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Imigração haitiana no Brasil: questão humanitária e reunião familiar

Haitian immigration in Brazil: humanitarian subject and family reunification

Resumo

Esse trabalho analisa os pedidos judiciais de reunião familiar realizados por nacionais do Haiti residentes no Brasil. Esse fenômeno evidencia uma nova fase na dinâmica dessa migração, acompanhando as reconfigurações das relações bilaterais entre ambos os países. Se, no começo do fluxo, as possibilidades de regularização migratória refletiam o papel desempenhado pelo Brasil na MINUSTAH, atualmente, os entraves burocráticos impostos a essa mobilidade demonstram o recrudescimento da crise migratória no destino, expressa sobretudo na regulamentação e nos constrangimentos estabelecidos pelo Estado brasileiro. Nesse contexto, o Brasil assume outro sentido para as migrações haitianas: de país tampão, para país fronteira dos direitos humanos. A partir disso, explorar as disputas e contradições que marcam esse processo constitui a questão do artigo.

Palabras clave:
migração; migração haitiana; visto humanitário; reunião familiar

Abstract

This paper analyzes the legal requests for family reunification filed by Haitian nationals residing in Brazil. This phenomenon reveals a new phase in the dynamics of this migration, accompanying the reconfiguration of bilateral relations between the two countries. If, at the beginning of the flow, the possibilities for migratory regularization reflected the role played by Brazil in MINUSTAH, today the bureaucratic obstacles imposed on this movement demonstrate the intensification of the migratory crisis at the destination, expressed especially in the regulations and constraints established by the Brazilian state. In this context, the country takes on another meaning for the Haitian migrations: from buffer country to human rights frontier country. Therefore, exploring the disputes and contradictions that mark this process constitutes the central question of this investigation.

Keywords:
migration; Haitian migration; humanitarian visa; family reunification

Introdução

Passada uma década desde o início da migração haitiana para o Brasil, esse fenômeno ganha novos significados em anos recentes, seja pelo fim da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH), de seu apelo midiático e humanitário (Amar, 2020AMAR, Paul. O Arquipélago da Segurança: estados de segurança humana, políticas de sexualidade e o fim do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2020.), seja devido à pandemia de Covid-19 que, segundo Newland (2020NEWLAND, Kathleen. Will International Migration Governance Survive the COVID-19 Pandemic? Migration Policy Institute, october 2020. ), favoreceu a desconstrução dos já precários mecanismos de governança global para as migrações. De um país “tampão”, idealizado para manter essa população distante dos EUA, Canadá e a Europa (Agier, 2006AGIER, Michel. Refugiados diante da nova ordem mundial. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, p. 197-215, 2006. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ts/v18n2/a10v18n2 . Acesso em: 03.03.2021.
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; Magalhães, 2017MAGALHÃES, Luís. A imigração haitiana em Santa Catarina: perfil sociodemográfico do fluxo, contradições da inserção laboral e dependência de remessas no Haiti. Tese de doutorado - UNICAMP/IFCH, Campinas, SP, 2017.), o Brasil emerge como país “fronteira” dos direitos humanos, com a adoção de barreiras políticas, ideológicas, jurídicas e simbólicas constantemente revistas (Agier, 2016AMAR, Paul. O Arquipélago da Segurança: estados de segurança humana, políticas de sexualidade e o fim do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2020.), a despeito das legislações nacionais e internacionais ratificadas pelo Estado brasileiro.

Os empecilhos burocráticos impostos no deslocamento e no acesso à documentação, o fim dos voos diretos entre Porto Príncipe e São Paulo e a necessidade de judicialização para garantia de direitos fundamentais são exemplos de que o Brasil já alcançou o “ponto de fadiga da tragédia dos refugiados” (Bauman, 2017BAUMAN, Zygmunt. Estranhos à nossa porta. São Paulo: Editora Zahar, 2017., p.8) para esses migrantes. Nesse contexto, este artigo analisa as contradições envolvendo a regularização do fluxo de haitianos para o Brasil no começo das décadas de 2010 e de 2020; o humanitarismo como símbolo de estigma nessa migração (Agier, 2006AGIER, Michel. Refugiados diante da nova ordem mundial. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, p. 197-215, 2006. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ts/v18n2/a10v18n2 . Acesso em: 03.03.2021.
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; Goffman, 1988GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara, 1988.); e a judicialização da reunião familiar como exemplo da resistência inclusiva (Espinoza, 2022ESPINOZA, Marcia Vera. Gobernanza excluyente vs. resistencia inclusiva: el manejo de las migraciones durante la pandemia en Chile. In: ZAPATA, Gisela; ESPINOZA, Marcia Vera; GANDINI, Luciana (coords.). Movilidades y COVID-19 en América Latina: inclusiones y exclusiones en tiempos de “crisis”. Cidade do México: UNAM, 2022, p. 87-109.) e da negrização das migrações internacionais (Joseph, 2021JOSEPH, Handerson. La negrización de las migraciones. In: MIRANDA, Bruno et al. (coords.). (Trans) Fronteriza: movilidades y diásporas negras en las América. Buenos Aires: CLACSO, 2021, p. 76-85.) promovida pela comunidade haitiana no Brasil.

Por um lado, a compreensão do “estigma como a situação do indivíduo que está inabilitado para a aceitação social plena” (Goffman, 1988GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara, 1988., p.7) lança luz sobre os processos históricos de formação da identidade nacional, intrinsicamente ligados a um sentimento étnico e racial (Seyferth, 1995SEYFERTH, Giralda. A invenção da raça e o poder discricionário dos estereótipos. Anuário Antropológico, Rio de Janeiro, v. 93, p. 175-203, 1995.). Por outro lado, o aporte teórico das resistências inclusivas (Espinoza, 2022ESPINOZA, Marcia Vera. Gobernanza excluyente vs. resistencia inclusiva: el manejo de las migraciones durante la pandemia en Chile. In: ZAPATA, Gisela; ESPINOZA, Marcia Vera; GANDINI, Luciana (coords.). Movilidades y COVID-19 en América Latina: inclusiones y exclusiones en tiempos de “crisis”. Cidade do México: UNAM, 2022, p. 87-109.) ilumina as disputas e as ambiguidades envolvendo a documentação dessa migração. Essas resistências, ao mesmo tempo que esboçam questões presentes em uma cena democrática (Agier, 2006AGIER, Michel. Refugiados diante da nova ordem mundial. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, p. 197-215, 2006. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ts/v18n2/a10v18n2 . Acesso em: 03.03.2021.
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), defrontam-se com um cenário mais amplo de reposicionamento do Brasil na geopolítica internacional e de aguda crise econômica e sanitária. Finalmente, a perspectiva da negrização das migrações (Joseph, 2021JOSEPH, Handerson. La negrización de las migraciones. In: MIRANDA, Bruno et al. (coords.). (Trans) Fronteriza: movilidades y diásporas negras en las América. Buenos Aires: CLACSO, 2021, p. 76-85.) reforça as particularidades da diáspora haitiana nesse contexto, com suas múltiplas estratégias para cruzar fronteiras.

Em termos metodológicos, o artigo combina a análise dos diferentes amparos legais utilizados ao longo de dez anos da migração haitiana para o Brasil às atividades de ensino-pesquisa-extensão desenvolvidas entre o Observatório das Migrações em São Paulo (NEPO-UNICAMP) e o Serviço de Referência para Imigrantes, Refugiados e Apátridas da Prefeitura de Campinas1 1 Projeto de ensino-pesquisa-extensão - Observatório das Migrações em São Paulo (NEPO-UNICAMP) e Serviço de Referência ao Imigrantes, Refugiados e Apátridas da Prefeitura Municipal de Campinas. Protocolo do Comitê de Ética: CAAE 20340219.2.0000.8142. Mais informações disponíveis em: https://www.nepo.unicamp.br/observatorio/srirac.php. Acesso em: 13.03.2023. . Foi essa parceria que possibilitou acompanhar o processo de judicialização da reunião familiar entre haitianos e haitianas residentes no Brasil e seus parentes no Haiti. Investiga-se, assim, a primeira ação civil coletiva interposta com esse intuito, cujo despacho data de maio de 2021 (Brasil, 2021aBRASIL. Tribunal Regional Federal (TRF). Ação Civil Coletiva nº 5016141-65.2021.4.04.7100/RS, 05 de abril de 2021, Porto Alegre, RS, 2021a. Disponível em: Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/processos/453175638/processo-n-501XXXX-6520214047100-do-trf04#informacoes . Acesso em: 20.01.2023.
https://www.jusbrasil.com.br/processos/4...
); as disputas que essa medida deflagrou entre as diversas instâncias do sistema de justiça brasileiro (Brasil, 2022a BRASIL. Suspensão de liminar e de sentença: SLS 3092 SC 2022/0099380-0. Superior Tribunal de Justiça STJ, DF, Relator: Ministro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Julgado em: 20 de abril de 2022 (2022a). Disponível em: Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/dj/documento/?&sequencial=150160171#_registro=202200993800&data=20220425&data_pesquisa=20220425&formato=PDF&componente=MON . Acesso em: 20.02.2023.
https://processo.stj.jus.br/processo/dj/...
, 2022bBRASIL. Agravo interno em suspensão de liminar e de sentença nº 3.092 - SC (2022/0099380-0). Superior Tribunal de Justiça, DF, Relator: Ministra Presidente do STJ. Julgado em: 07 de dezembro de 2022 (2022b). Disponível em: Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/reencontro-haitianos.pdf . Acesso em: 10.06.2022.
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); e os arranjos locais que perpassam a construção desse processo judicial em Campinas.

Uma década da migração haitiana no Brasil: as contradições da regularização migratória

O papel desempenhado pelo Brasil na MINUSTAH, entre 2004 e 2017, constitui um dos fatores fundamentais para a inserção do país nos processos históricos da emigração haitiana (Magalhães, 2017MAGALHÃES, Luís. A imigração haitiana em Santa Catarina: perfil sociodemográfico do fluxo, contradições da inserção laboral e dependência de remessas no Haiti. Tese de doutorado - UNICAMP/IFCH, Campinas, SP, 2017.). Essa Missão tanto tornou o Brasil mais conhecido no Haiti (Joseph, 2015JOSEPH, Handerson. Diaspora. As dinâmicas da mobilidade haitiana no Brasil, no Suriname e na Guiana Francesa. Tese de doutorado - UFRJ/Museu Nacional/Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, 2015.), como influenciou os processos de regularização migratória (Fernandes, Faria, 2017FERNANDES, Duval; FARIA, Andressa. O visto humanitário como resposta ao pedido de refúgio dos haitianos. Revista Brasileira de Estudos de População, Belo Horizonte, v. 34, n. 1, p. 145-161, 2017.). A criação do visto humanitário, uma inovação no aparato jurídico brasileiro concebida para ordenamento desse fluxo, expressa e é expressão das relações estruturadas a partir da presença econômica, política e militar brasileira nesse país. O protagonismo do Brasil nas organizações internacionais e uma política externa mais ativa e altiva (Amorim, 2015AMORIM, CELSO. Teerã, Ramalá e Doha. Memórias da Política Externa Ativa e Altiva. São Paulo: Benvirá, 2015.) dialogam ainda com o contexto da crise capitalista de 2008, com o crescimento econômico vivenciado pelo país durante o começo do século XXI, com a dependência de remessas e com o fechamento das fronteiras do Norte Global (Magalhães, 2017MAGALHÃES, Luís. A imigração haitiana em Santa Catarina: perfil sociodemográfico do fluxo, contradições da inserção laboral e dependência de remessas no Haiti. Tese de doutorado - UNICAMP/IFCH, Campinas, SP, 2017.).

Seja por redefinir a dinâmica das migrações internacionais nas fronteiras terrestres, seja pelas inovações jurídicas decorrentes desse fluxo, a migração haitiana constitui um divisor de águas na inserção do Brasil na rota das migrações transnacionais (Baeninger, 2016______. Migração Transnacional: elementos teóricos para o debate. In: BAENINGER, Rosana et al. (orgs.). Imigração Haitiana no Brasil. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.). Na visão de Araújo (2016ARAÚJO, José. Políticas públicas, estruturas estatais e migrações no Brasil. In: BAENINGER, Rosana et al. (orgs.). Imigração Haitiana no Brasil. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.), ao trazer um fenômeno inédito para a história do país - a chegada de solicitantes de refúgio pela rota amazônica (Silva, 2015______. Fronteira Amazônica: Passagem Obrigatória para Haitianos? REMHU, Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, Brasília , Brasília, v. 23, n. 44, p. 119-134, 2015.) - a migração haitiana abalou as estruturais estatais de gestão migratória, explicitando o anacronismo da legislação até então vigente: o Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980).

As pesquisas desenvolvidas por Mármora (2010MÁRMORA, Lelio. Modelos de Governabilidad Migratoria. La perspectiva política en América del Sur. REMHU, Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, Brasília, Ano XVIII, n. 35, 2010, p. 71-92.) e Amar (2020AMAR, Paul. O Arquipélago da Segurança: estados de segurança humana, políticas de sexualidade e o fim do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2020.) dão subsídios para discussão de um novo modelo de governança das migrações no Brasil a partir desse fluxo. De um lado, houve uma participação efetiva da sociedade civil na definição das soluções jurídicas para essa migração, explicitando a maior consciência internacional sobre os direitos humanos e o compartilhamento do poder estatal sobre suas políticas migratórias com Organizações Não Governamentais (ONGs) e setores privados (Mármora, 2010MÁRMORA, Lelio. Modelos de Governabilidad Migratoria. La perspectiva política en América del Sur. REMHU, Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, Brasília, Ano XVIII, n. 35, 2010, p. 71-92.). De outro lado, a MINUSTAH, como representação de uma nova dinâmica de intervenção militar, marca a perspectiva da segurança humanitária na gestão das migrações internacionais no Brasil (Amar, 2020AMAR, Paul. O Arquipélago da Segurança: estados de segurança humana, políticas de sexualidade e o fim do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2020.).

À luz dos referenciais teóricos mobilizados por Amar (2020AMAR, Paul. O Arquipélago da Segurança: estados de segurança humana, políticas de sexualidade e o fim do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2020., p. 8), essa Missão pode ser compreendida como uma forma de controle híbrida e contraditória que mescla “aparelhos de criminalização, militarização e para-humanitarismo”. Por para-humanitarismo, ao autor entende “a criação de sujeitos ‘vítimas’ [...] que devem ser constantemente protegidos ou resgatados por intervenções de coerção” (Amar, 2020AMAR, Paul. O Arquipélago da Segurança: estados de segurança humana, políticas de sexualidade e o fim do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2020., p. 42). Esse processo combina “táticas de governo altamente repressivas e emancipatórias”, que divergem dos projetos de segurança de meados do século XX, baseados na liberalização econômica (Amar, 2020AMAR, Paul. O Arquipélago da Segurança: estados de segurança humana, políticas de sexualidade e o fim do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2020., p.22). Distante das “normas socioculturais” do sujeito empreendedor, investidor, do consumidor ou do mercado, os projetos de segurança humanitária acionam “uma nova gramática de poder e legitimidade [...], amplificando o volume de uma retórica moralista e religiosa” (Amar, 2020AMAR, Paul. O Arquipélago da Segurança: estados de segurança humana, políticas de sexualidade e o fim do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2020., p. 29); reforçam a atuação de um conjunto de atores paraestatais - ONG, Igreja, organismos internacionais - que se responsabilizam pela “reabilitação moral” do público-alvo dessas operações (Amar, 2020AMAR, Paul. O Arquipélago da Segurança: estados de segurança humana, políticas de sexualidade e o fim do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2020., p. 29). Há, portanto, uma terceirização de funções estatais por organizações que não possuem as mesmas responsabilidades e poderes constitucionais (Amar, 2020AMAR, Paul. O Arquipélago da Segurança: estados de segurança humana, políticas de sexualidade e o fim do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2020.).

Para Agier (2006AGIER, Michel. Refugiados diante da nova ordem mundial. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, p. 197-215, 2006. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ts/v18n2/a10v18n2 . Acesso em: 03.03.2021.
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), a obsessão pelo controle - ou segurança, nas palavras de Amar (2020AMAR, Paul. O Arquipélago da Segurança: estados de segurança humana, políticas de sexualidade e o fim do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2020.) - redefine os sentidos do humanitarismo no século XXI. O autor equipara as intervenções humanitárias à uma política de mitigação dos danos das guerras e violências causadas pela disputa por mercados, com formas cada vez mais sofisticadas de registro, identificação e rastreamento das populações envolvidas (Agier, 2006AGIER, Michel. Refugiados diante da nova ordem mundial. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, p. 197-215, 2006. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ts/v18n2/a10v18n2 . Acesso em: 03.03.2021.
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). Ao esvaziarem os propósitos originários da Convenção de Genebra de 1951, esses mecanismos respaldam situações jurídicas ambíguas, como os solicitantes de refúgio e o visto humanitário.

É desde essa perspectiva que, a migração transnacional refugiada2 2 Por migração transnacional refugiada entende-se tanto os refugiados reconhecidos pelo Comitê Nacional para Refugiados (CONARE), como dispositivos jurídicos associados à acolhida humanitária e à migração de crise, de modo a explicitar as conotações políticas e ideológicas que perpassam o enquadramento do migrante na legislação brasileira (Baeninger, 2022). , intrinsicamente ligada à questão humanitária, envolve uma crise na origem (Clochard, 2007CLOCHARD, Olivier. Les réfugiés dans le monde entre protection et illégalité. EchoGéo, v. 2, 2007.) e também no destino (Baeninger, 2017______. Migrações transnacionais de refúgio no Brasil. In: LUSSI, Carmem (org.). Migrações internacionais: abordagens de direitos humanos. v. 1. Brasília: Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios, 2017, p. 13-29.). Na origem, estão os condicionantes “econômicos, políticos, civis, religiosos, ideológicos” que colocam grupos sociais específicos em movimento (Baeninger, 2017______. Migrações transnacionais de refúgio no Brasil. In: LUSSI, Carmem (org.). Migrações internacionais: abordagens de direitos humanos. v. 1. Brasília: Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios, 2017, p. 13-29., p. 81). No destino, a crise manifesta-se nas formas de regulamentação das migrações (Baeninger, 2017) e explicita o nacionalismo metodológico nas “categorias atribuídas pelo Estado-nação” (Baeninger, 2022BAENINGER, Rosana. Migrações internacionais: elementos teóricos do Observatório das Migrações em São Paulo. In: CUNHA, Maisa; MARCONDES, Gláucia (orgs.). Questões demográficas contemporâneas: olhares multidisciplinares. São Leopoldo: Editora Oikos, 2022., p. 23).

Os esforços governamentais contraditórios na documentação de nacionais do Haiti no Brasil (Silva, 2016SILVA, Sidney. A imigração haitiana e os paradoxos do visto humanitário. In: BAENINGER, Rosana et al. (orgs.). Imigração Haitiana no Brasil. Jundiaí, SP: Paco Editorial, 2016, p. 207-228.) tanto permitiram a inserção dessa população na estrutura do mercado de trabalho brasileiro, quanto fomentaram a migração interna dessa migração internacional (Baeninger, 2016______. Migração Transnacional: elementos teóricos para o debate. In: BAENINGER, Rosana et al. (orgs.). Imigração Haitiana no Brasil. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.). A possibilidade de acesso a espaços públicos e de convivência coletiva, garantida pela documentação, fizeram da migração haitiana a protagonista na produção da Nova Lei de Migração, em escala nacional, e, em escala local, de novos mecanismos de participação política (Feldman-Bianco, 2019FELDMAN-BIANCO, Bela. Democracias y derechos humanos amenazados: politicas migratorias nacionales y politicas globales en Brasil, de Lula a Bolsonaro (2002-2019). Desde la Región, n. 57, p. 18-36, 2019. ). Essa é uma das diferenças entre esse processo migratório e outros fluxos, como o de bolivianos, preso na indocumentação por quase três décadas (Silva, 2006______. Bolivianos em São Paulo: entre o sonho e a realidade. Estudos Avançados, v. 20, n. 57, p. 157-170, 2006. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-40142006000200012.
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).

De fato, a documentação pela via humanitária (Silva, 2016SILVA, Sidney. A imigração haitiana e os paradoxos do visto humanitário. In: BAENINGER, Rosana et al. (orgs.). Imigração Haitiana no Brasil. Jundiaí, SP: Paco Editorial, 2016, p. 207-228.) camuflou a ‘crise’ da migração haitiana no Brasil temporariamente. O fim da MINUSTAH em 2017, no entanto, aflorou essas disputas. As relações bilaterais entre Brasil e Haiti foram também impactadas pela pandemia de Covid-19, com profundos impactos nos processos de regularização dessa migração. Nesse novo contexto, a Portaria Interministerial nº12 de 2019, responsável por disciplinar a concessão de visto humanitário para nacionais do Haiti e promulgada diante do crescimento acelerado das solicitações de refúgio por essa população no Brasil, teve seus efeitos anulados em função do fechamento de fronteiras pela crise sanitária (Ramos, 2020RAMOS, André. Construindo muralhas: o fechamento de fronteiras na pandemia do covid-19. In: BAENINGER, Rosana; VEDOVATO, Luís; NANDY, Shailen (coords.). Migrações Internacionais e a pandemia de Covid-19. Campinas, SP: NEPO/UNICAMP, 2020, p. 109-118.; Brasil, 2019BRASIL. Portaria Interministerial nº 12, de 20 de dezembro de 2019. Brasília, DF, 2020. Disponível em: Disponível em: https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/portarias/PORTARIA_INTERMINISTERIAL_N%C2%BA_12_DE_20_DE_DEZEMBRO_DE_2019.pdf . Acesso em: 07.07.2022.
https://portaldeimigracao.mj.gov.br/imag...
).

A Portaria nº13, de dezembro de 2020, permitiu a documentação aos que ingressaram no país com as fronteiras fechadas. Contudo, a exigência de atestado negativo de antecedentes criminais expedido por autoridade competente do Haiti e de certificado internacional de imunização, dificultou seu acesso. Ainda assim, entre 2020 e 2021, quase 20 mil imigrantes do Haiti obtiveram acolhida humanitária com base nessa normativa, a qual contemplava também a isenção de taxas, emolumento e multas e a perda da permissão de residência caso o imigrante tente residir em outro país (Brasil, 2020BRASIL. Portaria Interministerial nº 13, de 16 de dezembro de 2020. Brasília, DF, 2020. Disponível em: Disponível em: https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/portarias/PORTARIA_INTERMINISTERIAL_N%C2%BA_13_DE_16_DE_DEZEMBRO_DE_2020.pdf . Acesso em: 07.07.2022.
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).

Sem dúvidas, a pandemia de Covid-19 inaugurou uma nova fase na dinâmica das migrações internacionais no mundo, com fortalecimento da imobilidade e da criminalização das migrações (Dumont, 2020DUMONT, Gerárd. Covid-19: fim da geografia da hipermobilidade? Espaço e Economia, ano IX, n. 18, 2020. ; Newland, 2020NEWLAND, Kathleen. Will International Migration Governance Survive the COVID-19 Pandemic? Migration Policy Institute, october 2020. ; Baeninger, 2020______. Migrações internacionais e a pandemia de covid-19: mudanças na era das migrações? In: BAENINGER, Rosana; VEDOVATO, Luís Renato; NANDY, Shailen (coords.). Migrações internacionais e a pandemia de Covid-19. Campinas: Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” - Nepo/Unicamp, 2020.). Segundo Joseph e Neiburg (2020JOSEPH, Handerson; NEIBURG, Federico. A (i)mobilidade e a pandemia nas paisagens haitianas. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 26, n. 58, 2020, p. 463-479.), no Haiti, a crise sanitária teve profundo impacto no retorno de seus cidadãos, seja compulsório ou voluntário. Apenas nos seis primeiros meses da pandemia, cerca de 200 mil imigrantes do Haiti vindos de países como República Dominicana, Chile e Estados Unidos retornaram à sua terra natal.

No Brasil, as entradas e saídas desses migrantes também ganharam novas dimensões, como o aumento considerável das deportações. Apenas em 2021, 40 nacionais do Haiti foram expulsos do país, número expressivamente superior aos dois casos de 2020 registrados no Sistema de Tráfego Internacional da Polícia Federal (Obmigra, 2022OBMIGRA. Microdados - STI. Portal de Imigração - Ministério da Justiça e Segurança Pública, 20.05.2022. Disponível em: Disponível em: https://portaldeimigracao.mj.gov.br/pt/dados/microdados/1733-obmigra/dados/microdados/401206-sti . Acesso em: 20.05.2022.
https://portaldeimigracao.mj.gov.br/pt/d...
). Ainda que não seja possível identificar se tais pessoas encontravam-se como solicitantes de refúgio, autores como Ramos (2020RAMOS, André. Construindo muralhas: o fechamento de fronteiras na pandemia do covid-19. In: BAENINGER, Rosana; VEDOVATO, Luís; NANDY, Shailen (coords.). Migrações Internacionais e a pandemia de Covid-19. Campinas, SP: NEPO/UNICAMP, 2020, p. 109-118.), organizações da sociedade civil (Entrevista, 2020ENTREVISTA: migração e refúgio no contexto da pandemia. Conectas Direitos Humanos - Notícia, 10.06.2020. Disponível em: Disponível em: https://www.conectas.org/noticias/entrevista-migracao-e-refugio-no-contexto-da-pandemia/ . Acesso em: 17.06.2021.
https://www.conectas.org/noticias/entrev...
) e a mídia (Angelo, 2020ANGELO, Thiago. Hierarquia normativa - Migrantes não podem ser deportados com base em portaria federal, diz juiz do AC. Revista Consultor Jurídico, 19.08.2020. Disponível em: Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-ago-19/portaria-governo-federal-nao-impedir-entrada-migrantes . Acesso em: 17.06.2021.
https://www.conjur.com.br/2020-ago-19/po...
) questionam a violação ao princípio do non-refoulement (não-devolução) durante a crise sanitária no Brasil. Vale ressaltar que a Nova Lei de Migração, em seu artigo 48, apenas permite a deportação se “respeitados, nos procedimentos judiciais, os direitos à ampla defesa e ao devido processo legal” (Brasil, 2017BRASIL. Lei nº13.445, 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. Brasília, DF: Presidência da República, Secretaria Geral, 2017. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13445.htm . Acesso em: 03.03.2021.
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). Sem evidências de cumprimento dessas garantias, Ramos (2020) RAMOS, André. Construindo muralhas: o fechamento de fronteiras na pandemia do covid-19. In: BAENINGER, Rosana; VEDOVATO, Luís; NANDY, Shailen (coords.). Migrações Internacionais e a pandemia de Covid-19. Campinas, SP: NEPO/UNICAMP, 2020, p. 109-118.e Chaves (2020CHAVES, João. A atuação da defensoria pública da união em favor de imigrantes durante a pandemia de covid-19: um relato de campo. In: BAENINGER, Rosana; VEDOVATO, Luís Renato; NANDY, Shailen (coords.). Migrações internacionais e a pandemia de Covid-19. Campinas, SP: NEPO/UNICAMP, 2020.) associam a pandemia de Covi-19 à transgressão dos direitos garantidos à população migrante e refugiada no Brasil

A crise migratória no destino (Baeninger, 2017______. Migrações transnacionais de refúgio no Brasil. In: LUSSI, Carmem (org.). Migrações internacionais: abordagens de direitos humanos. v. 1. Brasília: Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios, 2017, p. 13-29.) torna-se ainda mais aguda em 2021, com o aumento dos pedidos de autorização de residência em função da piora das condições de vida no Haiti, assolado por um novo terremoto. Em resposta, o governo brasileiro editou a Portaria Interministerial nº 27, em dezembro de 2021, relativa à concessão de acolhida humanitária a nacionais ou apátridas residentes no Haiti, dada a situação de calamidade extrema e/ou situação de desastre ambiental (Brasil, 2021bBRASIL. Portaria Interministerial nº 27, de 30 de dezembro de 2021. Brasília, DF, 2021b. Disponível em: Disponível em: https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/portarias/PORTARIA_INTERMINISTERIAL_MJSP.MRE_N%C2%BA_27_DE_30_DE_DEZEMBRO_DE_2021.pdf . Acesso em: 07.01.2022.
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). Inicialmente vigente até abril de 2022 - e prorrogada até 31 de dezembro - essa portaria prevê a concessão de documento apenas pela embaixada do Brasil em Porto Príncipe. Caso a pessoa esteja no Brasil, a autorização de residência depende dos seguintes documentos: registro de viagem válido; formulário de solicitação de visto preenchido; comprovante de meio de transporte de entrada no Brasil e atestado de antecedentes criminais do Haiti ou declaração de ausência de antecedentes em qualquer país.

Sem dúvidas, essa portaria flexibilizou as exigências documentais das normativas anteriores (Portarias Interministeriais nº12BRASIL. Portaria Interministerial nº 12, de 20 de dezembro de 2019. Brasília, DF, 2020. Disponível em: Disponível em: https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/portarias/PORTARIA_INTERMINISTERIAL_N%C2%BA_12_DE_20_DE_DEZEMBRO_DE_2019.pdf . Acesso em: 07.07.2022.
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, de dezembro de 2019 e nº13BRASIL. Portaria Interministerial nº 13, de 16 de dezembro de 2020. Brasília, DF, 2020. Disponível em: Disponível em: https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/portarias/PORTARIA_INTERMINISTERIAL_N%C2%BA_13_DE_16_DE_DEZEMBRO_DE_2020.pdf . Acesso em: 07.07.2022.
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, de dezembro de 2020), sobretudo por dispensar a apresentação de certificado internacional de vacina e aceitar somente uma declaração de bons antecedentes criminais. No entanto, as dificuldades de agendamento no consulado brasileiro em Porto Príncipe têm impedido a obtenção de visto com base nesse amparo legal. À luz desses entraves, imigrantes do Haiti residentes no Brasil passaram a reivindicar judicialmente o direito à reunificação familiar. As primeiras experiências nesse sentido ocorreram na Região Sul, em 2021, através da contratação de advogados particulares por associações locais. O presente artigo centra-se na análise desse processo no município de Campinas/SP, particularmente na parceria entre o Serviço de Referência para Imigrantes, Refugiados e Apátridas da Prefeitura Municipal, a ONG Rever Cidadania de Indaiatuba, a Defensoria Pública da União e o Observatório das Migrações em São Paulo (Nepo-Unicamp).

A força-tarefa para a reunião familiar de imigrantes do Haiti: a desconstrução da cena humanitária

Em agosto de 2021, imigrantes do Haiti residentes em Campinas buscaram a Prefeitura Municipal de Campinas (PMC) para relatar as difíceis condições de vida de seus familiares em seu país de origem, afetado por um novo terremoto, e os impedimentos encontrados para trazê-los ao Brasil. Descreviam os entraves para agendamento junto à embaixada brasileira em Porto Príncipe e dificuldades com as exigências documentais previstas nas portarias responsáveis pela reunião familiar (Portaria Interministerial nº 12/2019BRASIL. Portaria Interministerial nº 12, de 20 de dezembro de 2019. Brasília, DF, 2020. Disponível em: Disponível em: https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/portarias/PORTARIA_INTERMINISTERIAL_N%C2%BA_12_DE_20_DE_DEZEMBRO_DE_2019.pdf . Acesso em: 07.07.2022.
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3 3 Segundo essa normativa, o chamante (imigrante residente no Brasil) não pode ser beneficiário de visto ou autorização de residência por reunião familiar ou de autorização provisória de residência, o que exclui imigrantes do Haiti que ainda estão como solicitantes de refúgio. Com relação aos chamados (parentes que desejam vir ao Brasil), cobra-se: passaporte válido; certificado internacional de imunização reconhecido pela Anvisa; pagamento de emolumentos consulares; formulário de solicitação de visto preenchido (não cabe ao problema em questão, na medida que essa solicitação pressupõe que o chamado já esteja no Brasil e daqui solicite o visto); comprovante de meio de transporte utilizado na entrada no Brasil (não cabe no caso de imigrantes que ainda estão no Haiti); certidão de antecedentes criminais e documentos comprobatórios do parentesco (apenas pais, avós, filhos, cônjuges e irmão menores de idade). ) e acolhida humanitária (Portaria Interministerial nº 13/2020BRASIL. Portaria Interministerial nº 13, de 16 de dezembro de 2020. Brasília, DF, 2020. Disponível em: Disponível em: https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/portarias/PORTARIA_INTERMINISTERIAL_N%C2%BA_13_DE_16_DE_DEZEMBRO_DE_2020.pdf . Acesso em: 07.07.2022.
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4 4 A concessão do visto temporário e autorização de residência prevista, nesse caso, exige: documento válido de viagem; certificado internacional de imunização; formulário de solicitação de visto preenchido (sem sentido no caso, pois os imigrantes ainda não entraram no país); comprovante de meio de transporte de entrada no Brasil (não cabe a essa população, pois ainda estão no Haiti); atestado de antecedentes criminais do Haiti. ). Instituições parceiras do Serviço Municipal de Referência a Migrantes, Refugiados e Apátridas também relatavam o aumento dos atendimentos a nacionais do Haiti com essa mesma demanda, a exemplo do Instituto Rever Cidadania, em Indaiatuba. Esses casos foram encaminhados à Defensoria Pública da União (DPU) que, entre agosto e setembro de 2021, já havia intermediado 7 pedidos judiciais de reunião familiar: todos negados em primeira instância, mas com sentença revertida em segunda instância.

Diante do aumento do número de casos, a DPU, em diálogo com a PMC, optou por organizar uma ação coletiva, seguindo o exemplo registrado no Rio Grande do Sul, onde a Associação da Integração Social (Aintenso) requereu a entrada no Brasil, sem a necessidade de visto, de 183 nacionais do Haiti. Esse pedido foi negado em primeira instância e teve sentença revertida pelo Supremo Tribunal de Justiça (Brasil, 2021aBRASIL. Suspensão de liminar e de sentença: SLS 3092 SC 2022/0099380-0. Superior Tribunal de Justiça STJ, DF, Relator: Ministro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Julgado em: 20 de abril de 2022 (2022a). Disponível em: Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/dj/documento/?&sequencial=150160171#_registro=202200993800&data=20220425&data_pesquisa=20220425&formato=PDF&componente=MON . Acesso em: 20.02.2023.
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). Com base no “princípio da garantia do direito à reunião familiar”, garantido tanto pela Constituição Federal, quanto pela Lei de Migração, o despacho da 6ª Vara Federal de Porto Alegre deferiu a antecipação de tutela para determinar à União que permita o ingresso - sem o visto - dos familiares de imigrantes do Haiti representados pela associação. Uma vez assegurada a entrada em território nacional, essas pessoas chegaram ao Brasil em voo fretado (Chagas, 2021CHAGAS, Gustavo. Grupo de 183 haitianos autorizados a viajar para o Brasil sem vistos chega a Porto Alegre. Portal G1 Rio Grande do Sul - Notícias, 26.07.2021. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2021/07/26/grupo-de-183-haitianos-autorizados-a-viajar-para-o-brasil-sem-vistos-chega-a-porto-alegre.ghtml . Acesso em: 10.06.2022.
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), custeado pelas próprias famílias envolvidas.

Iniciativas semelhantes espalharam-se pelo Brasil, deflagrando uma disputa entre repartições do sistema de justiça brasileiro. Por um lado, determinados magistrados reconheciam a necessidade de autorização da migração sem visto já que, segundo depoimento do próprio embaixador do Brasil em Porto Príncipe, não existiam “condições técnicas de expedição de vistos e que os próprios funcionários da embaixada brasileira” trabalhavam “com a possibilidade de evacuação” (Crise, 2021CRISE humanitária - Juíza do TRF-4 autoriza imigração de haitiana sem visto. Revista Consultor Jurídico, 03.12.2021. Disponível em: Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-dez-03/juiza-trf-autoriza-imigracao-haitiana-visto . Acesso em: 10.06.2022.
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). Por outro lado, outros juízes entendiam que as denúncias de inoperância e corrupção no agendamento na embaixada brasileira - processo efetuado na plataforma Brazil Visa Application Center, administrada pela Organização Internacional para as Migrações (OIM, s.d.ORGANISATION INTERNATIONALE POUR LES MIGRATION - OIM. Centre de Réception de Demandes de Visas pour le Brésil (CAVB). s.d. Disponível em: Disponível em: https://haiti.iom.int/fr/cavb . Acesso em: 10.06.2022.
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), careciam de provas e que não se pode “afastar as regras de imigração” (Brasil, 2021cBRASIL. Agravo de Instrumento (202) Nº 5023054-50.2021.4.03.0000. Tribunal Regional Federal da 3ª Região 6ª Turma, SP, Relator: Gab. 21 - DES. Fed. Johonsom Di Salvo, Julgado em 06 de outubro de 2021 (2021c). Disponível em: Disponível em: https://www.trf3.jus.br/documentos/acom/banner/decisao1810.pdf . Acesso em: 01.06.2023.
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). Nessa decisão, de 06 outubro de 2021, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região cita a obrigatoriedade do visto para ingresso no Brasil - tal como constava no Estatuto do Estrangeiro, revogado desde 2017 -, alegando que “Juiz não é ativista e nem pode interferir nos procedimentos que a lei, com base na Constituição, outorga às autoridades administrativas” (Brasil, 2021cBRASIL. Agravo de Instrumento (202) Nº 5023054-50.2021.4.03.0000. Tribunal Regional Federal da 3ª Região 6ª Turma, SP, Relator: Gab. 21 - DES. Fed. Johonsom Di Salvo, Julgado em 06 de outubro de 2021 (2021c). Disponível em: Disponível em: https://www.trf3.jus.br/documentos/acom/banner/decisao1810.pdf . Acesso em: 01.06.2023.
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). O magistrado destaca ainda a generosidade da política migratória brasileira e questiona a urgência da reunião familiar (Brasil, 2021cBRASIL. Agravo de Instrumento (202) Nº 5023054-50.2021.4.03.0000. Tribunal Regional Federal da 3ª Região 6ª Turma, SP, Relator: Gab. 21 - DES. Fed. Johonsom Di Salvo, Julgado em 06 de outubro de 2021 (2021c). Disponível em: Disponível em: https://www.trf3.jus.br/documentos/acom/banner/decisao1810.pdf . Acesso em: 01.06.2023.
https://www.trf3.jus.br/documentos/acom/...
).

Em maio de 2022, o STJ suspende todos os processos, individual ou coletivo, com essa finalidade (Brasil, 2022aBRASIL. Suspensão de liminar e de sentença: SLS 3092 SC 2022/0099380-0. Superior Tribunal de Justiça STJ, DF, Relator: Ministro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Julgado em: 20 de abril de 2022 (2022a). Disponível em: Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/dj/documento/?&sequencial=150160171#_registro=202200993800&data=20220425&data_pesquisa=20220425&formato=PDF&componente=MON . Acesso em: 20.02.2023.
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). Em decisão monocrática, a instituição alegou que as liminares e sentenças responsáveis por permitir o ingresso dessa população

[...] a) possuem risco de causar efeito multiplicador da demanda; b) demonstram grave lesão à ordem administrativa no que tange ao processo de concessão de vistos bem como no que tange ao processo de admissão excepcional; c) causam risco à segurança pública em razão de fragilizar a política migratória e criar a possibilidade de incluir o Brasil na rota de tráfico de pessoas (Brasil, 2022a).

Na interpretação do ministro do STJ, “a judicialização do processo de imigração realizada pela comunidade haitiana, ou por representações”, constitui uma interferência “no processo de solicitação de visto de acolhida humanitária e de reunião familiar de pessoas provenientes do Haiti, [implementado] através de software administrado diretamente de Genebra [sede da OIM]” (Brasil, 2022aBRASIL. Suspensão de liminar e de sentença: SLS 3092 SC 2022/0099380-0. Superior Tribunal de Justiça STJ, DF, Relator: Ministro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Julgado em: 20 de abril de 2022 (2022a). Disponível em: Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/dj/documento/?&sequencial=150160171#_registro=202200993800&data=20220425&data_pesquisa=20220425&formato=PDF&componente=MON . Acesso em: 20.02.2023.
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). Assim, sua decisão objetiva evitar a intromissão “interna e externa no agendamento das datas, garantindo-se a lisura e a impessoalidade no processo de disponibilização de vagas para atendimento” (Brasil, 2022aBRASIL. Suspensão de liminar e de sentença: SLS 3092 SC 2022/0099380-0. Superior Tribunal de Justiça STJ, DF, Relator: Ministro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Julgado em: 20 de abril de 2022 (2022a). Disponível em: Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/dj/documento/?&sequencial=150160171#_registro=202200993800&data=20220425&data_pesquisa=20220425&formato=PDF&componente=MON . Acesso em: 20.02.2023.
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).

Em dezembro desse mesmo ano, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça determinou que juízes federais de 1ª instância poderão analisar os pedidos judiciais de autorização de ingresso de imigrantes do Haiti no Brasil sem o visto prévio, sobretudo, nos casos de reunião familiar (Brasil, 2022bBRASIL. Agravo interno em suspensão de liminar e de sentença nº 3.092 - SC (2022/0099380-0). Superior Tribunal de Justiça, DF, Relator: Ministra Presidente do STJ. Julgado em: 07 de dezembro de 2022 (2022b). Disponível em: Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/reencontro-haitianos.pdf . Acesso em: 10.06.2022.
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). Deve-se, porém, exaurir os recursos administrativos disponíveis e garantir a perícia social do caso. Esse argumento pautou-se nos princípios constitucionais de proteção da criança e adolescente, bem como da família, devendo os casos serem avaliados individualmente. Contesta-se, com essa nova decisão do STJ, a adoção de medidas que, de forma genérica e coletiva, restrinjam a análise das liminares apresentadas.

Em meio a essa disputa, a experiência de Campinas difere-se por envolver os esforços do Estado (DPU/Campinas e PMC), de ONGs (Instituto Rever Cidadania) e da Universidade (Observatório das Migração em São Paulo - NEPO/UNICAMP). Enquanto a Prefeitura e o Instituto Rever mediaram a comunicação com os migrantes e recolherem a documentação exigida, o Observatório ficou responsável por organizar um arquivo único para cada chamante.

Foram vários os percalços na organização dessa força-tarefa. Em primeiro lugar, a DPU tem prerrogativa no atendimento de munícipes sob sua jurisdição, o que excluiu residentes de Americana e Salto que haviam manifestado interesse em participar da ação. Em segundo lugar, questionava-se qual o melhor amparo legal para fundamentar o pedido de ingresso desses imigrantes. A reunião familiar ou a acolhida humanitária? Essa decisão delimitava quem poderia ser chamado e definia quais documentos seriam exigidos. Para a DPU, tratava-se de um caso de reunião familiar. Na Portaria Interministerial nº 12/2018, são admitidos apenas pais, avós, filhos, cônjuges e irmãos menores de idade do chamante. A DPU flexibilizou esse parentesco, aceitando também irmãos maiores de idade e seus respectivos cônjuges. Não foi possível negociar a inserção de sobrinhos. Estes, segundo acordado, seriam posteriormente incluídos em ação distinta.

Finalmente, cabe destacar o embate entre DPU e PMC com relação às certidões de casamento e nascimento que comprovem o parentesco entre chamante e chamado. Para garantir a veracidade da documentação, a DPU aceitaria somente as certidões digitais emitidas pela Embaixada do Haiti em Brasília, com custo. Já a Prefeitura não visualizava essa obrigatoriedade. Nesse ponto, o poder público municipal assegurou a apresentação de uma cópia simples dos documentos, a maioria dos quais enviados como imagem via WhatsApp. No total, foram demandados os seguintes registros:

Registro Nacional Migratório (RNM) e número do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do chamante;

Outorga de poderes à DPU;

Comprovante de residência ou uma declaração emitida pela PMC ou pelo Instituto Rever;

Carteira de trabalho e comprovante de rendimento do chamante no Brasil ou uma declaração do chamante atestando possuir meios lícitos e suficientes para sua subsistência e de seus chamados;

Declaração de dependência econômica com todos os chamados;

Comprovante de envio de remessas do chamante para os chamados;

Declaração com os contatos do chamante;

Declaração da PMC ou do Instituto Rever e assinada pelo chamante esclarecendo os entraves burocráticos para obtenção de autorização de residência com base na reunião familiar. O documento devia atestar o compromisso de, uma vez em território nacional, documentar os beneficiários de acolhida humanitária5 5 A opção por proceder com a regularização migratória via acolhida humanitária deveu-se pela isenção de taxas e emolumentos prevista pela Portaria Interministerial nº13, de dezembro de 2020. ;

Passaporte dos chamados;

Certidão de casamento e de nascimento que comprove o parentesco, ou, no caso de união estável, uma declaração emitida pelo Serviço ou pelo Instituto Rever afirmando a existência tal relação;

Declaração de antecedentes criminais negativos dos chamados;

Carteira de vacinação; e

Autorização de viagem dos menores de idade.

Para a DPU, a preocupação da instituição ser utilizada como instrumento para o tráfico internacional de pessoas, sobretudo de crianças, justificava a exigência de toda essa documentação. Iniciada em outubro de 2021, a sistematização dos arquivos terminou apenas em fevereiro de 2022, quando a Prefeitura já contava com uma lista de espera de quase 90 novos imigrantes do Haiti interessados em trazer seus parentes do Haiti. No total, participaram dessa primeira ação coletiva como chamantes 110 haitianos e haitianas residentes em Campinas, Indaiatuba, Sumaré, Jaguariúna e Hortolândia (Tabela 1).

Tabela 1 -
Imigrantes do Haiti que requisitaram reunificação familiar na ação coletiva entre agosto e dezembro de 2021, segundo município de residência do(a) chamante

Dos chamantes, 80 eram homens (73%) e 30 eram mulheres (27%), a maior parte entre os 25 e 49 anos de idade (Figura 1). Apenas um chamante tinha idade inferior a 5 anos, uma criança brasileira representada por sua mãe, haitiana, que buscava trazer seu outro filho de 7 anos, desabrigado no Haiti desde o terremoto de 2021.

Figura 1 -
migrantes do Haiti que requisitaram reunificação familiar na ação coletiva entre agosto e dezembro de 2021, segundo sexo dos(as) chamantes e distribuição relativa dos chamantes por grupo etário e sexo

Manifestaram interesse em trazer apenas um parente 47 imigrantes, enquanto 8 pessoas tinham a intenção de trazer mais de 4 pessoas (Gráfico 1). No único caso com 6 chamados - o de um haitiano que buscava trazer sua esposa e 5 filhos, todos desabrigados no Haiti - o dinheiro das passagens já havia sido arrecado com apoio de Igrejas e da comunidade haitiana.

Gráfico 1 -
Imigrantes do Haiti chamados (parentes que desejam vir para o Brasil) por chamante que requisitaram reunificação familiar na ação coletiva entre agosto e dezembro de 2021

Entre os 213 chamados, sobressaia a participação de mulheres (56%) e de crianças (quase 22% tinham idade inferior a 10 anos) (Figura 2). Mais da metade eram filhos ou filhas dos chamantes (Tabela 2). Irmãos ou irmãs somavam 44 pessoas (20,7%), enquanto cônjuges eram 29, dos quais 20 tinham certidão de casamento expedida pelo Haiti e 9 declarações emitidas pelo Serviço de Referência ou pelo Rever Cidadania. É importante reforçar que os 9 sobrinhos discriminados na Tabela 2 não foram aceitos pela DPU, pois a Portaria adotada não previa essa relação de parentesco.

Figura 2 -
Imigrantes do Haiti chamados no processo de reunificação familiar na ação coletiva entre agosto e dezembro de 2021, segundo idade e sexo
Tabela 2 -
Imigrantes do Haiti chamados no processo de reunificação familiar na ação coletiva entre agosto e dezembro de 2021, segundo grau de parentesco com o/a chamante

O acompanhamento desse processo em Campinas permitiu visualizar o reposicionamento do Estado brasileiro frente à migração haitiana em anos recentes. Se, no começo desse fluxo, as relativas facilidades de regularização dialogavam com o papel desempenhado pelo Brasil na Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti, atualmente tais entraves expressam as transformações das relações entre ambos os países e a reconfiguração da política externa brasileira no cenário internacional.

Nesse processo, o fim da MINUSTAH é representativo tanto da desconstrução progressiva do cenário de emergência humanitária ligada à migração haitiana, quanto da crescente dificuldade no acesso à documentação por parte dessa população no Brasil. Os recentes pedidos judiciais de reunificação familiar expressam a passagem de uma “cena humanitária”, que apresentava os imigrantes haitianos e haitianas como vítima, para uma “cena democrática” improvisada por esses sujeitos nos lugares onde estão (Agier, 2006AGIER, Michel. Refugiados diante da nova ordem mundial. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, p. 197-215, 2006. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ts/v18n2/a10v18n2 . Acesso em: 03.03.2021.
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, p.2013). Dessa forma, a representação do sujeito vítima (Amar, 2020AMAR, Paul. O Arquipélago da Segurança: estados de segurança humana, políticas de sexualidade e o fim do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2020.) se dilui, e afloram os símbolos de estigma (Goffman, 1988GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara, 1988.) ligados a essa migração.

Por estigma, entende-se a relação social que produz descrédito e desconfiança em determinados grupos sociais (Goffman, 1988GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara, 1988.). Para esse autor, a informação associada ao estigma é reflexiva e corporificada, ou seja, é transmitida pela própria pessoa a quem se refere. Daí o seu caráter social, expresso por um símbolo, uma imagem ou um distintivo degradante da identidade, por meio do qual a valorização do indivíduo é reduzida. O estigma apresenta-se, assim, como uma “história estruturada”, uma biografia sujeita à “construção retrospectiva” (Goffman, 1988GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara, 1988., p. 73). Na relação entre a identificação pessoal e a social, há uma memória, uma reputação que aponta para “os outros como biógrafos” das vidas dos sujeitos estigmatizados (Goffman, 1988GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara, 1988., p. 77). Estigma, portanto, constitui uma forma de reconhecimento social (Goffman, 1988GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara, 1988., p. 79).

A questão que se coloca é quem controla a produção e organização dos fatos, isto é, quem manipula a informação. Segundo Goffman (1988GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara, 1988., p. 71), “há pessoas particularmente autorizadas a controlar a identidade” e a imagem pública dos indivíduos. No caso do estigma presente na migração internacional, o Estado emerge como agente fundamental na construção de uma identidade deteriorada (Goffman, 1988GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara, 1988.). Para Anderson (2021ANDERSON, Bridget. O fazer e o não-fazer de imigrantes e cidadãos: repensando o estudo de movimento humano. Revista Trilhos, v. 2, n. 1, 2021. , p. 55), “a própria natureza da forma do Estado-nação e sua associação com a territorialidade transforma certos grupos em estranhos” (Anderson, 2021ANDERSON, Bridget. O fazer e o não-fazer de imigrantes e cidadãos: repensando o estudo de movimento humano. Revista Trilhos, v. 2, n. 1, 2021. , p. 55).

Seja por meio de sua legislação principal (conjunto de regras que descrevem as condições de entrada e permanência no país), ou de sua legislação secundária (os valores e os princípios dos burocratas responsáveis por aplicar essas leis), o Estado constrói identidades estigmatizadas (Goffman, 1988GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara, 1988.; Seyferth, 1995SEYFERTH, Giralda. A invenção da raça e o poder discricionário dos estereótipos. Anuário Antropológico, Rio de Janeiro, v. 93, p. 175-203, 1995.). De acordo com Goffman (1988)GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara, 1988., a função óbvia da má reputação é o controle social. Segundo Agier (2006AGIER, Michel. Refugiados diante da nova ordem mundial. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, p. 197-215, 2006. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ts/v18n2/a10v18n2 . Acesso em: 03.03.2021.
https://www.scielo.br/pdf/ts/v18n2/a10v1...
) e Amar (2020AMAR, Paul. O Arquipélago da Segurança: estados de segurança humana, políticas de sexualidade e o fim do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2020.), essa é também a finalidade do humanitarismo, cuja operacionalização tem mobilizado pesados investimentos em sistemas de registro, identificação e rastreamento de seus públicos-alvo.

O entendimento do humanitarismo como símbolo do estigma (Goffman, 1988GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara, 1988.) destaca a produção de novas fronteiras e identidades sociais no contexto brasileiro, “um novo tipo de estrangeiro, ‘ziguezagueando’ entre proibições” (Agier, 2016AGIER, Michel. Borderlands: Towards an Anthropology of the Cosmopolitan Condition. Cambridge: Polity Press, 2016., p.2, tradução nossa). Nesse sentido, a fronteira não seria apenas um lugar, mas “uma situação ou um momento que ritualiza a relação com o outro” (Agier, 2016AGIER, Michel. Borderlands: Towards an Anthropology of the Cosmopolitan Condition. Cambridge: Polity Press, 2016., p.7, tradução nossa). Na perspectiva da fronteira como espaço de mediação, os símbolos que o humanitarismo carrega interferem na relação constituída entre duas pessoas que não se conhecem, mas se encontram numa situação fronteiriça (Agier, 2016AGIER, Michel. Borderlands: Towards an Anthropology of the Cosmopolitan Condition. Cambridge: Polity Press, 2016.).

No caso da migração haitiana, os preconceitos ligados ao humanitário se combinam com a questão racial, revelando a crise migratória também sob essa perspectiva (Baeninger, 2022BAENINGER, Rosana. Migrações internacionais: elementos teóricos do Observatório das Migrações em São Paulo. In: CUNHA, Maisa; MARCONDES, Gláucia (orgs.). Questões demográficas contemporâneas: olhares multidisciplinares. São Leopoldo: Editora Oikos, 2022.; De Genova, 2017DE GENOVA, Nicholas. The “migrant crisis” as racial crisis: do Black Lives Matter in Europe? Ethnic and Racial Studies, v. 41, n. 10, 2017. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.1080/01419870.2017.1361543 . Acesso em: 29.10.2022.
http://dx.doi.org/10.1080/01419870.2017....
; Guizardi, 2021GUIZARDI, Menara. The Migration Crisis and the Ecstasies of Hatred. In: GUIZARDI, Menara (ed.). The Migrantion Crisis in the American Southern Cone: Hate Speech and its Social Consequences. Gewerbestrasse: Springer, 2021, p. 3-20.). Se a migração haitiana sempre foi racializada e estigmatizada, a campanha humanitária da MINUSTAH contribuiu, em um primeiro momento, para camuflar o nível de policiamento, vigilância e suspeita sobre esses corpos (Amar, 2020AMAR, Paul. O Arquipélago da Segurança: estados de segurança humana, políticas de sexualidade e o fim do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2020.). O fim dessa Missão abre caminhos para a institucionalização desses preconceitos, atribuindo a essa população o risco de dano “à economia, à ordem, à segurança e à saúde públicas”, tal como proferido pela sentença do Superior Tribunal de Justiça (Brasil, 2022aBRASIL. Suspensão de liminar e de sentença: SLS 3092 SC 2022/0099380-0. Superior Tribunal de Justiça STJ, DF, Relator: Ministro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Julgado em: 20 de abril de 2022 (2022a). Disponível em: Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/dj/documento/?&sequencial=150160171#_registro=202200993800&data=20220425&data_pesquisa=20220425&formato=PDF&componente=MON . Acesso em: 20.02.2023.
https://processo.stj.jus.br/processo/dj/...
). Escancara-se, assim, o tratamento diferenciado para imigrantes do Haiti no Brasil após o terremoto de 2010, quando o governo brasileiro presidia a MINUSTAH, e após o terremoto de 2021, já sem essa missão e em um novo contexto geopolítico.

Considerações finais

Passada quase uma década desde o início da migração haitiana para o Brasil, esse fluxo continua a desafiar as estratégias de gestão da migração empreendidas pelo governo brasileiro. Até 2022 foram 77 amparos legais diferentes utilizados na regularização desses imigrantes, afastando as pressuposições iniciais que associavam o fluxo a um fenômeno “episódico e de curto prazo” decorrente do terremoto de 2010 (Fernandes, Faria, 2017FERNANDES, Duval; FARIA, Andressa. O visto humanitário como resposta ao pedido de refúgio dos haitianos. Revista Brasileira de Estudos de População, Belo Horizonte, v. 34, n. 1, p. 145-161, 2017., p.150).

As diferentes fases das migrações haitianas para o país expressam transformações globais que moldam as relações entre a República do Haiti e o Brasil. Essas mudanças também transformam as representações simbólicas dos processos migratórios (Guizardi, 2021GUIZARDI, Menara. The Migration Crisis and the Ecstasies of Hatred. In: GUIZARDI, Menara (ed.). The Migrantion Crisis in the American Southern Cone: Hate Speech and its Social Consequences. Gewerbestrasse: Springer, 2021, p. 3-20.). É assim que, na migração haitiana para o Brasil, os apelos humanitários que outrora intercederam para facilitar o acesso a documentação e impedir o tráfico de pessoas, perdem fôlego com o fim da MINUSTAH, revelando toda a desconfiança e preconceito sofridos por essa população no Brasil.

Nesse sentido, a judicialização do processo de reunificação familiar descrita nesse trabalho abre pelo menos duas frentes de investigação necessárias. A primeira, envolve o tratamento diferenciado e excepcional que a migração haitiana recebeu no Brasil após o terremoto de 2010, quando o governo brasileiro presidia a MINUSTAH, e as condições dispostas pós terremoto de 2021, já sem a Missão de Estabilização do Haiti. A segunda agenda de pesquisa refere-se às articulações locais capazes de contrapor os retrocessos na política migratória nacional. Nas palavras de Espinoza (2022ESPINOZA, Marcia Vera. Gobernanza excluyente vs. resistencia inclusiva: el manejo de las migraciones durante la pandemia en Chile. In: ZAPATA, Gisela; ESPINOZA, Marcia Vera; GANDINI, Luciana (coords.). Movilidades y COVID-19 en América Latina: inclusiones y exclusiones en tiempos de “crisis”. Cidade do México: UNAM, 2022, p. 87-109., p. 87, tradução nossa), esses “espaços de resistência [...] não podem ser entendidos sem considerar os regimes fronteiriços - compreendidos como projetos simultâneos de ordem e alteridade”. Nessa direção, cabe mencionar as perspectivas abertas pela Lei de Migração (Assis, 2018ASSIS, Gláucia. Nova Lei de Migração no Brasil: Avanços e Desafios. In: BAENINGER, Rosana et al. Migrações Sul-Sul. Campinas, SP: NEPO/UNICAMP, 2018.), o ativismo institucional dos gestores públicos (Abers, 2021ABERS, Rebeca. Ação criativa, ativismos e lutas no interior do Estado. In: ABERS, Rebeca (org.). Ativismo institucional: criatividade e luta na burocracia brasileira. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2021. ) e as redes de solidariedade locais construídas pela comunidade haitiana.

Sobre isso, é importante destacar, como Audebert e Joseph (2022AUDEBERT, Cedric; JOSEPH, Handerson. El sistema migratorio haitiano en América del Sur: recientes desarrollos y nuevos planteamientos. In: AUDEBERT, Cedric; JOSEPH, Handerson (eds.). El sistema migratorio haitiano en América del Sur: proyectos, movilidades y políticas. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO, 2022, p. 17-51.) reforçam, que a migração de uma população negra, em um contexto não apenas transnacional, mas também diaspórico, é inédita no contexto sul-americano. Há quase dois séculos a diáspora haitiana busca “liberdade, oportunidade e respeito” (Audebert, Joseph, 2022AUDEBERT, Cedric; JOSEPH, Handerson. El sistema migratorio haitiano en América del Sur: recientes desarrollos y nuevos planteamientos. In: AUDEBERT, Cedric; JOSEPH, Handerson (eds.). El sistema migratorio haitiano en América del Sur: proyectos, movilidades y políticas. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO, 2022, p. 17-51., p. 31, tradução nossa) e consolida um perfil de migrantes globalizados, organizados politicamente e capazes de mobilizar múltiplas estratégias para cruzar fronteiras. A judicialização da reunião familiar pela comunidade haitiana no Brasil representa, portanto, não apenas um exemplo de resistência inclusiva, tal como discutido por Espinoza (2022ESPINOZA, Marcia Vera. Gobernanza excluyente vs. resistencia inclusiva: el manejo de las migraciones durante la pandemia en Chile. In: ZAPATA, Gisela; ESPINOZA, Marcia Vera; GANDINI, Luciana (coords.). Movilidades y COVID-19 en América Latina: inclusiones y exclusiones en tiempos de “crisis”. Cidade do México: UNAM, 2022, p. 87-109.), mas também do que Joseph (2021) JOSEPH, Handerson. La negrización de las migraciones. In: MIRANDA, Bruno et al. (coords.). (Trans) Fronteriza: movilidades y diásporas negras en las América. Buenos Aires: CLACSO, 2021, p. 76-85.denomina de negrização das migrações: um fenômeno não restrito ao aumento numérico de pessoas negras migrantes, mas que destaca a agência e o protagonismo desses sujeitos, as redes e as profundas transformações por eles criados.

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  • ______. Bolivianos em São Paulo: entre o sonho e a realidade. Estudos Avançados, v. 20, n. 57, p. 157-170, 2006. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-40142006000200012
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  • 1
    Projeto de ensino-pesquisa-extensão - Observatório das Migrações em São Paulo (NEPO-UNICAMP) e Serviço de Referência ao Imigrantes, Refugiados e Apátridas da Prefeitura Municipal de Campinas. Protocolo do Comitê de Ética: CAAE 20340219.2.0000.8142. Mais informações disponíveis em: https://www.nepo.unicamp.br/observatorio/srirac.php. Acesso em: 13.03.2023.
  • 2
    Por migração transnacional refugiada entende-se tanto os refugiados reconhecidos pelo Comitê Nacional para Refugiados (CONARE), como dispositivos jurídicos associados à acolhida humanitária e à migração de crise, de modo a explicitar as conotações políticas e ideológicas que perpassam o enquadramento do migrante na legislação brasileira (Baeninger, 2022).
  • 3
    Segundo essa normativa, o chamante (imigrante residente no Brasil) não pode ser beneficiário de visto ou autorização de residência por reunião familiar ou de autorização provisória de residência, o que exclui imigrantes do Haiti que ainda estão como solicitantes de refúgio. Com relação aos chamados (parentes que desejam vir ao Brasil), cobra-se: passaporte válido; certificado internacional de imunização reconhecido pela Anvisa; pagamento de emolumentos consulares; formulário de solicitação de visto preenchido (não cabe ao problema em questão, na medida que essa solicitação pressupõe que o chamado já esteja no Brasil e daqui solicite o visto); comprovante de meio de transporte utilizado na entrada no Brasil (não cabe no caso de imigrantes que ainda estão no Haiti); certidão de antecedentes criminais e documentos comprobatórios do parentesco (apenas pais, avós, filhos, cônjuges e irmão menores de idade).
  • 4
    A concessão do visto temporário e autorização de residência prevista, nesse caso, exige: documento válido de viagem; certificado internacional de imunização; formulário de solicitação de visto preenchido (sem sentido no caso, pois os imigrantes ainda não entraram no país); comprovante de meio de transporte de entrada no Brasil (não cabe a essa população, pois ainda estão no Haiti); atestado de antecedentes criminais do Haiti.
  • 5
    A opção por proceder com a regularização migratória via acolhida humanitária deveu-se pela isenção de taxas e emolumentos prevista pela Portaria Interministerial nº13, de dezembro de 2020.

Editores do dossiê

Cédric Audebert, Handerson Joseph, Bruno Miranda (guest editors)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    10 Jan 2023
  • Aceito
    03 Mar 2023
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