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Agressividade no futebol de campo: uma análise quantitativa das partidas da Copa do Mundo de 2010

Aggressiveness in football: a quantitative analysis of the 2010 World Cup matches

Resumos

O objetivo foi analisar em jogos de futebol da copa do Mundo de 2010, a ocorrência de faltas violentas e seus determinantes. Foram analisados 16 jogos da fase final dessa competição. Estes jogos foram gravados na íntegra e analisados por dois avaliadores treinados, caso houvesse algum lance capital que gerasse dúvida, um terceiro avaliador auxiliaria na decisão. A descrição dos dados foi feita em forma de taxas/prevalências. A correlação de Spearman foi empregada para analisar o relacionamento entre as variáveis. O teste qui-quadrado analisou a associação e a magnitude das associações foi observada pela Regressão Logística Binária. Ao todo, 18,4% das faltas foram consideradas violentas, e equipes européias foram as mais faltosas. O maior número de faltas ocorreu no segundo tempo; goleiros/zagueiros foram quem mais utilizaram esta infração. O local do campo com mais faltas foi a defesa. Houve associação entre gravidade da falta e ocorrência de cartões (p= 0,001), e correlação entre nível da falta e grau de punição (r= 0.65; p= 0,001). Local do campo parece ser determinante na ocorrência de ações violentas no futebol de alto nível.

Futebol; Falta; Copa do mundo; Violência


The objective was to analyze in matches of soccer World Cup 2010, the occurrence of violent fouls and its determinants. We analyzed 16 finals matches of the World Cup 2010. These matches were recorded and analyzed by two trained evaluators, if there were any doubtful lance, a third evaluator would assist in the decision. Analysis of the data was taken in the form of rates/prevalence. Spearman correlation examined the relationship between variables. Chi-square test analyzed the association and magnitude was observed for Binary Logistic Regression. Altogether, 18.4% of the fouls were classified as violent, and who were more used European teams. The largest number of fouls occurred in the second half; goalkeepers/defenders were more who used this infraction. The location of the field with more fouls was the defense. There was an association between the severity of fouls and occurrence of cards (p= 0.001), and correlation between the level and degree of punishment (r= 0.65, p= 0.001). Location of the field seems to be determinant in the occurrence of violent acts in high-level football.

Football; Foul; World cup; Violence


INTRODUÇÃO

O futebol é o esporte mais praticado no Brasil (AZEVEDO; ARAÚJO; SILVA; HALLAL, 2007AZEVEDO, M. R.; ARAÚJO, C. L.; SILVA, M. C.; HALLAL, P. C. Continuidade na prática de atividade física da adolescência para a idade adulta: estudo de base populacional. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 169-175, 2007.) e, de fato, a cultura brasileira e o futebol têm uma relação muito forte (ABRAHÃO; SOARES, 2012ABRAHÃO, B. O. L.; SOARES, A. J. G. O futebol na construção da identidade nacional: uma análise sobre os jogos 'pretos x brancos'. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 26, n. 1, p. 47-61, 2012.; BARTHOLO; SOARES; SALVADOR; BLASI, 2010BARTHOLO, T. L.; SOARES, A. J. G.; SALVADOR, M. A. S.; BLASI, F. A pátria de chuteiras está desaparecendo? Revista Brasileira de Ciencias do Esporte, Campinas, v. 32, n. 1, p. 9-23, 2010.; FREIRE, 2006FREIRE, J. B. Pedagogia do Futebol. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2006.). Um dos fatores a ser considerada para essa relação próxima é o fato do Brasil ser o único país até hoje a ter participado de todas as edições da Copa do Mundo, tendo chegado a final em sete ocasiões e sido campeão por cinco vezes. Além disso, ressalta-se a grande influência que a mídia exerce, contribuindo há décadas para a afinidade entre brasileiros e o futebol (SANTOS; DRUMMOND, 2013SANTOS, J. M. C. M.; DRUMOND, M. A construção de histórias do futebol no Brasil (1922 a 2000): reflexões. Revista Tempo, Niterói, v. 19, n. 34, p. 19-31, 2013.).

Porém não apenas a paixão por esse esporte é assunto na mídia, pois a violência praticada dentro dos gramados tem sido muito discutida na sociedade brasileira, pois na maioria das vezes acaba se estendendo às arquibancadas, ruas e outros espaços sociais, também, interferindo significativamente na atratividade da modalidade e prejudicando sua imagem (PIMENTA, 2000PIMENTA, C. A. M. Violência entre torcidas organizadas de futebol. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 122-128, 2000.; BARROSO, 2005BARROSO, M. L. C. A violência no futebol: revisão sócio-psicologica. Revista Brasileira de Cineantropometria e Desempenho Humano, Florianópolis, v. 7, n. 1, p. 64-74, 2005.; VIEIRA; SIQUEIRA, 2008VIEIRA, R. A. G.; SIQUEIRA, G. R. Violência entre torcidas nos estádios de futebol: uma questão de Saúde Pública. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 17, n. 3, p. 54-62, 2008.; LOPES, 2013LOPES, F. T. P. Dimensões ideológicas do debate público acerca da violência no futebol brasileiro. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 27, n. 4, p. 597-612, 2013.).

Desde suas versões mais primitivas, o futebol apresenta relativa violência física (PIMENTA, 2000PIMENTA, C. A. M. Violência entre torcidas organizadas de futebol. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 122-128, 2000.) e apesar das regras do esporte não permitirem ações violentas por parte dos jogadores, o futebol por permitir contatos corporais (os quais facilitam lesões e fraturas) (CORREA; SCHUCH; COLLARES; TORRIANI; HALLAL; DEMARCO, 2010CORREA, M. B.; SCHUCH, H. S.; COLLARES, K.; TORRIANI, D. D.; HALLAL, P.C.; DEMARCO, F.F. Survey on the occurrence of dental trauma and preventive strategies among Brazilian professional soccer players. Journal of Applied Oral Science, Bauru, v. 18, n. 6, p. 572-576, 2010.; DVORAK; JUNGE; DERMAN; SCHWELLNUS, 2011DVORAK, J.; JUNGE, A.; DERMAN, W.; SCHWELLNUS, M. Injuries and illnesses of football players during the 2010 FIFA World Cup. British Journal of Sports Medicine, London, v. 45, n. 8, p. 626-630, 2011.) facilita as transgressões de suas regras e, consequentemente, infrações mais violentas. Essa é a chamada agressão instrumental, que na maioria das vezes não tem a finalidade de causar dano em um oponente ou adversário, mas sim evitar lances capitais em uma partida como um contra-ataque que possa resultar em gol, mesmo que para isso seja necessário cometer uma falta mais violenta (GABLER, 1987 apud SAMULSKI, 2002SAMULSKI, D. M. Psicologia do esporte. São Paulo: Manole, 2002.). Entretanto isso pode desencadear uma série de comportamentos hostis na torcida adversária e sucessivamente aumentar a probabilidade de ações violentas por esses torcedores.

Daolio (2005)DAOLIO, J. Futebol, cultura e sociedade. Campinas: Autores Associados, 2005. afirma que o futebol permite expressões que só são possíveis naquele contexto e, assim, a violência se ritualiza durante uma partida de futebol, pois fora dela não pode ser expressada. Além disso, devido ao fato do futebol ser um esporte amplamente divulgado pela mídia (BETTI, 1997BETTI, M. Violência em campo: dinheiro, mídia e transgressão às regras no futebol espetáculo. Ijuí: Unijui, 1997.; LEONCINI; SILVA, 2005LEONCINI, M. P.; SILVA, M. T. Entendendo o futebol como um negócio: em estudo exploratório. Gestão & Produção, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 11-23, 2005.; MORATO; GIGLIO; GOMES, 2011MORATO, M. P. GIGLIO, S. S.; GOMES, M.S.P. A construção do ídolo no fenômeno futebol. Motriz: Revista da Educação Física, Rio Claro, v. 17, n. 1, p. 1-10, 2011.) e movimentar muito capital, ele constitui um grande negócio, no qual a vitória significa lucro aos atletas e clubes (LEONCINI; SILVA, 2005LEONCINI, M. P.; SILVA, M. T. Entendendo o futebol como um negócio: em estudo exploratório. Gestão & Produção, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 11-23, 2005.; SOARES; MELO; COSTA; BARTHOLO; BENTO, 2011SOARES, A. J. G.; MELO, L. B. S.; COSTA, F. R.; BARTHOLO, T. L.; BENTO, J. O. Jogadores de futebol no Brasil: mercado, formação de atletas e escola. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Florianópolis, v. 33, n. 4, p. 905-921, 2011.). Assim, a postura agressiva de um jogador durante um momento decisivo de uma partida muitas vezes é tolerada por torcedores, clubes e sociedade (BARROSO, 2005BARROSO, M. L. C. A violência no futebol: revisão sócio-psicologica. Revista Brasileira de Cineantropometria e Desempenho Humano, Florianópolis, v. 7, n. 1, p. 64-74, 2005.).

Portanto é importante destacar que tanto o futebol quanto outros esportes de massa e de espetáculo, quando permeado pela violência e atitudes de agressividade dos jogadores tona-se um elemento indesejado pelos patrocinadores e investidores e, nesse sentido, ele deixa de ser uma possibilidade de exemplo de regras, disciplina e empenho dos homens, para transformar-se numa competição de caráter questionável para o desenvolvimento dos seres humanos e da sociedade (SOUZA JÚNIOR; DARIDO, 2010SOUZA JÚNIOR, O. M.; DARIDO, S. C. Refletindo sobre a temátização do futebol na Educação Física escolar. Motriz: Revista da Educação Fisica, Rio Claro, v. 16, n. 4, p. 920-930, 2010.). Visando a redução da violência, a FIFA (Fédération Internationale de Football Association) vem tomando várias medidas de incentivo ao Fair Play (jogo limpo) (FULLER; JUNGE; DVORAK, 2012FULLER, C. W. JUNGE, A.; DVORAK, J. Risk management: FIFA's approach for protecting the health of football players. British Journal of Sports Medicine, London, v. 46, n. 1, p. 11-17, 2012.), as quais têm diminuído de maneira significativa a ocorrência de lesões entre jogadores (DVORAK JUNGE; DERMAN; SCHWELLNUS, 2011DVORAK, J.; JUNGE, A.; DERMAN, W.; SCHWELLNUS, M. Injuries and illnesses of football players during the 2010 FIFA World Cup. British Journal of Sports Medicine, London, v. 45, n. 8, p. 626-630, 2011.). Entretanto apesar da redução das lesões motivadas pelo Fair Play, essas ainda continuam ocorrendo em competições de alto nível como, por exemplo, na Copa América de 2011 (PEDRELINI; CUNHA FILHO; THIELE; KULLAK, 2013PEDRELINI, A. CUNHA FILHO, G. A. R.; THIELE, E. S.; KULLAK, O. P. Estudo epidemiológico das lesões no futebol profissional durante a Copa América de 2011, Argentina. Revista Brasileira de Ortopedia, São Paulo, v. 48, n. 2, p. 131-136, 2013.). Dessa forma existem poucos estudos analisando determinantes de faltas violentas durante uma partida de futebol. Tais informações poderiam nortear a ações de prevenção a estes desfechos. Apesar de a agressividade ter sido foco de estudos relacionados ao futebol (BIDUTTI; AZZI; RAPOSO; ALMEIDA, 2005BIDUTTI, L. C. AZZI, R. G.; RAPOSO, J. J. B. V.; ALMEIDA, L.S. Agressividade em jogadores de futebol: estudo com atletas de equipes portuguesas. Psico-USF, Porto, v. 10, n. 2, p. 179-184, 2005.; PERCIVALLE; DI CORRADO; PETRALIA; GURRISI; MASSIMINO; COCO, 2013PERCIVALLE, V.; DI CORRADO, D.; PETRALIA, M.C.; GURRISI, L.; MASSIMINO, S.; COCO, M. The second-to-fourth digit ratio correlates with aggressive behavior in professional soccer players. Molecular Medicine Reports, Atenas, v. 7, n. 6, p. 1733-1738, 2013.), ainda há lacunas de situações em que faltas violentas poderiam ocorrer em partidas de alto nível.

Assim, o objetivo do presente estudo foi analisar em jogos de futebol da copa do Mundo de 2010, a ocorrência de faltas violentas durante as partidas, bem como, analisar seus determinantes.

MÉTODOS

Jogos analisados

O presente estudo possui um delineamento transversal no qual foram analisados fatores associados a ocorrência de faltas graves nos jogos da fase final do maior evento de futebol de alto nível, a copa do mundo. O conjunto de dados analisado foi composto pelos 16 jogos das fases eliminatórias da Copa do Mundo de 2010, realizada na África do Sul. Estes jogos foram gravados na íntegra (oitavas-de-final, quartas-de-final, semifinais, disputa de terceiro lugar e final; totalizando assim 16 jogos) e, posteriormente, analisados por dois avaliadores treinados. Buscando assegurar bons níveis de validade interna das informações coletadas, a análise dos vídeos foi feita, simultaneamente, por dois avaliadores. Esses dois avaliadores eram educadores físicos e foram treinados pelo orientador da pesquisa para a coleta do presente estudo. Nos casos em que houve alguma divergência de opiniões (exemplo: nível da falta, local do campo, etc.), a jogada que motivou a divergência foi analisado novamente por ambos e, caso mantida a indefinição, o orientador da pesquisa (considerado o terceiro revisor nesses casos) fez uma terceira análise para definir a questão. Na avaliação dos jogos da fase final da copa do mundo de 2010 eram analisadas as faltas, locais aonde ocorreu, posição dos jogadores que a cometeram, período do jogo, placar e equipe vencedora. Tais informações são explicadas de forma minuciosa na descrição dessas variáveis logo á seguir.

Variável dependente

A variável dependente deste estudo foi o número de faltas cometidas durante as partidas, bem como, a gravidade das mesmas. As faltas foram classificadas segundo o seu grau de violência: Nível 1: faltas normais (puxões e trombadas em geral, faltas em que se perceba a intenção do jogador em conseguir a bola e nenhuma tentativa de agredir seu adversário); Nível 2: faltas cujo jogador usou de força excessiva (chegou atrasado na bola e acertou seu adversário, porém deve ser notada a não intenção de agredir seu adversário, somente imprudência buscando recuperar a bola), como divididas de bola e faltas de jogo em geral; Nível 3: faltas, nas quais o jogador foi desleal com seu adversário (pontapés, carrinhos por trás, socos, cotoveladas, soladas, etc). Para as análises estatísticas, as infrações de maior nível de agressividade (faltas Nível 3) foram tratadas como desfecho principal.

Variáveis independentes

Tentando estabelecer relações entre a função do jogador em campo, posição e grau de violência da falta, também foram registrados os seguintes dados: (i) local onde ocorreu a falta (campo de ataque ou de defesa da equipe infratora); (ii) posições (posições dos jogadores que fizeram as faltas); (iii) período em que as faltas ocorreram (o período de jogo [90 minutos] foi subdividido em seis períodos de 15 minutos, na tentativa de identificar se o período da partida influencia na ocorrência de tais faltas); (iv) placar do jogo durante a ocorrência da falta (identificar se a desvantagem no placar parece propiciar tal tipo de comportamento violento); (v) equipe vencedora ao final da partida (identificar se há alguma associação entre maior número/violência das faltas e o resultado final da partida).

Análise estatística

A descrição dos dados foi feita em forma de taxas/prevalências e seus respectivos intervalos de confiança. A correlação de Spearman foi empregada para analisar o relacionamento entre as variáveis. O teste qui-quadrado analisou a associação entre estes os dados de origem categórica e empregou-se a correção de Yates em tabelas de contingência, com configuração 2 x 2. As variáveis independentes que alcançaram associação significativa na análise do qui-quadrado foram inseridas simultaneamente em um modelo multivariado, o qual foi elaborado utilizando a regressão logística binária (expressa com valores de odds ratio [OR] e intervalos de confiança [ORIC95%]).

Em todas as análises estatísticas foram adotados valores de significância inferiores a 5% e o software BioEstat 5.2 efetuou todas as análises.

RESULTADOS

Neste estudo, foram analisados todos os jogos eliminatórios da Copa do Mundo de 2010, realizada na África do Sul e, de maneira geral, nos 16 jogos analisados foram observadas 489 faltas, das quais 18,4% (IC95%: 14,9 - 21,8) foram classificadas como violentas. A Tabela 1 indica que, quando comparados aos times sul-americanos, os times europeus apresentaram 1.92 vezes mais chances de utilizar faltas mais violentas para interromper o jogo.

Tabela 1-
Associação de faltas mais graves e variáveis independentes nos jogos analisados (Nível - 3).

Da mesma forma, quando comparado ao primeiro, o segundo tempo de partida apresentou 1.59 vezes mais chances de apresentar este tipo de infração. Quando comparados aos atacantes, goleiros- Zagueiros têm 2.55 vezes mais chances de cometer este tipo de infração. O local do campo foi determinante também na ocorrência de tais faltas, na qual a região de defesa do time sem a posse de bola apresentou 2.84 vezes mais chances de presenciar este tipo de infração. As variáveis independentes associadas com a ocorrência de faltas violentas (continente, tempo e local) foram conduzidas ao modelo multivariado da regressão logística (Figura 1).

Figura 1-
Análise ajustada dos fatores associados à faltas violentas no futebol.

Foi possível observar que após os ajustes a posição dos jogadores perdeu significância estatística. Por outro lado, a região de defesa (OR= 2.40 [ORIC95%: 1.01 - 5.74]; p= 0,048) e o continente de origem do time em questão (Europa: OR= 2.05 [ORIC95%: 1.12 - 3.78]; p= 0,019) mantiveram-se associados à ocorrência de faltas violentas durante a partida.

Em um segundo momento, buscou-se analisar a forma de resposta a estas ações violentas durante a partida, ou seja, a ocorrência de cartões amarelos e vermelhos. A Tabela 2 indica associações entre ocorrência de cartões e as variáveis analisadas no estudo. Os resultados apontaram que, quando comparados aos atacantes, jogadores de defesa como Goleiro/Zagueiro (OR= 4.33 [95%CI: 1.15 - 16.2]; p= 0,030), laterais (OR= 4.60 [95%CI: 1.25 - 16.8]; p= 0,021) e volantes (OR= 3.54 [95%CI: 0.98 - 12.8]; p= 0,054) apresentaram maior ocorrência de punições com cartão amarelo. Não houve diferença entre atacantes e jogadores de meio de campo (p= 0,483). O local do campo onde a infração ocorreu foi associado também à punição com cartões, no qual a defesa apresentou maior proporção de punição com cartões (OR= 2.92 [95%CI: 1.15 - 7.41]; p= 0,024). Não houve diferença entre zona de ataque e defesa (p= 0,449).

Tabela 2-
Associação entre cartões (amarelo ou vermelho) e variáveis independentes nos jogos analisados.

Por fim, houve significativa associação entre gravidade da falta e ocorrência de cartões amarelos e vermelhos (p= 0,001), bem como, a correlação de Spearman indicou moderado relacionamento (r= 0.65; p= 0,001) entre nível da falta e grau de punição (1= nenhuma advertência; 2= advertência verbal; 3= cartão amarelo; 4= cartão vermelho).

DISCUSSÃO

Trata-se de um estudo transversal que envolveu a análise de 16 jogos da fase final da copa do mundo de futebol de campo de 2010, o qual identificou alguns fatores de risco à ocorrência de infrações violentas durante a partida.

No presente estudo, observou-se que apenas 54,4% das faltas de nível-3 foram punidas com cartões e, dessa forma, 45,6% das faltas violentas ocorreram sem qualquer tipo de punição por parte dos árbitros. Ao analisar o jogo final do evento, o qual foi mundialmente apontado como excessivamente violento, observou-se que a postura do árbitro foi determinante na não coibição de ações violentas durante a partida. Pimenta (2000)PIMENTA, C. A. M. Violência entre torcidas organizadas de futebol. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 122-128, 2000. desenvolveu uma pesquisa com torcidas organizadas e identificou que a "má arbitragem" foi apontada pelos torcedores como fator que pode desencadear algum comportamento agressivo por parte de torcidas organizadas. Tal achado deve ser levado em consideração pelas organizações envolvidas na administração do esporte em questão, ao indicar a importância de se tratar com maior seriedade a profissionalização das equipes de arbitragem (SILVA; RODRIGUEZ-AÑEZ; FRÓMETA, 2002SILVA, A. L.; RODRIGUEZ-AÑEZ , C. R.; FRÓMETA, E. R. O árbitro de futebol - uma abordagem histórico-crítica. Revista da Educação Física da UEM, Maringá, v. 13, n. 1, p. 39-45, 2002.; PEREIRA; ALADASHVILE; SILVA, 2006PEREIRA, A. J.; ALADASHVILE, G. A.; SILVA, A. I.; Causas que levam alguns árbitros de futebol a desistirem da carreira de árbitro profissional. Revista da Educação Física da UEM, Maringá v. 17, n. 2, p. 185-92, 2006.), uma vez que, as ações dos mesmos podem desencadear eventos prejudicais a imagem do esporte.

Esta questão se torna mais palpável quando analisados os possíveis efeitos econômicos que a violência no futebol pode gerar. Leoncini e Silva (2005)LEONCINI, M. P.; SILVA, M. T. Entendendo o futebol como um negócio: em estudo exploratório. Gestão & Produção, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 11-23, 2005. compararam a bilheteria anual do clube brasileiro de maior torcida (Clube de Regatas Flamengo) com dois grandes clubes europeus (Manchester United e Milan). Os autores identificaram que aproximadamente 30% de toda arrecadação dos clubes europeus foi proveniente de bilheteria, ao passo que no clube brasileiro, a bilheteria dos jogos foi responsável por uma parcela próxima de 20%. Ao considerar o maior número de número de habitantes/torcedores que há no Brasil, tais dados evidenciam que a violência no esporte pode gerar, de fato, um grande impacto negativo na economia, ao afastar muitos potencias torcedores.

De fato, como esperado, a região de defesa do campo acolheu a maior parte das infrações violentas da partida. Por outro lado, estar em desvantagem no placar não se associou com maior ocorrência de faltas violentas. Ao analisar as partidas, foi notado que os times em desvantagem no placar procuraram manter a posse de bola, na tentativa de reverter o placar desfavorável. Porém, este padrão pode ter sido observado em decorrência do elevado nível da competição, o qual difere estes jogadores daquelas de divisões menos competitivas (VESTBERG; GUSTAFSON; MAUREX; INGVAR; PETROVIC, 2012VESTBERG, T.; GUSTAFSON, R.; MAUREX, L.; INGVAR, M.; PETROVIC, P. Executive functions predict the success of top-soccer players. PLoS One, San Francisco, v. 7, n. 4, p. e34731, 2012.). Assim, análises similares em campeonatos regionais ou nacionais merecem atenção em futuros estudos.

Um dado relevante foi à liderança dos laterais dentre os jogadores que mais cometeram faltas de nível-3. Isso se faz presente, pois o que se vê no futebol moderno é uma preocupação primeiramente com o setor defensivo do time, na qual todos, ou quase todos os jogadores de linha auxiliam na marcação. Assim, muitas vezes, jogadores que não estão acostumados com esse tipo de embate corpo a corpo, comum a posições de defesa, acabam cometendo exageros e, dessa forma, cometem faltas imprudentes que colocam em risco a integridade física dos adversários.

Fato curioso diz respeito a maior ocorrência de faltas violentas entre times europeus, bem como, a não diferença na ocorrência de cartões entre times de diferentes continentes. Algumas justificativas podem ser postuladas. Inicialmente, tal achado pode ser resultado da nacionalidade dos árbitros que apitam os jogos das seleções europeias (sul-americanos, africanos ou asiáticos), os quais podem estar mais acostumados com jogos em que há maior contato físico e, por sua vez, não coíbam com tanta severidade as faltas mais graves cometidas ao longo da partida. Por outro lado, a constante venda de jogadores de diferentes regiões do planeta para o futebol europeu (SOARES; MELO; COSTA; BARTHOLO; BENTO, 2011SOARES, A. J. G.; MELO, L. B. S.; COSTA, F. R.; BARTHOLO, T. L.; BENTO, J. O. Jogadores de futebol no Brasil: mercado, formação de atletas e escola. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Florianópolis, v. 33, n. 4, p. 905-921, 2011.) pode ter modificado o padrão de jogo destas equipes europeias.

Outro fator que consiste no número de faltas e cartões no evento analisado é a sua característica de ser profissional e de alto nível. Em competições de alto nível como a Copa do Mundo há grande impacto social envolvido e a disputa tende a ser mais acirrada. Corroborando nossos resultados, Bidutti; Azzi; Raposo e Almeida (2005)BIDUTTI, L. C. AZZI, R. G.; RAPOSO, J. J. B. V.; ALMEIDA, L.S. Agressividade em jogadores de futebol: estudo com atletas de equipes portuguesas. Psico-USF, Porto, v. 10, n. 2, p. 179-184, 2005. após analisarem jogadores da liga profissional de Portugal e das categorias de base observaram que, os jogadores que disputavam o campeonato profissional tinham um comportamento mais agressivo do que quando comprado a jogadores que disputavam campeonatos nas categorias de base. Há de se considerar os aspectos psicológicos também, uma vez que jogadores de esportes coletivos poderiam cometer faltas mais violentas em benefício da equipe, do seu grupo, sacrificando-se pela equipe, quando por exemplo em um contra-ataque a única forma de se evitar um gol é cometendo uma infração mais violenta e sucessivamente sendo advertido com cartão amarelo ou vermelho. Esse tipo de situações tem sido observado não apenas no futebol, mas também em outros esportes coletivos como o hóquei e o basquetebol (KIERKER, TENENBAUM; MATTSON, 2000KIERKER, B.; TENENBAUM, G.; MATTSON, J. An investigation of the dynamics of aggression: direct observations in ice hockey and basketball. Research Quarterly for Exercise and Sport, Washington, v. 71, n. 4, p. 373-386, 2000.).

Ainda há estudos que mostraram que aspectos genéticos também poderiam influenciar no número de cartões e sucessivamente a agressividade de alguns jogadores. Em um estudo com jogadores da primeira divisão do campeonato italiano foi mostrado que a chance de faltas serem cometidas era maior em jogadores que tinham maiores níveis de testosterona (PERCIVALLE; DI CORRADO; PETRALIA; GURRISI; MASSIMINO; COCO, 2013PERCIVALLE, V.; DI CORRADO, D.; PETRALIA, M.C.; GURRISI, L.; MASSIMINO, S.; COCO, M. The second-to-fourth digit ratio correlates with aggressive behavior in professional soccer players. Molecular Medicine Reports, Atenas, v. 7, n. 6, p. 1733-1738, 2013.).

A análise de jogos de uma Copa do Mundo pode ser considerada limitação do estudo, na medida de que dificulta a inferência dos achados para campeonatos regionais, ou mesmo nacionais. Um dos fatores que dificultam tais comparações consistem no modo de disputa, pois os campeonatos nacionais e regionais geralmente são mais longos e possuem sistemas diferenciados de disputa, como por exemplo o campeonato brasileiro que é em forma de pontos corridos. Assim, cuidados são necessários durante o processo de inferência dos achados. Porém como aspectos originais destacam-se a análise e a classificação dos níveis das faltas ocorridas, tentando fornecer indicativos de como e quando são mais possíveis ocorrer essas situações durante uma partida de futebol de alto nível.

CONCLUSÕES

Por fim, os resultados apresentados indicam que a região do campo, bem como, o continente de origem das equipes parecem ser determinantes na ocorrência de faltas violentas nas partidas. O maior número de faltas violentas ocorreu no segundo tempo na competição analisada. Além disso, identificou-se que parece existir pouca clareza na maneira de coibir a violência. Como implicações práticas, o presente estudo poderia auxiliar os árbitros fornecendo indicativos de que períodos e situações de jogo em campeonatos de alto nível ocorreriam maior probabilidade de acontecer faltas violentas. Isso poderia contribuir para a redução da violência fora do campo, uma vez que em alguns casos isso pode ocorrer motivada por uma 'má arbitragem' (PIMENTA, 2000PIMENTA, C. A. M. Violência entre torcidas organizadas de futebol. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 122-128, 2000.).

REFERÊNCIAS

  • ABRAHÃO, B. O. L.; SOARES, A. J. G. O futebol na construção da identidade nacional: uma análise sobre os jogos 'pretos x brancos'. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 26, n. 1, p. 47-61, 2012.
  • AZEVEDO, M. R.; ARAÚJO, C. L.; SILVA, M. C.; HALLAL, P. C. Continuidade na prática de atividade física da adolescência para a idade adulta: estudo de base populacional. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 169-175, 2007.
  • BARROSO, M. L. C. A violência no futebol: revisão sócio-psicologica. Revista Brasileira de Cineantropometria e Desempenho Humano, Florianópolis, v. 7, n. 1, p. 64-74, 2005.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    02 Nov 2013
  • Revisado
    08 Abr 2014
  • Aceito
    10 Jun 2014
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