A obra organizada por Cristina Rocha e Manuel Vásquez é um trabalho de fôlego, composto por quatorze capítulos nos quais são analisados os fluxos, cosmologias e dinâmicas presentes na diáspora de diversas religiões brasileiras. Trata-se da primeira edição em português lançada pela Editora Ideias & Letras, em 2016. A versão em inglês “The diaspora of Brazilian religions” foi lançada em 2013, pela editora Brill, em Leiden.
O livro foi organizado por Cristina Rocha, antropóloga e pesquisadora do Centro de Estudos da Religião e Sociedade na Universidade de Western Sydney, na Austrália, e Manuel A. Vásquez, professor chefe do Departamento de Religião na Universidade da Florida, em Gainesville, atualmente pesquisador independente. Os organizadores oferecem ao leitor os resultados de suas respectivas pesquisas sobre a expansão de religiões brasileiras em outros contextos territoriais.
Embora mais de cinco anos tenham se passado desde a primeira edição em língua inglesa, a atualidade deste trabalho é evidenciada logo nas primeiras páginas quando os organizadores analisam o Brasil na “nova cartografia global da religião”. Eles sublinham que os tradicionais “centros de comando” na exportação de grandes religiões como o Hinduísmo e Budismo passam a lidar com países tidos como subalternos no sistema capitalista, mas que sacodem os ritmos e as direções da expansão religiosa.
Em tempos de modernização aguda que tem implicado na mudança radical da vida em sociedade, tal como a conhecíamos antes da pandemia Covid-19, o livro é atual por apresentar como linha de argumentação transversal a todos os capítulos a ideia de transnacionalização. O conceito é capitalizado especialmente pelos circuitos de desterritorialização, mas também pela internet, veículo que em tempos de pandemia apresenta-se como elemento determinante na reconfiguração da vida social e, naturalmente, de uma de suas esferas aqui em análise: a religião. Como se configurarão as novas diásporas religiosas em tempos de restrição da mobilidade dos sujeitos? Como as experiências e pesquisas narradas nesta obra poderão se repetir ou serem revisitadas no presente e em um futuro próximo no qual a virtualidade transnacional passa a ser a expressão mais fundamental da vida em sociedade?
O livro está organizado em três partes com capítulos densos sobre os diferentes campos religiosos em questão. A primeira parte, intitulada “Cristianismo Brasileiro” reúne, em cinco capítulos, estudos sobre a diáspora de religiões cristãs brasileiras. Nesta parte, estão presentes os textos “Projeto pastoral de Edir Macedo: uma rede Pentecostal globalmente integrada”, das autoras Clara Mafra, Claudia Swatowiski e Camila Sampaio, “Igrejas brasileiras em Londres: transnacionalismo de nível médio” de Olivia Sheringham, “O ‘ovo do diabo’: os jogadores de futebol como os novos missionários da diáspora das religiões brasileiras” de Carmen Rial, “Pentecostalismo brasileiro no Peru: afinidades entre as condições sociais e culturais de migrantes andinos e a visão religiosa do mundo da Igreja Pentecostal Deus é Amor” de Dário Paulo Barrera e, por último, “O Catolicismo brasileiro de exportação: o Caso da Canção Nova” de Brenda Carranza e Cecilia Mariz.
A segunda parte do livro também está dividida em cinco capítulos voltados para o tema da diáspora das religiões afro-brasileiras, sendo intitulado “Religiões Afro-Brasileiras”. Estão presentes nessa parte, os textos “Transnacionalismo como fluxo religioso através de fronteiras e como campo social: Umbanda e Batuque na Argentina” de Alejandro Frigerio, “Pretos Velhos através do Atlântico: religiões afro-brasileiras em Portugal” de Clara Saraiva, “Autenticidade transnacional: o caso de um templo de Umbanda em Montreal” de Deirdre Meintel e Annick Hernandez, “Nipo-brasileiros entre pretos velhos, caboclos, monges budistas e samurais: um estudo etnográfico da Umbanda no Japão” de Ushi Arakaki, e “Mora Iemanja? Axé na capoeira regional diaspórica” de Neil Stephens, Sara Delamont e Tiago Ribeiro Duarte.
Por fim, “Novos Movimentos Religiosos” é o título dado à terceira parte do livro, constituída por quatro capítulos. São eles “Construindo uma comunidade espiritual transnacional: o movimento religioso de João de Deus na Austrália” de Cristina Rocha, “O Vale do Amanhecer em Atlanta, Georgia: negociando identidade de gênero e incorporação na diáspora” de Manuel A. Vásquez e José Claudio Souza Alves, “A globalização de nicho da Conscienciologia: a cosmologia e internacionalização de uma paraciência brasileira” de Anthony D’Andrea, e “O Santo Daime e a União do Vegetal: entre Brasil e Espanha” de Jessica Greganich.
A compreensão da diáspora como “dispersão dos povos” perpassa toda a obra. Os leitores terão contato com um quadro sobre a diversidade do campo religioso brasileiro traduzida em relações de diáspora no mundo globalizado. Para além dos movimentos migratórios modernos, as tecnologias advindas da modernidade e as novas formas de trânsito nos fluxos globais contribuem para o sucesso desses empreendimentos religiosos que consolidam esta relevante obra sobre as religiões brasileiras em fluxo.
A importância desta obra para os estudos sobre globalização e transnacionalismo religioso está no fato de que a modernidade tardia inaugurou um novo movimento no que tange a dispersão de religiosidades. A América Latina, em especial, o Brasil, tem assumido papel central na nova cartografia religiosa mundial e tem reorientado algumas teses clássicas sobre a presença da religião em contexto de modernidade.
De modo aparentemente paradoxal, a transnacionalização das religiões estabelece espécie de pátria comum para as demandas de sociabilidade, integração social e busca de sentido oferecidas pelas religiões brasileiras em diáspora. O livro costura de modo criativo as análises sobre novas dimensões da globalização pensadas a partir da globalização em suas vertentes cultural, econômica e até mesmo política. Nesse contexto, elementos materiais e imateriais passam a ter possibilidades de trânsito nos fluxos globais não estando restritos apenas ao fenômeno da migração, geralmente acionado quando se analisa a presença de religiões brasileiras em outros contextos nacionais (Levitt, Glick Schiller, 2004LEVITT, Peggy; GLICK SCHILLER, Nina. Conceptualizing simultaneity: a transnational social field perspective on society. International migration review, v. 38, n. 3, p. 1002-1039, 2004.). A transnacionalização passa a ser vista então em sua pluralidade na qual determinadas religiões se expandem globalmente por meio de um movimento rizomático (Csordas, 2007CSORDAS, Thomas. Introduction: modalities of transnational transcendence. Anthropological theory, v. 7, n. 3, p. 250-272, 2007. ). Cada País, com suas peculiaridades, passa a ser solo fértil para religiões brasileiras hábeis em oferecer cosmologias e reinventá-las a partir de contextos específicos.
Trata-se, portanto, de um livro fundamental para os interessados em compreender a dinâmica do campo religioso brasileiro além fronteiras, a partir de pesquisas e análises criativas dos cientistas sociais convidados a compor essa instigante obra.
Bibliografia
- CSORDAS, Thomas. Introduction: modalities of transnational transcendence. Anthropological theory, v. 7, n. 3, p. 250-272, 2007.
- LEVITT, Peggy; GLICK SCHILLER, Nina. Conceptualizing simultaneity: a transnational social field perspective on society. International migration review, v. 38, n. 3, p. 1002-1039, 2004.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
09 Dez 2020 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2020
Histórico
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Recebido
05 Jun 2020 -
Aceito
10 Nov 2020