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“O que eu transformaria? Muita coisa!”: os saberes e os não saberes docentes presentes no estágio supervisionado em Educação Física

"What would I change? Many things!": the teaching knowledge and non-knowledge present in the teaching practices in Physical Education

Resumos

A finalidade desta investigação foi identificar os saberes e os não saberes docentes mobilizados e/ou adquiridos nas práticas pedagógicas dos futuros professores quando estes se encontram no estágio supervisionado. Com base em pesquisa documental, foram analisados 48 documentos, contidos nos Relatórios Finais, que continham as reflexões escritas de oito futuros professores que realizaram suas intervenções docentes no primeiro semestre de 2010, em escolas públicas do município de João Pessoa - PB. Para realizar a coleta destes dados foram utilizados os procedimentos metodológicos da pesquisa colaborativa no estágio supervisionado de Gomes-da-Silva (2009). Para análise dos dados foram utilizadas as técnicas de análise de conteúdo de Bardin (2008). A teoria que fundamentou esta análise foi de Tardif (2008). Foram identificadas três categorias de saberes docentes, quais sejam: i) saberes da experiência; ii) saberes escolares; e iii) os não saberes. O mapeamento destas categorias sinaliza que uma prática pedagógica é feita de saberes, reforça a provisoriedade destes saberes e acentua a complexidade da docência na área.

Estágio; Formação; Docentes


The purpose of this investigation was to identify the teaching knowledge and non-knowledge mobilized and acquired in the pedagogical practices of future teachers, when they are in their internship period. Relying on documentary research, 48 Final Reports were analyzed, which contained the written reflections of 08 future-teachers who conducted their teaching practices in the first semester of 2010, in public schools in the city of João Pessoa-PB. To collect this data we used the methodological procedures of collaborative research suggested by Gomes-da-Silva (2009). Data analysis used techniques of content analysis proposed by Bardin (2008). The theory behind this analysis was Tardif’s (2008). Three categories of teacher knowledge were identified, which are: i) knowledge from experience, ii) school knowledge and iii) non-knowledge. The mapping of these categories, in addition to signaling a pedagogical practice made of teacher knowledge, reinforces the provisional nature of this knowledge, but also highlights the complexity of teaching in the area.

Internship; Teacher training; Teachers


"O que eu tansformaria? Muita coisa!": Os saberes e os não saberes docentes presentes no estágio supervisionado em Educação Física

"What would I change? Many things!": The teaching knowledge and non-knowledge present in the teaching practices in Physical Education

Luis Eugênio MartinyI; Pierre Normando Gomes-da-SilvaII

IMestrando do Programa Associado de pós-graduação em Educação Física - UPE/UFPB.

IIDoutor . Professor do Departamento de Educação Física, da Universidade Federal da Paraíba.

Correspondência Correspondência: Luis Eugênio Martiny. Rua Fernando Luis Henrique dos Santos, 765, apto 201, CEP 58037-050, João Pessoa-PB, Brasil. E-mail: luis_martiny@hotmail.com

RESUMO

A finalidade desta investigação foi identificar os saberes e os não saberes docentes mobilizados e/ou adquiridos nas práticas pedagógicas dos futuros professores quando estes se encontram no estágio supervisionado. Com base em pesquisa documental, foram analisados 48 documentos, contidos nos Relatórios Finais, que continham as reflexões escritas de oito futuros professores que realizaram suas intervenções docentes no primeiro semestre de 2010, em escolas públicas do município de João Pessoa - PB. Para realizar a coleta destes dados foram utilizados os procedimentos metodológicos da pesquisa colaborativa no estágio supervisionado de Gomes-da-Silva (2009). Para análise dos dados foram utilizadas as técnicas de análise de conteúdo de Bardin (2008). A teoria que fundamentou esta análise foi de Tardif (2008). Foram identificadas três categorias de saberes docentes, quais sejam: i) saberes da experiência; ii) saberes escolares; e iii) os não saberes. O mapeamento destas categorias sinaliza que uma prática pedagógica é feita de saberes, reforça a provisoriedade destes saberes e acentua a complexidade da docência na área.

Palavras-chave: Estágio. Formação. Docentes.

ABSTRACT

The purpose of this investigation was to identify the teaching knowledge and non-knowledge mobilized and acquired in the pedagogical practices of future teachers, when they are in their internship period. Relying on documentary research, 48 Final Reports were analyzed, which contained the written reflections of 08 future-teachers who conducted their teaching practices in the first semester of 2010, in public schools in the city of João Pessoa-PB. To collect this data we used the methodological procedures of collaborative research suggested by Gomes-da-Silva (2009). Data analysis used techniques of content analysis proposed by Bardin (2008). The theory behind this analysis was Tardif’s (2008). Three categories of teacher knowledge were identified, which are: i) knowledge from experience, ii) school knowledge and iii) non-knowledge. The mapping of these categories, in addition to signaling a pedagogical practice made of teacher knowledge, reinforces the provisional nature of this knowledge, but also highlights the complexity of teaching in the area.

Keywords: Internship. Teacher training. Teachers.

Introdução

Nos cursos superiores de licenciatura em Educação Física, um dos componentes curriculares que adquirem significativa relevância para formação docente é o estágio supervisionado realizado no contexto escolar. Estes estágios têm por objetivo colocar os futuros docentes diante de situações concretas de ensino-aprendizagem. Tal condição desperta a possibilidade de estes alunos vivenciarem e refletirem sobre o saber e o fazer pedagógico no interior da sala de aula.

A reflexão sobre as situações-problema enfrentadas nos estágios de docência possibilita que os futuros professores configurem e contextualizem o seu campo de formação-intervenção. É neste contexto que eles confrontam os saberes advindos da formação inicial com a realidade prática. Além disso, é neste ambiente que eles acabam por identificar, mobilizar e/ou adquirir um conjunto de competências, habilidades e conhecimentos que se tornam necessários à sua prática educativa.

A apreensão desta pluralidade de saberes docentes em conformidade com os processos didático-pedagógicos e a dinâmica da sala de aula sinaliza a complexidade da docência no contexto escolar. Os futuros professores, quando se deparam com esta situação escolar, tendem a suscitar discussões em relação a certo distanciamento entre a formação inicial ("teoria") e a intervenção pedagógica ("prática"). Ao perceberem as convergências e divergências entre estes contextos eles acabam por ir buscar outras fontes e outras referências que sirvam de suporte para sua atuação. A confluência destes diversos saberes possibilita constituir a sua ação docente, o seu saber-fazer e saber-ser-professor. Esta estruturação docente permite que os futuros professores almejem responder às adversidades que surgem no cotidiano escolar.

Como alguns autores vêm sinalizando certo distanciamento entre a formação e a intervenção docente em Educação Física (BORGES, 1998; BRACHT, 2003; GONZÁLEZ, 2006; REZER; FENSTERSEIFER, 2008; FUZII et al., 2009), abre-se uma lacuna ao estabelecer uma aproximação entre estes dois contextos. Ao aprofundar as análises sobre a ação pedagógica dos futuros professores, mais especificamente sobre os seus saberes docentes mobilizados e/ou adquiridos no momento da intervenção docente, isto possibilitará apontar alguns avanços e/ou limitações desta formação inicial.

Para evidenciar algumas aproximações e/ou antagonismos entre estes dois contextos, o presente artigo objetiva identificar os saberes e os não saberes docentes, mobilizados e/ou adquiridos pelos futuros professores quando da realização do estágio supervisionado no ambiente escolar. A partir deste mapeamento e das intervenções dos futuros professores poderá ser sinalizada a relação destes com os seus saberes docentes

MÉTODOS

Caracterização da pesquisa

Esta investigação se caracterizou por ser de natureza qualitativa do tipo documental, visto estarmos utilizando os relatórios de estágio supervisionado como fontes documentais. Este tipo de pesquisa, que se desenvolve por meio de fontes documentais, tem como finalidade investigar informações que não foram codificadas, estruturadas e organizadas (MATTOS; ROSSETO JÚNIOR; BLECHER; 2004).

Sujeitos da pesquisa

A pesquisa foi composta por oito futuros professores. Para serem incluídos na investigação, estes sujeitos deveriam estar matriculados na disciplina de Estágio Supervisionado, que é oferecida no 6º período do curso de Educação Física da Universidade Federal da Paraíba e realizar o estágio de docência no ano/semestre de 2010 em escolas públicas do município de João Pessoa - PB. A escolha destes sujeitos se efetuou de forma aleatória, por meio de sorteio. Cada futuro professor sorteado ministrou, em média, vinte e uma aulas de Educação Física no seu estágio de docência, tendo, em média, vinte e sete alunos(as) em suas salas de aula.

Somente dois destes futuros professores haviam tido experiências docentes antes do estágio supervisionado dentro do ambiente escolar. Outros dois futuros professores tiveram experiências docentes, porém nos programas de extensão oferecidos pela própria universidade. A média de idade destes futuros professores foi de 23 anos.

O estágio foi realizado em uma escola pública da rede municipal, localizada na cidade de João Pessoa - PB. Esta escola desenvolve atividades nos dois nos turnos (diurno e noturno), sendo que no período da tarde (o da realização do estágio) funciona o Ensino Fundamental I. Neste período a escola dispõe de seis diferentes anos escolares, indo do pré-alfabetizante ao quinto ano, totalizando oito turmas de alunos. Ao total, são atendidas, neste período, mais de 200 crianças, cujas idades vão quatro a quinze anos.

Para realizar o estágio supervisionado estes futuros professores são divididos em grupos com quatro integrantes cada. Cada um dos grupos formados opta por uma das escolas públicas da cidade de João Pessoa/PB da relação proposta pelo coordenador da disciplina. As escolas propostas possuem o componente curricular Educação Física em seu programa de ensino e aulas regulares são ministradas por professores específicos da área. Para cada grupo de estagiário é designado um professor supervisor da instituição formadora para acompanhar todo o estágio. A atribuição do supervisor do estágio junto ao estágio curricular obrigatório está definida nas resolução n.º 01 e 02/2002 do Conselho Nacional de Educação (CNE) e pela Resolução N.º 04/2004 do CONSEPE/UFPB, na forma de atendimento individualizado.

Este atendimento se constitui em quatro momentos distintos: a) observação participante das aulas-laboratório, as quais são elaboradas pelos próprios estagiários, de acordo com os seus planos de ensino; b) discussão no grupo focal, efetivada logo após o registro das observações em diário de campo, com todos os participantes do grupo, em que eram discutidos temas relacionados à organização do trabalho pedagógico dos futuros professores, como também do andamento das aulas, processos didáticos de ensino-aprendizagem adotados e estratégias para o melhor andamento do estágio de docência; c) orientação na elaboração do relatório final do estágio; e d) avaliação quantitativa e qualitativa do grupo de futuros professores, em colaboração com o coordenador da disciplina.

Os documentos que fizeram parte da análise foram elaborados individualmente por estes futuros professores. No geral, cada um deles produziu seis diferentes reflexões escritas, que foram constituídas como objeto de análise. Sendo assim, para esta investigação foram analisados 48 documentos escritos. Estes documentos escritos fazem parte dos procedimentos avaliativos da disciplina e não decorrem da sua elaboração propositada para o estudo em questão. Ao final da disciplina todos os futuros professores nela matriculados devem entregar um relatório final das atividades realizadas. Neste relatório são exigidos a construção e o desenvolvimento de alguns itens, entre estes as seis reflexões construídas no decorrer do estágio supervisionado, as quais acabaram servindo de base para o prosseguimento do estudo.

Para preservar identidade, os nomes utilizados no artigo que correspondem às escritas dos futuros professores são fictícios; porém as escritas em si demonstram uma captação fiel das reflexões realizadas por eles, inclusive com os erros de português e concordâncias verbais e nominais.

Procedimentos metodológicos para a coleta de dados

Para a coleta de dados foram utilizados os procedimentos metodológicos da pesquisa colaborativa no Estágio Supervisionado de Gomes-da-Silva (2009). De acordo com a metodologia adotada, os seis documentos elaborados por cada estagiário, os quais constituíram a base de dados para a análise das informações, foram produzidos em três momentos distintos que caracterizaram três diferentes classes de reflexões escritas: i) antes do início da intervenção pedagógica, em que os documentos versaram sobre as experiências de vida (memorial e narrativa de formação), o diagnóstico da cultura escolar realizado e as expectativas em relação ao estágio e à escola (Reflexão Ontológica e Reflexão Epistemológica); ii) durante o processo do estágio, após a realização da 10ª aula, no qual se solicitou uma análise crítico-descritiva sobre as aulas ministradas até o momento; e por fim, iii) ao término das aulas da prática de ensino na escola, quando os futuros professores realizaram uma segunda sessão reflexiva sobre as aulas realizadas e fizeram uma avaliação geral do estágio. A estes dois últimos momentos Gomes-da-Silva (2009) denomina de Reflexões Metodológicas.

Tratamento e análise dos dados

Para realizar a análise e o tratamento destes documentos de acordo com os propósitos da investigação foi utilizada a técnica de análise de conteúdo de Bardin (2008). Esta técnica possibilita uma decodificação e interpretação das mensagens presentes nos documentos. Neste sentido, o primeiro passo realizado foi a catalogação destas informações em unidades de significado. As unidades de significado nos documentos foram tomadas a partir da própria estrutura da reflexão escrita, conforme preestabelecido na disciplina: as reflexões ontológica, epistemológica e metodológica.

Catalogados os escritos nas unidades de significado, um segundo passo foi efetuado: a identificação dos escritos relevantes (ER) nestes documentos. Denominamos de ERs as mensagens, escritas pelos estagiários em relação a sua prática pedagógica, que apresentam convergência com o conceito de saberes docentes de Tardif (2008), ou seja, com conhecimentos, habilidades e competências que influenciaram e sustentaram a ação docente dos futuros professores durante o estágio.

Por fim, na construção desse mapa conceitual foram interpretados e correlacionados estes ERs entre as unidades de significado com as categorias de saberes docentes apresentadas por Tardif (2008, p. 36-38), formação profissional, disciplinar, curricular e experiencial. Esta análise possibilitou a identificação dos saberes docentes presentes nestes documentos e, por conseguinte, a sua relação com a prática educativa destes futuros professores.

RESULTADOS

A partir das análises realizadas nas reflexões escritas identificamos três grandes categorias de saberes docentes. Nestas categorias identificadas acabamos descobrindo algumas subcategorias de saberes. Estas categorias e subcategorias abordam os saberes docentes provenientes da intervenção pedagógica que foram construídos pelos futuros professores.

A primeira categoria dos saberes, manifestados nas reflexões escritas, diz respeito ao saberes experienciais. Para Tardif (2008, p. 39), "estes saberes são conhecimentos que brotam da experiência e que terminam sendo validados por ela[...] eles incorporam-se à experiência individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades" São um conjunto de conhecimentos que provêm das múltiplas vivências, entre elas a do saber-fazer pedagógico e do saber-ser-professor.

Isso se pode evidenciar nos Escritos Relevantes de Gabriela, quando revela que:

A cada dia que passava via a dificuldade que é estar todos os dias na escola, como profissional, lidando com os alunos e seus conflitos, sejam internos ou provocados por eles mesmos. Adquiri experiência que não esperava ter, devido a tantas dificuldades como as que encontrei, mas a pedagogia da proposta escolhida nos faz a cada dia rever os conceitos que as crianças levam e avaliá-las em relação ao que elas nos mostram a cada aula. (Gabriela - reflexão metodológica).

Vivenciar a escola no seu dia a dia, sua rotina, suas usualidades e costumes, ou seja, a cultura escolar, faz com que o professor adquira experiências (positivas ou não) e as incorpore à sua ação docente. A partir das reflexões deste saber docente, proveniente da prática, duas novas subcategorias passaram a se configurar.

Estas subcategorias surgiram dos limites e avanços da teoria de Tardif (2008) e acabam reforçando ainda mais a questão do pluralismo epistemológico sobre os saberes dos professores, suscitada pelo próprio autor, tudo de acordo com interpretações em relação aos ERs.

A primeira delas surge em relação à ação docente. É um saber docente válido, que o educador vai construindo ao longo da sua carreia como professor, denominado por Tardif (2008) de saber prático ou específico. Esse conhecimento surge a partir da prática educativa, das experiências que os professores adquirem quando exercem a função docente e das inúmeras situações-problemas enfrentadas no dia a dia da escola.

Para Tardif (2008, p. 49), estes saberes "não se encontram sistematizados em teorias ou doutrinas [...] eles não se superpõem à prática para melhor conhecê-la, mas se integram a ela e dela são partes constituintes enquanto prática docente". A partir disso, o docente busca estratégias para resolvê-las e como consequência, termina por incorporar e acumular uma riqueza de conhecimento sobre a sua própria prática de intervenção pedagógica.

Duas destas situações podem ser visualizadas nas escritas de João e Natalia, quando descrevem os diferentes comportamentos que iriam passar a adotar nas aulas restantes do estágio, após a realização da primeira unidade didática, ou seja, após as experiências vivenciadas na primeira parte do estágio e arealização da reflexão crítica destas unidades.

Ao refletir sobre essas dez aulas que já foi ministrada por mim, focando as 10 aulas vindouras, existem alguns pontos que precisam ser mudados ou realizados para atrair a atenção dos alunos e assim fazendo com que todos participem ativamente. [Um.] ponto seria o uso de um apito, devido a dificuldade de reaproximação dos alunos para uma roda de conversa após a dispersão. Usando este apito na expectativa de chamar atenção e obter êxito. E na tentativa de tornar a aula mais prazerosa estimulando a participação mutua de todos, usar uma ludicidade ainda maior, fazendo com que os alunos explorem a sua imaginação a cada aula. E assim aumentando o desejo de participação. (João - reflexão metodológica).

O que eu transformaria? Muita coisa! Primeiro teria sido firme, mas flexível, desde o começo das aulas. Outra coisa é que eu teria começado com o tema jogos pré-desportivos logo de cara pois vi que é o que eles mais gostam. Também conversaria mais desde o começo com eles e iria tentar conhecê-los melhor para poder tratá-los melhor[...] No começo, logo nas duas primeiras aulas estava bastante desmotivada com os alunos. Eles bagunçavam muito, não queriam me respeitar nem realizar as atividades corretamente. Foi aí que eu pensei: o que eu faço? E muitas vezes pensei que não ia conseguir. [...]Eu vi que não estava conseguindo dominar a turma por minha insegurança. Então decidi mudar de postura. Comecei a ser mais firme e eles começaram a me respeitar mais e obedecer, só que com o passar das aulas vi que estava sendo autoritária demais e não estava dando espaço para eles se expressarem. Decidi mudar novamente sendo mais flexível e amiga deles, o que melhorou cem por cento. Hoje as aulas estão fluindo muito bem e vejo sempre um progresso. Os alunos estão me respeitando e estou realmente gostando de dar aula, tem sido uma experiência enriquecedora para mim" (Natalia - reflexão metodológica).

Nas escritas acima é singular a presença da experiência como um saber que modifica a ação docente. Pode-se evidenciar no primeiro caso que a partir das aulas já ministradas o futuro professor foi buscar outras estratégias para conseguir melhorar a gestão do conteúdo para os seus alunos. No segundo caso, a futura professora relata as conquistas realizadas enquanto gestão da classe e da relação com os seus discentes, a partir de comportamentos experimentados e modificados durante o fazer pedagógico na sala de aula.

Este saber prático, que Ferreira (2002) denominou de saber original, passa a ser fruto deste desenrolar da prática pedagógica no contexto escolar ao longo do tempo, mas por outro lado há um conjunto de conhecimentos levados pelos futuros professores em sua intervenção pedagógica que não necessariamente surgem durante o desdobramento da ação docente. Esta segunda subcategoria de saberes experienciais diz respeito aos saberes das experiências existenciais, ou, como detalha Tardif (2008), provenientes da origem social do professor, ou seja, de sua história de vida.

Ferreira (2002) denominou estes saberes foram de Saberes Culturais. São conhecimentos que estão relacionados aos saberes que os futuros professores levam para a sua intervenção docente, mas que não provêm nem da experiência docente nem dos saberes adquiridos/ mobilizados na formação inicial. São saberes relacionados à cultura dos futuros professores: as suas histórias de vida, suas experiências pessoais, suas crenças, seus valores morais, sua religiosidade, sua formação escolar e enquanto sujeito no mundo, enfim, o seu ser e as suas limitações e conflitos existenciais. Em muitos casos, a prática de ensino é o primeiro ensaio docente dos futuros professores do curso de Educação Física, mas há casos em que os alunos já vivenciaram, em estágios extracurriculares, a experiência de ser professor.

Estas experiências de vida, de certa forma, influenciam a maneira de ser do professor. Os futuros professores se influenciam por algumas destas experiências vivenciadas, as quais terminam por se refletir em sua prática educativa, Seja por comportamentos e hábitos seja por valores e atitudes.

Uma significativa parcela destes saberes existenciais acaba se manifestando na organização didático-pedagógica destes futuros professores, embora talvez não como um processo consciente. Geralmente essa manifestação se dá quando se comparam os relatos existenciais com os princípios didático-pedagógicos e/ou escolhas metodológicas adotados durante o estágio de docência. Eis como Manuel nos relata, em relação aos seus saberes existenciais:

Com a educação que eu tive através dos ambientes educacionais e familiares que freqüentei, e com um olhar voltado à visualizar como o mundo vem sofrendo com as mudanças sociais, consegui desenvolver alguns valores que venho tentando vivenciar: o amor ao próximo, por saber que todos precisam de uma oportunidade e um estímulo para dar um passo à frente em sua vida; o respeito, anexado em minha vida por ter contribuído para minha formação como cidadão e assim ser transmitido para comigo; a solidariedade, sempre que possível ajudar as pessoas que precisam independente de que maneira for, mas, sempre com o intuito de fazer o melhor; a não-violência, para tentar amenizar os conflitos de etnias internacionais, e até da grande violência encontrada na sociedade Brasileira; a honestidade, de apenas querer possuir aquilo que está ao meu alcance, para não cometer erros vinculado a desonestidade e, tirar das mãos de uma pessoa a oportunidade clara que ela tinha para chegar em algum lugar de forma correta (Manuel - reflexão epistemológica).

Ao descrever a justificativa da escolha metodológica, Manuel assim se manifesta:

Pretendo usar a proposta corpo inteiro por acreditar na educação passada com amor, visando o coletivo e igualdade, quero passar para meus alunos da prática de ensino, uma experiência que tive por pouco tempo no Colégio Brasil (como critério de preservação de identidade o nome do colégio aqui representado é fictício), tenho muitas lembranças boas de lá apesar de sair muito novo daquela escola. Pretendo buscar em meus alunos um sentimento de fraternidade e companheirismo que hoje em dia a meu ver, muitas escolas deixam de trabalhar o lado coletivo que é a base para o desenvolvimento de uma sociedade. (Manuel - reflexão metodológica).

Esta relação entre os saberes existenciais e a organização didático-pedagógica do professor não se limita aos princípios pedagógicos ou à escolha da proposta metodológica. A influência dos saberes perpassa inclusive a escolha de ser professor, a opção do curso a ser realizado e outras escolhas de formação. Joaquina expõe esta analogia quando afirma que optou "pela profissão de educador físico não por causa da escola, esta não me influenciou em nada, e sim, pelas experiências que [teve] na infância e na adolescência" (reflexão epistemológica). João, ao contrário de Joaquina, porém corroborando tal assertiva, manifesta que os professores da sua escola de Ensino Fundamental o

[...] entusiasmavam pela facilidade que eles tinham para transmitir o conteúdo, tendo conquistado também uma grande amizade com essas pessoas, principalmente com o Professor Aloísio (para preservação da identidade o nome original foi alterado) onde [passou] a ser amigo pessoal, recebia muita informação e conselho de como a vida deveria ser vivida, influenciando assim a opção em cursar Educação Física pela Universidade Federal da Paraíba (João - reflexão epistemológica).

Estes saberes existenciais estão presentes na prática pedagógica dos futuros professores, todavia não são construídos a partir dela. São saberes que antecedem a ação docente, mas acabam manifestando-se justapostos a ela. Tudo isto contribui para a construção destes habitus do professor, que, segundo Tardif (2008, p. 49) "podem transformar-se num estilo de ensino, em ‘macetes’ da profissão e até mesmo em traços da ‘personalidade profissional’".

A interação destes saberes experienciais com os saberes que procedem da formação inicial sinaliza o surgimento de uma segunda grande categoria de saberes docentes que se manifesta dentro do contexto escolar. Nesta investigação, a partir da análise realizada das reflexões escritas, esta categoria é denominada de saberes escolares. São saberes que englobam o que Tardif (2008) denomina de saberes científicos da formação inicial, tais como os saberes das ciências da educação, da ideologia didático-pedagógica e das disciplinas da graduação integrados com os saberes curriculares, ou seja, os saberes que acabam se convertendo em conteúdos a serem ensinados/aprendidos na escola.

Na análise das classes de reflexões escritas, ao se buscar estabelecer a relação entre elas, evidenciou-se a construção destes saberes escolares. Uma primeira evidência disto pode ser vista nos conteúdos didático-pedagógicos trabalhados pelos futuros professores no decorrer do estágio. Nos relatos a seguir, em um primeiro momento, os futuros professores expõem as brincadeiras e as experiências motoras que permearam as suas infâncias, e em um segundo momento, a transformação destas atividades em conhecimento escolar, ou seja, em conteúdo trabalhado dentro do currículo da escola.

[...] minhas brincadeiras preferidas eram: pega-pega, baleado, esconde-esconde, barra-bandeira, garrafão, futebol, bola de gude, cuscuz, carniça, tampinha que representava os carros de fórmula 1 [...] (Joaquina - reflexão ontológica).

[...] todas as brincadeiras populares fizeram parte desse repertório: pega-pega, pular corda, pique-esconde, policia e ladrão, fazendinha, casinha de bonecas, bola de gude, futebol, vôlei, empinar pipa, todas que imaginar, e quanto a isso não tem do que reclamar. [...]. (Gabriele - reflexão ontológica).

Brincávamos de pega-pega, esconde-esconde, dono da rua [...], brincava [...] dos jogos de encaixe, jogávamos baleado e sete-pecados [...] brincava de gato mia, de quadrilha na rua, futebol e várias outras (Natália - reflexão ontológica).

Assim,

[...] a primeira unidade foi abrangida pelo assunto jogos simbólicos, correspondente às dez primeiras aulas, e a segunda unidade, com o assunto atividades de sensibilização corporal. As 10 primeiras com objetivos voltados a usar o símbolo nas atividades desenvolvidas na aula para promover a imaginação, a interação, a socialização, a dramatização[...] (João - reflexão metodológica).

[...] As aulas foram divididas em duas unidades que são: Brincadeiras Populares e Jogos Com Regras [...] (Manuel - reflexão metodológica).

[...] O tema dessas dez aulas foram atividades de fundamentação ao esporte (cinco aulas) e jogos pré-desportivos (cinco aulas), onde os subtemas principais foram cooperação e noção de espaço. Os conteúdos abordados foram diversos como futebol e suas variações, basquete, voleibol, handebol, dentre outros. Sempre de maneira lúdica e nunca o esporte em si [...] (Natália - reflexão metodológica).

Ao relacionar estas experiências corporais abordadas nas reflexões ontológicas com a classe das reflexões metodológicas, percebe-se que grande parte destas atividades está presente como conteúdo tematizado nas turmas em que os futuros professores ministram suas aulas; entretanto, ao fazer esta conversão, estes jogos infantis ganham uma nova roupagem, passam a ser pedagogizados, ou seja, são inseridos com um propósito, são apresentados com uma finalidade e objetivo a serem alcançados.

Para eles [os alunos] não passava de uma brincadeira, mas para mim tinham um objetivo e uma avaliação por trás [...] acho que isto me fez ver o que é ser professor, prezar pela aprendizagem dos alunos (Maria - reflexão metodológica).

A confrontação deste saber popular com o saber que emana da formação inicial aponta para um saber crítico-reflexivo dos futuros professores. Esta convergência entre o senso comum e o saber científico é o que denota este saber escolar. A significação disto se manifesta inclusive quando os futuros professores ponderam sobre as propostas pedagógicas que vivenciaram no período em que eram alunos no Ensino Fundamental e Médio.

Durante esses períodos de escola [quando era aluna] as aulas de Educação Física não tinham uma linha pedagógica que eu possa reconhecer agora que as conheço. Nunca apresentavam aulas em que nós alunos fossemos requisitados a pensar criticamente ou sobre nossas expectativas, nem sobre a melhor forma de ter aulas mais voltadas as nossas vontades (Gabriele - reflexão epistemológica).

Ao trazer esta reflexão crítica realizada sobre as aulas de Educação Física na Educação Básica e na formação inicial para o estágio supervisionado, este saber escolar acaba por aflorar em quatro situações que são distintas mas se complementam. A primeira delas se evidencia na escolha da proposta, na elaboração dos planos de ensino e de aula.

Minhas aulas têm sido formuladas através do material didático que adquirimos e pesquisas complementares, principalmente sobre a teoria metodológica de João Batista Freire, Educação Física de Corpo Inteiro proposta adotada por mim para elaborar as aulas (Ana - reflexão metodológica).

Uma segunda situação acontece quando da aplicação didático-pegagógica destes saberes. Um exemplo disto está nas próprias orientações para execução da aula proposta por cada uma das diferentes abordagens pedagógicas presentes no contexto da Educação Física Escolar. Natália, na descrição abaixo, evidencia um exemplo de aula que segue uma abordagem pedagógica:

Começo a aula com uma roda de conversa, onde os alunos sentam na quadra e eu explico os objetivos e temas da aula e tiro eventuais dúvidas. No segundo momento realizo as atividades e no terceiro momento os alunos fazem outra roda de conversa onde comentam o que aprenderam na aula, o que acharam das atividades e também dão sugestões para próxima aula. A cada aula nova relembro os combinados e o conteúdo da aula anterior. (Natália - reflexão metodológica).

Fica evidente na reflexão escrita acima uma organização didático-pedagógica que traz em seu realizar as orientações da abordagem escolhida; mas em contrapartida, um terceiro momento que aparece é perpassado pela reflexão sobre a sua utilização e a sua relação com outras diferentes abordagens pedagógicas:

Às vezes fico pensando se tivesse escolhido a abordagem crítico-superadora teria despertado mais o lado social deles e se tivesse escolhido a desenvolvimentista estaria trabalhando mais a parte motora. Mas com todas as dúvidas ainda fico com a de corpo inteiro, pois vi nessa proposta uma preocupação com o lado afetivo da criança que é bastante defasado na minha turma. (Natália - reflexão metodológica).

Por fim, encontra-se a situação de avaliação do estágio de uma forma geral. Esta avaliação possibilita confrontar a realidade vivenciada com as experiências anteriores e as adquiridas/mobilizadas e com os saberes que procedem da formação inicial.

Experimentar esta realidade foi muito bom [...] ter a minha turma, as minhas aulas com uma continuidade, baseada em um plano de ensino e aplicada seguindo uma proposta pedagógica, foi muito significativo [...] Está experiência foi de fundamental importância para se aplicar os conteúdos que estudamos na grade curricular relacionados não só a didática, mas a todas as disciplinas pagas [cursadas] (Maria - reflexão metodológica).

A síntese das duas categorias de saberes identificadas nas três classes de reflexões escritas faz surgir uma terceira categoria de saberes docentes. Nesta investigação esta categoria é denominada de não saberes. Ela passa a existir em virtude das inquietações, reclamações, dilemas e conflitos que os futuros professores vivenciaram no decorrer do estágio e para os quais não encontraram "respostas", seja na experiência (original ou existencial) seja na própria formação inicial.

Na prática educativa os futuros professores se deparavam com situações-problema para as quais não encontravam soluções prontas para conseguir responder afirmativamente diante do contexto apresentado. Estes não saberes se circunscrevem muito mais à condição de sentimentos e preocupações sobre o ato de educar, por exemplo, como lidar com o medo dos alunos e a insegurança de ministrar uma aula.

Estes anseios se manifestaram sobre uma série de questionamentos em relação a ser professor e a aprender a ensinar. Esta correspondência terminou pela identificação de um não-saber-ser e um não-saber-fazer do professor (no caso aqui, dos futuros professores).

No começo estávamos muito ansiosas e preocupadas com a falta de experiência e os primeiros desafios. Nas primeiras aulas eu estava perdida, sem saber focar na abordagem escolhida e as atividades não estavam tão criativas como queria, sem falar que os alunos não me obedeciam. (Natália - Reflexão metodológica).

No início foi um pouco complicado, não tínhamos muito jeito para ministrar aula, mas com o passar fomos nos aperfeiçoando [...] valeu a pena superar o obstáculo do medo e enfrentar a realidade (Ana - reflexão metodológica).

Este não saber gerou consequências sobre o processo de intervenção docente. Os futuros professores acabaram fundamentando a sua prática, em um primeiro momento, sobre um excessivo controle da organização da turma. A preocupação estava centrada no domínio do comportamento e na fixação da atenção dos alunos.

[...] nas primeiras aulas a maior dificuldade encontrada era que os alunos parassem para ouvir as explicações sobre as atividades [...] eles não conseguiam se concentrar, só queria saber de brincar (Manuel, reflexão metodológica).

Notei uma melhora na turma no decorrer dessas aulas, comecei a controlá-los melhor e manter a atenção deles durante as aulas (Gustavo - reflexão metodológica).

Isto fez com que os futuros professores passassem a avaliar a sua aula, e por conseguinte, o seu ser-professor pelo nível de controle que conseguiam imprimir à turma. Em decorrência disto, o desenvolvimento dos conteúdos ministrados nas aulas sofreu alterações. Os futuros professores começaram a propor atividades que somente fossem do interesse dos alunos, sobrepondo-o inclusive aos seus objetivos e aos seus conteúdos programáticos planejados:

As atividades foram escolhidas de acordo com o perfil da turma, estes gostam muito de jogos com regras, então as atividades escolhidas para eles foram exercícios de iniciação desportiva voltados para o corpo e mente. (Joaquina - reflexão metodológica).

Acho que as aulas foram perdendo-se ao longo do estágio, tive bastante dificuldades em planejar as primeiras aulas, os objetivos não faziam sentido, quando acertava as avaliações eu não sabia fazer, e fui até as 5 primeiras aulas, nas 5 seguintes após juntar as correções das primeiras consegui melhor aplicar no papel e as avaliações ocorriam de forma facilidade, só medecepcionava um pouco porque via os alunos se desinteressarem da aula, muitos não queriam participar e tive que mudar meus planos, mudei no plano de ensino e comecei a trazer atividades que eles mesmo citavam ao final da aula, eu escolhia de acordo com a sequência que vinha desenvolvendo (Gabriele - reflexão metodológica).

Esta posição reflete, de certa forma, este não-saber-ser e não-saber-fazer do professor. A insegurança e as inconsistências apresentadas denotam a existência de saberes que ainda precisam ser adquiridos, mobilizados e vivenciados pelos futuros professores na sua atuação docente. O trato dos anseios existenciais, o enfrentamento à turma e a rejeição dos alunos são algumas dúvidas que aparecem diante deste não saber docente.

DISCUSSÃO

Alguns autores, entre os quais Tardif (2008), Gauthier et al., (2006), Borges (2001) e Saviani (1996), têm procurado apresentar a importância dos saberes docentes para a formação e o desenvolvimento profissional dos professores. A busca pela justificação destes conhecimentos na formação destes docentes tem provocado uma tentativa de sistematização dos saberes que envolvem a sua atuação. Este mapeamento se explica pela possibilidade de contribuir para a construção de uma identidade profissional do ser-professor (CUNHA, 2007).

A elaboração deste saber-fazer e saber-ser perpassa inevitavelmente por identificar quais saberes são necessários para a prática educativa. No que concerne a esta investigação, foram sinalizadas três grandes categorias de saberes docentes. Estas categorias indicam que conhecimentos estão presentes na prática dos futuros professores quando da realização do estágio supervisionado.

A primeira identificação realizada entre os documentos avaliados dizia respeito aos saberes experienciais. Borges (2004; 1998) e Ferreira (2002), em seus estudos, objetivaram sinalizar e se empenharam em justificar a importância dos saberes práticos na própria ação docente. A decodificação realizada nesse estudo possibilita a ampliação da relação entre os futuros profissionais e a intervenção pedagógica muito mais pelo fato de estes docentes passarem a valorizar os conhecimentos adquiridos/ construídos e mobilizados em outros contextos que não somente o da formação inicial.

Para Ferreira (2002), esses saberes da prática, definidos como a cultura docente em ação, devem deixar de ser vistos como instância inferior para se transformarem em núcleo vital do saber docente. São conhecimentos válidos que sustentam uma das formas de consolidação dos saberes docentes. Este suporte do ato de ensinar irá se prover por meio da experiência com a prática educativa, seja ela adquirida antes, durante ou após a ação docente.

Por outro lado, a identificação da presença de alguns destes conhecimentos adquiridos antes da formação inicial, no trabalho pedagógico dentro dos estágios supervisionados, também reconfigura a relação destes futuros professores com os seus saberes docentes. A categoria dos saberes denominada saberes escolares evidencia esta transformação. As reflexões escritas, ao sinalizarem a transformação em princípios pedagógicos de valores morais, crenças e atitudes adquiridos em diferentes contextos da formação pessoal, na escolha da profissão e na organização didático-pedagógica dos futuros professores, revelam uma reestruturação dos saberes e, por conseguinte, a construção do ser-professor.

Basicamente, esta constituição acontece quando se dá a transição do pensar para dentro de um viés didático-pedagógico. Os futuros professores começam a pensar sobre o que eles devem ensinar e o que os seus alunos devem aprender. Ao tornarem um conhecimento como algo que seja ensinável ou utilizado na sua intervenção didático-pedagógico, acabam transitando para o interior da identidade docente. Ao conseguirem estabelecer a conexão de suas experiências de vida e dos saberes científicos, ideológico-pedagógicos e disciplinares adquiridos/construídos na formação inicial com os saberes a serem tematizados/transformados para o contexto escolar, terminam por carregar a profissão do professor. Além disso, ao exercitarem essa prática, os futuros professores fazem da sua ação educativa uma relação de suporte e complementaridade com os saberes docentes. Gauthier et al. (2006) consideram a profissão de professor um ofício feito de saberes. A dimensão teórica se complementa e se consolida com a intervenção prática. Este ofício não acontece somente pautado na experiência empírica, tampouco é alicerçado exclusivamente nos conhecimentos teóricos, como se houvesse um movimento de distanciamento entre ambos.

Desta relação de reciprocidade surge o que alguns autores (LÜDKE, 2001; SCHÖN, 2000; ANDRÉ, 1995) denominam de professor pesquisador. O docente precisa fazer do se lugar de intervenção um campo de investigação, de descobertas e de reflexão crítica sobre a sua ação. Para Gomes-da-Silva (2009), este ato reflexivo é o que pode ajudar o professor a encarar as suas limitações pessoais e coletivas, permitindo-lhe agir na construção conjunta de um projeto de superação dos limites impostos.

Esta situação coloca o docente diante da condição de desenvolver um saber crítico-reflexivo permanente sobre as suas ações no contexto escolar. Além disso, esta perspectiva de fazer a ação, refletir criticamente sobre ela e a partir de então, produzir uma nova ação, pode transformar as experiências do cotidiano escolar em produção de conhecimento pedagógico (GOMES-DA-SILVA, 2009).

Por fim, surge a categoria dos não saberes, um conjunto de conhecimentos, habilidades e competências que não podem ser previstos antecipadamente, mas acabam interferindo quando os futuros professores forem ministram as suas aulas. Circunscrevem-se muito mais à condição anseios, convicções, sentimentos e preocupações que emanam de acordo com o contexto e o ambiente da sala de aula. Destas inquietações surgem dúvidas quanto à identidade do saber-ser-professor e do seu saber-fazer pedagógico.

No contexto dos estágios supervisionados, estes não saberes aparecem pela pouca experiência (ou falta dela) dos futuros professores em sala de aula. Ao se defrontarem com as exigências que lhes são colocadas e aparecem nas situações reais de ensino, questionam os seus saberes docentes. Nestas interrogações, eles avaliam o seu estágio supervisionado e, por conseguinte, os verdadeiros propósitos de sua intervenção.

Diante destes dilemas profissionais os futuros professores tendem a fixar a sua identidade de professor pelo controle organizacional da sua sala de aula. Se os alunos se comportam, não brigam, fazem exatamente o que ele solicita, isto passa a ser critério de avaliação para definir se a aula foi boa ou ruim. Faïta (2004), em seus estudos, identificou esta tendência nos professores iniciantes. Para o autor, quanto menos experiência de sala tiverem, mais os professores tenderão a "reforçar ou dar uma importância maior a determinadas práticas que são menos centrais para os professores experientes" (FAÏTA, 2004. p. 65). Estas práticas se concentram, por exemplo, no comportamento dos alunos e na coordenação da sala de aula.

A frustração de ver que os alunos não "se comportam" diante dos conteúdos propostos faz com que os futuros professores tentem resgatar a autoridade da sala de aula. Em muitos casos, em decorrência desta busca, terminam por propor somente tarefas/atividades que sejam do interesse dos alunos, na expectativa de minimizar os conflitos e retomar a sua atenção.

Não é por outro motivo que, em muitas situações, a utilização desta estratégia faz com que cada aula passe a ter um fim em si mesma. Os futuros professores começam a construir as suas aulas com base nas atividades que pretendem realizar e não nos objetivos referentes à aprendizagem dos alunos. Por fim eles recaem no que González (2006, p. 104) denominou de "forte sentimento de estranhamento" sobre a sua identidade profissional. Os futuros professores iniciam uma série de questionamentos quanto ao seu ser-professor: "Por que estou aqui? O que esperam de mim? Quais as expectativas que os alunos têm quanto às minhas aulas?" Adaptado de González (2006).

Este processo em si deflagra a complexidade do trabalho docente na área da Educação Física, ou, conforme propõem Rezer e Fensterseifer (2008), a necessidade de resgatá-la. Esta condição, por consequência, reafirma o que Nunes (2001) sinalizou sobre os estudos relativos à formação do professor. Para as autoras, um número significativo de investigações se concentrou em reduzir a profissão docente a um conjunto de competências, habilidades e técnicas que deveriam ser apreendidas pelos futuros professores. A tentativa de construir este "portfólio" de conhecimentos que deveriam ser necessários à formação docente gerou crises de identidade entre os professores, principalmente em decorrência da separação do eu profissional e o eu pessoal.

A identificação deste conjunto de não saberes presente no estágio supervisionado dos futuros professores reforça a necessidade de expansão desta configuração da ação docente, da consciência de um saber-ser e um saber-fazer inacabados e de o trabalho docente ser dinâmico e reflexivo e estar em permanente construção.

CONCLUSÃO

A presente investigação possibilitou realizar aproximações quanto aos saberes e aos não saberes que estão presentes na prática educativa dos futuros professores. Neste ajustamento, ou seja, em sua identificação, fica transparente a pertinência dos estágios supervisionados para a formação profissional, que, além de provocar nos alunos da graduação o primeiro contato com o contexto escolar na condição de futuros docentes, possibilitam, por pouco que seja, sinalizar uma pequena síntese entre a formação e a intervenção.

Os futuros docentes acabam convertendo estes estágios supervisionados em grandes laboratórios de aprendizagem docente. Os estágios acabam despertando no futuro professor a possibilidade de rever as suas práticas pedagógicas em construção e colocar em ação os conhecimentos adquiridos/mobilizados na formação inicial.

Não obstante, de fato isto não minimiza as limitações do impacto destes estágios supervisionados sobre o processo de aprender a ensinar, todavia permite, pelo menos, sinalizar a estes futuros professores a importância da reflexão sobre a ação docente. Eles precisam ter uma visão crítica da sociedade e da realidade nas quais estão inseridos, vivenciar o ambiente escolar e detectar que este ambiente é plural, plástico e dinâmico, repleto de conflitos, singularidades e significados.

Neste artigo, a identificação dos saberes e dos não saberes presentes no estágio supervisionado dos futuros professores possibilitou a constatação do não acabamento dos saberes docentes e, por conseguinte, de quão longo é o processo de formação e construção do ser-professor. Outra constatação diz respeito à pertinência de se estabelecer um ofício feito de saberes, pois é a partir daí que se construirá um professor crítico e reflexivo em relação ao seu saber-ensinar.

Recebido em 26/09/2010Re

visado em 20/01/2011

Aceito em 18/02/2011

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Aceito
      18 Fev 2011
    • Revisado
      20 Jan 2011
    • Recebido
      26 Set 2010
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