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As práticas corporais e a educação do corpo em uma instituição confessional de ensino

Body practices and body education in a confessional educational institution

Resumos

Fundamentado nos estudos culturais este texto analisa os preceitos da Pedagogia Adventista para a educação do corpo, mais especificamente, aquilo que produz e reproduz sobre as práticas corporais e esportivas. Para tanto elege, como corpus de análise as doze edições da revista Sinos publicadas entre 1968 e 2008 pelo Instituto Adventista Cruzeiro do Sul (Taquara, RS). Da análise do material empírico, foi possível identificar a valorização do corpo saudável, útil e recreado, cuja produção se dá pelo incentivo à prática de algumas atividades, sobretudo esportivas e pelo repúdio a outras como as lutas e as danças. Tais representações colocam em circulação a proposta pedagógica propagada pelo adventismo e sua doutrina ao enfatizarem que as ações e cuidados dispensados para o desenvolvimento do físico, intentam o desenvolvimento do intelecto assim como um melhor relacionamento com Deus.

Educação Física; Corpo; Educação


Based on cultural studies this paper analyzes the assumptions of Adventist Pedagogy for body education, more specifically what it produces and reproduces regarding body and sport practices. The corpus of analysis consisted of 12 issues of Sinos magazine published from 1968 to 2008 by Instituto Adventista Cruzeiro do Sul (Taquara, RS). From the analysis of the empirical material, it was possible to identify the valorization of a healthy, useful and recreated body, whose production occurs through both the stimulus to the practice of some activities, particularly sports, and the rejection of others such as fights and dances. Such representations put into circulation the pedagogical proposal spread by Adventism and its doctrine by emphasizing that both actions and care to develop the body aim at developing the intellect as well as a better relationship with God.

Physical Edcation; Body; Education


INTRODUÇÃO

O corpo tem sido objeto de diferentes pedagogias que, em diferentes temporalidades e contextos históricos, buscam educar seus gestos, formas, aparências, comportamentos e funcionalidades. Apesar da não ser o único espaço no qual tais pedagogias operam, a escola se constitui um terreno fértil para sua concretização visto que a educação dos sujeitos envolve, inevitavelmente, um investimento pedagógico direcionado para seus corpos.

Considerando tais premissas, este texto analisa os preceitos da Pedagogia Adventista sobre a educação do corpo, mais especificamente, aquilo que produz e reproduz sobre as práticas corporais e esportivas no âmbito da disciplina curricular de Educação Física. Para tanto, elege como corpus de análise a revista Sinos, uma publicação do Instituto Adventista Cruzeiro do Sul (Taquara, RS) que tem como principal objetivo de registrar, subsidiar e divulgar o trabalho desenvolvido por essa instituição confessional de ensino.

Entendida como artefato pedagógico (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003COSTA, M. V.; SILVEIRA, R. H.; SOMMER, L. H. Estudos culturais, educação e pedagogia. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 23, p. 36-61, maio/ago. 2003.), a Sinos veicula um conjunto de textos e imagens que evidenciam os princípios da Pedagogia Adventista que, dentre outros saberes, contempla processos pedagógicos direcionados para a educação do corpo, a partir da adesão ou não à determinadas práticas corporais de modo a torná-lo saudável, útil à sociedade e devoto a Deus.

Oficializada em 1893, a Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD), desenvolveu um sistema de educação que busca restaurar no ser humano a imagem de Deus em seus aspectos físicos, intelectuais, sociais e espirituais. Embora diferenças culturais, sociais, geográficas e políticas sejam experimentadas por esse sistema, sua identidade é mantida por meio de diretrizes e orientações filosóficas oriundas da Pedagogia Adventista que, com base na Bíblia e nos escritos de Ellen White (1827-1915), rege todas as ações educacionais de quaisquer instituições de ensino da IASD. Os escritos iniciais de White sobre a educação sustentou e orientou os primeiros educadores adventistas no estabelecimento do sistema educacional formal, contribuindo sobremaneira para o estabelecimento de uma filosofia educacional cujos fundamentos básicos são o desenvolvimento do caráter, o treinamento religioso e a preparação de servidores denominacionais. "Tal filosofia está nitidamente relacionada à religião, a qual visa integrar dois componentes essenciais no processo do ensino-aprendizagem, a saber, a fé e a razão" (STENCEL, 2006, p. 55STENCEL, R. História da educação superior adventista: Brasil, 1969 - 1999. 2006. 243f. Tese (Doutorado em Educação)-Faculdade de Educação, Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, 2006.).

Como fundamento filosófico inicial da Pedagogia Adventista, está o fato desta apoiar-se na cosmovisão bíblico/cristã (WHITE, 1977WHITE, E. G. Educação. Santo André: Casa Publicadora Brasileira, 1977.), em que Deus é a realidade central do mundo e da vida e a Bíblia sua fonte de Sua autorrevelação. O ser humano é representado não pela perspectiva evolucionista, mas pela ótica criacionista que, embora criado à imagem de Deus, teve sua natureza humana modificada ao cair em pecado, e por isso, necessita ser restaurado, sendo a educação do corpo parte integrante dessa restauração.

No que tange ao aspecto epistemológico, White define que a fonte do conhecimento revelado é Deus e que só Ele possui a verdade absoluta. Por este motivo, afirma que é "[...] principal objetivo da Educação Adventista dirigir a mente à revelação que Ele faz de Si próprio" (WHITE, 1977, p.16WHITE, E. G. Educação. Santo André: Casa Publicadora Brasileira, 1977.). Assumindo a crença na revelação divina como fonte primária de conhecimento transcendente, a filosofia educacional adventista tem a Bíblia como a maior fonte de conhecimento e a mais essencial autoridade epistemológica, sendo que outras fontes - a natureza e a racionalidade humana - devem ser testadas e verificadas à luz desta Escritura, pois Ela é que provê a integração necessária do currículo na perspectiva cristã (KNIGHT, 2001KNIGHT, G. R. Filosofia e educação. Uma introdução à perspectiva Cristã. Engenheiro Coelho: Unaspress, 2001.). Desenvolvido como um conjunto de atividades intencionais ou ações sistemáticas junto aos educandos, sob a responsabilidade direta dos professores, encontram-se neste currículo os objetivos educacionais, o programa de estudos, a metodologia adotada, o processo avaliativo e todos os demais atos curriculares cotidianos de uma escola. Dentre estas ações, destaca-se a integração entre a fé e o ensino. Tal princípio metodológico adventista consiste em levar educador e educandos à reflexão sobre todo e qualquer aspecto da realidade a partir de uma perspectiva cristocêntrica, internalizando o senso de que ciência e religião não são antagônicas quando a fonte do verdadeiro conhecimento é Deus. Enfim, para a Pedagogia Adventista o conhecimento é definido como algo mais amplo do que aquilo que é meramente intelectual ou científico e inclui elementos cognitivos, experimentais, emocionais, relacionais, intuitivos, espirituais e corporais. Tal compreensão materializa-se nos processos pedagógicos empreendidos pelo adventismo o qual valoriza, nomeia e produz determinadas práticas de educação do corpo como as mais adequadas e pertinentes para a sua doutrina. Grande parte delas assumidas, produzidas e reproduzidas na revista Sinos.

O INSTITUTO ADVENTISTA CRUZEIRO DO SUL E A REVISTA SINOS

Fundado por missionários americanos em 1928, o Instituto Adventista Cruzeiro do Sul é fruto do desenvolvimento educacional adventista desencadeado pela criação do Battle Creek College no Estado de Michigan (EUA) em 1872. Desde então, os Adventistas do Sétimo Dia, cientes de sua responsabilidade em anunciar a mensagem do advento para toda nação, tribo e língua, encontram na educação o meio mais eficaz para o preparo e o desenvolvimento da obra missionária. Para tanto, foram criadas as instituições adventistas de ensino com o objetivo de garantir, além do ensino bíblico-cristão aos filhos da igreja, a capacitação de missionários que se responsabilizassem pela difusão do movimento.

No Brasil, data de 1893 a chegada das primeiras missões adventistas e de 1895 a conversão do primeiro brasileiro, Guilherme Stein Junior, que logo se tornou professor da primeira Escola Adventista brasileira criada em 1896, na cidade de Curitiba (MENSLIN, 2009MENSLIN, D. J. Perfil do professor de ensino religioso nos anos iniciais do Ensino Fundamental da Rede Adventista no Sul do Brasil. 2009. 142f. Dissertação. (Mestrado em Educação)-Centro de Teologia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica, Curitiba, 2009.). No Rio Grande do Sul, devido à grande concentração de adventistas, a primeira iniciativa voltada para a criação de instituições de ensino desponta no ano de 1903 (PEREZ, 2004PEREZ, J. C. O Ensino teológico no Brasil. Engenheiro Coelho: Unipress, 2004.) mediante a transferência de uma escola localizada no estado de Santa Catarina para a cidade de Taquari. Porém, é a partir de 1922, com a chegada ao Brasil do casal de missionários americanos, Abraham e Mary Harder, enviados pela Associação Geral da IASD, que o movimento educacional adventista se fortaleceu no Estado. Embora entusiasmados pela possibilidade de proporcionar aos jovens gaúchos melhor educação por meio da criação de um internato adventista, o casal Harder não encontrou o apoio necessário por parte dos responsáveis pela IASD no Brasil, cuja justificativa estava na ancorada no argumento de que havia recursos suficientes para criar ou mesmo manter uma instituição de ensino no Rio Grande do Sul (MACEDO, 1999MACEDO, A. H. T. Do sonho à realidade... histórias de uma luz que nunca se apagou. Três Coroas: Artes Gráficas Sonhe, 1999.). Diante deste cenário, Mary Harder utiliza-se da herança recebida pela morte de sua mãe e compra um terreno no qual foi construído o segundo internato adventista brasileiro que, embora posto em funcionamento pela iniciativa particular destes missionários, logo se tornou um dos mais destacados internatos da IASD no Brasil.

Sob o ideal missionário de salvar os jovens através da educação cristã e prepará-los para a continuidade da missão eclesiástica, o Colégio Cruzeiro do Sul contabilizava entre rapazes e moças, cinquenta internos no ano de 1932. Devido a problemas de saúde, em 1935, o casal Harder entrega a propriedade e a direção da instituição para a Associação Sul-Rio-Grandense da Igreja Adventista do Sétimo Dia que a torna oficial apenas em 1939 (PASINI, 1988PASINI, A. M. Memorial do Instituto Adventista Cruzeiro do Sul. São Paulo: IAE, 1988.) com o nome de Ginásio Adventista de Taquara. Em 1960, por ocasião da implantação do Curso Comercial, a escola passou a ser denominada de Instituto Cruzeiro do Sul cuja identificação denominacional foi acrescentada no ano de 1965. É neste contexto que se estrutura o Instituto Adventista Cruzeiro do Sul com funcionamento em regime de internato voltado para o ensino de 1° e 2° graus às crianças e jovens de ambos os sexos.

Considerando a necessidade de registrar e divulgar a instituição e os preceitos da Pedagogia Adventista em 1968 surge a primeira edição da revista Sinos com publicação anual até 1976. Após este período, passou a ser editada apenas em datas comemorativas, mais especificamente, quando a escola completou 70, 75 e 80 anos, o que corresponde aos anos de 1998, 2003 e 2008 respectivamente.

MODOS DE OLHAR A REVISTA SINOS: OS ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Como um artefato pedagógico produzido e distribuído na e pela escola, a revistaSinos, além de oferecer visibilidade e circulação dos significados produzidos pela educação desenvolvida no interior da unidade escolar, coloca em circulação "[...] determinadas representações de crianças, de menino e de menina, de estudante, de professores e professoras, de trabalho docente, de alfabetismo, de determinados componentes curriculares e de educação" (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003, p. 53COSTA, M. V.; SILVEIRA, R. H.; SOMMER, L. H. Estudos culturais, educação e pedagogia. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 23, p. 36-61, maio/ago. 2003.).

Nas suas primeiras edições é possível identificar para quem é direcionada assim como sua intencionalidade pedagógica: "Jovem, se você for um jovem íntegro, dinâmico e líder, venha para o IACS e seja uma alegria para seus pais e uma coluna para a igreja. Pais, esforçai-vos para manter vossos filhos aqui, e Deus vos recompensará com a vida eterna" (SINOS, 1971SINOS. Instituto Adventista Cruzeiro do Sul, Taquara, 1971. Disponível em <http://www.bibliacs.com/sinos/71/6.htm> e <http://www.bibliacs.com/sinos/71/7.htm>. Acesso em: 29 maio 2013.
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).

Na edição de 2003, o diretor do Instituto, Pastor Flávio Pasini, ao comentar a publicação produzida em comemoração ao septuagésimo quinto aniversário do colégio, afirma: "[...] foi preparada para alunos, ex-alunos, professores, ex-professores e amigos da escola" (SINOS, 2003, p. 5SINOS. Instituto Adventista Cruzeiro do Sul, Taquara, 2003. Disponível em <http://www.bibliacs.com/sinos/2003/1.htm>. Acesso em: 29 maio 2013.
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), ou seja, aos membros da comunidade em geral ou a todo e qualquer indivíduo que, embora não possua vínculos com a escola e com o adventismo, deles se aproximam ou desejam se aproximar.

Cientes de que livros didáticos, cartilhas, revistas, projetos educativos, dentre outros artefatos pedagógicos produzem significados e determinam representações, analisamos a Sinos considerando aquilo que produz e reproduz sobre questões relacionadas à educação do corpo e à presença das práticas corporais no Instituto Adventista Cruzeiro do Sul. Buscamos, igualmente, entender como esse artefato educa os corpos e os sujeitos tendo como fundamentação o adventismo e seus desdobramentos pedagógicos representados pela Pedagogia Adventista.

Para tanto analisamos todas as edições publicadas, totalizando doze volumes, os quais foram observados a partir de suas fontes iconográficas e textuais. Como ferramenta metodológica, utilizamos a análise de conteúdo proposta por Bardin (1988)BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1988., entendida como um conjunto de técnicas de análise que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos na descrição do conteúdo buscando sua categorização e posterior análise a partir de categorias. Tal técnica permite

Uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e, em seguida, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos. As categorias são rubricas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos (unidades de registro, no caso da análise do conteúdo) sob um título genérico, agrupamento esse efetuado em razão das características comuns destes elementos (BARDIN, 1988, p. 147).

Para operacionalizar tais procedimentos selecionamos todas as matérias publicadas na Sinos que tivessem conteúdo relacionado com as práticas corporais. Feita essa seleção as analisamos em separado e, posteriormente, relacionadas entre si buscando apreender as representações de corpo que colocavam em circulação assim como os modos que utilizavam para educá-lo. Nesta movimentação inicial, todo e qualquer texto presente na revista foi observado e, além do conteúdo das matérias, analisamos seus títulos e subtítulos, os quais foram marcados e catalogados com o objetivo de destacar aquilo que era mais recorrente.

A aproximação, atravessamento e imbricamento entre texto e imagem se deu a partir do que alguns autores denominam de Cultura Visual (JENKS, 1995JENKS, C. (Ed.). Visual culture. London: Routledge, 1995.; MIRZOEFF, 2003MIRZOEFF, N. Una introdudión a la cultura visual. Barcelona: Paidós, 2003.; ROSE, 2001ROSE, G. Visual methodologies: an introduction to the visual interpretation of visual materials. London: Sage Publications, 2001.), termo que emerge da atenção conferida pelos cientistas sociais à influência dos usos dos diferentes registros visuais, fato definido por Mitchell (2002)MITCHELL, W. J. T. Showing seeing: a critique of visual culture. Journal Visual Studies, London, v. 1, n. 2, p. 165-182, 2002., como virada pictórica. Esta, por sua vez, decorre da centralidade que as imagens ocupam nas sociedades contemporâneas, caracterizadas por Mirzoeff (2003, p. 17)MIRZOEFF, N. Una introdudión a la cultura visual. Barcelona: Paidós, 2003. como ocularcêntricas visto que "[...] agora a experiência humana é mais visual e está mais visualizada do que antes".

Para proceder a leitura das imagens publicadas na Sinos, utilizamos a perspectiva analítica proposta por Rose (2001)ROSE, G. Visual methodologies: an introduction to the visual interpretation of visual materials. London: Sage Publications, 2001.que envolve três instâncias: a) os espaços de produção da imagem (Que edição foi publicada? Quem a produziu? Quais as identidades sociais do autor e do sujeito da imagem?); b) o espaço da imagem em si (O que está sendo mostrado? Quais os componentes da imagem? Como estão arranjados? Faz parte de uma série? Para onde na imagem é atraído o olhar do espectador? Qual a função da cor? Que saberes estão sendo utilizados?; c) os espaços em que a imagem é visualizada pelo seu público (Onde aparece na revista e de que forma foi exibida? Tem texto escrito para guiar a interpretação? Como as identidades sociais de gênero e religião estruturam diferentes interpretações?). Para responder a essas indagações, partimos do pressuposto de que as imagens são textos que, além de conterem signos, símbolos e significados, criam sentidos, expressam relações de poder enunciam posições de sujeito e, no caso dessa pesquisa, conferem visibilidade.

Do entrecruzamento entre as fontes de pesquisa, aqui representadas pelas doze edições da revista Sinos e o referencial teórico-metodológico que a fundamenta, foi possível identificar a valorização ao corpo saudável, útil e recreado, cuja produção se dá por meio da adesão a algumas práticas corporais, especialmente as esportivas, e o afastamento de outras como as lutas e as danças. Tais representações colocam em circulação não apenas a proposta pedagógica propagada pelo adventismo mas, sobretudo, sua doutrina e o lugar que o humano ocupa diante Deus.

AS PRÁTICAS CORPORAIS E A EDUCAÇÃO DO CORPO ADVENTISTA

A dimensão física dos sujeitos integra a proposta de educação pregada pelo Adventismo do Sétimo Dia que, como uma atividade redentora, tem por objetivo a restauração integral do educando à imagem do seu Criador. Nesse processo os aspectos intelectuais e espirituais ocupam posição de destaque nas atividades realizadas na escola. Os aspectos físicos, no entanto, não são negligenciados e, por esse motivo, integram suas proposições pedagógicas.

Nos escritos de White figuram várias orientações que indicam a importância de trabalhar na escola com o desenvolvimento físico dos alunos desde que combinado com seu desenvolvimento mental e espiritual.

No vigoroso exercício físico as paixões inferiores encontram um escape sadio e são mantidas nos devidos limites. O exercício saudável ao ar livre fortalecerá os músculos, incentivará a circulação apropriada do sangue, ajudará a preservar o corpo das enfermidades, e será um grande auxílio para a espiritualidade. Por muitos anos me vem sendo mostrado que professores e alunos devem unir-se neste trabalho. Fazia-se isto antigamente nas escolas dos profetas (WHITE, 1973, p. 81).

Tal entendimento permeia as todas as edições da revista Sinos, sendo que a educação integral é proposta a partir de algumas práticas tais como os cuidados com a higiene pessoal e do ambiente, a adesão a uma alimentação saudável (preferencialmente vegetariana), a realização de trabalhos manuais e de atividades laborais e a adesão à prática de atividades físicas. Por intermédio destas práticas, além do espaço para o aperfeiçoamento da saúde física, os alunos encontram o restabelecimento do vigor mental e a apreensão de valores espirituais (DOUGLASS, 2003DOUGLASS, H. Mensageira do Senhor: o ministério profético de Ellen G. White. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2003.).

A Educação Física como uma das disciplinas que integram a proposta da Pedagogia Adventista assume um papel de relevância na orientação dos educandos em relação à adesão e permanência no campo das práticas corporais, sobretudo, nos esportes, nas ginásticas e nos jogos, os quais constituem as manifestações da cultura corporal mais evidenciadas na Sinos.

Ao debruçarmos nosso olhar para as práticas corporais que são exibidas nas suas páginas, percebemos a grande ênfase atribuída ao esporte visto que em todas as edições publicadas aparece alguma referência a esse elemento da cultura corporal, mais especificamente, as modalidades de basquetebol, voleibol, atletismo, natação, tênis de mesa, tênis, badminton, handebol e skate.

Apesar do leque de oportunidade elencadas nas suas doze edições, duas modalidades se destacam: o basquetebol seguido do voleibol. Vale ressaltar que das doze capas publicadas apenas duas tiveram imagens relacionadas às práticas corporais (1970 e 1974) e ambas exibiram atividades relacionadas ao basquetebol. Além dessas imagens, esta modalidade esportiva foi exibida em outras edições e sempre que fotografada possibilitava uma identificação imediata da atividade representada, como a exibição de situações nas quais duas equipes estavam praticando o esporte, situação semelhante reservada apenas ao voleibol. Embora a visibilidade concedida não seja tão grande como a do basquetebol, sua presença nas páginas da Sinos é frequente, sendo ainda a única modalidade esportiva em que uma das imagens que a representa abrange duas páginas inteiras de uma única edição (SINOS, 1971SINOS. Instituto Adventista Cruzeiro do Sul, Taquara, 1971. Disponível em <http://www.bibliacs.com/sinos/71/6.htm> e <http://www.bibliacs.com/sinos/71/7.htm>. Acesso em: 29 maio 2013.
http://www.bibliacs.com/sinos/71/6.htm...
).

Interessante registrar que o futebol e seus diferentes desdobramentos tais como o futebol de areia, o futebol society e o futsal não figuram como um conteúdo a ser desenvolvido pela Educação Física em nenhum exemplar da revista, o que indica a matriz esportiva americana como aquela que pauta a educação dos corpos de jovens que vivem em um contexto bastante diferente: uma cidade no interior do Rio Grande do Sul e que, à princípio, teria no futebol uma prática reconhecida dada a relevância desta modalidade esportiva no Brasil. No entanto, identificamos nas edições de 1972, 1973 e 2008 imagens que supostamente indicam a prática do futebol na escola, mais precisamente a do futsal (na época denominado futebol de salão), ainda que a legenda de uma delas faça questão de não nomeá-lo ao registrar: 'Que prática corporal é esta?' (SINOS, 1972SINOS. Instituto Adventista Cruzeiro do Sul, Taquara, 1972. Disponível em: <http://www.bibliacs.com/sinos/72/6.htm>. Acesso em: 29 maio 2013.
http://www.bibliacs.com/sinos/72/6.htm...
).

Apesar da imagem sugerir que esteja acontecendo um jogo de futebol de salão - uma vez que podem ser observados elementos que constituem este contexto, como jogadores, bola, quadra e goleira - a imagem não oferece detalhes capazes de confirmar ou refutar esta ideia. Ou seja, diferente das vezes em que foram representadas outras práticas esportivas, como o basquetebol e o voleibol, nenhum gesto característico do futebol é evidenciado. Sendo assim, pode-se dizer que esta situação não sugere diretamente a sua ausência na revista, mas sim a pouca ênfase conferida a sua prática na medida em que foram observados vestígios de que estava presente nas atividades que integram o cotidiano da escola.

Com relação a outros conteúdos da cultura corporal que comumente figuram nos currículos escolares, identificamos que a ginástica e os jogos não são muito incentivadas pela Sinos. Nas doze edições analisadas apenas encontramos três matérias sobre ginástica acrobática (1969, 1972 e 1975) e duas sobre musculação, prática que apareceu apenas nas suas duas últimas edições (2003 e 2008). Tanto quanto a ginástica, os jogos, entendidos aqui como as atividades recreativas institucionalizadas, raramente são postos em evidência, pois identificamos apenas duas fotografias dessa prática corporal, respectivamente nas edições de 1970 e de 1973. Apesar de figurarem na imagem não há nenhuma informação sobre sua relevância pedagógica ou sua existência como um conteúdo das aulas de Educação Física.

Interessa ainda destacar o quanto a revista minimiza e reprime as lutas e as danças que, ao contrário de outras práticas corporais, são identificadas como causadoras de alguns malefícios e por esse motivo não são recomendadas para serem vivenciadas por quem frequenta o Instituto Adventista Cruzeiro do Sul. Relacionadas ao despertar da violência (lutas) e da sexualidade (danças) tais práticas são rejeitadas e representadas como algo que fere os preceitos do adventismo e da educação do corpo adventista.

Ao enfatizar algumas práticas corporais e reprimir outras, a Sinosopera com os preceitos da Pedagogia Adventista materializando nos corpos uma educação que busca a integração corpo e mente com o objetivo de educar crianças e jovens saudáveis e eficientes no serviço à sociedade, à Deus e ao próprio indivíduo. Nesse sentido a revista produz e reproduz processos pedagógicos direcionados para a educação do corpo de crianças e jovens adventistas e, como parte constituinte de um sistema confessional que dá ênfase à saúde como uma prática pautada pela observância de preceitos e hábitos de vida, promove ensinamentos para um viver saudável considerando três pilares: a prática de exercícios físicos, a higiene e a alimentação. Afinal, "[...] primar pela saúde é um dos objetivos importantes do IACS. Mens sana in corpore sano - Mente sã, só num corpo são (Juvenal). Esporte é saúde. Não será negligenciado" (SINOS, 2008, p. 60SINOS. Instituto Adventista Cruzeiro do Sul, Taquara, 2008. Disponível em <http://www.bibliacs.com/sinos/2008/1.htm>. Acesso em: 29 maio 2013.
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).

A relação estabelecida entre prática corporal e saúde também pode ser observada em outras edições. Em 1970, o texto que acompanha a seção das práticas corporais reforça a relação existente entre o corpo e a mente apresentando a importância das atividades físicas para mediar o desenvolvimento destes elementos constitutivos do indivíduo e sua ligação com a saúde. Além disso, a produção textual proporciona outra possibilidade de entendimento quanto à realização destas atividades:

É difícil falar em cultura física sem que nos lembremos dos espartanos de outrora. Principalmente para jovens estudantes é sumamente necessária. O esforço mental, se não for contrabalançado com o exercício físico, pode acarretar consequências funestas: desequilíbrio nervoso e pode mesmo conduzir à loucura. O exercício físico é remédio para uma infinidade de moléstias. Mesmo os que se aproximam da decrepitude seriam beneficiados com ele (SINOS, 1970).

Como um mecanismo de prevenção e cura, a prática de atividade física é estimulada para evitar não apenas a degenerescência física mas a inoperância mental ao instituir que

'A saúde da mente está estreitamente ligada à saúde do corpo. Quando este adoece, a outra se ressente; quando aquela fraqueja, este sofre as dores como se suas fossem'. Estas sábias palavras de Confúcio, pensador chinês, bem ilustram a importância de se cultivar hábitos saudáveis. Especialmente numa escola. Por isto, há aqui, modalidades de esportes para todos os gostos (SINOS, 2003, p. 22).

Estas recomendações evidenciam a intencionalidade das práticas corporais sobre os corpos e de certo modo fazem reverberar as palavras de White (1996, p. 146)WHITE, E. G. Fundamentos da Educação cristã. 2. ed. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1996. no que tange à promoção da saúde pela realização de exercícios físicos na escola

Os estudantes não devem ter permissão para assumir tantos estudos que não tenham tempo para exercício físico. A saúde não pode ser preservada, a não ser que alguma parte de cada dia seja dedicada à atividade muscular ao ar livre. Horas regulares devem ser dedicadas ao trabalho manual de alguma espécie, algo que ponha em ação todas as partes do corpo. Equilibrai o esforço das faculdades físicas e mentais, e a mente do estudante será refrigerada. Se está doente, o exercício físico freqüentemente ajudará o organismo a recuperar a condição normal. Ao saírem os alunos do colégio, devem ter melhor saúde e melhor compreensão das leis da vida do que quando nele entram.

Além de dar voz às recomendações whiteanas sobre atividade física e saúde, proferidas em fins do século XIX, tais recomendações acompanham as movimentações referentes ao pensamento físico-sanitário que ganha força na segunda metade do século XX. Ao afirmar que a associação entre atividade física e saúde é tão antiga quanto à própria civilização, Fraga (2006a, p. 106)FRAGA, A. B. Promoção da vida ativa: ordem físico sanitária na educação dos corpos contemporâneos. In: BAGRICHEVSKY, M.; PALMA, A.; ESTEVÃO, A. A saúde em debate na educação física. Blumenau: Nova Letra, 2006a. v. 2., indica que somente em meados da década de 1950 "[...] foi possível verificar que o baixo nível de atividade física influenciava negativamente no desenvolvimento de doenças degenerativas". Com isso, a relação entre exercícios físicos e saúde é legitimada desencadeando, desde então, diferentes prescrições quanto à qualidade, frequência e intensidade dos exercícios físicos que devem ser realizados na busca pela saúde, o que pode ser constatado nos dias de hoje, através do incentivo à adesão ao estilo de vida ativo (FRAGA, 2006bFRAGA, A. B. O exercício da informação: governo dos corpos no mercado da vida ativa. Campinas: Autores Associados, 2006b.).

Considerando essas manifestações, é possível perceber que as representações de corpo e de educação corporal evidenciadas na Sinos carregam influências filosóficas e denominacionais percebidas nas palavras de White, assim como acolhem influências políticas e sociais desencadeadas por concepções físico-sanitárias que focam a atividade física como elemento preponderante na promoção de saúde.

Embora a revista faça reverberar aspectos ligados aos programas de saúde que tratam principalmente do aprimoramento de aspectos fisiológicos pela prática de atividades físicas, a Sinos também evoca o caráter lúdico das práticas esportivas.

Esporte é saúde! Esporte é vida! Depois do estudo, os momentos alegres de descontração, sorrisos e agitação nas quadras! Alegria nas piscinas e na sauna. Todos saem revigorados e prontos para as tarefas que os esperam. [...] a prática de esportes clareia a mente e espalha bem-estar. No IACS, estão em alta os esporte (SINOS, 1998, p. 52).

Ou seja, não somente as intenções orgânicas devem ser contempladas pelas práticas corporais, já que a vida do indivíduo não se constitui apenas por questões biológicas, mas também pelas sociais, psicológicas, emocionais, assim como religiosas. Por este motivo, a Sinos apresenta a descontração e a alegria como componentes necessários para a realização das práticas corporais na escola, a fim de que a saúde possa ser adquirida pelo indivíduo em sua totalidade, ou seja, não apenas no que tange a ausência de doenças, mas no bem-estar físico, mental, social e espiritual que proporciona.

Ao comentar a maneira como as atividades físicas realizadas de forma compulsória a partir das recomendações traçadas por programas de combate ao sedentarismo, Fraga (2006a)FRAGA, A. B. Promoção da vida ativa: ordem físico sanitária na educação dos corpos contemporâneos. In: BAGRICHEVSKY, M.; PALMA, A.; ESTEVÃO, A. A saúde em debate na educação física. Blumenau: Nova Letra, 2006a. v. 2., ressalta que a ausência dos aspectos ligados à ludicidade e à satisfação na prática destas atividades, até pode contribuir para a diminuição dos riscos, mas os efeitos podem não ser os esperados, caso não façam parte do conjunto de valores que dá sentido à vida.

A prática de atividades físicas defendida pela Pedagogia Adventista versa sobre as questões orgânicas que favorecem a obtenção de um físico sadio e de uma mente aliviada, de modo a afastar o risco proveniente de doenças causadas pelo sedentarismo. Ao mesmo tempo, propõe a realização de atividades recreativas em que estejam presentes a descontração e a alegria, afastando toda e qualquer reação ou sentimento que elimine esta condição como, por exemplo, a competição acirrada. Por essa razão White defende a realização destas práticas como uma forma de recreação que

[...] na verdadeira acepção do termo - recriação - tende a fortalecer e construir. Afastando-nos de nossos cuidados e ocupações usuais, proporciona descanso ao espírito e ao corpo, e assim nos habilita a voltar com novo vigor ao sério trabalho da vida (WHITE, 1977, p. 207).

Tendo em vista estas intenções e significações, torna-se possível analisar os motivos conferidos à ênfase no caráter recreativo e não na dimensão competitiva das práticas corporais ou mesmo as razões pelas quais algumas delas não são representadas ou são desqualificadas como integrantes do processo educativo tais como as lutas e a dança. Vale lembrar que o contexto histórico no qual Ellen White escreve é completamente diferente do contexto no qual a Sinos circula, seja em termos temporais ou espaciais. Nas determinações denominacionais whiteanas o esporte em sua versão competitiva não era recomendado para compor o leque de atividades desenvolvidas nas escolas regidas pela IASD. Esse caráter é incorporado pelas orientações pedagógicas experimentadas no cenário político e educacional do Brasil no século XX.

Incorporado às instituições escolares especialmente na década de 1960, momento no qual a Sinos começa a ser editada, o esporte passa a configurar o principal conteúdo da Educação Física escolar a partir de uma proposta de ensino que não altera de modo significativo os princípios relacionados à competição e ao rendimento (BRACHT, 1999BRACHT, V. A constituição das teorias pedagógicas da Educação Física. Caderno Cedes, Campinas, ano XIX, n. 48, p. 69-88, ago. 1999.). Trata-se da incorporação do esporte no sistema educacional cujo desdobramento promoveu não o esporte da escola, mas o esporte na escola (COLETIVO DE AUTORES, 1992COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.).

A Sinos acompanha esse movimento e tal ênfase aparece nas edições publicadas nos anos de 1998, 2003 e 2008. Tal representação figura nas suas páginas assim como algumas das orientações conferidas por White nas quais a autora não reprova a sua permanência mas critica o exagero em sua prática: "[...] não condeno o simples exercício de brincar com uma bola; mas isto, mesmo em sua simplicidade, pode ser levado ao excesso" (WHITE, 1962, p. 499WHITE, E. G. O lar adventista. Santo André: Casa Publicadora Brasileira, 1962.).

Se o destaque concedido ao esporte acompanha formulações políticas e pedagógicas e os reflexos socioculturais do país no qual a revista circula, o silenciamento sobre algumas das práticas corporais obedece as orientações e determinações do pensamento educacional adventista. Tal percepção pode ser observada na exclusão de práticas consideradas violentas devido à sua natureza rude ou porque possibilitam levar seus praticantes à devassa quanto aos princípios de amor e respeito ao próximo estabelecidos por Deus.

Os jovens gostam, por natureza, de estar em atividade, e se não encontram legítimo desafogo para suas energias reprimidas após o confinamento da sala de aula, tornam-se inquietos e impacientes sob a restrição, sendo, portanto induzidos a empenhar-se em esportes rudes e nada varonis, que desonram a tantas escolas e colégios, e até a precipitar-se em cenas de verdadeira dissipação. Muitos dos jovens que deixaram seus lares sendo inocentes são corrompidos por suas relações na escola (WHITE, 1996, 71).

Por esta razão, esportes como o basquete e o voleibol recebem grande visibilidade na revista e nestas práticas a competição acirrada não é estimulada pela instituição. O descaso ao futebol justifica-se por razões culturais, pois em função de sua relevância no país este esporte poderia ser orientado para fins demasiadamente competitivos. Por esse motivo, no Instituto Adventista Cruzeiro do Sul, a sua prática deve ser comedida e sempre que possível mediada pelas orientações concedidas sobre a recreação, pois segundo White (1977)WHITE, E. G. Educação. Santo André: Casa Publicadora Brasileira, 1977., o apelo à competição e à rivalidade alimenta o egoísmo, que é a raiz de todos os males.

Quanto às lutas, o entendimento é de que estas práticas corporais estimulam e apregoam a brutalidade e a violência. Segundo o pensamento whiteano - aceito e posto em prática no Instituto Adventista Cruzeiro do Sul, uma vez que a Sinos não apresenta vestígios de sua prática ou ocorrência - o amor ao domínio, o orgulho da mera força bruta e o descaso da vida, evidenciados em muitas destas práticas, estão exercendo sobre a juventude um poder desmoralizador (WHITE, 1977WHITE, E. G. Educação. Santo André: Casa Publicadora Brasileira, 1977.).

Embora não contemple a competitividade ou a violência, a dança também não é evidenciada na revista e seu silenciamento advém das próprias orientações whiteanas. Ao mencionar que a recreação se faz necessária aos indivíduos que se acham ocupados no trabalho ou no estudo, White (1975, p. 346)WHITE, E. G. Conselhos aos professores pais e estudantes. Santo André: Casa Publicadora Brasileira, 1975. afirma que algumas distrações tais como a dança "[...] não são benéficas em sua tendência, antes exercem efeito sedutor". A autora fundamenta sua orientação no fato de que muitas danças têm estimulado a sensualidade e a depravação sexual de muitos jovens e, como forma de divertimento, tende a degenerar em vulgaridade.

As práticas corporais valorizadas pela Sinos possibilitam a compreensão de que a saúde é produto da eficácia. Além disso, educam o corpo para a escolha de práticas recreativas nas quais a rivalidade, a brutalidade e a sensualidade cedem lugar à descontração, à alegria e à cooperação, livres das pressões introduzidas pela competitividade e pelo rendimento.

Além da promoção da saúde, na Sinos figuram outras recomendações para a presença das práticas corporais na escola. Na edição de 1970, em texto intitulado 'O valor da disciplina', é possível observar essas indicações:

O mundo em que vivemos é comparado a um vasto estádio esportivo. Nele estão os torcedores, policiais, juízes e jogadores. Só que na vida todos participam do jogo, julgam, policiam e torcem. Sabemos que todo o jogo tem suas regras, e jogo sem regras não é jogo. No estádio da vida também é necessário existir disciplina, e a definiríamos como a aplicação das regras do jogo. Logo, disciplinar não é somente reprimir, mas compreender para orientar. Essa tarefa é difícil, e nem sempre é entendida por todos os participantes do jogo. Porém sua presença é indispensável, pois sem ela o jogo da vida seria impossível. Essa tarefa difícil cabe à diretoria interna (SINOS, 1970).

O texto propõe uma aproximação entre a disciplina e as práticas corporais, mais precisamente os jogos esportivos e indica que a obediência aos regulamentos e o exercício da disciplina traduzem-se também em um treinamento para a prática da disciplina na vida. Nessa perspectiva está implícita a associação com a formação do caráter cujos aspectos tais como a obediência, a submissão e o respeito são colocados em destaque. Caráter esse que se reveste ainda de distinções entre o comportamento esperado dos meninos/homens e das meninas/mulheres.

Se pensarmos que a escola se constitui o lugar das diferenças (LOURO, 1997LOURO, G. L. A construção escolar das diferenças. In: LOURO, G. L. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 57-87.), as práticas corporais ali desenvolvidas compõem o universo de distinções, neste caso, relacionadas à construção de masculinidades e feminilidades. Ao analisarmos as doze edições da Sinos percebemos que as aulas de Educação Física ministradas no Instituto Adventista Cruzeiro do Sul são organizadas e separadas por sexo, o que acaba por influenciar a prática de outras modalidades fora do contexto da aula, tanto no que diz respeito à organização e disposição dos alunos e das alunas nas atividades, quanto na sua própria execução.

Sobre aspectos relacionados às questões de gênero é importante destacar que até 1975 o voleibol foi a única modalidade de esportes coletivos em que se observou a participação de moças, as quais apareceram realizando alguma prática esportiva apenas na sua quarta edição, publicada em 1971. Com relação aos rapazes, desde a primeira edição da Sinos, datada de 1968, é possível identificar imagens exibindo atividades tais como a ginástica, o basquetebol e o voleibol. O que indica que, "[...] para vários homens, praticar esportes durante a vida escolar era considerado 'natural', 'instintivo' e que seu oposto, ou seja, o não praticá-lo era visto como um indicador de que algo está (ou estava) errado" (LOURO, 1997, p. 74LOURO, G. L. A construção escolar das diferenças. In: LOURO, G. L. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 57-87.).

A Pedagogia Adventista, materializada na Sinos, propõe uma educação que estabelece distinções entre o que é ser homem e o que é ser mulher, tanto no momento em que são realizadas estas atividades, quanto fora delas. Segundo Cavaleiro e Vianna (2010, p. 141)CAVALEIRO, M. C.; VIANNA, C. Chutar é preciso? Masculinidades e educação física escolar. In: KNIJNIK, J. D.; ZUZZI, R. P. Meninas e meninas na educação física: gênero e corporeidade no século XXI. Jundiaí: Fontoura, 2010. p. 137-154.:

Nas aulas de Educação Física, somos educados e educadas para um jeito de ser masculino e um jeito de ser feminino, com atitudes e movimentos corporais socialmente entendidos como naturais para cada sexo. Nesse processo, as diferenças construídas socialmente são naturalizadas, consideradas como algo inscrito no biológico e as habilidades motoras esperadas pelo desempenho de menino e meninas são distintas.

Essa representação também circula nas páginas da Sinos cuja intencionalidade para a prática esportiva encontra suporte na ideia do aperfeiçoamento da saúde física dos indivíduos, cooperando para o restabelecimento do vigor mental dos alunos e das alunas assim como para o afastamento, o alívio e até mesmo a cura de enfermidades. As práticas corporais relacionam-se com a construção do caráter, pois ao ensinar a importância da observância de regras e de regulamentos que compõem os mais diversos jogos esportivos, privilegiam a disciplina, que dentre outras é aplicada à vida. O exercício da disciplina favorece o desenvolvimento do respeito e da obediência às determinações e evoca o sentido de responsabilidade para consigo, com o próximo e para com Deus. Como marcadora de diferenças, as práticas corporais e esportivas educam os corpos também naquilo que se espera, aceita e compreende ser relacionado à construção de feminilidades e masculinidades.

Sendo assim, é possível afirmar que além de promover o desenvolvimento dos aspectos físicos, as práticas corporais, segundo o pensamento adventista de educação, trazem benefícios também aos atributos intelectuais, bem como contribuem para o desenvolvimento moral do indivíduo. Pela atividade física, a mente recebe descanso, favorecendo o entendimento e o aprimoramento das questões espirituais.

Enfim, a Sinos reproduz em suas páginas as orientações advindas do pensamento whiteano, enfatizando aspectos atrelados à Pedagogia Adventista, mesmo aqueles preceitos elaborados há mais de um século em uma cultura distinta daquela na qual o Instituto Adventista Cruzeiro do Sul se inscreve. Neste sentido, as práticas corporais representadas e significadas nas diferentes edições da revista, além de fornecer o entendimento de que a saúde é também um produto de sua eficácia, ainda educam o corpo à eleição de práticas recreativas, em que a rivalidade, brutalidade e sensualidade deem lugar à descontração, alegria e cooperação, livre das pressões introduzidas pela competitividade e pelo rendimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos textos e imagens que circulam nas doze edições da revista Sinos, indicam que a pedagogia corporal empreendida pelo Instituto Adventista Cruzeiro do Sul aponta para a promoção e a obtenção de um corpo saudável voltado à eficiência no serviço à sociedade, à Deus e ao próprio indivíduo.

A ênfase conferida à saúde na educação do corpo é dada pelo entendimento da Pedagogia Adventista - atribuído principalmente pela doutrina adventista da imortalidade condicional - de que o indivíduo é um todo indivisível e que seus componentes - corpo, mente e espírito - são interdependentes, pois tudo o que afeta um destes, também afeta, por conseguinte, os demais. Ou seja, um corpo doente, implica um físico fraco, uma mente debilitada e um espírito fragilizado.

Embora os cuidados corporais postos em funcionamento para a promoção e obtenção da saúde não sejam de qualidade exclusiva da Pedagogia Adventista, seu currículo, interessado em restaurar o relacionamento do indivíduo com Deus em sua integralidade, apresenta um novo enfoque diante da vida e do conhecimento produzido pela humanidade. Neste enfoque, cuidar da saúde não implica apenas em afastar doenças e retardar a morte, mas em obter uma vida melhor na Terra enquanto o advento é aguardado, obtendo maior discernimento entre o bem e o mal. Além disso, ter um corpo saudável implica em glorificar à Deus, já que esta condição segue o ideal proposto por Ele na criação do humano.

Associada à promoção e à obtenção de um corpo saudável - uma vez que tal atividade coopera para o restabelecimento do vigor mental dos alunos, assim como para o afastamento, o alívio e até mesmo a cura de enfermidades - a recreação é como uma dimensão cara à educação do corpo. Nessa perspectiva, a cooperação e a descontração ocupam o lugar do rendimento, da rivalidade e da brutalidade evidenciada em algumas modalidades, para que sejam revigoradas as energias físicas e mentais e afastada toda e qualquer atmosfera que privilegie a degradação física e moral dos praticantes.

Desta forma, é possível dizer que a educação corporal evidenciada nas representações trazidas pelas páginas da Sinos, amparadas pela Pedagogia Adventista, estão significadas em torno da promoção, bem como da obtenção de um corpo saudável, útil e livre de tensões. Um corpo devoto a Deus e aos ensinamentos desta denominação religiosa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2013
  • Revisado
    19 Jun 2014
  • Aceito
    20 Ago 2014
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