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Ato de magia: a questão da naturalização na obra de Abdelmalek Sayad

Act of magic: the issue of naturalization in the work of Abdelmalek Sayad

Resumo

Do ponto de vista jurídico, a naturalização é um modo secundário de se obter a nacionalidade de um Estado, resultante da manifestação de vontade. Mas é possível tratar a questão da naturalização apenas como uma questão jurídica e como uma manifestação de vontade individual? Este artigo procura responder esta indagação dialogando com as contribuições de Abdelmalek Sayad, desenvolvendo dois argumentos: (1) para Sayad a naturalização não deve ser encarada como uma simples operação administrativa, que como num ato de magia transforma, por exemplo, um argelino em um francês, através duma publicação no diário oficial. Para Sayad a naturalização envolve muito mais do que apenas sua dimensão jurídica; (2) a questão da naturalização em Sayad deve ser compreendida dentro de sua crítica ao mundo pós-colonial, hegemonicamente organizado em Estados-nação. Mundo onde migrantes internacionais estão entre aqueles que, por excelência, vivenciam e revelam os paradoxos - as contradições, incoerências do mundo contemporâneo.

Palavras-chave:
naturalização; Abdelmalek Sayad; migrantes internacionais; Estado-nação; pós-colonialismo

Abstract

From a legal standpoint, naturalization is a secondary means of obtaining nationality in a state, resulting from the expression of will. Is it possible to regard the issue of naturalization solely as a legal matter and as an expression of individual will? This article seeks to address this question by engaging with the contributions of Abdelmalek Sayad, developing two arguments: (1) according to Sayad, naturalization should not be seen as a mere administrative operation that transforms, for example, an Algerian into a French citizen through a publication in the official gazette. Sayad believes that naturalization involves much more than just its legal dimension; (2) the issue of naturalization in Sayad's perspective should be understood within his critique of the post-colonial world, predominantly organized into nation-states. It is a world where international migrants are among those who experience and reveal the paradoxes, contradictions, inconsistencies of the contemporary world.

Keywords:
naturalization; Abdelmalek Sayad; international migrants; nation-state; post-colonialism

Introdução

No dia 26 de maio de 2018, Mamoudou Gassama, um jovem imigrante indocumentado do Mali na França, nascido em 1996, subiu quatro andares de um edifício de apartamentos em Paris em 30 segundos para salvar um menino de quatro anos que estava pendurado numa varanda. O pai da criança tinha aparentemente o deixado sem vigilância para ir às compras. O vídeo contendo a cena da escalada de Mamoudou para salvar a criança espalhou-se pelas redes sociais e ele passou a ser descrito como um herói e a ser chamado de o Homem-Aranha da vida real.

O presidente da França à época, Emmanuel Macron, ao saber do ocorrido, agraciou Mamoudou com uma medalha em reconhecimento por sua bravura, e concedeu-lhe a nacionalidade francesa. Mamoudou Gassama obteve assim a nacionalidade francesa através da naturalização e, desde então, juridicamente ele passou a ser considerado um cidadão francês.

A naturalização é uma forma secundária de aquisição da nacionalidade1 1 Distingue-se a nacionalidade em duas espécies: primária ou originária e secundária ou voluntária. A nacionalidade primária resulta de fato natural (nascimento), a partir do qual, de acordo com os critérios adotados pelo Estado, será estabelecida. Considera-se um tipo de aquisição involuntária de nacionalidade, pois é imposta de maneira unilateral e soberana pelo Estado. São dois os critérios para a atribuição da nacionalidade primária: o critério da origem sanguínea (ius sanguinis) e o de origem territorial (ius soli). O critério do ius sanguinis funda-se no vínculo do sangue, segundo o qual a nacionalidade dos pais determina a nacionalidade dos filhos, independente do lugar de nascimento. Nesse caso, a atribuição da nacionalidade decorre do próprio fato da filiação. Já o critério ius soli, considera como fator preponderante o local de nascimento. Será considerado nacional aquele que nasce dentro dos limites territoriais do Estado (Cahali, 2010). . Do ponto de vista do direito, a nacionalidade é um vínculo jurídico de direito interno, que une um indivíduo a um Estado. Portanto, cada Estado é livre, ou seja, possui soberania dentro do seu território, para dizer quem são seus nacionais. Isto significa que serão nacionais de um Estado aqueles que o seu ordenamento jurídico define como tais.

A nacionalidade secundária é aquela que se adquire por vontade própria, depois do nascimento. Os modos secundários de aquisição da nacionalidade são igualmente variáveis conforme a legislação de cada Estado, podendo ser: pela naturalização pura e simples; por opção pela reaquisição, reintegração ou recuperação da nacionalidade perdida; pelo casamento; pela adoção; como consequência de anexação, sessão, troca e desmembramento de territórios; pela atribuição da nacionalidade por efeito, benefício ou favor da lei, derivada de uma determinação especial do texto legislativo (Cahali, 2010CAHALI, Yussef Said. Estatuto do estrangeiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.).

Assim, a naturalização é atribuição da nacionalidade de um Estado a um estrangeiro, quando este a solicitar ou quando não a repudia. Pressupõe um acordo de vontade entre as partes, já que é o Estado soberano que concede em razão do pedido do interessado, que tem a faculdade de mudar de nacionalidade e escolher a que bem entender. Porém, para Bernardes (1996BERNARDES, Wilba Lucia Maia. Da nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.), o que ocorre realmente é que não existe na naturalização um acordo bilateral, ela acaba sendo um ato discricionário do Estado que a concede segundo seu próprio interesse. Na verdade, a vontade do indivíduo só tem importância para iniciar o processo da sua concessão.

Os Estados, ao regular o direito da nacionalidade, definem normas que melhor atendam seus interesses e que mais se afinam com a formação histórica de seu contingente populacional. Porém, na atualidade, o aumento quantitativo e qualitativo dos fluxos migratórios tem submetido os Estados a uma revisão não só em relação à forma como regulam a entrada e permanência de estrangeiros em seu território, mas também como normatizam a aquisição e a perda da nacionalidade.

O objetivo do presente texto é apresentar e refletir sobre a noção de naturalização, dialogando com as contribuições desenvolvidas pelo sociólogo Abdelmalek Sayad e sua análise crítica do fenômeno migratório atual, que se dá em um mundo pós-colonial, hegemonicamente organizado - no plano político internacional - em torno de Estados-nação, onde migração e migrantes internacionais (emigrantes/imigrantes) expressam e revelam muitas das incoerências, contradições, desigualdades, assimetrias, exclusões e dissimulações políticas, econômicas e culturais do mundo atual (Sayad, 2008______. Estado, nación e inmigración. El orden nacional ante el desafío de la inmigración. Apuntes de Investigación del CECYP, n. 13, p. 101-116, 2008.).

Seguindo pelas trilhas de Sayad, nosso argumento é o de que o fenômeno migratório, em virtude de suas condições de produção e reprodução, está assentado sobre uma série de dissimulações indispensáveis. Neste sentido, considerar a naturalização eminentemente como um instituto jurídico é justamente oferecer uma forma “naturalizada” de pensar a naturalização. Sendo que, ao se atribuir uma qualidade “natural” à naturalização, abrem-se os caminhos para se destituir, dos processos de naturalização, muitas das suas implicações e consequências, principalmente as de caráter político.

Dialogamos com Sayad considerando que ele adotou, no desenvolvimento de sua obra, uma postura permanentemente questionadora, que revolucionou os estudos sobre a mobilidade humana (Villamar, Ribeiro, 2020VILLAMAR, Maria Del Carmen Villareal; RIBEIRO, Gisele Maria Almeida. Abdelmalek Sayad e o pioneirismo do pensamento pós-colonial nos estudos migratórios. In: DIAS, Gustavo Dias; BÓGUA, Lucia; PEREIRA, José Carlos Alves; BAPTISTA, Dulce (org.). A contemporaneidade do pensamento de Abdelmalek Sayad. São Paulo: Editora da PUC SP, 2020, v. 1, p. 37-63. ), ao conceber a migração como ato eminentemente político, que tem sua reprodução assegurada por sua aparente (e pressuposta) neutralidade política. Ele, portanto, adverte sobre a ocultação do caráter intrinsecamente político do fenômeno migratório e da despolitização a que é submetida a emigração/imigração. Sendo importante ressaltar que ele se dedicou às implicações intrinsecamente políticas das migrações, em momento e contexto histórico onde o discurso acadêmico dominante era o de uma visão economicista sobre o fenômeno migratório, que dedicava pouca atenção ao papel do Estado e pouco interesse na configuração social do imigrante (Domenech, 2020DOMENECH, Eduardo. Inmigración, política(s) y "pensamiento de Estado": la mirada crítica heterodoxa de Abdelmalek Sayad. In: DIAS, Gustavo; BÓGUS, Lucia; PEREIRA, José Carlos Alves; BAPTISTA, Dulce (orgs.). Inmigración, política(s) y "pensamiento de Estado": la mirada crítica heterodoxa de Abdelmalek Sayad. São Paulo: Educ, 2020, p. 93-113.).

Para desenvolver seus argumentos, o texto foi dividido em três partes. Na primeira apontamos para as relações entre e/imigração, Estado-nação e mundo pós-colonial na sociologia crítica de Sayad. Na segunda nos dedicamos à sua reflexão acerca da relação entre Estado, nação e imigração. Na terceira tratamos da naturalização dialogando com a forma como Sayad aborda essa questão em sua obra.

A Sociologia Crítica de Sayad: E/Imigração e Estado-nação em um Mundo Pós-Colonial

Na sociologia das migrações de Sayad o Estado ocupa um lugar central. É um ator determinante para se entender as migrações internacionais. Sendo a preocupação e insistência na natureza política da migração um traço distintivo da sua obra, uma peculiaridade que o separa de todos aqueles esquemas analíticos que reduzem o político a um fator ou uma variável no estudo da migração, ou apenas o associam às políticas migratórias (Domenech, 2020DOMENECH, Eduardo. Inmigración, política(s) y "pensamiento de Estado": la mirada crítica heterodoxa de Abdelmalek Sayad. In: DIAS, Gustavo; BÓGUS, Lucia; PEREIRA, José Carlos Alves; BAPTISTA, Dulce (orgs.). Inmigración, política(s) y "pensamiento de Estado": la mirada crítica heterodoxa de Abdelmalek Sayad. São Paulo: Educ, 2020, p. 93-113.).

Mas por que Sayad coloca o Estado-nação como determinante para a compreensão do fenômeno migratório no mundo contemporâneo?

O primeiro parágrafo do seu artigo “Estado, nación e inmigración” nos parece bastante revelador, quanto aos seus motivos:

Hoje, mais do que no passado, a ordem da imigração e, com ela, o seu corolário, a ordem da emigração, estão fundamentalmente ligadas à ordem nacional (ou às ordens nacionais). E se isto é verdade hoje mais do que no passado, é devido à generalização, incluso a universalização, do fato nacional e correlativamente da emigração e da imigração como fatos nacionais: uma vez concluída a descolonização (pelo menos estatal, isto é, nacional), atualmente, ao contrário do que tinha acontecido nos impérios coloniais e na era do imperialismo colonial, não há emigração que não provenha, salvo raras excepções, de um Estado independente (ou de uma ordem nacional); Além disso, a única forma dada hoje a uma comunidade de existir autenticamente, isto é, sob uma forma reconhecida - e reconhecida porque é imposta, como um reconhecimento que se impõe por si mesma - é existir nacionalmente (sob uma forma de Estado e politicamente, ou seja, garantido nacionalmente)2 2 Para referendar esta afirmação de Sayad, podemos citar o caso dos curdos, reconhecidos como a maior comunidade étnica apátrida na atualidade. E, portanto, a maior “nação” sem Estado no mundo. . (Sayad, 2008______. Estado, nación e inmigración. El orden nacional ante el desafío de la inmigración. Apuntes de Investigación del CECYP, n. 13, p. 101-116, 2008., p. 1013 3 As traduções de textos não publicados em português foram feitas pelos autores do artigo. )

Sayad apresenta duas considerações muito importantes, no que se refere à relação/ligação que ele identifica entre Estado-nação (ordem nacional/ordens nacionais) e migração internacional (ordem da imigração/ordem da emigração). A primeira é que não é possível tratar do direito à nacionalidade apenas da perspectiva de como esse evolui como ideia e realidade dentro de uma nação, dentro de suas dinâmicas históricas internas. A segunda consideração é a de que, para tratar da questão da nacionalidade (e, portanto, do “não-nacional” e das questões políticas, de direitos e pertencimentos que envolvem o nacional/o não-nacional), devemos levar em consideração, por um lado, a “colonização (ocorrida ontem) e, por outro lado, à imigração (ocorrida hoje)” (2008______. Estado, nación e inmigración. El orden nacional ante el desafío de la inmigración. Apuntes de Investigación del CECYP, n. 13, p. 101-116, 2008., p. 114). E Sayad aponta para uma questão ainda mais relevante: “(...) o desafio da imigração (conjugado com o da colonização) é infinitamente mais grave e mais violento que o desafio da colonização porque se desenrola no seio da nação e sobre o próprio território da nação” (2008______. Estado, nación e inmigración. El orden nacional ante el desafío de la inmigración. Apuntes de Investigación del CECYP, n. 13, p. 101-116, 2008., p. 115).

Seguimos Sayad por argumentos que vão na mesma direção de leituras recentes, como as desenvolvidas por autores como Miles Reding (2019REDING, Miles. Colonização de ontem e imigração de hoje: crítica pós-colonial de Abdelmalek Sayad ao Estado-nação. TRAVESSIA- Revista do Migrante, n. 86, p. 7-38, 2019.), Amín Perez (2020PÉREZ, Amín. A liberação do conhecimento: Bourdieu e Sayad ante o colonialismo. In: DIAS, Gustavo; BÓGUS, Lucia; PEREIRA, José Carlos Alves; BAPTISTA, Dulce (orgs.). A contemporaneidade do pensamento de Abdelmalek Sayad. São Paulo: Educ, 2020, p. 21-36.), Maria Villamar, Gisele Ribeiro (2020VILLAMAR, Maria Del Carmen Villareal; RIBEIRO, Gisele Maria Almeida. Abdelmalek Sayad e o pioneirismo do pensamento pós-colonial nos estudos migratórios. In: DIAS, Gustavo Dias; BÓGUA, Lucia; PEREIRA, José Carlos Alves; BAPTISTA, Dulce (org.). A contemporaneidade do pensamento de Abdelmalek Sayad. São Paulo: Editora da PUC SP, 2020, v. 1, p. 37-63. ) e Eduardo Domenech (2020DOMENECH, Eduardo. Inmigración, política(s) y "pensamiento de Estado": la mirada crítica heterodoxa de Abdelmalek Sayad. In: DIAS, Gustavo; BÓGUS, Lucia; PEREIRA, José Carlos Alves; BAPTISTA, Dulce (orgs.). Inmigración, política(s) y "pensamiento de Estado": la mirada crítica heterodoxa de Abdelmalek Sayad. São Paulo: Educ, 2020, p. 93-113.). O primeiro é o de que a sociologia crítica de Sayad sobre o fenômeno migratório internacional contemporâneo - e, por conseguinte, o que vem a ser um imigrante/emigrante - deve ser entendida em conjunto - e, portanto, de forma não separada - com as suas considerações sobre a natureza política da imigração/emigração e de que existe uma relação intrínseca entre Estado-nação e e/imigração. O segundo é o de que os estudos de Sayad sobre emigração/imigração correspondem também a uma crítica pós-colonial ao Estado-nação (nos termos dele, à ordem nacional/ordens nacionais). Como apontam Villamar e Ribeiro (2020VILLAMAR, Maria Del Carmen Villareal; RIBEIRO, Gisele Maria Almeida. Abdelmalek Sayad e o pioneirismo do pensamento pós-colonial nos estudos migratórios. In: DIAS, Gustavo Dias; BÓGUA, Lucia; PEREIRA, José Carlos Alves; BAPTISTA, Dulce (org.). A contemporaneidade do pensamento de Abdelmalek Sayad. São Paulo: Editora da PUC SP, 2020, v. 1, p. 37-63. ), Sayad é um pioneiro do pensamento pós-colonial nos estudos migratórios.

Os dois argumentos acima nos levam a um terceiro argumento: o de que o fenômeno migratório internacional na atualidade está fortemente relacionado a uma realidade pós-colonial. Uma realidade que pode ser tratada como pós-colonial porque, como aponta Sayad, ainda que o mundo de hoje não seja mais o do imperialismo colonial, ele ainda é um mundo onde estão presentes heranças coloniais. O que implica que, para usarmos termos decoloniais, há muito de colonialidade - de matriz colonial de poder (Mignolo, 2017MIGNOLO, Walter D. Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 32, n. 94, p. 1-18, 2017. ) - na migração, no ser (e ver-se e viver na condição de) e/imigrante no mundo contemporâneo. Um mundo pós-colonial no qual, como indica Sayad, há uma hegemonia política dos Estados-nação. O que, por conseguinte, torna quase que impossível pensar a questão imigratória na atualidade (e seu corolário, a emigração) sem levar em conta a presença, o papel e os impactos dos Estados-nação na migração internacional contemporânea e nas vidas das e dos e/imigrantes.

Portanto, quando consideramos o tema central deste artigo - o da naturalização - torna-se evidente que não deveríamos pensar tal tema sem considerar as questões da e/imigração e dos Estados-nação e como elas estão relacionadas entre si. Pois, como Sayad nos ajuda a compreender, as realidades dos Estados-nação, da e/imigração e da nacionalidade no mundo contemporâneo são realidades sobrepostas e interconectadas. Logo, nos nossos esforços em buscar compreender questões como a da nacionalidade - e, também, seu modo secundário de obtê-la, que é a naturalização - devemos também nos esforçar em compreender, conjuntamente, as realidades do e/imigrante a dos Estados-nação neste mundo de hoje, no qual vivemos.

Pensamento de Estado: a imigração relacionada ao Estado e a Nação

Para Sayad (1996______. Entrevista. Colonialismo e migrações. Mana. Estudos de Antropologia Social, v. 2, n. 1, p. 155-170, 1996.) refletir sobre a imigração e sobre a emigração implica pensar o Estado-nação. Ele está nas duas pontas do processo. Tanto no Estado-nação de onde o emigrante partiu, quanto no Estado-nação aonde ele chega. Logo, falar desse processo é uma forma de refletir sobre a constituição do poder central do Estado, não é alguma coisa que esteja fora dele.

Para o sociólogo argelino, o Estado não é apenas um organismo burocrático. É também uma estrutura mental a que denomina de "pensamento de estado”: “uma forma de pensamento que reflete, através de suas próprias estruturas (estruturas mentais), as estruturas do Estado, tal como foram internalizadas no âmago de cada indivíduo, tal como cada um as incorporou a si mesmo, as incorporou no sentido literal do termo, ou seja, as tornou parte de seu ser” (Sayad, 1998b______. L'immigration et la pensée d'Etat. Regards sociologiques, n. 16, p. 5-21, 1998b., p. 5).

Para Sayad, no desenvolvimento desse “pensamento de estado” desempenham importante função as agências de socialização do próprio Estado, posto que educam os cidadãos para reproduzirem as suas categorias de pensamento, seus princípios comuns de visão e divisão, que depois os cidadãos aplicarão para analisar a realidade social, incluso a própria realidade migratória. O Estado, portanto, consolida-se ao reproduzir nos cidadãos os conhecimentos e percepções que estruturam a sua ordem social, garantindo a sua sobrevivência não só a nível material, mas também a nível simbólico. Assim, uma das prerrogativas do Estado é a de criar cidadãos que pensam o mundo de acordo com as categorias estatais e que não questionem a divisão entre nacionais e não nacionais. Dessa forma - principalmente, mas não somente - através de instituições como a escola4 4 Podemos considerar, portanto, que o sistema de ensino, sob a égide do Estado, funciona como uma instância na qual ocorrem situações de dominação que estão articuladas, de alguma forma, com os resultados das disputas de interesse e das relações de força que caracterizam a existência do próprio Estado. Consequentemente, ele funciona como um instrumento posto a serviço dessa dominação, que se estrutura e atua para corresponder aos projetos políticos elaborados pelas forças hegemônicas dentro do Estado. , o Estado fabrica seres humanos de Estado, (re)produzindo a naturalização de seus próprios e arbitrários pressupostos históricos, modelando as mentes dos cidadãos para perceber a realidade social com base em suas categorias (Gerbeau, 2018GERBEAU, Yoan M. Programas de migración temporal ¿la utopía del pensamiento de Estado hecha realidad?. In: AVALLONE, Gennaro; SANTAMARÍA, Enrique (orgs.). Abdelmalek Sayad: una lectura crítica. Migraciones, saberes y luchas (sociales y culturales). Madrid: Dado Ediciones, 2018. ).

Mostrando que pensar o Estado é pensar a imigração-emigração (e vice-versa), Sayad (1998b______. L'immigration et la pensée d'Etat. Regards sociologiques, n. 16, p. 5-21, 1998b., 2008______. Estado, nación e inmigración. El orden nacional ante el desafío de la inmigración. Apuntes de Investigación del CECYP, n. 13, p. 101-116, 2008.) nos ajuda a compreender criticamente as contradições e os paradoxos da imigração-emigração:

Pensar a imigração (ou a emigração), é pensar o Estado. É o Estado que se pensa a si mesmo ao pensar a imigração (ou a emigração) e, na medida em que não tem consciência que, assim fazendo, pensa-se a si mesmo, termina por se enunciar naquilo que tem de mais essencial e, ao mesmo tempo, enunciar da maneira mais evidente as regras de seu funcionamento e revelar as bases de sua instituição. (Sayad, 2000______. O retorno. Elemento constitutivo da condição do imigrante. TRAVESSIA- Revista do Migrante, n. 13 (número especial), 2000., p. 20)

E para pensar o Estado é preciso considerar a sua “soberania”, que também é uma soberania territorial, pois não há imigração internacional sem Estados soberanos de um dado território, dentro do qual podem exercer a sua soberania sobre o estrangeiro que lá se encontra. E ali o Estado incorpora como um de seus objetivos o de limitar e controlar a livre circulação de corpos, na medida em que dispõem de um território físico delimitado por fronteiras específicas sobre as quais exerce a sua soberania.

É em um território dominado por um Estado soberano que um estrangeiro se torna um imigrante. Como efeito, aponta Sayad (2008______. Estado, nación e inmigración. El orden nacional ante el desafío de la inmigración. Apuntes de Investigación del CECYP, n. 13, p. 101-116, 2008.), a imigração passa a ser a presença no interior da ordem nacional (da nação) de não nacionais. E, por simetria, a emigração é a ausência, é o estar fora da ordem nacional dos "nacionais". O que implica na presença dos "nacionais" em outra “ordem nacional”.

Essa dupla condição - de imigrante como “não nacional” presente na ordem nacional e, simetricamente, de emigrante como "nacional" ausente da ordem nacional - nos ajuda a compreender melhor um bem conhecido texto de Sayad: “O que é um imigrante” (1998a______. A imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo, Edusp, 1998a.). Principalmente o que ele aponta como a “ilusão da provisoriedade”, que implica no imigrante dissimular de si mesmo a verdade de sua condição migratória: o paradoxo da sua situação imigratória duradoura de fato, em um estado provisório de direito (Sayad, 1998a______. A imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo, Edusp, 1998a.).

Para Sayad a “provisoriedade” é uma “ilusão” porque a condição migratória não consegue colocar em conformidade o direito e o fato, condenando o imigrante a engendrar uma situação que parece destinar sua condição migratória a uma dupla contradição: a de oscilar, segundo as circunstâncias, entre o estado provisório que a define de direito e uma situação duradoura que a caracteriza de fato. Paradoxo e “ilusão” alicerçada no fato de que “para a sociedade receptora, um imigrante só tem razão de ser no modo do provisório e com a condição de que se conforme ao que se espera dele” (Sayad, 1998a______. A imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo, Edusp, 1998a., p. 55).

Mas o que a sociedade receptora espera do imigrante?

Sayad aponta que, para essa sociedade, o imigrante “só está aqui e só tem sua razão de ser pelo trabalho e no trabalho; porque se precisa dele, enquanto se precisa dele, para aquilo que se precisa dele e lá onde se precisa dele” (Sayad, 1998a______. A imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo, Edusp, 1998a., p. 55). É o imigrante sendo visto, essencialmente, como uma força de trabalho, uma força de trabalho provisória, temporária, em trânsito. Daí porque a presença do imigrante em determinadas sociedades só faz sentido em momentos de expansão econômica, para ocupar postos de trabalho sobressalentes. O trabalho do imigrante é o trabalho que o mercado de trabalho para imigrantes lhe atribui e no lugar em que lhe é atribuído, na expectativa de que o imigrante desapareça no momento em que desaparecer o trabalho que lhe caberia.

Essa visão e tratamento dado ao imigrante - como um não nacional que está ali provisoriamente, e cuja presença só se justifica em razão do trabalho - tem grandes consequências para ele. Principalmente sua exclusão política. Uma exclusão política que forja a própria condição de ser visto e tratado como imigrante:

o imigrante que há de ser a título provisório e apenas para fins de trabalho, não pode mais que estar excluído da esfera política. É do trabalho e não da política, é da fábrica e do prédio em construção e não da cidade que o imigrante extrai não só a sua existência, mas também a aparência de legitimidade indispensável a qualquer presença estrangeira, "não nacional". (Sayad, 2008______. Estado, nación e inmigración. El orden nacional ante el desafío de la inmigración. Apuntes de Investigación del CECYP, n. 13, p. 101-116, 2008., p. 104)

Isso resulta numa dupla exclusão política do imigrante-emigrante: exclusão de direito no caso do imigrante e exclusão de fato no caso do emigrante. Uma exclusão que termina se projetando para uma recusa, uma negação do direito à vida, na medida em que no mundo em que vivemos a identidade civil (ou cívica) contém em si a identidade pessoal, que é um dos seus efeitos. Portanto, estando o migrante excluído de direito da ordem nacional no lugar em que ele é um imigrante e, de fato, da ordem nacional na qual ele é um emigrante, ele está privado e priva-se

do direito mais fundamental, que é o direito do nacional, o direito a ter direitos, o direito de pertencer a um corpo político, de ter um lugar, uma residência, uma verdadeira legitimidade. Ou seja, é o direito de poder dar sentido e razão aos seus atos, às suas palavras, à sua existência; é o direito de poder ter uma história, um passado e um futuro e a possibilidade de se apropriar deste passado e futuro, à possibilidade de ter domínio sobre a história. (Sayad, 2008______. Estado, nación e inmigración. El orden nacional ante el desafío de la inmigración. Apuntes de Investigación del CECYP, n. 13, p. 101-116, 2008., p. 105)

Essa redução da existência do imigrante ao seu estatuto administrativo de não nacional se traduz, silogisticamente, por uma condição de não cidadania e, subsequentemente, de não humanidade, onde essa oposição nacional/não nacional termina sendo uma arbitrariedade jurídica que degenera em injustiça social, na medida em que sustenta e alimenta todas as discriminações e injustiças vividas pelo imigrante (Elhajji, 2017ELHAJJI, Mohammed. Migrantes, uma minoria transacional em busca de cidadania universal. Interin (UTP), v. 22, p. 203-220, 2017.). É nesse ponto que o legalismo - ou seja, a consideração prioritária apenas do estatuto jurídico e a exclusão de outras características (sociais, linguísticas, culturais, etc.) - justifica-se e ganha força como a forma efetivamente adequada de identificação ou distinção, como único terreno para a compreensão do que realmente deve ser aceito como legítimo.

Parte do paradoxo é que isso termina sendo válido tanto para o país da imigração, quanto o da emigração, pois ocorre uma "cumplicidade" entre ambos os países, no que se refere à ocultação comum da natureza e dos efeitos políticos da emigração e da imigração. Uma cumplicidade que busca evitar que a ordem nacional - ou, mais precisamente, as duas ordens nacionais aqui fundamentalmente unidas em interesses semelhantes - seja atacada.

Há, contudo, um aspecto das contribuições de Sayad que não pode ser deixado de lado: ele nos ajuda a enxergar o caráter disruptivo da imigração no mundo contemporâneo. E se ela é disruptiva, é porque - como ele enfatiza - as duas ordens - isto é, a do âmbito nacional e a do âmbito da imigração - estão consubstancialmente ligadas uma à outra: não se pode falar de uma sem falar da outra ou ser reenviado à outra. A imigração é, assim, a ocasião de realizar praticamente, no modo da experiência, a confrontação entre nacional e não-nacional, pois o imigrante desafia a ordem nacional, atenta contra a sua integridade, ao estar ali como uma presença indesejada e inconveniente, revelando que o controle do Estado não é total e que a homogeneidade nacional é uma falácia.

Para Sayad o imigrante confronta a própria ideia sobre o que é e quem é um “nacional”, o que é, quem é ou quem deveria ser um “cidadão”. O imigrante traz consigo as possibilidades de se colocar em xeque muitas das aparentemente óbvias - mas, de fato, ilusórias - certezas da “nacionalidade”. A existência dos imigrantes, no mundo de hoje, é um confronto a tais certezas. E é nesta direção que buscamos abordar o tema central deste artigo, a questão da naturalização a partir das contribuições de Abdelmalek Sayad, dado que pensar a questão da naturalização nos ajuda a compreendermos as relações entre ordem nacional (ordens nacionais) e ordem da imigração sob novas perspectivas e possibilidades.

Ato de magia: a noção de naturalização na obra de Abdelmalek Sayad

As contribuições de Sayad sobre a naturalização ganham mais significado quando consideramos aspectos ligados à sua vida e ao que ele vivenciou: o fato de ele ser argelino; o processo de independência da Argélia, motivado pela luta dos argelinos contra as condições coloniais às quais eram submetidos pela França; a imigração argelina na França.

Em relação às condições coloniais francesas na Argélia, destacamos o tratamento, status e normatização jurídica e administrativa de tratamento desigual entre os estrangeiros de origem europeia (cidadãos de pleno direito, como qualquer cidadão francês na metrópole) e os argelinos nativos, que tinham o que equivalia como que uma cidadania de segunda classe, com direitos civis e políticos restritos (com algumas exceções e que eram muito mal vistos pelo resto da população nativa). Naquele contexto, os franceses muçulmanos, quando migravam para França como trabalhadores coloniais, se convertiam automaticamente em cidadãos franceses com direitos equivalentes à população nativa francesa (Provansal, 2018PROVANSAL, Danielle. Abdelmalek Sayad o el doble exilio. In: AVALLONE, Gennaro, SANTAMARÍA, Enrique (orgs.). Abdelmalek Sayad: una lectura crítica. Migraciones, saberes y luchas (sociales y culturales). Madrid: Dado Ediciones, 2018. ).

Já o cenário pós independência, ocorrido em 1962, era outro. Deixou de existir, por exemplo, a categoria híbrida que fazia argelinos serem franceses muçulmanos na Argélia e cidadãos franceses na França. E até 1967 ficou aberta a possibilidade de um argelino adquirir a nacionalidade francesa, mediante solicitação. Mas, com exceção dos que tinham tomado abertamente partido pelo regime colonial, aderir a essa opção era visto como uma traição.

Sayad mostra que os argelinos que migraram para a França encontraram uma situação adversa, pois a possibilidade dada de adquirir cidadania francesa envolvia uma escolha difícil: ou bem optavam por ser cidadãos franceses de segunda classe, com limitada ascensão social e com poucas chances de deixar as tarefas laborais duras; ou permaneciam estrangeiros (argelinos), vivendo o risco de perderem seus empregos. Também não tinham a segurança de encontrar um meio de subsistência na Argélia, devido à situação do país. E para o e/imigrante, regressar à sua região de origem significava levar o estigma de quem abandonou os valores da cultura de seus pais. Principalmente o da solidariedade familiar e comunitária, vista como uma essência sagrada da identidade argelina (Provansal, 2018PROVANSAL, Danielle. Abdelmalek Sayad o el doble exilio. In: AVALLONE, Gennaro, SANTAMARÍA, Enrique (orgs.). Abdelmalek Sayad: una lectura crítica. Migraciones, saberes y luchas (sociales y culturales). Madrid: Dado Ediciones, 2018. ).

A situação desses argelinos na França era dramática porque, segundo Sayad (2008______. Estado, nación e inmigración. El orden nacional ante el desafío de la inmigración. Apuntes de Investigación del CECYP, n. 13, p. 101-116, 2008.), só existem duas formas de se existir dentro do Estado: uma forma legítima, a dos nacionais; e uma forma ilegítima em si mesma, a dos imigrantes, não nacionais (Sayad, 2008______. Estado, nación e inmigración. El orden nacional ante el desafío de la inmigración. Apuntes de Investigación del CECYP, n. 13, p. 101-116, 2008.), que implica numa exclusão política, que torna o estrangeiro um sujeito abstrato e abjeto, a quem não é permitida uma existência, ou uma experiência plena.

É essa pressuposta ilegitimidade da existência e presença do imigrante5 5 Nesse sentido, podemos considerar que termos como “ilegais”, “não-documentados”, “sem-papeis”, etc., são termos tautológicos, que reificam essa pressuposta ilegitimidade da existência e presença do imigrante. que torna a naturalização uma forma de resolver o que é visto como um problema: a condição de ser imigrante. Isto porque parte-se do princípio de que não estando o imigrante em conformidade com a ordem instituída - cuja base é a oposição fundamental entre "nacional" e "não nacional" -, ele deve, mais cedo ou mais tarde, inevitavelmente, resolver esse “problema”, que é a sua presença ali, como “não nacional”. E é nesse quadro que a naturalização surge como uma “operação de ‘transubstancialização’ pela qual o cidadão ou o nacional de uma nação e de uma nacionalidade se torna cidadão ou nacional de outra nação e de outra nacionalidade” (Sayad, 2008______. Estado, nación e inmigración. El orden nacional ante el desafío de la inmigración. Apuntes de Investigación del CECYP, n. 13, p. 101-116, 2008., p. 109).

Para Sayad, contudo, a naturalização é tão arbitrária que é como se fosse construída por um ato de magia

Ao trabalhar sobre a imigração, mostrando o processo de construção do arbitrário que se produz na própria construção social do imigrante, eu estava trabalhando sobre a gênese social do Estado, mostrando ao mesmo tempo, os mecanismos de produção do arbitrário e a fragilidade em que se baseiam todos os atos de naturalização que o constituem: até dez para a meia-noite a pessoa é argelina; à meia-noite e um minuto - isto é, quando o ato aparece no Diário Oficial - ela já é francesa. É um autêntico ato de magia no qual se constrói a naturalização (grifo nosso). (1996______. Entrevista. Colonialismo e migrações. Mana. Estudos de Antropologia Social, v. 2, n. 1, p. 155-170, 1996., p. 167)

Ou seja, como num passe de mágica, a naturalização teria a função de transformar em pessoas “naturais” de um país indivíduos que não são “naturais” e que gostariam de ser. Mas, ao fazer isso, a naturalização produz pessoas “naturalizadas” a partir de corpos estrangeiros. O que levanta implicitamente a questão do que é ser e tornar-se “natural”. Sayad aponta que o dito “natural” é, na realidade, uma forma de não ter que pensar em si mesmo como o produto de condições sociais e históricas particulares e que ser “naturalmente natural” é não ter que questionar o que é “natural”, aceitando-o como algo dado “naturalmente e desde toda a eternidade”: qualidade, modo de ser, modo de pertencer e modo de existência nacional, etc., todas as coisas cuja característica fundamental é não poderem ser questionadas e às quais se adere maciçamente, caridosamente, com cada fibra do próprio corpo. Isso numa lógica na qual é a dicotomia nacional/não nacional, a distinção entre “nós” e “eles” (“os outros”) e o processo de naturalização que definem quais atributos são necessários/desejáveis para que “eles” (“os outros”) façam parte de “nós” (Sayad, 2008______. Estado, nación e inmigración. El orden nacional ante el desafío de la inmigración. Apuntes de Investigación del CECYP, n. 13, p. 101-116, 2008.).

Sayad (2010______. La doble ausencia: de las ilusiones del emigrado a los padecimientos del inmigrado. Barcelona: Anthropos, 2010.) denomina isso de “suave violência”, se considerarmos que o que a pessoa que vai adquirir a nacionalidade - naturalizar-se - deseja é apenas que tudo fosse tratado como um trâmite administrativo, uma simples atribuição de novos documentos de identidade com o fim de unicamente conseguir determinadas comodidades práticas que precisam e são impedidos de ter ou acessar.

Mas da perspectiva da sociedade receptora, da ótica dos nacionais, estes desejam que a obtenção da nacionalidade por parte de um migrante signifique algo como ir a Canossa. Ou seja, a naturalização é, efetivamente, uma operação de anexação, que envolve anexar por um lado, e deixar-se anexar por outro. Logo, é necessária uma “grande fé” (ou uma “má-fé”) para que a relação inscrita na naturalização, e dada como um intercâmbio equilibrado do ponto de vista da nacionalidade jurídica, não seja ou não apareça como é no fundo, a saber, uma relação de força ou uma relação baseada no desafio e na réplica, à maneira das relações de honra.

A naturalização é vista como uma honraria que deve ser merecida e que é preciso pagar por ela antes e depois. A cerimônia tem seus ritos propiciatórios e votivos. Como ocorre com um favor insigne, a naturalização honra o naturalizado que integra, conferindo-lhe a qualidade (de francês) e a dignidade (de francês). (Sayad, 2010______. La doble ausencia: de las ilusiones del emigrado a los padecimientos del inmigrado. Barcelona: Anthropos, 2010., p. 319)

Sayad aqui nos mostra que o processo de naturalização envolve inclusive um rito de iniciação, uma cerimônia pública e solene em que o naturalizando declara sua lealdade através de um juramento cívico. E isso não é exclusivo do caso francês. O mesmo ocorre, por exemplo, no processo de aquisição da nacionalidade estadunidense, no qual aquele que vai receber aquela cidadania deve participar de uma cerimônia de naturalização, onde deve realizar um juramento de fidelidade à nação americana - o “Naturalization Oath of Allegiance to the United States of America”6 6 Ver “Naturalization Oath of Allegiance to the United States of America” em: https://www.uscis.gov/citizenship/learn-about-citizenship/the-naturalization-interview-and-test/naturalization-oath-of-allegiance-to-the-united-states-of-america. Acesso em: 20.09.2023. -, para enfim receber o certificado de naturalização.

Seguindo Sayad, salientamos que - sem a intenção de incriminar o que pode vir a ser uma insinceridade dos declarantes, ou a duplicidade das suas palavras e do seu comportamento - é importante saber que tudo o que se pode dizer sobre a relação com a nacionalidade que se deixa, depende do contexto em que se diz e tem o seu significado construído a partir desse contexto. E isto é válido tanto para juramentos cívicos, quanto para situações em que são exigidas declarações públicas sobre as razões que levaram alguém a se naturalizar. Ou seja, alguns discursos são prisioneiros da situação em que são produzidos, pois sua função essencial consiste em dar a seus autores e seus semelhantes, a imagem mais de acordo com seus interesses do momento e com uma representação mais próxima daquilo que precisamente se espera deles.

A naturalização é, assim, uma relação fundamentalmente desigual entre, por um lado, um parceiro que é obrigado a requerer a naturalização e é obrigado a fingir que age sem qualquer constrangimento, por vontade, por opção, em total liberdade e, por outro lado, por um parceiro que tem todo o poder, dentro dos limites do que é autorizado pela lei, para conceder ou recusar aquilo que se configura como um favor, a partir de exigências de uma espécie de hipercorreção em relação às pessoas naturalizadas (Sayad, 1993SAYAD, Abdelmalek. Naturels et naturalisés. Actes de la recherche en sciences sociales, n. 99, p. 26-35,1993.). É como se para elas não bastasse, por exemplo, ser um bom trabalhador. É preciso ser sempre muito bom trabalhador. Não basta ser uma boa pessoa, dela exige-se ser uma muito boa pessoa.

Nesta perspectiva, a história de Mamoudou Gassama tem caráter exemplar. O que a torna um substrato que fundamenta o acesso de estrangeiros à nacionalidade e consequentemente à cidadania: a conduta individual é submetida a uma cruel exigência de civilidade ou hipercorreção social. É preciso transformar-se em Homem-Aranha da vida real para ganhar o direito a ter direitos, para tornar-se digno de ser francês.

Em “La doble ausencia”, Sayad exemplifica essa exigência de hipercorreção - colocando em evidência um tema muito relevante hoje, o problema do racismo - por meio do caso de Bernard (que “é na verdade um Mohamed”). Através do caso de Bernard/Mohamed7 7 O caso Bernard/Mohamed é abordado por Sayad no seu livro “La doble ausencia”, no capitulo 11 - “La Naturalizacion” -, no tópico “El cuerpo del naturalizado” (2010, p. 362-368). Trata-se do testemunho de um de seus informantes, onde esse argumenta como o fato de ter um nome árabe (Mohamed), e não um nome francês (Bernard) é capaz de mobilizar todo um conjunto de imaginários e juízos de valor sobre o corpo de um imigrante. Sayad nos mostra que o imigrante - “a menos que (eventualmente) caia - e isso acontece - em um racismo declarado, em um racismo impenitente - porque os racistas comuns são legião e negam ser racistas, (já que) racista virou um insulto e ninguém quer ser insultado ou se insultar dizendo que é racista” - é, na maior parte das vezes, submetido a formas menos explícitas de racismo. É o racismo das pessoas que estão

“contentes por encontrar um imigrante que não é como os outros e, evidentemente, o crédito por isso pertence a eles, à sua sociedade, à sociedade francesa que os ‘civilizou’: ‘é árabe..., mas trabalha bem’. (...) ‘Ele é árabe, mas dei-lhe trabalho’”. Sendo que, “o que eu vejo é se o trabalho é bem feito, só isso, o resto não é da minha conta". São pessoas que, intuitivamente, sentem a vantagem em ter ao lado delas um árabe, um negro, um asiático, cujo trabalho será mais barato. Mas um trabalho “árabe, para árabe” (Logo, se for bem feito, ótimo, “se for mal feito, não é surpresa, é um ‘trabalho árabe’)”. (2010______. La doble ausencia: de las ilusiones del emigrado a los padecimientos del inmigrado. Barcelona: Anthropos, 2010., p. 366)

Existem, portanto, dimensões concretas da experiência de ser imigrante que são cruciais e constitutivas de sua identidade. E através do caso de Bernard/Mohamed percebemos como as relações de poder se organizam através do que é falado, de certas falas que se tornam estruturantes de subjetividades, moldando a forma como as pessoas veem, percebem e agem em relação ao mundo e às outras pessoas que as cerca.

Mas como para Sayad todo imigrante é um emigrante, ele também nos mostra que há um sentimento forte em quase todos os naturalizados, que se assemelha ao de ter sido excomungado pela sua sociedade de origem. Entre os argelinos naturalizados franceses que ele pesquisou, muitos possuíam um intenso sentimento de culpabilidade, acreditando terem sido colocados ou se colocando à margem de sua comunidade de pertencimento. E também descreve que eles se abstêm de reaparecer em sua comunidade e reafirmar sua relação com ela, considerando a ruptura ocasionada pela naturalização como uma negação definitiva e irremediável, cujo preço inevitável a ser pago é serem negados pelos seus.

Além de evidenciar aspectos encobertos da relação entre a pessoa que se naturaliza com a sociedade receptora e com a sociedade de origem, o autor revela que o ato de adquirir outra nacionalidade e a forma de adquiri-la - seja pela naturalização ou pelo nascimento - cria desigualdades entre os membros de uma mesma família. A legislação que regula a aquisição da nacionalidade, nesse caso, torna as famílias divididas e preocupadas em refazer sua unidade ou reencontrar uma relativa homogeneidade:

Não podemos estar divididos: uns de um lado, outros de outro; uns argelinos e outros franceses. São irmãos e irmãs, do mesmo pai e da mesma mãe, não há nenhuma diferença entre uns, mais velhos, e outros mais jovens, entre os primeiros e os últimos. É necessário que estejam todos juntos, ou franceses, ou argelinos e não uma parte deles, argelinos e a outra, franceses. Isto é injusto..., mas como não podem ser todos argelinos aqui na França, então que sejam todos franceses [...]. (Sayad, 2010______. La doble ausencia: de las ilusiones del emigrado a los padecimientos del inmigrado. Barcelona: Anthropos, 2010., p. 349)

A diferenciação jurídica decorrente da naturalização impõe trajetórias sociais distintas aos membros de uma mesma família, revelando a distância que a imigração introduz entre pais e filhos de diferentes gerações (Dias, 2020DIAS, Gustavo. Da objetificação à humanização: uma leitura crítica sobre o conceito de imigrante na obra de Abdelmalek Sayad. In: DIAS, Gustavo; BÓGUS, Lucia; PEREIRA, José Carlos Alves; BAPTISTA, Dulce (orgs.). A contemporaneidade do pensamento de Abdelmalek Sayad. São Paulo: Educ, 2020, p. 65-92.). E, nessa direção, muitos estudos continuam considerando a relação entre o status legal e o status geracional e como eles moldam o senso de pertencimento de uma pessoa na sociedade. Há uma literatura que vem sendo desenvolvida sobre o assunto que sustenta que o status legal é uma forma de estratificação, moldando oportunidades de vida e aspectos não materiais da vida dos imigrantes. Por exemplo, enquanto Sayad, nas últimas décadas do séc. XX, descreveu as diferenças existentes entre nacionais e não nacionais, autores como Roberto Gonzales (2016GONZALES, Roberto G. Lives in limbo: Undocumented and coming of age in America. Berkeley: University of California Press, 2016.) e Klara Cebulko (2014CEBULKO, Klara. Documented, Undocumented, and Liminally Legal: legal status during the transition to adulthood for 1.5-generation brazilian immigrants. The Sociological Quarterly, v. 55, n. 1, p. 143-167, 2014. ), mais recentemente, refletem sobre o binário documentado/não documentado no contexto estadunidense. Para Cebulko (2014)CEBULKO, Klara. Documented, Undocumented, and Liminally Legal: legal status during the transition to adulthood for 1.5-generation brazilian immigrants. The Sociological Quarterly, v. 55, n. 1, p. 143-167, 2014. , por exemplo, os estudos do status legal como uma forma de estratificação social foram amplamente marcados pela reificação do binário autorizado/não autorizado. Para ela, contudo, embora a presença territorial de uma pessoa possa conferir direitos, é o lugar da pessoa no esquema de imigração de um país que, em última análise, concede direitos e benefícios. No caso pesquisado por ela, de jovens filhos de imigrantes brasileiros nos Estados Unidos, ela identifica quatro categorias de status legal: indocumentado, legalidade liminar, residente permanente legal e cidadão. E sua pesquisa mostra que os próprios jovens reconhecem uma hierarquia de várias categorias de status legal e passam a compreender suas próprias posições e experiências vividas em relação ao outro. Logo, ao determinar quem e em quais condições uma pessoa pode atravessar suas fronteiras, e quais são as leis de imigração e de nacionalidade, um Estado-nação produz categorias de filiação legal que conferem direitos políticos e sociais que são desigualmente distribuídos entre essas categorias existentes.

Tanto a análise de Sayad no final do séc. XX, como análises posteriores, como as de Gonzales (2016GONZALES, Roberto G. Lives in limbo: Undocumented and coming of age in America. Berkeley: University of California Press, 2016.) e Cebulko (2014CEBULKO, Klara. Documented, Undocumented, and Liminally Legal: legal status during the transition to adulthood for 1.5-generation brazilian immigrants. The Sociological Quarterly, v. 55, n. 1, p. 143-167, 2014. ), mostram que a identificação negativa do imigrante, enquanto não-cidadão, não-nacional e, em certos casos, um quase não-humano, gera a sua “clandestinidade” e “ilegalidade”. E isso é parte, na verdade, de etapas de uma estratégia econômica-política para a sua redução a mão de obra descartável e sem poder de resistência ou barganha.

Sayad também trata do problema dos estigmas que recaem sobre os imigrantes e como esses os vivenciam. E ele se utiliza das contribuições de Erving Goffman (1988GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Trad. M. B. M. L. Nunes. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988.), para analisar uma série de características físicas e culturais que as pessoas imigrantes naturalizadas possuem, analisando como elas são estigmatizadas na vida cotidiana e como fazem para lidar com isso.

Partindo da ideia de Goffman de que o estigma corresponde a uma maneira de identificar uma pessoa de forma negativa - i.e., como uma marca de inferioridade social -, Sayad (2010______. La doble ausencia: de las ilusiones del emigrado a los padecimientos del inmigrado. Barcelona: Anthropos, 2010.) mostra como, no caso dos imigrantes, os estigmas são da ordem da visibilidade. São as características físicas, o físico da pessoa, que são vistas primeiro. O imigrante, mais do que todos os outros dominados, como regra geral, tem apenas o seu corpo, ele existe através do seu corpo. E seu nome, seu sotaque, as marcas impressas no seu corpo - o cabelo, a barba, a tatuagem, as roupas - são características incorporadas no seu corpo que são estigmatizadas e que suportam o estigma. E, como aponta Goffman (1988GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Trad. M. B. M. L. Nunes. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988., p. 15), à pessoa estigmatizada é atribuída a condição de não-pessoa, pois o estigma tem um profundo sentido depreciativo, é um atributo que torna alguém “diferente” das pessoas vistas como “comuns”, caracterizando-a como inferior. Trata-se do preconceito que se alimenta e se sustenta a partir do processo de estigmatização e que gera exclusão, invisibilidade social e intolerância.

Pelas contribuições de Sayad concluímos, portanto, que a naturalização, longe de ser “uma solução para todos os seus problemas” - como é comumente apresentada -, na prática mostra-se incapaz de realmente reduzir muitas das diferenças objetivas, dos conflitos, das assimetrias e desigualdades vivenciadas pelo imigrante. Em boa parte, o que ela faz é modificar a natureza dos problemas vivenciados por ele: os seus problemas outrora comuns, ligados à especificidade do seu estatuto legal anterior, agora são problemas como o de identidade dentro da nação, são problemas nacionais, concernentes a grupos de nacionais. Ela também não oblitera o que ele traz no seu corpo, nem faz desaparecer sua história, sua origem e experiências vividas. Não anula sua exposição aos estigmas, ao racismo, à xenofobia. Em suma, pela naturalização um não-nacional pode não ser mais juridicamente um estrangeiro. Mas continuará tendo em si e levando consigo muito do que lhe torna um imigrante.

Ao desnaturalizar a naturalização, Sayad nos convida a repensar os modelos de gestão dos fluxos migratórios, buscando alternativas mais justas e humanizadas. Ao explicitarmos as contradições e desafios desse instituto jurídico, reforçamos a necessidade de reavaliar o papel do Estado-nação na construção da identidade e da cidadania, reconhecendo a diversidade cultural e promovendo a inclusão social das pessoas migrantes.

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  • 1
    Distingue-se a nacionalidade em duas espécies: primária ou originária e secundária ou voluntária. A nacionalidade primária resulta de fato natural (nascimento), a partir do qual, de acordo com os critérios adotados pelo Estado, será estabelecida. Considera-se um tipo de aquisição involuntária de nacionalidade, pois é imposta de maneira unilateral e soberana pelo Estado. São dois os critérios para a atribuição da nacionalidade primária: o critério da origem sanguínea (ius sanguinis) e o de origem territorial (ius soli). O critério do ius sanguinis funda-se no vínculo do sangue, segundo o qual a nacionalidade dos pais determina a nacionalidade dos filhos, independente do lugar de nascimento. Nesse caso, a atribuição da nacionalidade decorre do próprio fato da filiação. Já o critério ius soli, considera como fator preponderante o local de nascimento. Será considerado nacional aquele que nasce dentro dos limites territoriais do Estado (Cahali, 2010CAHALI, Yussef Said. Estatuto do estrangeiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.).
  • 2
    Para referendar esta afirmação de Sayad, podemos citar o caso dos curdos, reconhecidos como a maior comunidade étnica apátrida na atualidade. E, portanto, a maior “nação” sem Estado no mundo.
  • 3
    As traduções de textos não publicados em português foram feitas pelos autores do artigo.
  • 4
    Podemos considerar, portanto, que o sistema de ensino, sob a égide do Estado, funciona como uma instância na qual ocorrem situações de dominação que estão articuladas, de alguma forma, com os resultados das disputas de interesse e das relações de força que caracterizam a existência do próprio Estado. Consequentemente, ele funciona como um instrumento posto a serviço dessa dominação, que se estrutura e atua para corresponder aos projetos políticos elaborados pelas forças hegemônicas dentro do Estado.
  • 5
    Nesse sentido, podemos considerar que termos como “ilegais”, “não-documentados”, “sem-papeis”, etc., são termos tautológicos, que reificam essa pressuposta ilegitimidade da existência e presença do imigrante.
  • 6
    Ver “Naturalization Oath of Allegiance to the United States of America” em: https://www.uscis.gov/citizenship/learn-about-citizenship/the-naturalization-interview-and-test/naturalization-oath-of-allegiance-to-the-united-states-of-america. Acesso em: 20.09.2023.
  • 7
    O caso Bernard/Mohamed é abordado por Sayad no seu livro “La doble ausencia”, no capitulo 11 - “La Naturalizacion” -, no tópico “El cuerpo del naturalizado” (2010______. La doble ausencia: de las ilusiones del emigrado a los padecimientos del inmigrado. Barcelona: Anthropos, 2010., p. 362-368). Trata-se do testemunho de um de seus informantes, onde esse argumenta como o fato de ter um nome árabe (Mohamed), e não um nome francês (Bernard) é capaz de mobilizar todo um conjunto de imaginários e juízos de valor sobre o corpo de um imigrante.

Editores do dossiê

Gustavo Dias, Gennaro Avallone

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    05 Fev 2024
  • Aceito
    28 Maio 2024
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