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Recursos performáticos da mobilidade senegalesa: agenciamentos sonoro-musicais migrantes no Brasil

Performative resources of Senegalese mobility: sound and musical agencies of migrants in Brazil

Resumo:

Estar em campo, engajando as vidas móveis de jovens migrantes da África Ocidental envolvidos com os mais variados universos de prática musical no Brasil, me levou a indagar quais os significados da performance da cultura musical diante das situações contingentes e precárias da mobilidade. A dimensão sonoro-musical é significativa de múltiplas formas na vida das pessoas e intersecciona um mundo real afetado por desigualdades, doenças, conflitos e deslocamentos. Ela também se torna um recurso valioso de ação diante dessas situações. Neste artigo, a partir de um estudo de caso que acompanha os percursos de mobilidade e os agenciamentos de um jovem senegalês no Brasil, exploro como o universo da percussão africana sabar, sua circulação transnacional e seus fluxos transformativos, informam imaginários performáticos de mobilidade que são acionados por jovens da África Ocidental como fonte criativa de soluções emancipatórias, de caminhos de mobilidade e de agenciamento em contextos do estrangeiro como o brasileiro.

Palavras-chave:
migração; percussão sabar; juventudes; África Ocidental; etnomusicologia

Abstract:

Being in the field, engaging the mobile lives of West African migrant youth involved with the most varied universes of musical practice in Brazil, led me to ask what is the meaning of performing music cultures in the contingent and precarious contexts of mobility. The sound and musical dimension are significant in multiple ways in people's lives and intersects a real world affected by inequalities, diseases, conflicts and displacements. It also becomes a valuable resource for action in these situations. This article is based on a case study that follows the mobility paths and agencies of a youthful Senegalese in Brazil, and it explore how the African sabar percussion, its transnational circulation and transformative flows, inform performative imaginaries of mobility that are activated by West African youth as a creative source for emancipatory solutions, mobility paths and agency in foreign contexts such as Brazil.

Keywords:
migration; sabar percussion; youth; West Africa; ethnomusicology

Introdução

O que está em jogo no “fazer música”, no produzir sonoridades perante situações incertas, muitas vezes precárias, de deslocamento, não só geográfico, mas cultural, nos mais variados contextos do exterior? Quais os aportes que a performance musical oferece no âmbito da mobilidade humana? Essas indagações têm sido o mote de uma pesquisa etnográfica mais ampla, iniciada em 2018, na interlocução com jovens migrantes da África Ocidental no Brasil envolvidos com os mais distintos universos musicais de prática. Jovens que chegaram ao Brasil a partir de 2010, entre seus 20 e 30 anos, atraídos pela ideia de um país repleto de oportunidades econômicas e musicais, além de que uma cultura formada pela afro-diáspora, como percebiam, haveria de ser receptiva. O meu encontro com esses jovens, entretanto, se deu a partir da própria desconstrução desse ideal.

A minha entrada nesse universo de pesquisa se deu quando me voluntariei para a organização de eventos culturais singelos, mas dedicados, planejados pela comunidade senegalesa da capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Para além das experiências gastronômicas, desfiles de moda africana e outras atividades que compunham aquelas ocasiões, enxerguei nelas a oportunidade perfeita de encontrar com aqueles sujeitos encarregados da dimensão sonora e da performance musical desses eventos de cultura senegalesa migrante. Entretanto, distante dos holofotes e nas conversas informais particulares que eu travava com interlocutores durante os preparativos dessas festas, percebi um sentimento de decepção ou até mesmo de frustração, já que a receptividade com a qual se depararam no Brasil era bastante diferente daquela que tinham inicialmente imaginado.

Ser parte de uma demografia migrante que “escurece” e “islamiza” o Brasil, um país que historicamente escolheu e acolheu ou não seus imigrantes baseados na cor da pele “clara” e na religião cristã1 1 Eu percebi essa história com mais detalhes a partir da minha visita, em novembro de 2021, a dois museus na cidade de São Paulo, sendo eles: o Museu da Imigração do Estado de São Paulo, sediado na extinta Hospedaria dos Imigrantes, fundada em 1889, no bairro da Mooca; e o Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil, localizado no bairro da Liberdade. Cabe lembrar que a migração japonesa, considerada não-branca, apenas se tornou uma opção “aceitável” a partir da diminuição dos fluxos migratórios europeus no início do século XX. , talvez tenha sido a ruptura mais contundente nesse imaginário que era nutrido por meus interlocutores, e que se fez sentir na precariedade do trabalho, no olhar desconfiado, no acolhimento seletivo e nos casos recorrentes de violência física e simbólica, por vezes fatais, que acometiam migrantes negros e tantos jovens afro-brasileiros rotineiramente.

Teranga, a propósito, era um conceito que eles faziam questão de reiterar ao falarem sobre o seu país natal nesses eventos. A hospitalidade, generosidade e o acolhimento aos seus tubaab (estrangeiros), independente da nacionalidade, etnicidade, religião, classe social ou da cor da pele - obrigação ética e moral bastante valorizada na sociedade senegalesa -, referindo-se ao Senegal como “le pays de la teranga” (o país da hospitalidade), parecia funcionar às avessar no Brasil, ou seja, uma teranga reorientada que continuava partindo deles, mas que ia ao encontro dos nacionais do país de destino. Uma teranga que encontrava na mediação através de recursos culturais, sonoros e performáticos melhores condições de receptividade, de construção de relações e de pontes; uma espécie de entrada na vida social brasileira a partir daquilo que lhes constituía intimamente como diferentes, sua cultura musical.

A inquietação decorrente dessas contradições era compreensível. Afinal de contas, como eu poderia conciliar essa alegada falta de hospitalidade e receptividade do povo brasileiro, com esses eventos culturais com cobertura jornalística local, e onde bandeiras do Brasil e do Senegal eram colocadas lado a lado para receber um público composto em sua grande maioria de uma classe média branca brasileira e muitos jovens universitários como eu?

Revisitar essas contradições que compuseram as minhas primeiras experiências de campo sugere nuances às perguntas que abrem este artigo e trazem à tona esses agenciamentos sonoro-musicais-performáticos que têm sido o tópico de inúmeras pesquisas etnomusicológicas que começaram, nos últimos anos, a engajar as ações de músicos e artistas migrantes negros, africanos e caribenhos no país, produto do que Handerson Joseph (2021JOSEPH, Handerson. La negrización de las migraciones. In: DIAS, Mariela Paula; MIRANDA, Bruno; ALFARO, Yolanda. (Trans)Fronteriza: movilidades y diásporas negras en las Américas. 1a ed. - Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO, 2021, p. 76-85., p. 78-79) chamou de “a negritude das migrações2 2 Joseph relaciona a negritude das migrações (“la negrización de las migraciones”, no original), não apenas ao aumento desse contingente nos fluxos migratórios globais, mas a como a agência e o protagonismo desses sujeitos têm produzido novos entendimentos e sentidos da mobilidade humana (Joseph, 2021, p. 79). ” contemporâneas. Esses estudos têm explorado, por exemplo, como as práticas musicais migrantes interseccionam questões sociais, econômicas e políticas nos contextos de centros urbanos brasileiros (Chalcraft et al., 2017CHALCRAFT, Jasper; SEGARRA, Josep Juan; HIKIJI, Rose Satiko Gitirana. Bagagem desfeita: a experiência da imigração por artistas congoleses. GIS - Gesto, Imagem e Som - Revista de Antropologia, v. 2, n. 1, 2017. DOI: 10.11606/issn.2525-3123.gis.2017.129448. ; Hikiji, Chalcraft, 2017HIKIJI, Rose Satiko Gitirana; CHALCRAFT, Jasper. O visto e o invisível. Cadernos de Campo (São Paulo - 1991), v. 25, n. 25, p. 437-447, 2017. DOI: 10.11606/issn.2316-9133.v25i25p437-447., 2018______. Opening Eyes through Ears: Migrant Africans Musicking in São Paulo. In: REILY, Suzel A.; BRUCHER, Katherine (eds.). The Routledge Companion to the Study of Local Musicking. New York: Taylor and Francis, 2018, p. 473-486.; Santos, 2018SANTOS, Caetano. Haitian-Immigrant Artists and the Political Aesthetic of Migration in Brazil’s Polarized 2018 Presidential Campaign. Sem{studentnews}, v. 14, n. 2, p. 32-36, 2018.; Stringini, 2021STRINGINI, Daniel. Experiencing the City from An Immigration-Based Listening: Haitian Community’ Sounds in Southern Brazil. Etnomüzikoloji Dergisi, v. 4, n. 1, p. 97-114, 2021.; Venturin, Lucas, 2021VENTURIN, Kelvin; LUCAS, M. Elizabeth. "Lugares de ressonância" e a produção de uma diáspora musical senegalesa no sul do Brasil. REMHU, Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana ., Brasília, v. 29, n. 62, p. 79-97, 2021. ). Para mais além, essas pesquisas têm demonstrado como a produção e performance musical se tornam um veículos de articulação de novas identidades, posicionamento político, de representação de si e de transformação da localidade, criando novos espaços de performance, de alianças e parcerias que visibilizam experiências diaspóricas negras, históricas e contemporâneas no Brasil, mas que ao mesmo tempo também levantam questões e problemáticas envolvendo raça, etnia, minorias e hegemonia no Brasil atual.

Neste artigo, eu também parto desses agenciamentos para buscar construir novas compreensões e sentidos das mobilidades negras contemporâneas para o Brasil. No estudo de caso etnográfico que trago aqui, eu acompanhei o percurso de um jovem percussionista senegalês, Moustapha Diene, em seus trânsitos e ações na mobilidade translocal/transnacional, a partir de entrevistas semiestruturadas, conversas informais, do aprendizado da percussão sabar e da observação participante em oficinas de percussão e performances musicais em São Paulo, Brasília e também em meio virtual durante o contexto pandêmico.

Partindo da centralidade que a prática da percussão sabar tem para Moustapha, em seus trânsitos e ações, busco demonstrar como esses agenciamentos ressoam questões ainda mais profundas ligadas à realidade e desafios enfrentados por muitos jovens da África Ocidental, especialmente aqueles que optam pelo caminho da mobilidade. Argumento que esses caminhos de ação a partir da articulação da cultura musical compõem imaginários performáticos historicamente construídos de possibilidades de emancipação na mobilidade, constituídos ao longo dos fluxos transformativos das culturas musicais da África Ocidental, em suas circulações e trocas transnacionais.

Novos nexos para os estudos musicais

Há pelo menos duas dimensões com as quais os estudos musicais das últimas três décadas buscaram romper ou superar no que se refere ao entendimento de uma “arte musical” segundo imaginários e noções ocidentais, Europeias e anglófonas, também impregnados nas disciplinas musicais no Sul Global. A associação quase que imediata da “música” a fatos positivos e ao prazer estético e sensual implicou, por muito tempo, 1) na invisibilização das problemáticas e realidades sociais reais que interseccionam ou são interseccionadas pelo fazer musical (Rice, 2014RICE, Timothy. Ethnomusicology in Times of Trouble. Yearbook for Traditional Music , v. 46, p. 191-209, 2014., p. 192); 2) ou então, na descrição e explicação descontextualizada das culturas e tradições musicais não ocidentais europeias, especialmente as africanas e afro-diaspóricas, vistas e ouvidas por um prisma sexualizador e exotizante dos corpos negros e suas produções sonoras (Radano, Bohlman, 2000RADANO, Roland D.; BOHLMAN, Philip V. (eds.). Music and the Racial Imagination. Chicago: University of Chicago Press , 2000.).

Na etnomusicologia, historicamente, buscou-se demonstrar como as dimensões sonoro-musicais poderiam ser uma via importante para o entendimento das sociedades e culturas em suas diferenças, complexidades e cosmologias, e como estas poderiam contribuir com os estudos musicais a partir das suas diferentes compreensões do sonoro. Em um artigo emblemático da área, Steven Feld (1984FELD, Steven. Sound Structure as Social Structure. Ethnomusicology, v. 28, n. 3, p. 383-409, 1984.) analisou a relação entre “estrutura sonora” e “estrutura social” de uma sociedade tradicional da Nova Guiné, os Kaluli, apontando para as maneiras como essas estruturas ressoavam e informavam uma à outra. Posteriormente, Feld foi além, propondo a ideia de “acustemologia” como uma nova episteme e forma de saber e conhecer por meio da escuta, de apreender as dimensões socioculturais através do som (Feld, 2015______. Acoustemology. In: NOVAK, David; SAKAKEENY, Sakakeeny (eds.). Keywords in Sound. Duke University Press, 2015, p. 12-21.). Os estudos de Feld fazem eco àquilo que o etnomusicólogo ganense, Joseph Hanson Kwabena Nketia, chamou de nexo cultural, uma abordagem interpretativa holística do evento musical, compreendendo diferentes dimensões: culturais, sociais, políticas e econômicas (Chernoff, 1989CHERNOFF, John Miller. The relevance of ethnomusicology to anthropology: strategies of inquiry and interpretation. In: DJEDJE, Jacqueline (ed.). African musicology: current trends. Vol. 1. Los Angeles: University of California Press, 1989, p. 59-92., p. 2).

Reitero esses estudos e abordagens porque estudar as práticas musicais hoje, nos demanda reestabelecer esses nexos com um mundo conectado como nunca antes visto, porém não menos desafiador, afetado por doenças, exploração dos recursos naturais, crises ambientais, regimes e políticas opressivas, guerras, pela produção e reprodução de desigualdades e pela mobilidade humana.

Coube aos etnomusicólogos encontrar essas novas conexões ou nexos e produzir esses novos sentidos e entendimentos, algo que começaram a fazer a partir do engajamento com uma variedade de temas relacionados às questões raciais, de gênero, socioeconômicas, políticas, ecológicas e também da mobilidade humana, especialmente no que se refere aos refugiados e ao aumento desse contingente nos fluxos globais de pessoas (Reyes, 1986REYES, Adelaida. Tradition in the Guise of Innovation: Music among a Refugee Population. Yearbook for Traditional Music, v. 18, p. 91-101, 1986., 1989______. From Native to Adopted Land through the Refugee Experience. Yearbook for Traditional Music, v. 21, p. 25-35, 1989. , 1990______. Music and the Refugee Experience. The World of Music, v. 32, n. 3, p. 3-21, 1990., 1999______. Songs of the Caged, Songs of the Free: Music and the Vietnamese Refugee Experience. Philadelphia: Temple University Press, 1999.)3 3 A etnomusicóloga filipina Adelaida Reyes Schramm foi instrumental nesse processo de condução da disciplina para o campo dos estudos urbanos (etnografia urbana) e da experiência de refugiados. Em suas pesquisas, Reyes explorou os processos e impactos da migração forçada na vida musical de pessoas em deslocamento entre países, campos de refugiados e supostos destinos finais de refúgio, avançando no entendimento dos fluxos transformativos das tradições musicais a partir da vida musical de pessoas em busca de refugio em uma jornada de anos, marcada por situações de extremo estresse e múltiplos encontros culturais. . Essas temáticas transversalizam diferentes áreas do conhecimento e possibilitam pensar como o sonoro-musical-performático de fato ressoa, é afetado, media e é informado ou articulado pelas pessoas como forma de agenciamento para melhorar ou que exacerba essas problemáticas e situações (Barz, Cohen, 2011BARZ, Gregory; COHEN, Judah. The Culture of AIDS in Africa: Hope and Healing Through Music and the Arts. New York: Oxford University Press, 2011.; Barz, Cooley, 2008BARZ, Gregory F.; COOLEY, Timothy J. (eds.). Shadows in the Field: New Perspectives for Fieldwork in Ethnomusicology. 2 ed., New York: Oxford University Press 1997; 2008.; Rice, 2014RICE, Timothy. Ethnomusicology in Times of Trouble. Yearbook for Traditional Music , v. 46, p. 191-209, 2014., p. 193).

Os estudos musicais e as etnografias etnomusicológicas em contextos urbanos e em suas territorialidades periféricas, por exemplo, têm demonstrado como as produções e performances musicais (tradicionais, populares, cosmopolitas) se relacionam com as questões e problemáticas locais da violência, das desigualdades sociais, econômicas, raciais, étnicas (Araújo, 2006ARAÚJO, Samuel. A violência como conceito na pesquisa musical; reflexões sobre uma experiência dialógica na Maré. Trans. Revista Transcultural de Música, n. 10, 2006.), e de que maneira o sonoro-musical é articulado como via de expressão identitária (Turino, Lea, 2004TURINO, Thomas; JAMES, Lea (eds.). Identity and the Arts in Diaspora Communities. Warren: Harmonie Park Press. 2004), de forjar alianças, de posicionamento e manifestação política (Bohlman, 2011BOHLMAN, Philip V. When Migration Ends, When Music Ceases. Music and Arts in Action, v. 3, n. 3, p. 148-165, 2011.), na construção de formas alternativas de cidadania (Rosaldo, 1994ROSALDO, Renato. Cultural Citizenship in San Jose, California. PoLAR, v. 17, n. 2, p. 57-64, 1994.)4 4 Para Renato Rosaldo (1994), aquilo que chamou de “cidadania cultural” faz referência ao direito de ser diferente e, ao mesmo tempo, encontrar as melhores maneiras possíveis de contribuir e participar, a partir dessa diferença e segundo as regulações locais, como cidadãos nessas culturas estrangeiras. ou como ferramenta emancipatória de experimentação criativa de soluções por jovens na mobilidade (Honwana, 2012HONWANA, Alcinda M. The Time of Youth: Work, Social Change, and Politics in Africa. Sterling: Kumarian Press, 2012.).

É a partir desses novos nexos musicais, conectados com as problemáticas reais enfrentadas pelos sujeitos fazendo “música”, que neste artigo busco refletir sobre como a performance de uma cultura musical e seus imaginários de possibilidades e de agenciamentos, forjados a partir do valor/significado que essa prática musical adquiriu e adquire para seus praticantes e audiências ao passo que circula e é articulada por esses sujeitos na mobilidade, intersecciona as problemáticas da mobilidade humana e informa as ações de jovens da África Ocidental em trânsito.

Imaginários performáticos de mobilidade

Em seu artigo “Circulação, Valor, Troca e Música” (2020), Timothy D. TaylorTAYLOR, Timothy D. Circulation, Value, Exchange, and Music. Ethnomusicology , v. 64, n. 2, p. 254-273, 2020. mobilizou a teoria marxista e antropológica sobre valor para pensar sobre como os bens culturais, tangíveis e intangíveis como a música, circulam em um mundo tão conectado como nunca antes visto. Taylor focou no papel da agência dos diferentes atores sociais envolvidos nesses fluxos translocais/transnacionais e “regimes de valor” (o rádio, as performances, a audiência, os produtos de marketing), ou seja, nas diferentes formas de fazer circular e de produzir valor, para além do valor econômico.

Para Taylor, uma maneira mais eficiente de pensar sobre como os bens culturais, como a música, circulam, é a partir do valor/significado que eles têm para as pessoas, ou seja, se eles possuem valor para as pessoas eles circulam e, ao circularem, eles também adquirem valor através do desejo das pessoas por aquelas coisas; “onde há circulação e valor, existem trocas, não apenas em termos de dinheiro, mas de tempo, de trabalho, de ação” (Taylor, 2020TAYLOR, Timothy D. Circulation, Value, Exchange, and Music. Ethnomusicology , v. 64, n. 2, p. 254-273, 2020., p. 255); eu adiciono aqui, também de afeto e de afetação (Siqueira, Favret-Saada, 2005SIQUEIRA, Paula; FAVRET-SAADA, Jeanne. “Ser afetado”, de Jeanne Favret-Saada. Cadernos de Campo (São Paulo - 1991), v. 13, n. 13, p. 155-161, 2005. DOI: 10.11606/issn.2316-9133.v13i13p155-161.).

Inspirado por essas elaborações, proponho aqui reorientar as questões de circulação, valor e troca, colocadas por Taylor, para pensar o que acontece quando as pessoas se mobilizam testando o valor que seus bens culturais têm, ou que adquiriram e adquirem ao passo que circulam globalmente em uma chamada “cultura pública” (Appadurai, Breckenridge, 1988APPADURAI, Arjun; BRECKENRIDGE, Carol. Why Public Culture?. Public Culture Bulletin, v. 1, n. 1, p. 5-9, 1988. )5 5 “Domínio, no âmbito da circulação de formas de representação e mediação, na qual circulam cada vez mais mercadorias [materiais e imateriais], emanadas de fora das fronteiras de um país ou região, mas também disponíveis para sujeitos da diáspora em todo o mundo” (Taylor, 2020, p. 266). ; ou então, agregam valor às suas culturas e práticas musicais, valoradas ou avaliadas de diferentes maneiras nos mais variados contextos e ocasiões do país natal e no estrangeiro, articulando-as em troca não apenas de dinheiro, mas de alternativas, parcerias, inserção, alianças políticas e, como os próprios percursos dos meus interlocutores jovens africanos negros no Brasil têm me sugerido, de futuros emancipatórios a partir da mobilidade.

Esses percursos, narrativas e ações dos meus interlocutores ressoam imaginários performáticos de mobilidade, produzidos, consolidados e atualizados ao longo dos fluxos de transformação e articulação das culturas musicais de uma África pós-colonial e dos esforços de forjar as identidades unificadas das novas nações independentes do continente. Imaginários que eram acionados pelos meus interlocutores diante das contingências do seu país natal e que informavam possíveis soluções aos desafios com os quais se deparavam no estrangeiro.

Para começar a resgatar alguns desses imaginários, os estudos etnomusicológicos em África já apontaram que as práticas expressivas como a música e dança, e os domínios culturais da culinária, linguagem, religião, vestimentas, compreendem dimensões centrais do processo de construção de uma identidade nacional (nation-building). Como escreveu Thomas Turino (2000TURINO, Thomas. Nationalists, Cosmopolitans and Popular Music in Zimbabwe. Chicago: University of Chicago Press , 2000., p. 14), são eles que depositam sentimento e forjam pertencimento na dimensão abstrata do conceito de “nação”. Não foi por acaso, portanto, que os recém-empossados líderes africanos adotaram todo um conjunto de “políticas culturais” (Askew, 2002ASKEW, Kelly. Performing the Nation: Swahili Music and Cultural Politics in Tanzania. Chicago: Chicago University Press, 2002.) em seus projetos nacionalistas, na esteira das independências africanas na segunda metade do século XX, como forma de articular e unificar o valor/significado que as várias culturas tinham para os seus respectivos povos no recém-delimitado território da nação, sob uma mesma bandeira nacional. Não apenas isso, mas através do patrocínio Estatal, fomentar o trânsito através da performance dessas novas identidades e culturas nacionais pelo mundo.

A Companhia de Dança de Gana, fundada pelo então presidente Kwame Nkrumah; o Ballet Nacional do Senegal, ancorado na filosofia da nègritude do então primeiro presidente do país, Léopold Sédar Senghor; Les Ballets Africains, idealizado pelo compositor, coreógrafo e político Fodéba Keïta, e que se tornou a companhia nacional da Guiné com a independência do país e a presidência de Sékou Touré, em 1958; a National Dance Company, no Zimbábue, foram alguns dos grupos que iniciaram o desafiador, delicado e contraditório jogo do “nacionalismo cultural” (Turino, 2000TURINO, Thomas. Nationalists, Cosmopolitans and Popular Music in Zimbabwe. Chicago: University of Chicago Press , 2000., p. 14). Desafiador, pela dificuldade de forjar e encenar uma cultura nacional que incorporasse a essência das várias danças locais aos gostos estéticos cosmopolitas, e que, ao mesmo tempo, ressoasse nas audiências tanto nacionais como estrangeiras, e delicado, já que poderia criar potenciais rivais dentro do próprio território; grupos que por algum motivo não fossem se sentir parte ou representados por essa identidade e sentimento nacional unificado.

Se por um lado essas companhias tinham um compromisso claro vinculado ao Estado em sua busca por produzir uma identidade nacional, por outro, alimentaram imaginários de ascensão social, econômica e profissional de porções da população que viram na performance da cultura do seu país e no patrocino do Estado possibilidades de trânsito internacional. Como escreveu Turino (2000TURINO, Thomas. Nationalists, Cosmopolitans and Popular Music in Zimbabwe. Chicago: University of Chicago Press , 2000., p. 6), esses imaginários fazem parte da conformação de novas subjetividades e noções do “eu” (self) em África, a partir dos quais a prática musical passou a ser pensada também como “trabalho acústico” (Araújo, 2013______. Entre muros, grades e blindados; trabalho acústico e práxis sonora na sociedade pós-industrial. El oído pensante, v. 1, n. 1, p. 1-15, 2013., p. 6), ou seja, também como meio de profissionalização, de subsistência e de mobilidade social, econômica e transnacional, a partir do valor que essas práticas acumulavam ao passo que circulavam e eram performatizadas nos palcos internacionais.

Esses grupos e companhias, portanto, acabaram se tornaram uma via estratégia e de longo prazo para a migração transnacional; um caminho viável para se conseguir um visto e viajar para fora do país a partir da performance da sua cultura musical, na busca por acessar também os benefícios das economias e políticas culturais do estrangeiro (Castaldi, 2006CASTALDI, Francesca. Choreographies of African Identities: Negritude, Dance, and the National Ballet of Senegal. Urbana: University of Illinois Press, 2006., p. 196)6 6 Como no caso relatado por Schauert (2015, p. 3-4), da apresentação da companhia nacional de dança de Gana no Canada em junho de 1989. Ao mesmo tempo que o grupo performatizava seu patriotismo e identidade nacional pautada pelo lema da “unidade na diversidade” diante do Conselho Nacional Canadense/Ganês, seis membros da companhia aproveitaram para “escapar”, permanecendo no país norte-americano, o que resultou em certos protocolos da companhia para evitar eventos semelhantes no futuro que imputavam à companhia uma reputação de rota migratória. .

O ambiente de treinamento, de performance e de manipulação das culturas musicais, do

rearranjo de danças e rituais que nos seus respectivos contextos envolveriam cerimônias e eventos longos e complexos, transformando-os a partir da linguagem do espetáculo e do entretenimento, não ofereceram apenas oportunidades de desenvolver ou aprimorar uma expertise musical, artística ou cultural, mas também um caminho de compreensão das dinâmicas dos mercados transnacionais da música e da cultura, adquirindo habilidades sociais, linguísticas e empreendedoras de converter suas habilidades musicais e conhecimento cultural em valor econômico, educacional e de bem-estar social (Shipley, 2013SHIPLEY, Jesse Weaver. Living the Hiplife: Celebrity and Entrepreneurship in Ghanaian Popular Music. Durham: Duke University Press, 2013.), especialmente na mobilidade.

Esses caminhos estratégicos e criativos de ação compõem imaginários que continuam ressoando hoje no campo das escolhas e de possibilidades de muitos jovens no continente e na diáspora; os próprios percursos de vários dos meus interlocutores têm demonstrado isso. O prestígio e a visibilidade associado a esses grupos de dança e as narrativas de sucesso de antigos integrantes que construíram carreiras internacionais consagradas ou se tornaram professores e divulgadores de suas culturas nos Estados Unidos e na Europa7 7 Dentre eles estão: o percussionista “Papa” Ladji Camera, que esteve à frente como djembefola do Les Ballets Africains da Guiné, quando da sua fundação por Fodéba Keïta. Ele foi, assim como o percussionista e educador nigeriano Babatunde Olatunji, um dos primeiros a ensinar a percussão tradicional africana nos Estados Unidos no final da década de 1950 (Price, 2013, p. 232). Famoudou Konaté, que assumiu a liderança como solista do Les Ballets Africains entre 1959 e 1985. Mamady Keïta, que iniciou sua trajetória no Le Ballet National Djoliba, da Guiné, onde foi de estudante a solista (1965) e diretor (1979), integrou em 1986 o Ballet Koteban, da Costa o Marfim, e se tornou um dos expoentes da percussão africana no mundo. Mor Thiam, percussionista do Les Ballets National du Senegal, que se radicou nos EUA em 1968, pai do famoso rapper estadunidense-senegalês Akon (Aliaune Thiam). Gideon F. Alorwoyie, professor, coreógrafo e diretor do conjunto de percussão africana da Universidade do Norte do Texas, que integrou o conjunto de dança de Gana na década de 1960. Dentre tantas outras trajetórias semelhantes. , se tornaram modelos de sucesso, de superação e de agenciamento no exterior para novos membros ou para a fundação de novos grupos de dança (Schauert, 2015SCHAUERT, Paul W. Staging Ghana: artistry and nationalism in state dance ensembles. Bloomington: Indiana University Press, 2015., p. 4-5); grupos esses que mediaram a chegada de alguns dos meus interlocutores à América Latina e ao Brasil.

Percursos e recursos na performance do sabar

Foi acompanhando uma dessas companhias de dança que Moustapha Diene chegou ao Brasil, em 2014, aos 23 anos de idade, depois de uma temporada de apresentações internacionais no continente africano (Mali, Gana, Nigéria, Gâmbia) e também na Europa (Espanha, Portugal, Holanda, Bélgica, Noruega, Suécia).

Tocar os tambores do sabar, significa estar envolvido com uma cultura percussiva e de dança que remonta ao século XV e ao povo wolof da região onde hoje é o Senegal moderno (Tang, 2008______. Rhythmic Transformations in Senegalese Sabar. Ethnomusicology, v. 52, n. 1, p. 85- 97, 2008.). Moustapha nasceu em uma família que, nessa perspectiva histórica, seria considerada gèwèl, ou seja, responsável pelo ofício de tocar esses tambores, mas Moustapha tinha referências distintas dessa prática, as quais informavam como ele construía sua identidade e se autorrepresentava no Brasil. Em nossas conversas, ele deixou claro para mim qual era a melhor forma de me referir a ele:

Eu não gosto de ser chamado de gèwèl! Eu prefiro ser chamado de artista. Músico profissional.

Moustapha, de fato, desenvolveu essa prática desde os seus oito anos de idade, na capital cosmopolita do país, Dakar. Entretanto, ele não desenvolveu suas habilidades no sabar segundo uma suposta obrigação ou ofício familiar. Embora sua família lhe aconselhasse a seguir caminhos que não fossem tão economicamente incertos como os musicais, Moustapha permaneceu firme em seu desejo de se tornar, como ele mesmo diz, um “artista” que viajava, um “músico profissional” internacional, como outros percussionistas do sabar se tornaram.

Diferente da geração do seu já falecido pai, com uma atuação voltada às dinâmicas socioculturais locais, Moustapha se especializou nessa prática e ofício com os olhos para o estrangeiro. Mestres do instrumento como Doudou N'Diaye Rose (1930-2015), que não só apresentou a cultura do sabar no exterior, mas demonstrou que esses tambores poderiam acompanhar e contribuir com todo e qualquer gênero ou música do mundo8 8 Ver álbum: Bagad Men Ha Tan & Doudou N'Diaye Rose – Dakar – 2000. , assim como outros inúmeros profissionais do sabar que estavam constantemente em turnês internacionais, acompanhando companhias de dança ou os diversos artistas da música popular senegalesa chamada mbalax9 9 O mbalax é um gênero musical e de dança urbano senegalês que popularizou o processo criativo de artistas que começaram a combinar as bases rítmicas de acompanhamentos do sabar, com instrumentos como congas, guitarra, teclado e gêneros musicais como jazz, rock, reggae, soul e salsa (Mangin, 2013, p. 21). Autores como McLaughlin (1997) têm explorado o mbalax como um gênero de “música popular islâmica” no qual as lealdades griô/nobre (gèwèl/nèèr) são atualizadas na modernidade para artistas/líderes religiosos muçulmanos, e cujas letras das canções honram tais líderes e transmitem valores centrais de uma ética e moralidade islâmica. - um gênero musical que angariou popularidade não só nacional, mas internacional a partir dos anos 1970 e da indústria cultural da world music10 10 O rótulo guarda-chuva da world music representa esse movimento da indústria fonográfica ocidental de comodificação das chamadas músicas tradicionais “autênticas” do mundo, ou então, dos novos gêneros musicais populares urbanos “híbridos”, pós-modernos e cosmopolitas (Feld, 1994). - se tornaram suas referências centrais das possibilidades de mobilidade e de futuro que a performance do sabar poderia lhe proporcionar. Com os olhos para o mundo, ele desenvolveu essa prática alimentando um imaginário de possibilidades no estrangeiro que era atualizado pelo próprio fluxo transformativo de circulação transnacional dessa cultura musical.

Figura 1 -
Moustapha Diene

Moustapha Diene não era um sujeito exatamente novo no meu universo de pesquisa, que, como já mencionei, começou a ser construído em 2018. Embora eu nunca houvesse falado ou me encontrado com ele pessoalmente, seu nome já havia sido citado por outros interlocutores de pesquisa, já que ele havia sido um dos fundadores de um grupo musical de percussão e dança em Caxias do Sul, o Sabar África, um coletivo migrante que continuou sem ele e que foi instrumental para a dimensão sonora-performática daqueles eventos culturais que me introduziram nesse campo de investigação no Rio Grande do Sul. Meu primeiro contato com ele, entretanto, foi online, fruto do alargamento de uma rede de interlocução que se deu no próprio período de isolamento social, consequência da pandemia de COVID-19 em 2020, quando o exercício de uma criatividade metodológica foi instrumental para a continuidade da pesquisa na contingência pandêmica.

Ao mesmo tempo em que eu precisei me deslocar em direção a novas maneiras de estar em campo, Moustapha também precisou se reinventar e encontrar novos caminhos de ação e articulação da sua cultura musical. Foi exatamente a partir dessa busca por soluções, no fluxo das rápidas transformações e incertezas que marcaram os últimos anos, que nós travamos um primeiro contato, quando Moustapha resolveu anunciar, em sua rede social no Instagram, o oferecimento de aulas online de percussão sabar. Aquela foi a oportunidade perfeita de seguir os conselhos do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro (2002CASTRO, Eduardo Viveiros de. O Nativo Relativo. MANA, v. 8, n. 1, p. 113-148, 2002., p. 117) e estabelecer uma interlocução a partir das problemáticas postas pelos próprios sujeitos, nesse caso, que eram urgentes naquele momento para Moustapha.

Os encontros quinzenais pela plataforma google meet, que iniciaram em março e foram até outubro do ano de 2021, foram marcados pelo profundo desafio de Moustapha em lidar com a transmissão dessa cultura musical em ambiente online, e o meu, em dominá-la de uma forma totalmente inusitada, mediada pela latência tecnológica que não nos permitia tocar simultaneamente, processo, talvez, central do aprendizado e performance da percussão sabar. Essas questões de aprendizagem e transformação de uma tradição na contingência, não só da mobilidade, mas também pandêmica, foi um tema que já tratei em outro lugar (Venturin, 2021VENTURIN, Kelvin. Aprendendo percussão sabar wolof do Senegal: engajando trajetórias migrantes online e tradições musicais na contingência. Anais do X Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia. 2021.). O que busco explorar aqui, a partir dessa experiência empírica, diz respeito a como a performance dessa cultura musical se relaciona com as problemáticas enfrentadas por jovens da África Ocidental, além de como e por que ela se torna uma via importante de agenciamento sonoro-musical-performático para um jovem senegalês no Brasil, como Moustapha, ressoando e atualizando imaginários performáticos de mobilidade e de possibilidades emancipatórias no estrangeiro.

A antropóloga moçambicana, Alcinda Honwana, com décadas de investigações sobre juventudes em países como Moçambique, África do Sul, Angola, Senegal e Tunísia (Honwana, 2012HONWANA, Alcinda M. The Time of Youth: Work, Social Change, and Politics in Africa. Sterling: Kumarian Press, 2012.; Honwana, De Boeck 2005)HONWANA, Alcinda; BOECK, Filip De (eds.). Makers and Breakers: Children and Youth in Postcolonial Africa. Trenton: Africa World Press, 2005., argumenta que as experiências, anseios e ansiedades de jovens no continente africano, que se veem imersos nas contradições da modernidade globalizada, onde os fluxos contemporâneos transnacionais de pessoas, de produtos culturais e de informações ampliam oportunidades, expectativas e desejos de consumo ao mesmo tempo em que os meios de acessá-los se tornam cada vez mais limitados e contingentes, constituem uma condição que ela chamou de “waithood”; uma condição de suspensão enfrentada por jovens em contextos rurais ou metropolitanos pós-coloniais africanos que, ao não serem mais considerados crianças que precisam ser tuteladas, também não possuem os meios nem os recursos (emprego, educação, liberdade democrática e direitos sociais básicos) para ocuparem um lugar na sociedade como adultos independentes. 

A “waithood”, entretanto, não é uma fase passageira, circunscrita a uma faixa etária específica, muito menos a um simples período de espera complacente para que algo finalmente aconteça. Pelo contrário, ela compreende uma série de agenciamentos estratégicos e criativos, muitas vezes às margens das estruturas políticas formais e ideológicas culturais, empregados pelos jovens para navegar essa condição e tentar finalmente conquistar uma independência, uma emancipação, um status social de adultos plenos e um futuro para si e para suas famílias. Optar pela mobilidade para centros urbanos do seu país, para outros países africanos ou para fora do continente, como escreveu Honwana, se tornou uma dessas estratégias e saídas emancipatórias para uma idade adulta, ou então, uma forma de se compreender como adulto. É nesse sentido que acionar aquilo que chamei de imaginários performáticos de mobilidade se tornou uma forma de testar a receptividade a suas culturas musicais e performáticas no estrangeiro para encontrar rotas de mobilidade transnacional, tentar contornar as políticas seletivas de controle migratório (Mazza, 2015MAZZA, Débora. O Direito Humano à Mobilidade: dois textos e dois contextos. REMHU, Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana., Brasília, v. 23, n. 44, p. 237-257, 2015.) e ser agenciar a partir dessas suas diferentes culturas musicais e expertises nos contextos incertos e, na maioria das vezes, hostil as suas presenças do exterior.

Para além das tecnicalidades de como tocar esse instrumento de percussão, o repertório de danças que ele acompanhava, os eventos socioculturais dos quais ele era parte central no Senegal, durante meus encontros online com Moustapha, eu aprendi que o sabar podia significar muitas outras coisas. Podia se referir ao conjunto dos tambores dessa tradição, com seus diversos formatos, sonoridades e nomenclaturas (Döring, 2016DÖRING, Katharina. Mbalax - Música Popular no Senegal: uma tradição moderna entre herança colonial e World Music. Sankofa. Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana, v. 9, n. 17, p. 118-136, 2016.; Tang, 2007TANG, Patricia. Masters of the Sabar: Wolof Griot Percussionists of Senegal. Philadelphia: Temple University Press, 2007.; 2008), às danças energéticas cujos movimentos acompanhavam e eram acompanhados pela performance complexa e de alto desempenho dos percussionistas, ou então, a todas esses dimensões juntas, ao representarem parte importante da construção de uma identidade nacional senegalesa pós-independência. Entretanto, para Moustapha, essa palavra, com todos os saberes e imaginários que ela carregava, significava algo para além de tudo isso. Ela era também sinônimo de emancipação, uma emancipação a partir da mobilidade, e um recurso importante de agenciamento perante as dificuldades e os desafios dos contextos brasileiros ou estrangeiros. Foi isso que Moustapha me respondeu quando lhe perguntei sobre a importância do sabar para ele e da necessidade de talvez ter que partir para outros meios de subsistência:

Eu sou um artista, músico profissional! Foi o sabar que me levou até o Brasil e que me fez conhecer vários estados brasileiros, outros artistas e culturas do Brasil. É isso que eu quero fazer aqui, mostrar e ensinar a minha cultura. Eu não posso fazer outra coisa!

Se os imaginários performáticos de mobilidade acessados por jovens como Moustapha sugerem que os contextos do estrangeiro estão plenos de oportunidades de sucesso, passíveis de serem acessada através da performance das suas culturas musicais, esses mesmo imaginários por vezes invizibilizavam as diversas formas de desigualdades globais, preconceitos e choques socioculturais com as quais muitos desses sujeitos se deparavam no contínuo de seus deslocamentos. Foi em momentos como esses, de quebra das expectativas, que Moustapha acionou esses mesmos recursos performáticos para improvisar saídas e encontrar as brechas nessas barreiras e percalços impostos a ele no Brasil.

Os encontros online com Moustapha para estudar sabar se tornaram, para ambos de nós, uma forma de aliviar os efeitos do distanciamento social, e as conversas que travamos nessas ocasiões me permitiu acessar os seus percursos, frustrações e conquistas no Brasil. Como me contou, depois que ele chegou ao país e que tomou a decisão de permanecer, ao mesmo tempo em que a companhia de dança que ele acompanhava seguiu viagem, ele se radicou no Sul do país, onde muitos de seus conterrâneos chegaram em função das oportunidades de trabalho e de regulamentação. Lá, entretanto, os prospectos para a performance do sabar logo se demonstraram não tão bons, e as necessidades de subsistência e auxílio aos seus familiares demandou que ele migrasse para outros ramos (venda ambulante, indústria frigorífica).

Algo que eu aprendi com as vidas fluidas dos meus interlocutores é que o não fixar-se e estar aberto para captar a emergência de possíveis caminhos de ação, muitas vezes vindos das redes translocais/transnacionais que estavam inseridos, era essencial para navegar o contexto incerto da mobilidade. Era a partir do próprio sabar que Moustapha interpretava as realidades por onde circulava em termos de possibilidades de performance e de ação através desse instrumento e dos conhecimentos que desenvolveu ao longo dessa prática e percurso de mobilidade.

No Brasil, por exemplo, ao mesmo tempo em que Moustapha se deparou com um contexto nada receptivo aos corpos negros, também descobriu as forças contrárias a essa condição, produzidas a partir do legado das lutas sociais dos coletivos e dos movimentos de valorização da cultura afro-brasileira. Os grupos e espaços musicais, artísticos, religiosos, de empreendedorismo negro, lugares de criatividade, resistência e de valorização da cultura e do sujeito afro-brasileiro, foram vias pelas quais os jovens da África Ocidental, como Moustapha, encontraram melhores possibilidades de testar o valor receptivo de suas culturas musicais e o potencial político de suas presenças, práticas, expressões e narrativas identitárias nesses e a partir desses espaços.

O Grupo Instrumental Höröyá, do qual Moustapha faz parte desde que se transferiu para São Paulo, em 2015, compõe parte importante desse universo de possibilidades que ele foi capaz de acessar. Fundado pelo arranjador, compositor e percussionista, André Piruka, as composições do grupo Höröyá buscam estabelecer o diálogo entre as culturas percussivas da África Ocidental (Guiné, Mali, Senegal, Burquina-Fasso) com as afro-brasileiras do samba e candomblé, além do afrobeat11 11 O afrobeat é uma combinação de ritmos tradicionais da cultura yorùbá, com gêneros musicais populares urbanos africanos, como highlife, e cosmopolitas como o jazz e o funk, que foi popularizado na África, na década de 1970, principalmente pelo artista nigeriano e multi-instrumentista Fela Kuti (1958-1997). da Nigéria e Gana, e com o funk e o jazz norte-americano. Desde a formação do grupo, em 2015, vários mestres africanos, migrantes e brasileiros dessas tradições participaram como convidados especiais nos discos e shows da Höröyá pelo Brasil12 12 Em 2022, o grupo lançou o seu quarto disco intitulado “Gri Gri Bá” e ao longo desse percurso contou com a participação de figuras importantes como: o djembefola da Guiné, Famodou Konaté, e um de seus filhos radicado no Brasil, Bangaly Konaté; o músico, produtor, arranjador e compositor do Mali, Cheick Tidiane Seck; a yalorixá da nação ketú, Genilce D’Ogum; o instrumentista especialista na kora, Adama Keita, neto de Sidiki Diabaté (fundador da Companhia Instrumental Nacional do Mali) e sobrinho de Toumani Diabaté (internacionalmente reconhecido como expert no instrumento kora); o cantor, compositor, escritor e jornalista brasileiro, Chico César; o percussionista baiano Gabi Guedes; o músico senegalês-canadense baseado em Montreal, Quebec, também expert na kora, Zal Sissokho, e muitos outros. . Nas palavras de André, é “uma proposta que a gente fala que lida com antigas, novas e possíveis modernas tradições, com pessoas que vivem dessas culturas”13 13 Disponível em: https://www.facebook.com/grupohoroya . Acesso em: 19.08.2021. . Moustapha se tornou parte importante desses diálogos propostos pela Höröyá, construindo não só espaço para a tradição do sabar nas composições do grupo, mas saídas profissionais e performáticas para si através da prática do sabar.

Figura 2 -
Grupo Instrumental Höröyá, São Paulo

Moustapha chegou à capital paulista perseguindo essas melhores oportunidades de atuar como “artista”, como performer de uma tradição percussiva africana como o sabar, e essas possibilidades chegaram até ele através de conterrâneos já radicados em São Paulo. Não tardou para que ele viesse a conhecer André, ponto-chave de uma rede de percussionistas brasileiros e africanos em trânsito entre a África e a América Latina, rede que se tornou crucial para Moustapha retomar a prática do sabar no Brasil, atuando em oficinas de percussão e de dança, viabilizadas e publicizadas por André, e em performances com a Höröyá pelo Brasil. Para além disso, sua visibilidade nesse universo musical popular urbano paulistano, logo gerou possibilidades de participar, em estúdios de São Paulo, de gravações de sabar em projetos de musicistas e cantores populares afro-brasileiros.

Seja nos discos e composições da Höröyá, ou no single “goteira”14 14 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vsOk24qkRPQ . Acesso em: 12.08.2022. , da musicista Luedji Luna, a trajetória, percursos e agenciamentos sonoro-musicais-performáticos de Moustapha ressoam a trajetória de uma de suas principais referências, Doudou N'Diaye Rose, ao passo que Moustapha também colocou a sonoridade do sabar em trânsito, estabelecendo um diálogo com a diversidade sonoro-musical brasileira15 15 Em um artigo anterior (Venturin, 2021), tratei das especificidades criativas, técnicas e composicionais envolvidas no diálogo do sabar com as tradições percussivas afro-brasileiras como o samba e o candomblé. .

O avanço da pandemia no Brasil, em março de 2020, e as respectivas medidas de isolamento social, fizeram com que as oficinas e os shows com a Höröyá fossem cancelados. Moustapha se deparou novamente com uma condição de incerteza e acionou as experiências dessa rede musical construída no Brasil, e que também buscava soluções musicais para aquela situação, para forjar uma maneira de navegar, a partir do sabar, aquele contexto pandêmico. Em suas aulas online, para além de transmitir as tecnicalidades necessárias para tocar esse instrumento, Moustapha se empenhou em compartilhar os nexos socioculturais do sabar no contexto amplo rural senegalês, mas também urbanizado e cosmopolita da capital Dakar. Não apenas isso, mas como ele era parte, segundo ele, de um movimento mais amplo de artistas que faziam o sabar e a cultura senegalesa do entorno desse instrumento circular e ser cada vez mais conhecida e reconhecida no mundo.

Em novembro de 2021, me encontrei pela primeira vez pessoalmente com Moustapha. Na ocasião, o grupo Höröyá retornava aos palcos em São Paulo depois de quase dois anos ausente deles. Moustapha, radicado em Brasília naquele período, veio para São Paulo para uma temporada de shows e oficinas de percussão. Ao participar desses eventos musicais, eu me deparei com um público interessado na performance e aprendizado das culturas musicais africanas, e com jovens de diferentes países da África Ocidental no Brasil interessados e empenhados em compartilhar e estabelecer pontes a partir da performance de suas culturas musicais.

Esses percursos e agenciamentos de Moustapha no Brasil atualizam aqueles imaginários performáticos de mobilidade e emancipação que haviam mediado sua chegada ao Brasil, e que em parte busquei dar conta neste artigo. Ao passo que a trajetória de Moustapha circula pelos fluxos transnacionais de informação, o Brasil e a cultura brasileira passam a também compor parte desses imaginários de possibilidades e de diálogo intercultural Sul-Sul Global a serem acessados por uma juventude criativa e determinada a encontrar, na performance, recursos de ação e de soluções para suas vidas contingentes.

Considerações finais

Neste artigo, eu parti da minha experiência empírica de aprendizado da tradição percussiva do sabar junto a um jovem senegalês no Brasil, engajando seus percursos e narrativas de mobilidade translocal/transnacional, como possibilidade de um estudo de caso que refletisse sobre como os agenciamentos sonoro-musicais-performáticos da mobilidade senegalesa no Brasil ressoam questões profundas da vida de muitos jovens da África Ocidental hoje. Os percursos, ações criativas e soluções encontradas por Moustapha nos diferentes contextos e situações do Brasil, ecoam os esforços de jovens africanos que buscam, a partir de imaginários de oportunidades e de trânsito mediados pela performatividade, maneiras criativas de construir suas idades adultas. São esses mesmos imaginários, habilidades e expertises musicais que são acionados por eles na mobilidade como recursos importantes de ação estratégica, de interpretação das complexidades brasileiras e na improvisação de saídas performáticas diante delas.

Para retomar as perguntas que abrem este artigo, a experiência de engajar as vidas móveis de jovens da África Ocidental no Brasil, envolvidos com diferentes universos de prática musical, demonstrou que a performance de suas culturas musicais na mobilidade é significativa porque persegue imaginários de possibilidades que se tornaram parte constitutiva de suas próprias culturas musicais e recursos importantes para uma juventude ávida por mudança e emancipação que não pode se dar ao luxo de perder oportunidades. Diante da contingência dos trânsitos pelos contextos estrangeiros, onde muitas vezes esses imaginários são desconstruídos, a performance musical abre portas e caminhos receptivos que, embora possam não oferecer o sucesso imaginado, constituem recursos de agenciamento sonoro-musical-performático e de oportunidades valiosas que não podem ser desperdiçadas. Para mais além, é preciso aprofundar o entendimento sobre como a performance musical pode operar na construção e manutenção de redes de mobilidade transnacional ligadas a esses imaginários performáticos de mobilidade, um tema ainda a ser explorado.

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  • 1
    Eu percebi essa história com mais detalhes a partir da minha visita, em novembro de 2021, a dois museus na cidade de São Paulo, sendo eles: o Museu da Imigração do Estado de São Paulo, sediado na extinta Hospedaria dos Imigrantes, fundada em 1889, no bairro da Mooca; e o Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil, localizado no bairro da Liberdade. Cabe lembrar que a migração japonesa, considerada não-branca, apenas se tornou uma opção “aceitável” a partir da diminuição dos fluxos migratórios europeus no início do século XX.
  • 2
    Joseph relaciona a negritude das migrações (“la negrización de las migraciones”, no original), não apenas ao aumento desse contingente nos fluxos migratórios globais, mas a como a agência e o protagonismo desses sujeitos têm produzido novos entendimentos e sentidos da mobilidade humana (Joseph, 2021JOSEPH, Handerson. La negrización de las migraciones. In: DIAS, Mariela Paula; MIRANDA, Bruno; ALFARO, Yolanda. (Trans)Fronteriza: movilidades y diásporas negras en las Américas. 1a ed. - Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO, 2021, p. 76-85., p. 79).
  • 3
    A etnomusicóloga filipina Adelaida Reyes Schramm foi instrumental nesse processo de condução da disciplina para o campo dos estudos urbanos (etnografia urbana) e da experiência de refugiados. Em suas pesquisas, Reyes explorou os processos e impactos da migração forçada na vida musical de pessoas em deslocamento entre países, campos de refugiados e supostos destinos finais de refúgio, avançando no entendimento dos fluxos transformativos das tradições musicais a partir da vida musical de pessoas em busca de refugio em uma jornada de anos, marcada por situações de extremo estresse e múltiplos encontros culturais.
  • 4
    Para Renato Rosaldo (1994)ROSALDO, Renato. Cultural Citizenship in San Jose, California. PoLAR, v. 17, n. 2, p. 57-64, 1994., aquilo que chamou de “cidadania cultural” faz referência ao direito de ser diferente e, ao mesmo tempo, encontrar as melhores maneiras possíveis de contribuir e participar, a partir dessa diferença e segundo as regulações locais, como cidadãos nessas culturas estrangeiras.
  • 5
    “Domínio, no âmbito da circulação de formas de representação e mediação, na qual circulam cada vez mais mercadorias [materiais e imateriais], emanadas de fora das fronteiras de um país ou região, mas também disponíveis para sujeitos da diáspora em todo o mundo” (Taylor, 2020TAYLOR, Timothy D. Circulation, Value, Exchange, and Music. Ethnomusicology , v. 64, n. 2, p. 254-273, 2020., p. 266).
  • 6
    Como no caso relatado por Schauert (2015SCHAUERT, Paul W. Staging Ghana: artistry and nationalism in state dance ensembles. Bloomington: Indiana University Press, 2015., p. 3-4), da apresentação da companhia nacional de dança de Gana no Canada em junho de 1989. Ao mesmo tempo que o grupo performatizava seu patriotismo e identidade nacional pautada pelo lema da “unidade na diversidade” diante do Conselho Nacional Canadense/Ganês, seis membros da companhia aproveitaram para “escapar”, permanecendo no país norte-americano, o que resultou em certos protocolos da companhia para evitar eventos semelhantes no futuro que imputavam à companhia uma reputação de rota migratória.
  • 7
    Dentre eles estão: o percussionista “Papa” Ladji Camera, que esteve à frente como djembefola do Les Ballets Africains da Guiné, quando da sua fundação por Fodéba Keïta. Ele foi, assim como o percussionista e educador nigeriano Babatunde Olatunji, um dos primeiros a ensinar a percussão tradicional africana nos Estados Unidos no final da década de 1950 (Price, 2013, p. 232). Famoudou Konaté, que assumiu a liderança como solista do Les Ballets Africains entre 1959 e 1985. Mamady Keïta, que iniciou sua trajetória no Le Ballet National Djoliba, da Guiné, onde foi de estudante a solista (1965) e diretor (1979), integrou em 1986 o Ballet Koteban, da Costa o Marfim, e se tornou um dos expoentes da percussão africana no mundo. Mor Thiam, percussionista do Les Ballets National du Senegal, que se radicou nos EUA em 1968, pai do famoso rapper estadunidense-senegalês Akon (Aliaune Thiam). Gideon F. Alorwoyie, professor, coreógrafo e diretor do conjunto de percussão africana da Universidade do Norte do Texas, que integrou o conjunto de dança de Gana na década de 1960. Dentre tantas outras trajetórias semelhantes.
  • 8
    Ver álbum: Bagad Men Ha Tan & Doudou N'Diaye Rose – Dakar – 2000.
  • 9
    O mbalax é um gênero musical e de dança urbano senegalês que popularizou o processo criativo de artistas que começaram a combinar as bases rítmicas de acompanhamentos do sabar, com instrumentos como congas, guitarra, teclado e gêneros musicais como jazz, rock, reggae, soul e salsa (Mangin, 2013MANGIN, Timothy R. Mbalax: Cosmopolitanism in Senegalese Urban Popular Music. New York: Columbia University Academic Commons, 2013., p. 21). Autores como McLaughlin (1997)MACLAUGHLIN, Fiona. Islam and Popular Music in Senegal: The Emergence of a 'New Tradition'. Africa: Journal of the International African Institute, v. 67, n. 4, p. 560-581,1997. têm explorado o mbalax como um gênero de “música popular islâmica” no qual as lealdades griô/nobre (gèwèl/nèèr) são atualizadas na modernidade para artistas/líderes religiosos muçulmanos, e cujas letras das canções honram tais líderes e transmitem valores centrais de uma ética e moralidade islâmica.
  • 10
    O rótulo guarda-chuva da world music representa esse movimento da indústria fonográfica ocidental de comodificação das chamadas músicas tradicionais “autênticas” do mundo, ou então, dos novos gêneros musicais populares urbanos “híbridos”, pós-modernos e cosmopolitas (Feld, 1994______. From schizophonia to schismogenesis: the discourses and practices of "world music" and "world Beat". In: KEIL, Charles; FELD, Steven. Music Grooves, Essays and Dialogues. Chicago: University of Chicago Press, 1994, p. 257-289.).
  • 11
    O afrobeat é uma combinação de ritmos tradicionais da cultura yorùbá, com gêneros musicais populares urbanos africanos, como highlife, e cosmopolitas como o jazz e o funk, que foi popularizado na África, na década de 1970, principalmente pelo artista nigeriano e multi-instrumentista Fela Kuti (1958-1997).
  • 12
    Em 2022, o grupo lançou o seu quarto disco intitulado “Gri Gri Bá” e ao longo desse percurso contou com a participação de figuras importantes como: o djembefola da Guiné, Famodou Konaté, e um de seus filhos radicado no Brasil, Bangaly Konaté; o músico, produtor, arranjador e compositor do Mali, Cheick Tidiane Seck; a yalorixá da nação ketú, Genilce D’Ogum; o instrumentista especialista na kora, Adama Keita, neto de Sidiki Diabaté (fundador da Companhia Instrumental Nacional do Mali) e sobrinho de Toumani Diabaté (internacionalmente reconhecido como expert no instrumento kora); o cantor, compositor, escritor e jornalista brasileiro, Chico César; o percussionista baiano Gabi Guedes; o músico senegalês-canadense baseado em Montreal, Quebec, também expert na kora, Zal Sissokho, e muitos outros.
  • 13
    Disponível em: https://www.facebook.com/grupohoroya . Acesso em: 19.08.2021.
  • 14
    Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vsOk24qkRPQ . Acesso em: 12.08.2022.
  • 15
    Em um artigo anterior (Venturin, 2021VENTURIN, Kelvin. Aprendendo percussão sabar wolof do Senegal: engajando trajetórias migrantes online e tradições musicais na contingência. Anais do X Encontro Nacional da Associação Brasileira de Etnomusicologia. 2021.), tratei das especificidades criativas, técnicas e composicionais envolvidas no diálogo do sabar com as tradições percussivas afro-brasileiras como o samba e o candomblé.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2022
  • Aceito
    13 Out 2022
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