ orientação sexual/geração colocam em risco, sobretudo as mulheres, bem como as diversas epidemias de HIV em curso. Mulheres de grupos populacionais distintos são menos ou mais impactadas pela infecção, adoecimento e mortes relacionadas ao HIV/AIDS, a partir da forma como tais determinações sociais se reproduzem no quotidiano.

Com sua obra voltada para a análise do impacto do neoliberalismo, das políticas de austeridade e das crises capitalistas sobre as condições de vida das mulheres africanas e latino-americanas, a geógrafa Sylvia Chant (2006CHANT, Sylvia. “Rethinking the ‘feminization of Poverty’ in relation to aggregate Gender Indices”. Journal of Human Development, v. 7, n. 2, p. 201-220, jul. 2006. Disponível em Disponível em http://dx.doi.org/10.1080/14649880600768538 . Acesso em 07/02/2019.
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) evidencia como o pauperismo e exploração das mulheres são invisibilizados por meio das relações de gênero. Estas naturalizam a exploração dos homens sobre as mulheres e as relações culturais, econômicas e políticas criadas pelo neoliberalismo. Tais relações aprofundam as desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho, preservando desproporcionalmente os privilégios dos trabalhadores homens, mesmo em uma realidade de desemprego estrutural e de massiva entrada das mulheres no mundo do trabalho assalariado, nos países da periferia capitalista. A retórica neoliberal forja a ideia de que a incapacidade de se integrar e prosperar plenamente em uma sociedade de livre mercado é de ordem unicamente individual.

Para os neoliberais, o livre mercado globalizado, desregulado, e a reduzida intervenção do Estado na economia criariam as condições para que trabalhadores competentes dos países do centro e da periferia capitalista, independente do sexo e das relações raciais, fossem plenamente integrados. A ordem neoliberal, assim, serviria, segundo o discurso dos entusiastas do neoliberalismo, para dinamizar as economias e apagar as assimetrias de classe, raça e gênero que sempre foram apropriadas pelas classes dominantes e elites políticas para explorar e dividir as classes e grupos subalternizados (BARBOSA FILHO; ROCHA, 2018BARBOSA FILHO, Evandro Alves; ROCHA, Solange. “Três Décadas de Neoliberalismo e de Lutas Contra a Epidemia de HIV/Aids na Periferia Capitalista: uma análise crítica da África do Sul, Brasil e Moçambique”. In: ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; BARBOSA FILHO, Evandro Alves (Orgs.). HIV/Aids e as Teias do Capitalismo, Patriarcado e Racismo: África do Sul, Brasil e Moçambique. Recife: EDUFPE, 2018. p. 27-154.; BARBOSA FILHO; VIEIRA; Cecile RODRIGUES, 2018BARBOSA FILHO, Evandro Alves; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; RODRIGUES, Cecile. “A Reprodução das Relações Sociais Capitalistas na África do Sul Pós-apartheid: a unidade entre transformismo político e reforma neoliberal”. In: ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; BARBOSA FILHO, Evandro Alves (Orgs.). HIV/Aids e as Teias do Capitalismo, Patriarcado e Racismo: África do Sul, Brasil e Moçambique. Recife: EDUFPE, 2018. p. 155-204.).

A opção pela análise crítica de como as relações sociais de sexo, classe e raça se cruzam com o neoliberalismo para produzir vulnerabilidades estruturais das mulheres à epidemia de HIV/Aids possibilita perceber que, em países da periferia capitalista como Moçambique, Brasil e África do Sul, mesmo o considerável avanço na oferta dos antirretrovirais, o acesso ao preservativo, sobretudo o masculino, e aos dispositivos profilaxia Pré-exposição (PrEP) e Pós-exposição (PEP) não vêm impactando significativamente a diminuição de infecções e reinfecções entre mulheres, particularmente das mulheres que fazem parte de algumas populações-chave, como as profissionais do sexo, as que enfrentam violência doméstica e as mulheres transexuais. O fortalecimento dos direitos sociais e reprodutivos de mulheres encontra mais resistências culturais, políticas, sociais e econômicas do que a oferta de tratamento e de insumos biomédicos (BARBOSA FILHO; VIEIRA; ROCHA, 2017BARBOSA FILHO, Evandro Alves; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; ROCHA, Solange. “Challenges and Lessons in three decades of HIV epidemic and Neoliberalism: an analysis of Brazil, Mozambique and South Africa”. In: HENRICKSON, Mark et al. (Eds.). Getting to Zero: Global Social Work Responds to HIV. Auckland: IASW, UNAIDS, Massey University Press, 2017. p. 369-390. Disponível em Disponível em https://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/Global-social-work-responds-to-HIV_en.pdf . Acesso em 16/02/2019.
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; ROCHA; VIEIRA; CASIMIRO; LYRA, 2018).

Apesar de este artigo ser focado nas vulnerabilidades estruturais das mulheres ao HIV/Aids em Moçambique, alguns paralelos com o Brasil e África do Sul apoiam a compreensão sobre o contexto da epidemia e os desafios para Moçambique. Por exemplo, no Brasil, diante da ascensão de grupos políticos conservadores e reacionários, observada desde os anos 2000, e do ativismo na guerra à chamada “ideologia de gênero”, é cada vez mais difícil construir estratégias de prevenção ou empoderamento nos direitos sexuais e reprodutivos voltados às mulheres (BARBOSA FILHO; ROCHA, 2018BARBOSA FILHO, Evandro Alves; ROCHA, Solange. “Três Décadas de Neoliberalismo e de Lutas Contra a Epidemia de HIV/Aids na Periferia Capitalista: uma análise crítica da África do Sul, Brasil e Moçambique”. In: ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; BARBOSA FILHO, Evandro Alves (Orgs.). HIV/Aids e as Teias do Capitalismo, Patriarcado e Racismo: África do Sul, Brasil e Moçambique. Recife: EDUFPE, 2018. p. 27-154.).

Pesquisas que abordavam as epidemias de HIV/AIDS na África do Sul resultaram em vários insights sobre o que pode ocorrer em um país que passa a negar a epidemia, entrega à oferta do tratamento nas mãos do mercado farmacêutico e quando a autoridade da Política Nacional de Saúde é assumida por alguém que invalida os saberes científicos e os consensos internacionais das organizações e movimentos de luta contra a epidemia. O Governo do segundo presidente da África do Sul pós-apartheid, Thabo Mbeki, é um exemplo de como opções políticas que combinam neoliberalismo e conservadorismo podem resultar em tragédias sanitárias, quando a questão é a epidemia de HIV/AIDS (BARBOSA FILHO, 2016BARBOSA FILHO, Evandro Alves. Rupturas e Continuidades no Sistema Nacional de Saúde da África do Sul Pós-apartheid: uma análise crítica do discurso político. 2016. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.; BARBOSA FILHO; ROCHA, 2018; BARBOSA FILHO; VIEIRA; RODRIGUES, 2018BARBOSA FILHO, Evandro Alves; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; RODRIGUES, Cecile. “A Reprodução das Relações Sociais Capitalistas na África do Sul Pós-apartheid: a unidade entre transformismo político e reforma neoliberal”. In: ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; BARBOSA FILHO, Evandro Alves (Orgs.). HIV/Aids e as Teias do Capitalismo, Patriarcado e Racismo: África do Sul, Brasil e Moçambique. Recife: EDUFPE, 2018. p. 155-204.).

Considerando esse trio de países do Sul capitalista, apenas o Brasil não implementou o ABC3 3 Abstinence, be faithful, use a condom, também conhecido como ABC Strategy, é o programa de prevenção ao HIV formulado nos EUA em meados dos anos 1980 e difundido internacionalmente nos anos 1990 pela U.S. Agency for International Development (USAID). O ABC não avança em temas como livre orientação sexual, negociações em torno de práticas sexuais seguras, enfrentamento ao patriarcado e a desmercantilização da prevenção e tratamento do HIV/Aids. (política da USAID para promover abstinência, fidelidade e uso de preservativo) e foi o primeiro a universalizar o tratamento com os antirretrovirais, ainda em 1996. A África do Sul universalizou o tratamento somente a partir de 2010, enquanto que em Moçambique as orientações neoliberais assumidas impedem a universalização do tratamento, já que o Governo do país investe muito pouco da limitada riqueza nacional em políticas sociais, mesmo tendo uma epidemia de HIV generalizada, que impacta, sobretudo, as mulheres. Grande parte da resposta à epidemia no país - prevenção, mobilização, assistência social e oferta de tratamento - é realizada por serviços organizados, gerenciados ou financiados por ONGs e organismos de cooperação internacional (VIEIRA; ROCHA; BARBOSA FILHO, 2018; ROCHA; VIEIRA; CASIMIRO; LYRA, 2018).

No tocante às relações de gênero, Moçambique e África do Sul se assemelham. A epidemia segue crescendo entre as mulheres, e elas têm rosto: são jovens, negras e pobres e estão concentradas nas regiões e territórios mais empobrecidos desses países africanos (ROCHA; VIEIRA; CASIMIRO; LYRA, 2018ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; CASIMIRO, Isabel Maria A. P. Cortesão; LYRA, Jorge. “Mulheres, HIV e AIDS: Os silêncios e as vozes no Brasil, África do Sul e Moçambique”. In: ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; BARBOSA FILHO, Evandro Alves (Org.). HIV/Aids e as Teias do Capitalismo, Patriarcado e Racismo: África do Sul, Brasil e Moçambique. Recife: EDUFPE, 2018. p. 353-396.). Moçambique apresenta uma economia menos desenvolvida, com passagem por uma experiência de economia planificada com a chegada da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) ao poder, em 1975, e apresenta mais fragilidades institucionais para enfrentar a epidemia de HIV, carecendo de serviços e infraestrutura básica.

Neste artigo, a adoção da teoria social crítica não se faz presente apenas no campo epistemológico. Esta orientação teórico-metodológica também marca presença na direção política assumida: a de problematizar a libertação das mulheres moçambicanas frente às relações sociais estruturantes que as vulnerabilizam à epidemia de HIV/AIDS.

(Re)produção capitalista-patriarcal em Moçambique

Desde a independência moçambicana frente ao violento colonialismo português, o projeto de sociedade almejado pelo Estado nacional moçambicano foi manifesto na sua Carta Constitucional de 1975. Esta demarcou como objetivo fundamental do Estado a eliminação das estruturas de opressão e exploração coloniais e tradicionais e da mentalidade que lhes está subjacente. Inclui-se aí o fim da exploração a que as mulheres estavam submetidas; a ampliação e reforço do poder popular democrático; a edificação de uma economia independente e a promoção do progresso cultural e social; e edificação da democracia popular e a construção das bases material e ideológica da sociedade socialista (CASIMIRO, 2014CASIMIRO, Isabel. Paz na Terra, Guerra em Casa: feminismo e organizações de mulheres em Moçambique. Recife: EDUFPE, 2014.).

O novo Estado, liderado pela FRELIMO, esperava superar a histórica centralidade da exploração da força de trabalho negra no país, amplamente difundida pela metrópole portuguesa e pelo regime de supremacia branca do Apartheid sul-africano, que representava a principal frente do cordão sanitário anticomunista na África Austral (BARBOSA FILHO; ROCHA, 2018BARBOSA FILHO, Evandro Alves; ROCHA, Solange. “Três Décadas de Neoliberalismo e de Lutas Contra a Epidemia de HIV/Aids na Periferia Capitalista: uma análise crítica da África do Sul, Brasil e Moçambique”. In: ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; BARBOSA FILHO, Evandro Alves (Orgs.). HIV/Aids e as Teias do Capitalismo, Patriarcado e Racismo: África do Sul, Brasil e Moçambique. Recife: EDUFPE, 2018. p. 27-154.; André Cristiano JOSÉ, 2005JOSÉ, André Cristiano. “Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moçambique: o caso da indústria do caju”. Revista O Cabo dos Trabalhos, Coimbra, v. 1, n. 1, p. 1-38, jan. 2005. Disponível em Disponível em https://cabodostrabalhos.ces.uc.pt/n1/documentos/200611_neoliberalismo_mocambique.pdf . Acesso em 17/02/2019.
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). É válido ressaltar que as críticas da Frente de Libertação à exploração capitalista colonial se voltavam essencialmente ao universo do trabalho assalariado masculino, ou seja, no caso moçambicano, do trabalho alienado realizado por homens negros sob o comando de homens brancos ou mestiços. A FRELIMO e, depois de 1977, o partido Frelimo, referiam que a educação “tradicional-feudal” - baseada em conceitos obscurantistas - descriminou a mulher, impedindo-a de aceder ao conhecimento científico, aspecto ainda agravado pela ideologia da sociedade “colonial-capitalista”, que pretendeu transformar a mulher moçambicana em defensora dessa ideologia (CASIMIRO, 2014CASIMIRO, Isabel. Paz na Terra, Guerra em Casa: feminismo e organizações de mulheres em Moçambique. Recife: EDUFPE, 2014.).

Esta crítica da FRELIMO e partido Frelimo à sociedade designada de “tradicional-feudal”, que oprimia duplamente a mulher, envolvia os ritos de iniciação, os casamentos prematuros, ‘forçados’, ‘herdados’, as cerimónias de viuvez, o Lobolo (compensação matrimonial4 4 Lobolo é um legado sociocultural predominante no Sul de Moçambique, classicamente entendido como a oferta feita em compensação matrimonial à família da noiva. ), e a poligamia. Tais situações foram pesquisadas e debatidas quando dos preparativos (1982-84) e realização da I Conferência Extraordinária da Mulher, organizada pela Organização da Mulher Moçambicana (OMM), em novembro de 1984 (CASIMIRO, 2014CASIMIRO, Isabel. Paz na Terra, Guerra em Casa: feminismo e organizações de mulheres em Moçambique. Recife: EDUFPE, 2014.).

Entre as lideranças da FRELIMO, durante e após o processo de luta de libertação, havia também a visão de que a exploração que deveria ser revertida pelo processo revolucionário era a que ocorria entre o colonialismo português e os homens moçambicanos. Estes foram considerados os principais trabalhadores nas plantações, nas machambas dos colonos, nas machambas familiares e nas fábricas, invisibilizando o trabalho da mulher camponesa e das operárias das fábricas nos ramos téxtil, da borracha e alimentar, que foram surgindo nos anos 1950. Tais desigualdades entre os sexos ainda são justificadas pelo apelo à tradição, apesar de, logo após a independência, a luta contra as tradições fazer parte da luta contra a opressão experimentada pelas mulheres.

Com a independência, ocorreu uma forte intervenção do Estado na economia e na sociedade, em direção às necessidades das classes trabalhadoras. Desde então foi realizada a nacionalização dos principais serviços de reprodução social e dos meios de produção: terra, saúde, educação, justiça, habitação, transportes, sistema bancário, seguros, fábricas e fazendas etc. (CASIMIRO, 2014CASIMIRO, Isabel. Paz na Terra, Guerra em Casa: feminismo e organizações de mulheres em Moçambique. Recife: EDUFPE, 2014.).

No período que se seguiu à independência, aproximadamente 90% da população, de 10 milhões de pessoas, vivia na área rural. Por isso, a lei de nacionalização da terra tinha como foco utilizar o solo como meio de garantir a soberania do povo sobre a riqueza nacional, priorizando a socialização dos meios de produção no meio rural através da criação de dois eixos principais: as empresas estatais e as cooperativas, que originaram as aldeias comunais. A nacionalização, ao mesmo tempo em que permitia o controle estatal das principais áreas da economia e dos serviços sociais, servia para cumprir as promessas de uma maior redistribuição da riqueza e do bem-estar social (BARBOSA FILHO; ROCHA, 2018BARBOSA FILHO, Evandro Alves; ROCHA, Solange. “Três Décadas de Neoliberalismo e de Lutas Contra a Epidemia de HIV/Aids na Periferia Capitalista: uma análise crítica da África do Sul, Brasil e Moçambique”. In: ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; BARBOSA FILHO, Evandro Alves (Orgs.). HIV/Aids e as Teias do Capitalismo, Patriarcado e Racismo: África do Sul, Brasil e Moçambique. Recife: EDUFPE, 2018. p. 27-154.).

Moçambique viveu em guerra praticamente desde a sua independência, devido ao apoio à luta contra o apartheid na região Austral de África, pela independência do Zimbábue, conseguida em 1980, e depois da África do Sul, com a libertação de Nelson Mandela, em 1990. A paz foi conseguida apenas em outubro de 1992, ainda que Moçambique tenha sido submetido a um Programa de Reajustamento Estrutural a partir de 1987. Não é possível avaliar a situação hoje sem considerar os efeitos da guerra no período pós-independência: 1 milhão de mortes, 5 milhões de pessoas deslocados para os países vizinhos, cerca de 50% das infraestruturas sociais destruídas. Foi um dos poucos países a viver uma guerra de agressão e um programa de reajustamento estrutural.

A transição moçambicana do socialismo para o neoliberalismo foi determinada pelas implicações da crise capitalista de 1973, pela queda da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e pela consequente hegemonia global capitalista, totalmente contrária às experiências socialistas.

No cenário dos anos 1980 de supremacia do neoliberalismo, os valores revolucionários de Moçambique encontraram resistências em nível internacional, tendo implicações internas com o desenrolar da guerra civil que se estendeu de 1976 a 1992. O país, face à crise alimentar que se vivia devido à seca que atingia grande parte da região Sul, foi pressionado a abandonar sua orientação socialista, caso quisesse receber ajuda externa para mitigar os efeitos da crise social e alimentar.

Como forma de solucionar a crise, a única alternativa apresentada pelos organismos multilaterais foi a adesão de Moçambique às políticas neoliberais fomentadas pelo Banco Mundial (BM) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Assim, em meados da década de 1980, a FRELIMO começou a abandonar o sistema socialista e iniciou as práticas políticas e econômicas neoliberais (BARBOSA FILHO; ROCHA, 2018BARBOSA FILHO, Evandro Alves; ROCHA, Solange. “Três Décadas de Neoliberalismo e de Lutas Contra a Epidemia de HIV/Aids na Periferia Capitalista: uma análise crítica da África do Sul, Brasil e Moçambique”. In: ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; BARBOSA FILHO, Evandro Alves (Orgs.). HIV/Aids e as Teias do Capitalismo, Patriarcado e Racismo: África do Sul, Brasil e Moçambique. Recife: EDUFPE, 2018. p. 27-154.; CASIMIRO, 2014CASIMIRO, Isabel. Paz na Terra, Guerra em Casa: feminismo e organizações de mulheres em Moçambique. Recife: EDUFPE, 2014.). Só após o Governo Nacional assinar acordos com o BM e FMI, dando garantias institucionais de transição neoliberal, ocorreu a disponibilização imediata de 45 milhões de dólares para o país controlar o quadro de crise humanitária (JOSÉ, 2006).

A massiva privatização foi aplicada em praticamente todos os setores anteriormente nacionalizados pela FRELIMO. A mercantilização das políticas sociais assumiu o lugar da socialização progressiva da riqueza e do bem-estar social, acompanhada pela privatização das empresas estatais e desregulação da economia. A pesquisa de Allen Isaacman e M. Anne Pitcher (2003ISAACMAN, Allen; PITCHER, M. Anne. “Transforming Mozambique: The Politics of Privatization, 1975-2000”. The International Journal of African Historical Studies, v. 36, n. 2, p. 436-438, 2003. JSTOR. Disponível em http://dx.doi.org/10.2307/3559393. Acesso em 17/02/2019.
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) identificou que, até o ano 2000, o governo moçambicano havia privatizado cerca de 1.000 empresas. Essas foram rapidamente compradas pelas burguesias locais e internacionais: as empresas pequenas e médias foram adquiridas pelos empresários nacionais (geralmente políticos, militares e pertencentes à elite burocrática) e as grandes empresas foram vendidas ao grande capital internacional (FRANCISCO, 2003 apud JOSÉ, 2006).

Moçambique seguiu fielmente as prescrições do Banco Mundial, a ponto de ser considerado pelos “doadores” ocidentais o “bom aluno do BM”, “o melhor exemplo africano”. O que lhe confere essa singularidade é, naturalmente, o número alargado de empresas privatizadas num curto espaço de tempo. Se existem diferentes percepções sobre os resultados econômicos, o mesmo não acontece em relação aos seus efeitos sociais. É geral a constatação de que as privatizações tiveram implicações sociais graves para a maioria da sociedade moçambicana (JOSÉ, 2006). Entre os anos de 1987 e 2000, pelo menos 100 mil trabalhadores moçambicanos perderam seus empregos, a maior parte destes sem receber salários há mais de dois anos e sem nenhum tipo de indenização ou seguro trabalhista.

A instabilidade política, a fragilidade da economia e a disponibilidade em seu território de minerais e demais commodities fizeram de Moçambique um país paralelamente governado pela imposição das políticas de ajuste dos organismos multilaterais e com uma economia dominada pelos projetos de acumulação das transnacionais de países de capitalismo central e emergentes, como Brasil, Índia e China (BARBOSA FILHO; ROCHA, 2018BARBOSA FILHO, Evandro Alves; ROCHA, Solange. “Três Décadas de Neoliberalismo e de Lutas Contra a Epidemia de HIV/Aids na Periferia Capitalista: uma análise crítica da África do Sul, Brasil e Moçambique”. In: ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; BARBOSA FILHO, Evandro Alves (Orgs.). HIV/Aids e as Teias do Capitalismo, Patriarcado e Racismo: África do Sul, Brasil e Moçambique. Recife: EDUFPE, 2018. p. 27-154.; VIEIRA; ROCHA; BARBOSA FILHO, 2018VIEIRA, Ana Cristina de Souza; ROCHA, Solange; BARBOSA FILHO, Evandro Alves. “Projetos de Desenvolvimento e Impactos na Saúde Diante do HIV no Brasil e em Moçambique”. In: MONDAINI, Marco (Org.). As Antinomias do Desenvolvimento: uma crítica aos megaprojetos no Brasil, Moçambique e Cabo Verde. Recife: EDUFPE, 2018. p. 165-225.). O resultado desse modelo de acumulação, baseado na espoliação das terras e dos direitos sociais do povo moçambicano, resultou na existência de uma das populações mais pobres do mundo, 68% da população vive com ou menos de US$ 1,25 por dia (Greg MILLS; Jeffrey HERBST, 2012MILLS, Greg; HERBST, Jeffrey. Africa’s Third Liberation: the new search for prosperity & jobs. Johannesburg: Portfolio Penguin, 2012.).

Em 2013, o crescimento do PIB moçambicano foi de 7,4%, sendo que até 1985 era uma das 10 economias mais subdesenvolvidas da África. Diante do exposto, fica evidente que o governo moçambicano, desde finais da década de 1980, vem criando um ideal de Estado neoliberal, profundamente favorável à comunidade de negócios internacional e nacional, em detrimento das classes que vivem do trabalho, sem assumir a responsabilidade pela garantia de condições mínimas à reprodução da força de trabalho por meio de políticas e sistemas público-estatais de bem-estar social. A Frelimo, no poder desde a independência, o FMI e o BM criaram em Moçambique, portanto, o cenário ideal à epidemia de HIV, especialmente entre as mulheres, que desde as reformas neoliberais vêm sofrendo o agravamento da feminização da pobreza (ROCHA; VIEIRA; CASIMIRO; LYRA, 2018ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; CASIMIRO, Isabel Maria A. P. Cortesão; LYRA, Jorge. “Mulheres, HIV e AIDS: Os silêncios e as vozes no Brasil, África do Sul e Moçambique”. In: ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; BARBOSA FILHO, Evandro Alves (Org.). HIV/Aids e as Teias do Capitalismo, Patriarcado e Racismo: África do Sul, Brasil e Moçambique. Recife: EDUFPE, 2018. p. 353-396.).

Desde o fim da guerra civil, a liberalização da economia, através do ajustamento estrutural, teve um impacto mais direto sobre as relações de gênero do que as políticas socialistas empreendidas no momento pós-independência. Nesse sentido, as mulheres foram as primeiras a serem despedidas quando o setor público foi reduzido e quando o Governo da Frelimo fechou as indústrias e empresas estatais, consideradas “não lucrativas” (Ida SUSSER, 2009SUSSER, Ida. Aids, Sex and Culture: Global Politics and survival in Southern Africa. Hong Kong: Wiley-Blackwell, 2009.; CHANT, 2006CHANT, Sylvia. “Rethinking the ‘feminization of Poverty’ in relation to aggregate Gender Indices”. Journal of Human Development, v. 7, n. 2, p. 201-220, jul. 2006. Disponível em Disponível em http://dx.doi.org/10.1080/14649880600768538 . Acesso em 07/02/2019.
http://dx.doi.org/10.1080/14649880600768...
). Da mesma forma, o encerramento das unidades agrícolas estatais, cooperativas e serviços de comercialização agrícola parece ter forçado, principalmente, as mulheres a retornarem à produção tradicional de subsistência.

Na economia moçambicana atual, majoritariamente organizada segundo o capitalismo tardio, onde o rendimento em dinheiro por meio do trabalho assalariado é cada vez mais importante para a reprodução social da força de trabalho, a economia informal tornou-se vital para as mulheres, sobretudo para aquelas que vivem em áreas urbanas, mas a produção de excedentes para venda dentro da estrutura capitalista de produção e circulação de mercadorias tornou-se cada vez mais importante em contextos rurais ao longo das três últimas décadas.

As mulheres das áreas urbanas e das províncias da Região Sul, as mais desenvolvidas, parecem estar em melhores condições para explorar positivamente estas transformações nas estruturas de produção e trabalho do que as mulheres das áreas rurais e das províncias do Norte.

Susser (2009SUSSER, Ida. Aids, Sex and Culture: Global Politics and survival in Southern Africa. Hong Kong: Wiley-Blackwell, 2009.) aponta como as mulheres que trabalham em feiras e no comércio de rua em toda a África Austral sofrem violências perpetradas por seus pares de classe social - trabalhadores homens, mas também por clientes, policiais e criminosos. Essa violência, amplamente naturalizada, é legitimada por tradições que restringem o deslocamento e a permanência das mulheres em ambientes como feiras e mercados livres na condição de trabalhadoras. A autora igualmente evidencia, a partir de pesquisa em países da região, que 72% das mulheres trabalhadoras informais envolvidas em atividades comerciais em espaços abertos na África Austral já foram vítimas de violência física e/ou sexual enquanto trabalhavam.

Nem mesmo os megaprojetos de desenvolvimento em curso no país têm ocasionado significativas oportunidades emancipatórias às mulheres por meio do trabalho. A maior parte destes empreendimentos capitalistas se concentra em setores como mineração, agricultura de monocultura com fins de exportação e obras de infraestrutura. Em sua maioria, são empreendimentos capital intensivos, com pouca utilização de força de trabalho humana, e os postos de trabalho criados são em funções tradicionalmente ocupadas por homens.

Além disso, os megaprojetos têm resultado em deslocamentos forçados de comunidades inteiras; perda de acesso à terra arável e às fontes de água potável, agora apropriadas para a produção comercial; relocação em unidades habitacionais precárias; desmantelamento da agricultura de subsistência. Esta se caracteriza como a principal atividade de trabalho das mulheres e fator crucial para a segurança alimentar, já que o excedente da produção das machambas ou fazendas familiares é que garante a segurança alimentar do país e a renda da maioria das famílias chefiadas por mulheres (VIEIRA; ROCHA; BARBOSA FILHO, 2018).

Mesmo nos anos de maior crescimento econômico, como entre 2000 e 2014, nos territórios que recebem os megaprojetos, a pobreza, o analfabetismo e a prostituição aumentaram. Por serem as menos preparadas para se integrar no mercado de trabalho, as mais impactadas pela escassez de serviços públicos de saúde e educação e as mais subalternizadas em casa e na rua, de acordo com os valores culturais tradicionais africanos e do ocidente capitalista, muitas mulheres e meninas moçambicanas são levadas ao trabalho e à exploração sexual como forma de sobrevivência (Nicoli SILVA, 2018SILVA, Nicoli Viegas Coelho da. “Neoliberalismo, Prostituição e Vulnerabilidade ao HIV: o impacto dos megaprojetos no desenvolvimento de Moçambique”. In: MONDAINI, Marco (Org.). As Antinomias do Desenvolvimento: uma crítica aos megaprojetos no Brasil, Moçambique e Cabo Verde. Recife: EDUFPE, 2018. p. 133-164.; ROCHA; VIEIRA; CASIMIRO; LYRA, 2018ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; CASIMIRO, Isabel Maria A. P. Cortesão; LYRA, Jorge. “Mulheres, HIV e AIDS: Os silêncios e as vozes no Brasil, África do Sul e Moçambique”. In: ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; BARBOSA FILHO, Evandro Alves (Org.). HIV/Aids e as Teias do Capitalismo, Patriarcado e Racismo: África do Sul, Brasil e Moçambique. Recife: EDUFPE, 2018. p. 353-396.).

Em um contexto de epidemia generalizada e de crescente feminização da pobreza, as trabalhadoras do sexo moçambicanas estão vulneráveis a infecção, reinfecções e mortes por HIV/AIDS. Embora sejam identificadas pelo Estado como uma população-chave, portanto mais vulnerável, elas não constam entre as populações priorizadas nas ações de prevenção e/ou de acesso ao tratamento com os antirretrovirais previstas no Plano Estratégico Nacional (PEN IV - 2015-2019PLANO Estratégico HIV SIDA 2015-2019. Disponível em http://cncs.co.mz/wp-content/uploads/2016/02/PEN-IV-2015-2019-Vers%C3%A3o-Aprovada-pelo-Conselho-de-Ministros-1.pdf.
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) (REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, CNCS, 2015REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE. CNCS, Conselho Nacional de Combate ao HIV e SIDA. Plano Estratégico Nacional de Combate ao HIV/SIDA, PEN IV, 2015-2019. Maputo: Conselho Nacional de Combate ao HIV e SIDA, 2015. Disponível em Disponível em http://cncs.co.mz/wp-content/uploads/2016/02/PEN-IV-2015-2019-Vers%C3%A3o-Aprovada-pelo-Conselho-de-Ministros-1.pdf . Acesso em 18/02/2019.
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), instrumento intersetorial que coordena a resposta nacional à epidemia. Esse “não lugar” das moçambicanas, que têm vulnerabilidades profundas ao HIV, pode ser considerado uma grave vulnerabilidade programática, pois, segundo o Inquérito Integrado, Biológico e Comportamental entre Mulheres Trabalhadoras do Sexo 2011-2012 (INS, [s.d.]), 30% das novas infecções por HIV/AIDS são decorrentes de relações sexuais com trabalhadoras do sexo.

Os megaprojetos de desenvolvimento, muitos dos quais contam com investimento e know how de empresas brasileiras, vêm resultando no agravamento das vulnerabilidades ao HIV, sobretudo para as mulheres (BARBOSA FILHO; VIEIRA; ROCHA, 2018; SILVA, 2018SILVA, Nicoli Viegas Coelho da. “Neoliberalismo, Prostituição e Vulnerabilidade ao HIV: o impacto dos megaprojetos no desenvolvimento de Moçambique”. In: MONDAINI, Marco (Org.). As Antinomias do Desenvolvimento: uma crítica aos megaprojetos no Brasil, Moçambique e Cabo Verde. Recife: EDUFPE, 2018. p. 133-164.).

As moçambicanas dos territórios que recebem os megaprojetos são as menos beneficiadas pelo rápido crescimento da economia e pelas transformações das relações sociais de classe nas áreas rurais, que se organizam cada vez mais segundo formas capitalistas de produção, circulação e consumo de mercadorias (BARBOSA FILHO, ROCHA, 2018BARBOSA FILHO, Evandro Alves; ROCHA, Solange. “Três Décadas de Neoliberalismo e de Lutas Contra a Epidemia de HIV/Aids na Periferia Capitalista: uma análise crítica da África do Sul, Brasil e Moçambique”. In: ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; BARBOSA FILHO, Evandro Alves (Orgs.). HIV/Aids e as Teias do Capitalismo, Patriarcado e Racismo: África do Sul, Brasil e Moçambique. Recife: EDUFPE, 2018. p. 27-154.; SILVA, 2018SILVA, Nicoli Viegas Coelho da. “Neoliberalismo, Prostituição e Vulnerabilidade ao HIV: o impacto dos megaprojetos no desenvolvimento de Moçambique”. In: MONDAINI, Marco (Org.). As Antinomias do Desenvolvimento: uma crítica aos megaprojetos no Brasil, Moçambique e Cabo Verde. Recife: EDUFPE, 2018. p. 133-164.). Essa economia moral tradicional presente nas áreas rurais do país, subalternizando as mulheres frente aos homens segundo as relações sociais de gênero e as tradições culturais, vem sendo tensionada pelo avanço do trabalho assalariado e de formas ultraprecárias de trabalho que, na África Austral, mesmo em países mais desenvolvidos como a África do Sul, são historicamente destinadas às mulheres (BARBOSA FILHO, 2016; ROCHA; VIEIRA; CASIMIRO; LYRA, 2018; SUSSER, 2009SUSSER, Ida. Aids, Sex and Culture: Global Politics and survival in Southern Africa. Hong Kong: Wiley-Blackwell, 2009.).

Cenário de vulnerabilidade das moçambicanas ao HIV

Contraditoriamente, Moçambique pós-independência tem uma significativa tradição política de enfatizar a igualdade de gênero e empoderamento das mulheres, oriunda da ideologia da FRELIMO. Uma das mais importantes organizações democráticas da massa, durante o período marxista-leninista do partido, foi a Organização Moçambicana de Mulheres (OMM) criada durante a luta armada em 1973 (CASIMIRO, 2014CASIMIRO, Isabel. Paz na Terra, Guerra em Casa: feminismo e organizações de mulheres em Moçambique. Recife: EDUFPE, 2014.).

Mas a centralidade da participação política/representação das mulheres no contexto de implantação de um sistema de gestão do Estado marxista-leninista da FRELIMO precisa ser vista com certas ressalvas. Sobre isso, Paulo Fagundes Visentini (2012VISENTINI, Paulo Fagundes. As revoluções africanas: Angola, Moçambique e Etiópia. São Paulo: EDUNESP, 2012. (Revoluções do Século 20)) afirma que, no intuito de se legitimar diante dos setores subalternizados pelos sistemas tradicionais e pelo colonialismo português, era fundamental à FRELIMO combater a estrutura patriarcal existente em todo o país, tanto nas povoações tradicionais africanas como nos setores mais ocidentalizados, influenciados pelo patriarcal salazarismo português. Este compromisso foi levado com várias resistências por parte das lideranças do Partido de Libertação, majoritariamente formado por homens educados em escolas cristãs e de origens conservadoras.

Desde o processo de luta pela independência, lideranças da FRELIMO debatiam o lugar das mulheres no processo revolucionário e na construção da nova sociedade. Mesmo tendo uma significativa representação feminina nas escalas nacionais de Governo, o que se reduz drasticamente desde os níveis provinciais até o nível local, esta presença feminina não modificou a tradição de papéis sexuados em que os homens exercem a liderança e controlam os demais membros da família (Lilisia AMÉLIA et al., 2011AMÉLIA, Lilisia; ARAUJO, Shaista; DOMINGOS, Maira; JAIME, Unaiti; MARQUES, Suzete; MENEZES, Celma; MEQUE, Percina; MONJANE, Valuarda; MUTHEMBA, Ligia; NHACHOTE, Rosalina; SITOE, Yolanda; UACIQUETE, Mwema. Movimento Feminista em Moçambique. Madri: Nawey, 2011. Disponível em Disponível em http://www.nawey.net/wp-content/uploads/downloads/2012/11/Movimento-Feminista-em-Mo%C3%83%C2%A7ambique.pdf . Acesso em 16/02/2019.
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; CASIMIRO, 2014CASIMIRO, Isabel. Paz na Terra, Guerra em Casa: feminismo e organizações de mulheres em Moçambique. Recife: EDUFPE, 2014.; ROCHA; VIEIRA; CASIMIRO; LYRA, 2018ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; CASIMIRO, Isabel Maria A. P. Cortesão; LYRA, Jorge. “Mulheres, HIV e AIDS: Os silêncios e as vozes no Brasil, África do Sul e Moçambique”. In: ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; BARBOSA FILHO, Evandro Alves (Org.). HIV/Aids e as Teias do Capitalismo, Patriarcado e Racismo: África do Sul, Brasil e Moçambique. Recife: EDUFPE, 2018. p. 353-396.).

Na atualidade, a igualdade de direitos de homens e mulheres está firmemente estabelecida na Constituição Nacional, proclamada em 2004. Moçambique é um signatário de todos os acordos internacionais relevantes sobre igualdade de gênero e empoderamento das mulheres com adoção da perspectiva de gênero nas políticas públicas que integram a estratégia do país para a redução da pobreza. Como exemplo, em 2005, o Protocolo Opcional da Carta Africana sobre dos Direitos Humanos e das Pessoas e Direitos das Mulheres reforça as medidas adoptadas para eliminar qualquer tipo de discriminação contra a mulher em África e para proteger os seus direitos. Em seguida, o Protocolo da SADC sobre Género e Desenvolvimento, aprovado em 2008, estabelece metas para a SADC no que concerne ao alcance da equidade de género, incluindo a recomendação para se alcançar a quota de participação de 50% de mulheres nos espaços de tomada de decisão.

Todavia, o impacto da política sobre estas questões sofreu as consequências de uma ordem sociocultural patriarcal fortemente enraizada, assim como de uma fraca implementação dentro das instituições e da política dominante da ‘integração de gênero’. Efetivamente, tal cenário tem fragmentado a responsabilidade e fez das questões de gênero um tópico transversal, tanto para o governo como para os países e organizações que assumem o papel de doadores bilaterais, particularmente comprometidos com a agenda de equidade de gênero. Para as instituições e agências internacionais especializadas das Nações Unidas, como United Nations Population Fund (UNFPA) e United Nations Fund Development for Women (UNWomen), assim como dos governos da Inglaterra, Canadá, Holanda e da Suécia, para citar alguns, o maior desafio é materializar a equidade de gênero através de intervenções concretas em questões de promoção da igualdade e empoderamento das mulheres (Inge TVEDTEN; Margarida PAULO; Georgina MONTSERRAT, 2008TVEDTEN, Inge; PAULO, Margarida; MONTSERRAT, Georgina. “Políticas de Género e Feminização da Pobreza em Moçambique”. Bergen: Chr. Michelsen Institute, 2008. Disponível em Disponível em http://www.cmi.no/publications/file/3340-politicas-de-genero-e-feminizao-dapobreza-em.pdf . Acesso em 07/08/2015.
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).

Um significativo contraponto é o crescente ativismo feminista que tem acessado recursos das agências e organismos de cooperação. Para avançar a agenda para a igualdade e justiça de gênero, as instituições da sociedade civil estão organizadas, principalmente, pelo Fórum Mulher e, nos últimos anos, as lutas estão orientadas pela ação da Marcha Mundial das Mulheres, que tem o secretariado internacional sediado em Moçambique.

No nível central, existe uma estrutura institucional do Governo Nacional para promover a igualdade de gênero em todas as políticas e ações do Estado, o Ministério do Género, da Criança e da Acção Social. No campo da igualdade de Gênero suas funções são:

Elaborar propostas de leis, políticas, estratégias, programas e planos de desenvolvimento nas áreas de gênero, bem como proceder a sua divulgação, controle e avaliação da sua implementação; Promover a ratificação e observância das normas de Direito Internacional na área de gênero; Estabelecer e promover mecanismos de diálogo permanente com a sociedade civil que atua nas áreas de gênero; Promover ações que elevem a consciência da sociedade em geral sobre a importância da igualdade do gênero, para o desenvolvimento socioeconômico do país; Adotar e promover medidas de prevenção e combate à violência baseada no gênero e a violência doméstica; Promover uma participação equilibrada de mulheres e homens, moças e rapazes em todos os níveis, setores e órgãos de tomada de decisão (REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, 2019REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE. Ministério do Género e Acção Social. Estratégias da Area de Género. 2019. Disponível em Disponível em http://www.mgcas.gov.mz/st/site/frontoffice/default.aspx?module=article/article&id=34&idseccao=14&ismenu=1&idpn=661 . Acesso em 18/02/2019.
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).

De todos os ministérios, é o Ministério do Género, da Criança e da Acção Social (MGCAS) que possui o menor orçamento e, quando outros ministérios considerados estratégicos e prioritários demandam recursos, é o primeiro a perder verba. Entretanto, é o que lida com a maior parte das demandas de regulação social, mas perde importância diante da hegemonia neoliberal. O avanço da agenda pública-estatal de gênero e empoderamento feminino encontra-se subfinanciado na estrutura de ação de Estado, o que é justificado pela orientação neoliberal que permanece vigente entre a elite política da Frelimo (BARBOSA FILHO; ROCHA, 2018BARBOSA FILHO, Evandro Alves; ROCHA, Solange. “Três Décadas de Neoliberalismo e de Lutas Contra a Epidemia de HIV/Aids na Periferia Capitalista: uma análise crítica da África do Sul, Brasil e Moçambique”. In: ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; BARBOSA FILHO, Evandro Alves (Orgs.). HIV/Aids e as Teias do Capitalismo, Patriarcado e Racismo: África do Sul, Brasil e Moçambique. Recife: EDUFPE, 2018. p. 27-154.; VIEIRA;, ROCHA; BARBOSA FILHO, 2018VIEIRA, Ana Cristina de Souza; ROCHA, Solange; BARBOSA FILHO, Evandro Alves. “Projetos de Desenvolvimento e Impactos na Saúde Diante do HIV no Brasil e em Moçambique”. In: MONDAINI, Marco (Org.). As Antinomias do Desenvolvimento: uma crítica aos megaprojetos no Brasil, Moçambique e Cabo Verde. Recife: EDUFPE, 2018. p. 165-225.).

Embora não faltem evidências para concluir que a pobreza em Moçambique está feminizada, a situação é complexa e expõe a diversidade da formação cultural com diferenças importantes na igualdade de gênero e no estado de empoderamento político e social da mulher em diferentes partes do país, áreas urbanas e rurais, classes sociais e grupos etnolinguísticos (SILVA; 2018SILVA, Nicoli Viegas Coelho da. “Neoliberalismo, Prostituição e Vulnerabilidade ao HIV: o impacto dos megaprojetos no desenvolvimento de Moçambique”. In: MONDAINI, Marco (Org.). As Antinomias do Desenvolvimento: uma crítica aos megaprojetos no Brasil, Moçambique e Cabo Verde. Recife: EDUFPE, 2018. p. 133-164., SUSSER, 2009SUSSER, Ida. Aids, Sex and Culture: Global Politics and survival in Southern Africa. Hong Kong: Wiley-Blackwell, 2009.). Existem também grandes e contínuas desigualdades entre homens e mulheres no acesso a terra e à produção agrícola, ao emprego e renda, à educação, à saúde e a direitos legais. Como foi visto, a grande maioria das mulheres ainda depende da agricultura de subsistência, mas, em um cenário social de crescente entrada de mercadorias, a importância da economia informal na geração de renda para as mulheres, quer em áreas urbanas, quer rurais, tende a crescer. Os Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) são mais baixos nas províncias do Norte, sobretudo Cabo Delgado, Nampula, Niassa, Zambézia, paradoxalmente as mais ricas em recursos fósseis e terra fértil. Por exemplo, a província de Nampula apresenta cerca de 45% de desnutrição infantil, sendo, contudo, das que apresentam melhor desempenho agrícola.

No país, a percepção das organizações de desenvolvimento sobre os maiores constrangimentos à igualdade de gênero são os de ordem econômica (55%), seguidos pelo acesso das mulheres à educação (23%), violência doméstica (14%), participação política (5%) e outros fatores (3%) (TVEDTEN; PAULO; MONTSERRAT, 2008TVEDTEN, Inge; PAULO, Margarida; MONTSERRAT, Georgina. “Políticas de Género e Feminização da Pobreza em Moçambique”. Bergen: Chr. Michelsen Institute, 2008. Disponível em Disponível em http://www.cmi.no/publications/file/3340-politicas-de-genero-e-feminizao-dapobreza-em.pdf . Acesso em 07/08/2015.
http://www.cmi.no/publications/file/3340...
). Restrições econômicas e educacionais, bem como violência e normas culturais, foram alguns dos fatores identificados como promotores da vulnerabilidade ampliada das moçambicanas ao HIV/AIDS (Arune ESTAVELA; Eliane SEIDL, 2015ESTAVELA, Arune Joao; SEIDL, Eliane Maria Fleury. “Vulnerabilidades de gênero, práticas culturais e infecção pelo HIV em Maputo”. Psicologia Social, Belo Horizonte, v. 27, n. 3, p. 569-578, dez. 2015. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822015000300569&lng=pt&nrm=iso . Acesso em 10/02/2019.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). Dados sobre a realidade das mulheres em Moçambique apontam que, dos 22,9% de moçambicanos que são trabalhadores formais, apenas 3,9% eram mulheres; 58% das pessoas vivendo com HIV/AIDS são mulheres; apenas 37,5% delas são alfabetizadas e 26,4% das famílias moçambicanas são chefiadas por mulheres. Essa porcentagem tende a aumentar nas áreas urbanas e nas províncias do Sul; dessas famílias com liderança feminina, 62,5% vivem em situação de pobreza. Ainda sobre a força de trabalho feminina, 95,3% das mulheres que trabalham em Moçambique são trabalhadoras não qualificadas, agrícolas ou não, o que efetivamente significa que são parte fundamental da economia informal, portanto, trabalhadoras sem nenhum tipo de proteção social pública. As mulheres também constituem simultaneamente uma pequena proporção da força de trabalho qualificada e altamente qualificada, tanto dentro como fora da agricultura, onde os salários são consideravelmente mais elevados (BARBOSA FILHO; ROCHA, 2018BARBOSA FILHO, Evandro Alves; ROCHA, Solange. “Três Décadas de Neoliberalismo e de Lutas Contra a Epidemia de HIV/Aids na Periferia Capitalista: uma análise crítica da África do Sul, Brasil e Moçambique”. In: ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; BARBOSA FILHO, Evandro Alves (Orgs.). HIV/Aids e as Teias do Capitalismo, Patriarcado e Racismo: África do Sul, Brasil e Moçambique. Recife: EDUFPE, 2018. p. 27-154.; SILVA, 2018SILVA, Nicoli Viegas Coelho da. “Neoliberalismo, Prostituição e Vulnerabilidade ao HIV: o impacto dos megaprojetos no desenvolvimento de Moçambique”. In: MONDAINI, Marco (Org.). As Antinomias do Desenvolvimento: uma crítica aos megaprojetos no Brasil, Moçambique e Cabo Verde. Recife: EDUFPE, 2018. p. 133-164.).

Com o aumento do desemprego urbano, a partir das políticas de ajuste neoliberal e a concomitante importância acrescida das atividades econômicas informais, alterou-se a importância relativa de homens e mulheres para a provisão do grupo familiar. Em muitas áreas rurais, a produção agrícola sofreu com as rupturas das formas tradicionais e coletivas. Estas rupturas resultaram em baixos preços da produção agrícola e na escassez de mão de obra masculina - tornando as mulheres crescentemente dependentes de angariarem o seu próprio rendimento, tanto em áreas rurais como urbanas (TVEDTEN; PAULO; MONTSERRAT, 2008TVEDTEN, Inge; PAULO, Margarida; MONTSERRAT, Georgina. “Políticas de Género e Feminização da Pobreza em Moçambique”. Bergen: Chr. Michelsen Institute, 2008. Disponível em Disponível em http://www.cmi.no/publications/file/3340-politicas-de-genero-e-feminizao-dapobreza-em.pdf . Acesso em 07/08/2015.
http://www.cmi.no/publications/file/3340...
). O Índice Global de Desenvolvimento de Gênero utilizado pelo United Nations Development Programme (2018UNDP. UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME. Human Development Reports, 2018. Disponível em Disponível em http://hdr.undp.org/en/composite/GII . Acesso em 18/02/2019.
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) classifica Moçambique como o país menos desenvolvido da África Austral em termos de rendimento, educação e saúde/longevidade das mulheres, com indicadores especialmente graves na educação. Dos 189 países pesquisados, Moçambique ocupa a 180º posição.

O progresso na saúde/longevidade está num impasse devido à feminização da epidemia de HIV/AIDS. Esta epidemia reflete e aprofunda as desigualdades de poder e as formas de exploração a que as mulheres moçambicanas estão submetidas. Além de serem as mais infectadas pela epidemia, não raramente ao saber que estão infectados, os maridos infectam suas esposas e as culpabilizam, garantindo que as mulheres assumam a responsabilidade de cuidar deles durante o tratamento e/ou em etapas agudas de adoecimento. Na quase total ausência de serviços público-estatais de assistência social e provisão de cuidados em Moçambique, as mulheres são sobrecarregadas por cuidar de familiares soropositivos.

Desde os programas de ajuste neoliberal, os serviços sociais tiveram seu custo aumentado e os principais afetados foram as pessoas da classe trabalhadora urbana, cujos salários mínimos eram insuficientes para suprir as necessidades básicas de uma família. Muitos destes(as) trabalhadores(as) não tinham recursos nem para adquirir a cesta de alimentos subsidiada e fornecida pelo Governo. Em consequência da privatização dos serviços de bem-estar social, ocorreu uma drástica diminuição dos atendimentos nos serviços de saúde e, diante do empobrecimento crescente, ocorreu a massiva ocupação de imóveis sem água ou eletricidade.

Muitas moçambicanas também sofrem as consequências culturais da morte prematura dos seus companheiros, sendo acusadas de bruxaria e tendo os seus bens tomados pelos familiares do marido, podendo elas mesmas serem queimadas. Embora a lei de família vigente garanta a igualdade jurídica entre homens e mulheres e a transferência automática da herança à viúva e seus filhos, o que prevalece, na maioria das vezes, é o poder da cultura tradicional patriarcal, que exalta e legitima a dominação masculina em todas as esferas. O machismo tem interfaces diretas com as relações mercantis típicas do capitalismo tardio. O acesso a recursos fundamentais para o acúmulo de riquezas no âmbito das relações capitalistas no campo agrícola, como acesso às áreas irrigadas, tecnologias, propriedade formal da terra, acesso a crédito, empréstimos e investimentos públicos, é controlado por homens e orientado majoritariamente para beneficiar outros homens.

Diante do agravamento da vulnerabilidade econômica feminina, várias organizações governamentais e não governamentais têm desenvolvido projetos voltados ao empoderamento econômico das mulheres, por meio do fomento a atividades de geração de renda. No entanto, a capacidade emancipatória desses projetos é bastante limitada, pois geralmente são voltados a atividades que demandam pouca qualificação, com baixa possibilidade de integração das beneficiárias no mundo do trabalho, e para atividades que, segundo a divisão sexual do trabalho, são essencialmente executadas por mulheres: costura, fabricação de sabão, bordado, artesanato, produção de cerâmica (AMÉLIA et al., 2011AMÉLIA, Lilisia; ARAUJO, Shaista; DOMINGOS, Maira; JAIME, Unaiti; MARQUES, Suzete; MENEZES, Celma; MEQUE, Percina; MONJANE, Valuarda; MUTHEMBA, Ligia; NHACHOTE, Rosalina; SITOE, Yolanda; UACIQUETE, Mwema. Movimento Feminista em Moçambique. Madri: Nawey, 2011. Disponível em Disponível em http://www.nawey.net/wp-content/uploads/downloads/2012/11/Movimento-Feminista-em-Mo%C3%83%C2%A7ambique.pdf . Acesso em 16/02/2019.
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; SUSSER, 2009SUSSER, Ida. Aids, Sex and Culture: Global Politics and survival in Southern Africa. Hong Kong: Wiley-Blackwell, 2009.).

A concessão de microcréditos às mulheres também não tem logrado êxito, porque as condições são muito restritivas para a maioria das moçambicanas. São observadas taxas de juros elevadas, exigência de garantias, plano de negócio e documento de identificação que muitas mulheres não têm. A falta de documentos é um dos obstáculos com grande impacto, porque, muitas vezes, as mulheres têm que recorrer aos companheiros para poder acessar o crédito e quando o empreendimento se mostra lucrativo, o marido acaba tomando controle do negócio (AMÉLIA et al., 2011AMÉLIA, Lilisia; ARAUJO, Shaista; DOMINGOS, Maira; JAIME, Unaiti; MARQUES, Suzete; MENEZES, Celma; MEQUE, Percina; MONJANE, Valuarda; MUTHEMBA, Ligia; NHACHOTE, Rosalina; SITOE, Yolanda; UACIQUETE, Mwema. Movimento Feminista em Moçambique. Madri: Nawey, 2011. Disponível em Disponível em http://www.nawey.net/wp-content/uploads/downloads/2012/11/Movimento-Feminista-em-Mo%C3%83%C2%A7ambique.pdf . Acesso em 16/02/2019.
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). Na região Sul do país, sobretudo, as mulheres têm recorrido ao xitique, uma forma de poupança endógena e que não exige fundos externos como acontece com os programas de microcrédito (Catarina TRINDADE, 2012TRINDADE, Catarina. Xitiki é compromisso: Os sentidos de uma prática de sociabilidade na cidade de Maputo, Moçambique. 2012. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, SP, Brasil.).

Essa realidade de pauperização, patriarcado e espoliação de direitos é fator determinante da vulnerabilidade estrutural das mulheres à epidemia de HIV/AIDS. Moçambique é o país com a oitava maior prevalência de HIV do mundo e a epidemia de HIV/AIDS é feminizada (VIEIRA; ROCHA; BARBOSA FILHO, 2018). Sendo assim, das mais de 1,6 milhões de pessoas vivendo com HIV no país, mais de 800.000 são mulheres e cerca de 200.000 são crianças, das quais muitas são meninas. Esse quadro de feminização e de uma epidemia - em que mais de 200 pessoas morrem por dia em decorrência de doenças oportunistas ou do acesso tardio/interrupção do tratamento com antirretrovirais - desafia os diversos sujeitos coletivos envolvidos nas lutas pelo fim da epidemia e pelo enfrentamento das diversas formas de opressão vivenciadas pelas mulheres, tanto na esfera pública, como na esfera privada.

A alta prevalência de HIV, 11,5% na população dos 15 aos 49 anos, afeta, sobretudo, as mulheres, com 13,1% de prevalência, enquanto que, entre os homens, essa prevalência é de 9,2%. No que tange à faixa etária de 15-24 anos, há um maior predomínio das mulheres (11,1%), em comparação com os homens, que é de 3,7%. A prevalência é também mais elevada nas áreas urbanas (15,9%) em relação às áreas rurais (9,2%) (MOÇAMBIQUE/INAS, 2010).

Destaca-se, portanto, que a maior vulnerabilidade à infecção recai sobre meninas e mulheres jovens, dos 15 aos 24 anos, que chegam a ter uma prevalência de HIV três vezes maior que seus pares do sexo masculino, dependendo da região ou província (ESTAVELA; SEIDL, 2015ESTAVELA, Arune Joao; SEIDL, Eliane Maria Fleury. “Vulnerabilidades de gênero, práticas culturais e infecção pelo HIV em Maputo”. Psicologia Social, Belo Horizonte, v. 27, n. 3, p. 569-578, dez. 2015. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822015000300569&lng=pt&nrm=iso . Acesso em 10/02/2019.
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; SILVA, 2018SILVA, Nicoli Viegas Coelho da. “Neoliberalismo, Prostituição e Vulnerabilidade ao HIV: o impacto dos megaprojetos no desenvolvimento de Moçambique”. In: MONDAINI, Marco (Org.). As Antinomias do Desenvolvimento: uma crítica aos megaprojetos no Brasil, Moçambique e Cabo Verde. Recife: EDUFPE, 2018. p. 133-164.). O fato de 25% das garotas entre 15 e 19 anos já estarem casadas e terem dois filhos ou mais evidencia como as moçambicanas são precocemente vulnerabilizadas ao HIV (ROCHA; VIEIRA; CASIMIRO; LYRA, 2018ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; CASIMIRO, Isabel Maria A. P. Cortesão; LYRA, Jorge. “Mulheres, HIV e AIDS: Os silêncios e as vozes no Brasil, África do Sul e Moçambique”. In: ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; BARBOSA FILHO, Evandro Alves (Org.). HIV/Aids e as Teias do Capitalismo, Patriarcado e Racismo: África do Sul, Brasil e Moçambique. Recife: EDUFPE, 2018. p. 353-396.).

O casamento para as mulheres, especialmente nas áreas rurais, ocorre com homens mais velhos, na faixa dos 20-30 anos, e que têm vida sexual ativa, enquanto as meninas se casam com menos de 20 anos - casamentos entre homens adultos e meninas com menos de 15 anos não são raros. A venda de filhas para homens mais velhos, como forma de saldar dívidas ou acumular riqueza, também é comum no campo e nas cidades (CASIMIRO, 2014CASIMIRO, Isabel. Paz na Terra, Guerra em Casa: feminismo e organizações de mulheres em Moçambique. Recife: EDUFPE, 2014.). Nas situações de casamentos precoces ou forçados, elas são impedidas de continuar a frequentar a escola, não tendo acesso à informação sobre sexo seguro e a níveis mais elevados de educação formal, tendo poucas chances de usufruir do atual crescimento econômico do país.

Até mesmo o acesso das mulheres e meninas casadas às unidades de saúde, que só cobrem 58% do território nacional (REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, CNCS, 2015), é condicionado ao poder tradicional masculino ou delegado por pais e maridos às mulheres mais velhas: sogras e irmãs mais velhas do marido, sendo o patriarcado preservado por uma gerontocracia exercida por mulheres. Estas, na ausência dos seus filhos e irmãos, garantem a continuidade do controle do corpo, da saúde e do trabalho das mulheres de acordo com as expectativas de dominação masculina.

Como em quase toda a África Austral, mulheres e meninas casadas vivem em famílias extensas, e passam a viver na casa da família do marido. Isto implica viver com as sogras, cunhados e outros familiares. Essa coabitação significa uma imensa carga de trabalho doméstico e de cuidados das esposas com os membros mais velhos e crianças das famílias dos seus companheiros. Mesmo em áreas com acesso às unidades sanitárias, o acesso de mulheres grávidas ao pré-natal, fundamental para o diagnóstico precoce do HIV e para impedir a transmissão vertical, e ao parto clinicamente assistido, realizado em hospitais, é condicionado pelo poder oriundo da tradição cultural nativa e por estruturas patriarcais tradicionais e ocidentais de família e conjugalidade.

Como consequência dessa ampla rede de poderes modernos e tradicionais que garantem a subalternização das mulheres, mesmo no tocante aos cuidados com a saúde durante a gravidez, a transmissão de mãe para filho na gravidez, no parto ou na amamentação, tem também um contributo importante na incidência e na prevalência do HIV em Moçambique. A transmissão vertical ainda se apresenta como um desafio para o controle da epidemia. A prevalência de HIV em mulheres em consultas pré-natais foi estimada em 15,8%, e a AIDS representa a primeira causa indireta de mortalidade materna. Segundo dados publicados no PEN IV (2015-2019) (REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, CNCS, 2015), em 2013, foi estimado que 11.921 crianças nascidas das 100.121 mães soropositivas estariam infectadas pelo HIV, o que resulta em taxa de transmissão vertical de 11,9%. A manutenção da alta taxa de transmissão vertical pode ser explicada pela baixa taxa de partos institucionalizados, sendo apenas 54% realizados em unidades de saúde.

Os sistemas tradicionais que controlam o acesso das mulheres aos insumos e serviços de saúde, que poderiam aumentar suas chances de proteção ao HIV, as vulnerabilizam. Na região Norte, os ritos de iniciação de garotas pregam o disciplinamento para a total submissão das meninas e mulheres aos homens, na vida familiar e conjugal. Já no ritual de purificação, conhecido como pitakufa/kudjinga, realizado em províncias das regiões Centro e Sul, as viúvas são obrigadas a se submeter a sexo desprotegido com o irmão mais velho do cônjuge falecido (ESTAVELA; SEIDL, 2015ESTAVELA, Arune Joao; SEIDL, Eliane Maria Fleury. “Vulnerabilidades de gênero, práticas culturais e infecção pelo HIV em Maputo”. Psicologia Social, Belo Horizonte, v. 27, n. 3, p. 569-578, dez. 2015. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822015000300569&lng=pt&nrm=iso . Acesso em 10/02/2019.
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; Conceição OSÓRIO; Ernesto MACUÁCUA, 2013OSÓRIO, Conceição; MACUÁCUA, Ernesto. Os Ritos de Iniciação no Contexto Actual: ajustamentos, rupturas e confrontos construindo identidades de género. Maputo: WLSA, 2013.; ROCHA, VIEIRA, CASIMIRO, LYRA, 2018ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; CASIMIRO, Isabel Maria A. P. Cortesão; LYRA, Jorge. “Mulheres, HIV e AIDS: Os silêncios e as vozes no Brasil, África do Sul e Moçambique”. In: ROCHA, Solange; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; BARBOSA FILHO, Evandro Alves (Org.). HIV/Aids e as Teias do Capitalismo, Patriarcado e Racismo: África do Sul, Brasil e Moçambique. Recife: EDUFPE, 2018. p. 353-396.). Caso não aceitem participar, além das sanções morais praticadas pelos grupos familiar e comunitário, as mulheres correm o risco de perder a casa, terra e móveis para a família do seu companheiro. Em um país em que a força de trabalho feminina está amplamente utilizada nas machambas, o alijamento da terra significa fome para as mulheres. Essa tradição foi recentemente proibida pelo governo, substituída por outras formas de purificação das viúvas.

A violência sexista é outro elemento que dificulta o acesso das mulheres ao tratamento com os antirretrovirais e aos insumos de prevenção ao HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), tornando praticamente impossíveis negociações sobre sexo seguro às mulheres casadas. Quando expulsas de casa, acusadas de traição por serem soropositivas, os maridos retêm os antirretrovirais. Este cenário é fortemente condicionado e legitimado pelo sistema patriarcal, que aceita múltiplas parceiras para homens e o poder masculino sobre as mulheres. Os rituais de iniciação de meninos e rapazes, e de meninas e garotas, fortalecem as concepções tradicionais e contribuem para a vulnerabilidade ampliada das mulheres. Outras situações de vulnerabilidade ao HIV dentro das práticas tradicionais são: a circuncisão masculina e as tatuagens feitas nas garotas durante os ritos (OSÓRIO; MACUÁCUA, 2013OSÓRIO, Conceição; MACUÁCUA, Ernesto. Os Ritos de Iniciação no Contexto Actual: ajustamentos, rupturas e confrontos construindo identidades de género. Maputo: WLSA, 2013.). Nas duas ocasiões o uso de instrumentos perfurocortantes contaminados representa riscos determinados pelas condições objetivas em que essas práticas se concretizam. Ambas ocorrem em uma realidade de um sistema de bem-estar social privatizado e residual que, mesmo em um contexto de epidemia generalizada, não oferta circuncisões masculinas clinicamente assistidas e não protege as mulheres em situação de violência familiar.

Como se vê, mesmo Moçambique tendo uma significativa história de organizações coletivas de mulheres trabalhadoras e com os avanços, desde a independência, nas questões de igualdade de gênero, na legislação e nos instrumentos reguladores, constata-se um significativo descompasso entre o plano formal e a realidade das ações realizadas pelas ONGs e pelo Estado. Para isso, contribui o fato de as ONGs feministas e de enfrentamento ao HIV/AIDS não terem uma cobertura nacional, bem como das políticas sociais e de promoção da igualdade de gênero serem subfinanciadas, em decorrência da permanência da orientação neoliberal do Governo Nacional.

Algumas considerações

Na realidade moçambicana pós-colonial de país de capitalismo periférico, que implantou um ajuste neoliberal extremamente fiel ao ideário do Banco Mundial e do FMI, o que foi poucas vezes observado nos países que passaram por reformas neoliberais, as empresas públicas estatais de todos os tamanhos foram privatizadas, políticas de eliminação de postos de trabalho em larga escala foram adotadas, a economia foi amplamente desregulada e as políticas de reprodução social normalmente exercidas pelo Estado: oferta de saúde, assistência social, educação e previdência social etc. foram entregues ao mercado e às ONGs. Dessa forma, é possível dizer que o ajustamento neoliberal foi extremamente ortodoxo, o que fez Moçambique ser considerado o “bom aluno” do BM. Nesse contexto o país também enfrentou uma violenta guerra civil, e as desigualdades foram radicalizadas. Estas são sustentadas por relações de classe, gênero e tradições culturais que reafirmam o domínio dos homens sobre a sexualidade, a força de trabalho, a terra e propriedade e a cidadania das mulheres. Nesse sentido, o tribalismo, a dívida social do colonialismo português, o discurso ocidental modernizante do Partido de Libertação (Frelimo) e o ideário neoliberal se interseccionam afirmando, não sem resistências, o lugar de subalternidade e vulnerabilidade das mulheres em um contexto de epidemia generalizada de HIV/AIDS, ainda que sob dois diferentes sistemas sociais e políticos: o socialista e o neoliberal.

Dependente das organizações internacionais de desenvolvimento para responder à epidemia de HIV/AIDS e realizar as ações de promoção da igualdade entre homens e mulheres, o Governo de Moçambique tem feito muito pouco para materializar os direitos das mulheres. Embora se observe um avanço expressivo no acesso aos antirretrovirais, a mudança das relações de gênero que tornam as mulheres subalternas aos homens e que, consequentemente, promovem a feminização da epidemia, ainda ocupa um lugar residual nas respostas do Estado, por meio de políticas e serviços sociais. A disponibilidade de antirretrovirais, preservativos etc. registra interrupções sistemáticas, pois está condicionada à entrega pela comunidade doadora, impedindo a prevenção e a continuidade do tratamento.

Uma pesquisa em curso no Centro de Estudos Africanos (CEA) da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), intitulada “Conhecer e valorizar as iniciativas das mulheres moçambicanas no combate ao HIV/SIDA” (PLANO ESTRATÉGICO HIV SIDA 2015-2019) dá conta da existência de um grande número de associações das mais diversas que se ocupam da prevenção e mitigação, educação, advocacia, tratamento e saneamento. Só em Maputo (cidade e Província) foram identificadas cerca de 170. Muitas destas organizações também estão articuladas com o ativismo no Fórum Mulher e na Marcha Mundial das Mulheres, a exemplo da advocacia para inclusão de gênero e HIV AIDS nos planos estratégicos na área da saúde (PLANO ESTRATÉGICO HIV SIDA 2015-2019), o que nos leva a colocar em questão a sua exequibilidade num contexto em que os índices de infecção não baixam, pelo contrário, e em que a pobreza e a exclusão têm alargado as infecções a meninas e meninos nas várias cidades do país.

Essa vulnerabilidade estrutural em grande parte se apoia na opção moçambicana pelo neoliberalismo e na tradição conservadora de suas lideranças governamentais em relação ao lugar de poder que as mulheres devem ocupar na sociedade. Não sem surpresas, o Ministério voltado às políticas, aos programas e aos projetos de igualdade de gênero tem o menor orçamento. A combinação entre o Estado burguês, divisão sexual do trabalho no capitalismo tardio e o modo capitalista-patriarcal de produção parece se cristalizar no caso moçambicano, em que mesmo as altas taxas de crescimento econômico na atualidade e a implementação de megaprojetos não têm resultado em melhorias nas condições de vida das mulheres. Muito pelo contrário, desde a contrarreforma neoliberal, as situações de vulnerabilidade estrutural das mulheres se agravaram, fazendo com que as moçambicanas sejam as menos beneficiadas pela modernização do país, segundo as diretrizes do capitalismo tardio, e tenham que lidar com a feminização crescente e combinada da pobreza e da epidemia de HIV/AIDS.

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  • VISENTINI, Paulo Fagundes. As revoluções africanas: Angola, Moçambique e Etiópia São Paulo: EDUNESP, 2012. (Revoluções do Século 20)
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    Roça, terreno de cultivo agrícola.
  • 2
    Os dados mais atuais do país são do INSIDA 2010, último inquérito nacional, realizado em 2009.
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    Abstinence, be faithful, use a condom, também conhecido como ABC Strategy, é o programa de prevenção ao HIV formulado nos EUA em meados dos anos 1980 e difundido internacionalmente nos anos 1990 pela U.S. Agency for International Development (USAID). O ABC não avança em temas como livre orientação sexual, negociações em torno de práticas sexuais seguras, enfrentamento ao patriarcado e a desmercantilização da prevenção e tratamento do HIV/Aids.
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    Lobolo é um legado sociocultural predominante no Sul de Moçambique, classicamente entendido como a oferta feita em compensação matrimonial à família da noiva.
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    ROCHA, Solange Guerra; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; BARBOSA FILHO, Evandro Alves; CASIMIRO, Isabel Maria Alçada Padez Cortesão. “Catanas contra o neoliberalismo-patriarcal em tempos de Aids”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 28, n. 1, e68317, 2020
  • Financiamento:

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 - CAPES Projeto CAPES AULP (2013-2017) e CAPES/FACEPE PNPD (2017). O CNPq financiou Bolsa de Produtividade de uma das autoras. O presente dossiê foi realizado com apoio do Programa de Internacionalização PRINT/CAPES. /
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    31 Out 2019
  • Aceito
    21 Nov 2019
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