Open-access Em Roma Sê Romano? Sobre-qualificação na emigração portuguesa

When in Rome, do as the Romans do? Over-qualification in Portuguese emigration

Resumo

A integração de emigrantes no mercado de trabalho tem efeitos na trajetória migratória da própria pessoa e na sua interação com a sociedade de acolhimento. É frequentemente trespassada por dificuldades de ajustamento do capital humano e das competências profissionais às necessidades do mercado de trabalho. A migração qualificada ilustra com particular acuidade a heterogeneidade destes processos. Com efeito, a empregabilidade da emigração qualificada não é uniforme. Alguns/mas emigrantes, embora com uma qualificação de nível superior, podem encontrar-se a desempenhar profissões não qualificadas - situação de sobre-qualificação. Com base em dois estudos sobre a emigração portuguesa, apuraram-se taxas de sobre-qualificação na ordem dos 18,1% e dos 16,9%. Identificaram-se consequências negativas desta sobre-qualificação: insatisfação com o trabalho e baixos salários. Identificaram-se também fatores associados a esta sobre-qualificação: a idade jovem, a formação em ciências sociais e humanas e a residência em países clássicos da emigração portuguesa com elevado peso de emigração pouco qualificada.

Palavras-chave: emigração portuguesa; emigração qualificada; sobre-qualificação

Abstract

The integration of emigrants into the labor market has effects on the person's migration trajectory and their interaction with the host society. It is often overcome by difficulties in adjusting human capital and professional skills to the needs of the labor market. Qualified migration illustrates with acuity the heterogeneity of these processes. The employability of qualified emigration is not uniform. Some emigrants, despite having a higher level of qualification, may find themselves working in unskilled professions - a situation of over-qualification. Based on two studies on Portuguese emigration, over-qualification rates were found in the order of 18.1% and 16.9%. Negative consequences of this over-qualification were identified: dissatisfaction with work and low wages. Factors associated with this over-qualification were also identified: young age, social and human sciences training, and residence in classic Portuguese emigration countries with a high proportion of low-skilled emigration.

Keywords: Portuguese emigration; qualified emigration; over-qualification

Introdução

Quando estamos perante migrações laborais de emigrantes qualificados/as, a sua inserção no mercado de trabalho é uma questão relevante que impacta de forma decisiva sobre o processo de integração na sociedade de acolhimento. Um dos muitos problemas que estas pessoas podem enfrentar é a não paridade entre as suas qualificações académicas e o seu contexto de inserção profissional, situação que tem sido descrita como um processo de mobilidade ocupacional descendente, ou uma sobre-qualificação.

Em alguns países, as situações de sobre-qualificação da população imigrante chegam a atingir os 51% (Pecoraro, 2011), apesar de variarem conforme as operacionalizações. Embora a sobre-qualificação também esteja presente na população autóctone, é tendencialmente menor, e varia de acordo com os países de destino. As situações inversas, em que a população autóctone é prejudicada, são raras, embora existam exceções, como a Finlândia e a Itália (Piracha, Vadean, 2012). Todas estas diferenciações mostram a diversidade existente em termos de origem da população imigrante, de destinos e de mercados de trabalho nacionais.

Objetivos e relevância

Este artigo tem como objetivo mapear a sobre-qualificação em duas amostras da emigração portuguesa, recolhidas em 2015 e 2020, bem como conhecer alguns fatores associados a este fenómeno. São conhecidos alguns estudos que incidem sobre o processo de mobilidade profissional descendente na população imigrante em Portugal (OCDE, 2008) e para a portuguesa autóctone (Kiker, Santos, 1991; Marques, Suleman Suleman, Costa, 2022). E embora a sobre-qualificação seja um tema bastante estudado nas migrações, não é conhecido nenhum trabalho que foque a emigração proveniente de um país de origem em diferentes contextos e diferentes momentos no tempo.

A realidade da emigração portuguesa é um bom contexto para perceber causas e consequências da sobre-qualificação em diferentes países de destino. Portugal é um país com uma longa tradição de emigração, que alguns autores argumentam ser uma constante estrutural da sociedade (Godinho, 1978). Pode-se afirmar que esta emigração começou com a emigração transatlântica nos finais do século XIX (Serrão, 1977), e que se intensificou entre os anos 1950-1970, com a emigração intraeuropeia (Peixoto, 2004). As saídas populacionais de Portugal atenuaram-se com a entrada do país na CEE nos anos 1980 e com uma época de crescimento económico nos anos 1990. Por volta do ano 2008 assiste-se a um novo recrudescimento das saídas (Peixoto et al., 2016) que apresentam como traço distintivo a participação de indivíduos com um perfil mais qualificado em termos escolares/académicos. Esta maior qualificação presente nos fluxos mais contemporâneos não é, contudo, suficiente para alterar as caraterísticas educativas da emigração portuguesa, que continuam a ser dominadas por perfis menos qualificados (Pires et al., 2022).

Revisão de literatura

O conceito que se procura explorar, a sobre-qualificação nas migrações qualificadas, assume diversos sinónimos na literatura em inglês (, brain waste, brain abuse (duas variantes do brain drain), skill mismatch, overqualification, overeducation, job devaluation, skill underutilization ou overeducation). Estas diferenciações assentam mais na operacionalização, na corrente teórica, ou na disciplina académica do que nos fatores a montante e a jusante responsáveis pelos processos de mobilidade descendente. Como são assumidos como equivalentes, especialmente no que diz respeito aos fatores associados, é feita referência ao conceito de sobre-qualificação, embora a bibliografia coberta se foque tanto nesse conceito, como nos acima referidos.

Definição e contexto

Para este artigo, seguimos a definição de Korzeniewska e Erdal (2021), que consideram a sobre-qualificação a situação em que o capital humano, operacionalizado através de níveis de escolaridade, experiência de trabalho e know-how não é empregue em meios produtivos e significantes. Geralmente, nos estudos sobre migrações, o conceito tende a ser operacionalizado através da identificação de imigrantes com níveis elevados de escolaridade a desempenharem tarefas em empregos que não exigem tais qualificações.

O problema da sobre-qualificação foi identificado por Freeman (1976) nos anos 1970, quando alertava para um declínio do retorno obtido pelo investimento em educação superior nos Estados Unidos. Já nessa época o argumento foi polémico. Todavia, não invalidou que se desenvolvesse uma linha de pesquisa em torno desta temática. Duncan e Hoffman (1981) mostraram que o diferencial entre o nível de qualificações e o nível profissional, no mesmo país, era superior na população afroamericana. Assim, lançavam a pista de que a população imigrante poderia estar num processo semelhante. Esta tese contrariava a ideia inicial de Chiswick (1978), segundo a qual a população imigrante, por sofrer um processo de autosseleção com a emigração (são os melhores que emigram), deveria encontrar-se em vantagem face à população autóctone. Atualmente, é consensual que, embora o fenómeno exista na população autóctone, tem maior incidência na população imigrante, com diferenciações mediante os países de origem e os países de destino.

Nas próximas secções serão expostas as causas e as consequências da sobre-qualificação.

Causas

No destino, existem países cujas políticas de imigração dão preferência a imigrantes com elevados níveis de qualificação, mesmo que essas qualificações não sejam aproveitadas. O primeiro motivo para esta preferência é que se trata de economias baseadas no conhecimento; consequentemente, existe uma procura de mão de obra qualificada, embora por vezes a oferta seja superior (Man, 2004). Em segundo lugar, é argumentado que imigrantes com níveis de qualificação mais elevados serão pessoas que conseguem uma integração no mercado de trabalho mais célere, mesmo em trabalhos não qualificados (Man, 2004). Embora não tenha sido testado empiricamente (que seja do nosso conhecimento), é mais provável que a sobre-qualificação seja mais elevada em países de destino cujas políticas privilegiam imigrante com qualificações elevadas (EUA, Canadá, Austrália, Nova Zelândia) com sistemas de pontos (Siar, 2013). Por estes motivos, espera-se que a sobre-qualificação tenha diferentes incidências mediante os países de destino.

Ainda a um nível macro, um fator que importa, para algumas profissões, é a diferença entre migrações intra-europeias e de países terceiros para países europeus (Korzeniewska, Erdal, 2021). Esta diferença pode suceder, por exemplo, devido a sistemas europeus de classificação baseados em ECTS (European Credit Transfer and Accumulation System), que foram criados com o objetivo de equiparar os programas curriculares académicos dentro do espaço da União Europeia, e que também facilitam a mobilidade qualificada para as migrações intra-europeias, uma vez que cada grau académico é composto por um certo número de créditos em determinada área, com o mesmo valor em estados-membros.

A um nível meso, existem fatores que podem importar, como as caraterísticas de alguns mercados de trabalho ou o papel de ordens profissionais, sindicatos e empresas de recrutamento, detalhados de seguida. No que diz respeito aos mercados de trabalho, alguns são extremamente racializados (Pung, Goh, 2017), o que pode prejudicar ou privilegiar imigrantes. Para muitas profissões e muitos países de destino, a oferta (imigração) é superior à procura (vagas disponíveis). Outro ator de nível meso são as ordens profissionais e os sindicatos. Segundo Bauder (2003), estas instituições reguladoras agem como gatekeepers para preservar os trabalhos mais procurados para a população nativa, mantendo assim uma estrutura de desigualdades, que marginaliza imigrantes e conserva a posição de superioridade da população autóctone. Um dos fatores subjacentes é a falta de reconhecimento de diplomas (Cedefop, 2011) ou, mais em geral, a escassa transparência dos mercados de trabalho. Henderson e colegas (2003) verificaram que esta situação é especialmente importante para áreas como a medicina, a educação e a engenharia. O processo de reconhecimento de diplomas pode ser um processo moroso, que se perpetua por meses ou anos (Siar, 2013). Em algumas situações, o simples facto da pessoa imigrante possuir um diploma estrangeiro pode ser um preditor para a situação de sobre-qualificação (Man, 2004), o que é especialmente grave em profissões que são reguladas por ordens, ou profissões que dependem bastante de códigos culturais (por exemplo, educação no ensino básico). Deste modo, pode-se esperar que a sobre-qualificação seja superior em emigrantes com formações que dependem mais de códigos culturais.

De seguida, são expostos os fatores de nível micro ou individual. Uma abordagem motivacional permite perceber porque é que imigrantes se mantêm em situações de sobre-qualificação. Um motivo pode ser a possibilidade de progressão na carreira, no sentido em que a sobre-qualificação pode ser interpretada como um passo intermédio para a mobilidade social ascendente, uma vez que permite um on the job search, que permite a possibilidade de posteriormente se conseguir um emprego mais qualificado (Dolado, Jansen, Jimeno, 2009). Nestas situações, existe uma expectativa de que, com o tempo, se consiga uma melhor inserção profissional ou promoção. Quando esta ideia de promoção está presente, as pessoas tendem a aceitar empregos menos qualificados (Sicherman, Galor, 1990). Essa ideia, por vezes, é passada pelas entidades empregadoras (Cuban, 2013).

Em termos de trajetória migratória, a sobre-qualificação pode ser entendida como um processo em situações em que faz parte de uma trajetória social, que é percorrida por um determinado grupo, e que em etapas posteriores pode estar associada a resultados positivos para as pessoas imigrantes (Korzeniewska, Erdal, 2021). Por vezes, quando faz parte de uma trajetória percorrida por um grupo profissional, pode fazer parte da identidade profissional. Por exemplo, no caso das enfermeiras filipinas na Noruega, é comum num momento inicial trabalharem como au-pair 1 (Korzeniewska, Erdal, 2021). Deste modo, o tempo é considerado crucial para o processo de re-skilling (Korzeniewska, Erdal, 2021; Piracha, Vadean, 2012). Seguindo esta lógica, quanto maior a duração da estadia, menores as chances das pessoas se encontrarem em situações de sobre-qualificação. A idade com que as pessoas emigraram pode ser incluída na dimensão referente à trajetória migratória; é considerada importante por Nielsen (2011), ao argumentar que pessoas mais velhas terão menor experiência no mercado de trabalho do país de destino e, por isso, terão menores chances de serem contratadas para trabalhos qualificados. As qualificações terem sido obtidas fora do país de destino são um fator com impacto negativo, tanto pela falta de reconhecimento, como por poderem ser qualificações pouco procuradas no novo mercado de trabalho (Pecoraro, 2011). A formação obtida no país de destino é claramente importante, no sentido em que as entidades empregadoras estão familiarizados com as credenciais possuídas (Nielsen, 2011), para além de evitar toda a questão do reconhecimento de diplomas.

Numa vertente cultural, são importantes as diferenças de linguagem e de sotaque (Creese, Wiebe, 2012), bem como de domínio em termos de velocidade ou coloquialismos (Henderson et al., 2003). No sentido inverso, imigrantes fluentes na língua do país de destino tendem a ter menores incidências de sobre-qualificação, como é exemplificado com os casos de imigrantes falantes de inglês na Austrália (Budría, Martínez-De-Ibarreta, 2021), ou nos Estados Unidos (Chiswick, Miller, 2013). Ainda na lógica linguística, o domínio da língua do país de destino foi testado como um atenuador da sobre-qualificação (Visintin, Tijdens, Klaveren, 2015). Neste sentido, pode esperar-se que, quanto maior a proximidade linguística, menores as chances de sobre-qualificação.

Nos fatores sociodemográficos alguns estudos utilizam a idade como um preditor para a sobre-qualificação (Cedefop, 2010; Leuven, Oosterbeek, 2011). A relação esperada com a população imigrante ocorre no sentido em que, numa fase inicial, dá-se uma não utilização das skills, mas que com o tempo se consegue uma melhor inserção laboral. As explicações podem passar por melhor conhecimento do mercado de trabalho ou criação de redes de contacto. Ou seja, quanto menor a idade, maiores as chances de estar numa situação de sobre-qualificação. Contudo, é de apontar a crítica de que o que está em causa é uma questão de duração da trajetória laboral e não de idade. É ainda de ressalvar que alguma literatura enfatiza o sentido contrário (menos idade equivalente a menor sobre-qualificação), justificando que trabalhadores mais velhos podem ver as suas skills tornadas obsoletas devido ao desenvolvimento tecnológico (Cedefop, 2010).

Existem também diferenças de género, sendo que as mulheres encontram-se mais sujeitas a situações de sobre-qualificação (Piracha, Vadean, 2012). Esta situação resulta de todas as situações em que a inserção profissional do homem no casal é o motivo principal para a migração, deixando a mulher sujeita a um mercado de trabalho que tem mais chances de não estar adequado à especificidade das suas qualificações. Deste modo, as mulheres casadas têm maiores chances de se encontrarem em situação de sobre-qualificação (Frank, 1978), para além das questões associadas à maternidade e à oferta de serviços pré-escolares (Wirz, Atukeren, 2005). Também é referido por McDonald e Valenzuela (2009) que a emigração de famílias com crianças irá implicar que um dos membros do casal seja forçado a desempenhar um emprego subqualificado, de maneira a ter um horário mais flexível ou mais próximo de casa. Existem ainda efeitos moderados pelo género. Estudos como o de Creese e Wiebe (2012) mostraram que existe um efeito moderador na trajetória migratória. Em alguns contextos, devido à oferta de trabalho para mais qualificados, as mulheres conseguem, ao longo do tempo, uma maior inserção no mercado de trabalho qualificado, mas isso implica um esforço acrescido de investimento na obtenção de credenciais.

Consequências

A um nível individual, as pessoas podem decidir não se resignar com a sua situação de sobre-qualificação. As consequências das pessoas não conseguirem emprego qualificado podem passar por ficarem encarregues das tarefas do lar, ou iniciarem um emprego por conta própria (Man, 2004). Stark e Taylor (1991) argumentam que um dos efeitos pode ser a migração de regresso, caso a sua situação seja melhor no país de origem, como indicador de privação relativa.

Nas situações em que as pessoas se mantêm numa situação de sobre-qualificação, as consequências passam por níveis de rendimento inferiores (Pecoraro, 2011; Piracha, Vadean, 2012). A sobre-qualificação é um dos principais motivos apontados para a insatisfação com o trabalho na população imigrante (apenas superado pelo baixo rendimento) (Badkar, 2008), bem como para outros segmentos da população, como os jovens (Ueno, Krause, 2018).

A revisão da literatura permitiu perceber que a sobre-qualificação é um processo com fatores a montante e a jusante, que podem ser identificados a diferentes níveis de análise, com variações mediante os países de origem e os países de destino.

Método

Uma revisão das formas de operacionalização do conceito de sobre-qualificação para a população no geral está disponível em Hartog (2000). Uma separação possível de tipos de operacionalização existe em Pecoraro (2011), que distingue entre a medida objetiva e a medida subjetiva. Um exemplo de método subjetivo pode ser a resposta a uma pergunta sobre adequação entre a profissão e as qualificações; outro método subjetivo consiste em perguntar às pessoas quantos anos são necessários para realizar o trabalho que se encontram a desempenhar, comparando com os anos de escolaridade que a própria possui (Piracha, Vadean, 2012). O método objetivo pode passar, por exemplo, pela classificação do número de anos considerados adequados para cada profissão, e a comparação com o número de anos que cada pessoa com essa profissão estudou (Piracha, Vadean, 2012).

De modo a perceber como se dá a sobre-qualificação em duas amostras de emigração portuguesa, procurou-se operacionalizar o conceito de forma a poder ser aferido através dos dados disponíveis. É assim proposta uma taxa de sobre-qualificação que consiste, em primeiro lugar, em isolar um subgrupo com qualificações académicas de nível superior, isto é, licenciatura, mestrado ou doutoramento. Em segundo lugar, é apurado o peso das pessoas com essas qualificações que estão no mercado de trabalho, mas que não se encontram a desempenhar profissões classificadas nos grupos 1 e 2 da Classificação Nacional das Profissões, uma nomenclatura harmonizada de acordo com diretrizes internacionais. Este cálculo permite obter o que se considera uma taxa de sobre-qualificação. Este método é semelhante ao utilizado pela OCDE (2008, p. 67).

Este artigo recorre a dados de dois projetos de investigação em que foram aplicados inquéritos por questionário a amostras de emigrantes provenientes de Portugal, o projeto REMIGR2 e o projeto EERNEP3. O trabalho de campo do primeiro projeto decorreu entre 2014 e 2015, e o do segundo em 2020. Ambos os projetos incluíram inquéritos por questionário aplicados a amostras da emigração portuguesa, sendo em ambos os casos conjugados inquéritos online com a inquirição presencial face-a-face. Foram amostras por conveniência; em consequência, os resultados não devem ser entendidos como generalizações para a população portuguesa emigrada. A amostra do projeto REMIGR foi de 6.086 indivíduos, dos quais 4.263 tinham escolaridade de nível superior; e a do projeto EERNEP de 2.349, dos quais 1.473 tinham escolaridade de nível superior.

A análise dos dados implicará:

  1. Calcular o peso da taxa de sobre-qualificação no segmento qualificado das duas amostras.

  2. Caraterizar as duas amostras qualificadas no que diz respeito aos fatores que foram identificados na literatura como relacionados com a sobre-qualificação: país de destino, sexo, idade, idade no momento da emigração, existência de filhos menores no país de destino, área de formação, grau académico mais elevado obtido no país de destino, satisfação com a integração no mercado de trabalho, rendimento e intenções de regresso.

  3. Identificar quais os fatores mais relevantes para a sobre-qualificação, através de testes do Qui-quadrado.

  4. Utilizar os fatores mais relevantes (com significância estatística, relacionados positivamente com a sobre-qualificação e seguindo o sentido esperado pela literatura) num modelo multivariado de regressão logística. Os preditores foram introduzidos em três blocos: no primeiro modelo as variáveis sociodemográficas, no segundo modelo as consequências da sobre-qualificação, e, no terceiro modelo, os países de destino. Todas as variáveis foram codificadas em dummy coding.

Resultados

Caraterização das amostras

São apresentados os países de destino que obtiveram pelo menos 100 respostas de emigrantes com qualificação de nível superior. A amostra de 2015 (Tabela 1) tinha como principais países de destino destas pessoas o Reino Unido, Brasil, Angola, Moçambique, Alemanha e França. Este peso resulta, em parte, de serem estudos de caso (tinha sido programado, a priori, que a amostra nestes países iria ser reforçada), e, em parte, de serem os países com mais emigrantes com qualificação. Na amostra inquirida em 2020 (Tabela 2) os principais países de destino foram o Reino Unido, a França, a Suíça e a Irlanda. Os três primeiros eram dos principais países de destino da emigração portuguesa4 e, por consequente, foram escolhidos como estudos de caso. Já a Irlanda é um dos países de destino mais recentes, que se carateriza pelo elevado peso de emigrantes com qualificação superior (a par da Noruega). Segundo os dados dos censos de 2010/11 dos países da OCDE, as percentagens de emigrantes de Portugal com um nível superior de educação na Irlanda e na Noruega eram de 36,6% e 39,8% respetivamente (Cândido, 2018).

Nas caraterísticas sociodemográficas, a nível de sexo/género, em ambas as amostras predominavam mulheres, 51% e 68,2%, respetivamente. No que diz respeito à idade, em ambas as situações, estamos perante migrações em idade laboral: no primeiro estudo quase metade (48,6%) da amostra tinha idade entre 31 e 40 anos e, no segundo estudo, o peso deste escalão etário era ligeiramente inferior (43,9%). Passando aos indicadores de trajetória migratória, a idade no momento da emigração encontrava-se frequentemente no escalão entre os 26 e os 35 anos (55,9% no primeiro estudo e 50,5% no segundo). A duração da estadia mais frequente encontrava-se no escalão inferior aos 5 anos (80% no questionário REMIGR e 47,6% no questionário EERNEP). A diferença entre estas duas percentagens deve-se a ter sido estipulado em ambos os questionários que se deveria considerar apenas pessoas emigradas após 2000. Deste modo, a amplitude do segundo estudo é superior, dado que se realizou cinco anos após o primeiro. A nível familiar, de entre os inquiridos que tinham filhos menores, 40% vivia no país de destino dos pais. Esta questão só foi aplicada no segundo estudo. As áreas de formação académica mais frequentes foram as ciências sociais (37,2% e 28,6%), as ciências da engenharia e tecnologia (26,7% e 20,4%), humanidades (15,8% e 15,7%) e as ciências médicas e da saúde (11,4% e 19,4%). Quando o grau académico mais elevado foi obtido no estrangeiro, na maioria das vezes ele foi obtido no país de destino (57,2% no primeiro e 66% no segundo questionário).

No campo da integração e da satisfação com a integração no mercado de trabalho, não foram aplicadas as mesmas questões nos dois estudos. No questionário REMIGR procurou-se conhecer a satisfação com a adequação entre as qualificações e o trabalho desempenhado, com o salário, com a estabilidade profissional, e com perspetivas de carreira. Se considerarmos os dois últimos pontos da escala de tipo Likert, correspondentes à maior satisfação, observa-se que os valores são sempre elevados, variando entre os 69% para a estabilidade e os 78,2% para a adequação entre qualificações e o trabalho. No questionário EERNEP, 86,6% encontrava-se muito satisfeito ou satisfeito com a situação profissional, 83,3% com as oportunidades de progressão, e 90,4% com o rendimento. Na análise do rendimento, em 2015, quase metade auferia salários entre os 1.000€ e os 3.000€, e 28,3% auferia salários superiores a 4.000€. No estudo de 2020, 34,7% auferia salários entre os 1.500€ e os 3.000€ e 24,5% salários de mais de 4.500€.

No que diz respeito às intenções de regresso, 28,1% das pessoas inquiridas em 2015 fazia intenção de regressar a Portugal e 40% das pessoas em 2020 tencionava regressar. Os restantes casos são indecisões e/ou intenções de permanência no país de acolhimento. Estas diferenças devem ter em conta que o cenário económico era menos favorável em 2015, e que, em 2020, durante a pandemia COVID-19, Portugal não foi dos países mais afetados.

Análise bivariada

No primeiro questionário o peso das situações de sobre-qualificação era de 16,9% e no segundo era de 18,1%. Os valores parecem coerentes, se for tido em conta que a diferença entre os dois indicadores é de cerca de um ponto percentual. É ainda de frisar que são valores consideráveis, uma vez que quase 1 em cada 5 emigrantes com qualificação superior não se encontrava, na altura da inquirição, a desempenhar uma profissão qualificada, o que revela ser um fenómeno minoritário, não obstante, relevante.

A análise bivariada mostra que a sobre-qualificação tem uma distribuição desigual pelos países de destino (Tabela 1 e 2). Na amostra REMIGR destaca-se o Luxemburgo (37,2%), França (35,2%) e Suíça (23,2%); na amostra inquirida no âmbito do projeto EERNEP as taxas de sobre-qualificação também são mais elevadas na Suíça (28,2%) e França (26,2%). O Reino Unido é um país de destino mais recente em comparação com os anteriores, com um perfil mais dual, com valores ainda elevados, mas inferiores aos observados nos países anteriores (21,2% e 23%). Os países mais recentes da emigração portuguesa, enquadrados numa lógica de emigração pós-colonial (Brasil, Angola e Moçambique), têm valores bastante baixos (abaixo dos 10% no questionário REMIGR); nestes casos, parece que a inserção profissional dos qualificados foi mais extensa. Destacam-se também com valores de sobre-qualificação muito baixos os destinos europeus mais recentes: Noruega (8,1% em 2015), e Irlanda (12,9% em 2020). Estes são países que acolhem essencialmente profissionais qualificados.

Nas caraterísticas sociodemográficas e referentes à trajetória migratória, em termos de sexo, a sobre-qualificação é mais frequente nas mulheres, 21,2% e 18,9%, respetivamente. Em termos de idade, é mais frequente nas pessoas no escalão etário mais novo, com menos de 30 anos, com 22,3% e 21,2% respetivamente. No que diz respeito à idade no momento da emigração, a sobre-qualificação está mais presente nas pessoas mais novas, no escalão até aos 25 anos (21,4% e 21,2%), o que não corrobora o argumento de Nielsen (2011), que defendia que pessoas mais velhas teriam tido uma parte considerável da sua carreira profissional no país de origem e, por isso, a sua experiência no país de destino seria mais reduzida. No que diz respeito à duração da estadia, o efeito é não linear e não significativo. A existência de filhos menores a viver no país de destino segue o sentido inverso ao esperado, ou seja, o grupo das pessoas sem filhos apresenta pesos superiores de sobre-qualificação (20%) em comparação ao grupo com filhos (15,1%). Tal pode ser devido à interferência do género, uma vez que poderá ser superior nas mulheres, que tendem a ser as cuidadoras dos filhos (Wirz, Atukeren, 2005). No que respeita às áreas de formação académica, no questionário aplicado em 2015, a sobre-qualificação é especialmente frequente nas formações em ciências sociais e humanidades (acima de 15%). Na amostra de 2020 a sobre-qualificação é muito frequente nas ciências agrárias, nas ciências sociais e nas humanidades (acima de 20%); contudo, o valor efetivo de graduados das ciências agrárias é muito baixo. O grau académico ter sido obtido no país de destino parece não ter relevância estatística; em ambas as amostras até é mais frequente a sobre-qualificação nas pessoas que obtiveram o seu diploma no país de destino. Pode-se estar perante pessoas que estão a ativar estratégias de mobilidade social ascendente por esta via, mas que não foram ainda concretizadas.

Em termos de consequências, na amostra REMIGR, a sobre-qualificação está associada a uma maior insatisfação nos quatro indicadores considerados (adequação, salário, estabilidade e carreira). A insatisfação com a carreira é especialmente importante, no sentido em que é um indício de que não existe esperança em processos de mobilidade nos contextos de inserção profissional em que os membros da amostra se encontram. Nas questões de satisfação que foram aplicadas no questionário EERNEP não existe uma relação com a satisfação, nem com o rendimento; mas está associado a uma maior insatisfação com a oportunidade de progressão (tal como no estudo anterior) e também com a insatisfação com a situação profissional. Por fim, no que diz respeito às intenções de regresso, não existe significância estatística, embora no questionário de 2020, dentro do grupo que tenciona regressar, o peso da sobre-qualificação seja superior ao observado no grupo que não tenciona regressar.

Tabela 1 -
Caraterização da amostra REMIGR e incidência de situações de sobre-qualificação
Tabela 2 -
Caraterização da amostra EERNEP e incidência de situações de sobre-qualificação

Modelo multivariado

Na amostra recolhida no âmbito do projeto REMIGR os preditores de nível sociodemográfico (sexo feminino, idade igual ou inferior a 30 anos e formação em ciências sociais ou humanidades), que constituem o primeiro bloco, assumem todos uma relação significativa com a sobre-qualificação. No segundo bloco de variáveis são acrescentadas as consequências da sobre-qualificação, nas quais assumem significância a insatisfação com a adequação entre as qualificações e o trabalho, com as perspetivas de carreira e com os rendimentos inferiores a 1000€. No terceiro bloco são acrescentados os principais países de destino em que a sobre-qualificação é relevante. À exceção da Espanha, todos eles assumem significância estatística (Tabela 3).

Tabela 3
Coeficientes de regressão, odds ratio e p-value para as situações de sobre-qualificação na amostra REMIGR

No segundo modelo de regressão (Tabela 4), com os dados do projeto EERNEP, verifica-se que, dentro dos fatores de ordem sociodemográfica, são relevantes a idade inferior a 31 anos e a formação em ciências sociais e humanidades. No segundo bloco, com a introdução das consequências da sobre-qualificação, é relevante a insatisfação na profissão e os baixos rendimentos. Por fim, os três principais países de destino assumem significância estatística.

Tabela 4
Coeficientes de regressão, odds ratio e p-value para as situações de sobre-qualificação na amostra EERNEP

Discussão

A análise estatística permitiu verificar a existência de diversas relações significativas com o indicador de sobre-qualificação que foi proposto, bem como identificar quais os fatores mais relevantes. No que diz respeito aos fatores sociodemográficos, ser mulher encontra-se associado a maiores chances de sobre-qualificação (embora apenas na amostra REMIGR). Este fator já era bem conhecido pela literatura (Man, 2004; Mcdonald, Valenzuela, 2009; Piracha, Vadean, 2012; Wirz, Atukeren, 2005). O facto do sexo feminino não ser relevante na amostra EERNEP pode dever-se a dois fatores. Primeiro, uma explicação de ordem estatística é que, ao ser uma amostra de dimensão menor, os valores dos p-values tendem a ser superiores. Segundo, existem fatores em que o sexo agirá como variável moderadora, por exemplo na relação com o estado civil (Frank, 1978), com a trajetória migratória (Creese, Wiebe, 2012), ou com a existência de filhos menores (Mcdonald, Valenzuela, 2009).

Também relevante foi a idade, no sentido em que pessoas mais novas serão pessoas com maiores chances de se encontrar em situações de sobre-qualificação. A justificação passa pela falta de experiência laboral e de possibilidade de empregar as suas skills (Cedefop, 2010; Leuven, Oosterbeek, 2011). Este fator foi mais importante do que a duração da estadia, como sugerido por alguns autores (Korzeniewska, Erdal, 2021; Piracha, Vadean, 2012), e do que a idade na emigração, também presente na literatura (Nielsen, 2011). Tal leva a concluir que, em parte, alguma desta sobre-qualificação se deve a um efeito de trajetória laboral (e não migratória), que não é muito afetada pela emigração, uma vez que se o efeito da trajetória migratória fosse relevante, os preditores idade na emigração e duração da estadia seriam, também, relevantes.

Igualmente relevantes são as formações em ciências sociais e humanas. Tal poderá ficar a dever-se a serem áreas académicas com pouca procura nos países de destino, serem formações com poucas skills transferíveis (Mattoo, Neagu, Özden, 2007), ou profissões que dependem muito de códigos culturais específicos (Man, 2004), ao contrário, por exemplo, das engenharias e tecnologias (a área com menor incidência de sobre-qualificação nas duas amostras). Ainda no que diz respeito ao grau académico, o fato deste ter sido obtido no país de destino não tem impacto negativo no processo de sobre-qualificação, como se esperava segundo Pecoraro (2011).

No que diz respeito às consequências pode-se afirmar que, em indicadores subjetivos, a sobre-qualificação está associada à insatisfação com alguns fatores da integração no mercado de trabalho, como já tinha sido verificado por Badkar (2008). Contudo, o indicador que poderia verificar se existe possibilidade de progressão na carreira (Cuban, 2013) apenas é significativo na amostra REMIGR. Tal não permite sustentar com convicção que as pessoas em situação de sobre-qualificação têm possibilidades de ascender no interior da sua profissão/instituição. Mais consensual é o indicador objetivo de salários mais baixos, o que, por sua vez, pode ter implicações nas remessas (Mcdonald, Valenzuela, 2009). Por fim, ao contrário do que se esperava, a sobre-qualificação não tem relação com as intenções de regresso, como argumentado por Stark e Taylor (1991).

No terceiro grupo de fatores, os países de destino que se destacam por ter peso elevado de sobre-qualificação no questionário de 2015 são o Luxemburgo5 e a França (mais de 35%), a Suíça, a Bélgica (mais de 21%), o Reino Unido e a Holanda (mais de 18%). No questionário aplicado em 2020, destacam-se a França e Suíça (mais de 26%) e o Reino Unido (23%). Esta ordenação mostra que, quanto mais consolidado é o destino da emigração e mais forte é a presença de co-nacionais a desempenhar profissões pouco qualificadas nesses países, maior é a incidência da sobre-qualificação. Estes países têm em comum uma forte comunidade portuguesa, com algumas zonas de elevada concentração geográfica e uma proporção relevante de emigrantes com baixos níveis de qualificação. Pode-se supor que se trata de países em que o capital social da comunidade portuguesa (definido como o conjunto de recursos emergente de laços sociais) é elevado. Este capital social permite, entre outras regalias, servir de auxílio na empregabilidade. O que parece acontecer nestes países é um efeito negativo do capital social, segundo a ideia de Portes e Landolt (1996) e os desenvolvimentos que esta ideia registou posteriormente6. Este facto assenta na tese de que, a capacidade de obter recursos através de uma rede social, não implica que esses recursos sejam positivos para os próprios sujeitos (Portes, Landolt, 2000). Acrescenta-se ainda que esses recursos podem muito bem ser mais vantajosos caso fossem obtidos fora dessa rede. Segundo os autores, "When the latter (resources) are poor and scarce, the goal achievement capacity of a collectively is restricted, no matter how strong its internal bonds” (p. 546). Pode ainda ser referido que se pode dar origem a um fechamento, que dificulta o acesso a redes autóctones. No mesmo sentido, Pohjola (1991) refere-se ao facto de as redes sociais em que se inserem os migrantes fornecerem, frequentemente, informações incompletas que contraem a iniciativa individual e a escolha entre alternativas, levando a que imigrantes se concentrem em determinado tipo de profissões. Este argumento segue na lógica da distinção de Putnam (2000) entre o capital social bridging, que forma pontes entre diferentes grupos sociais, e o capital social bonding, que reforça os laços dentro de um determinado grupo. Para o caso, parece que se está perante um capital social que se aproxima mais do bonding do que do bridging. Ilustrando com recurso ao provérbio popular: Em Roma sê romano, pode-se propor que, em países com elevado peso de emigrantes portugueses em trabalhos pouco qualificados, sê um português/uma portuguesa com trabalho pouco qualificado (mesmo que detentor de um grau superior).

Os países com níveis de sobre-qualificação intermédio: Espanha e Alemanha são países em que existirá alguma importância do capital social negativo, mas são também países com alguma procura de mão-de-obra qualificada, o que acaba por atenuar o primeiro fator negativo.

Na posição inversa, os países com sobre-qualificação muito baixo são, na amostra de 2015, Brasil, Angola, Moçambique e Noruega; na amostra de 2020, apenas a Irlanda se destaca pelo baixa sobre-qualificação. Nos três primeiros casos, a explicação deve assentar na tese de que se trata de países em que não é comum uma emigração “à aventura”. Os elevados custos das viagens, elevados custos de vida (em algumas regiões), e elevado sentimento de insegurança (em algumas das regiões), fazem com que a emigração portuguesa altamente qualificada que se desloca para estes países o faça com um contrato de trabalho assegurado num emprego mais qualificado. No caso de Angola, é conhecido que frequentemente o trabalho qualificado é garantido antes da emigração e, em algumas situações, no âmbito de deslocações de expatriados (Candeias et al., 2019). Estes são, também, países com uma forte proximidade linguística com Portugal (Brasil, Angola e Moçambique têm o português como língua oficial), o que anula a distância linguística que alguma literatura (Budría, Martínez-De-Ibarreta, 2021; Chiswick, Miller, 2013; Visintin et al., 2015) refere como relevante para as situações de sobre-qualificação.

Os casos da Noruega e da Irlanda remetem para países para os quais a emigração portuguesa é recente e com uma, numericamente, pouco expressiva comunidade portuguesa e reduzido capital social. São também países em que existe uma elevada procura por mão de obra qualificada, especialmente em determinadas áreas.

Considerações finais

O discurso público e político acerca da emigração portuguesa tende a representá-la como uma emigração qualificada de sucesso. Devido às suas qualificações superiores, a sua integração parece ser um dado adquirido. Os resultados deste artigo mostram que uma parcela (mesmo que minoritária) desta emigração portuguesa qualificada se encontra em trabalhos não qualificados. Com base nas respostas às questões em escala tipo Likert, percebeu-se que, uma parte encontra-se sem esperança de mobilidade socioprofissional e sem intenções de mudança. Importa que as políticas para a diáspora portuguesa estejam atentas à inserção profissional da emigração qualificada. Importa também que as instituições de ensino superior portuguesas estejam atentas à empregabilidade no estrangeiro dos seus estudantes, especialmente na área das ciências sociais e humanidades.

Uma limitação comum de todos os estudos focados na sobre-qualificação é que, devido à sua operacionalização, apenas têm em conta pessoas que se encontram no mercado de trabalho. Por esta razão, pessoas que estão desempregadas, que não estão a utilizar as suas skills, tendem a não ser contabilizadas (Piracha, Vadean, 2012), estando numa situação ainda mais vulnerável.

Os resultados obtidos com este artigo levantam algumas pistas para futuras investigações ou futuras análises. Tendo em conta que no questionário REMIGR existia uma questão que pedia para avaliar, numa escala tipo Likert, a satisfação face à adequação entre qualificações e trabalho, poderá ser comparada a sua incidência e perceber se os preditores têm o mesmo efeito e seguem no mesmo sentido. Ou seja, utilizar-se um indicador subjetivo de sobre-qualificação.

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  • 1
    Programa de intercâmbio cultural existente em alguns países, em que um/a jovem ajuda uma família de acolhimento nos cuidados infantis em troca de alojamento e uma pequena bolsa.
  • 2
    Projeto “Regresso ao futuro: a nova emigração e a relação com a sociedade portuguesa” (REMIGR), financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia PTDC/ATP-DEM/5152/2012.
  • 3
    Projeto “EERNEP – Experiências e expetativas de regresso dos novos emigrantes portugueses: reintegração e mobilidades”, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia PTDC/SOC-SOC/28730/2017.
  • 4
    Segundo os dados de fluxo mais recentes os principais países eram Espanha, Suíça, Reino Unido, França e Alemanha (Pires et al., 2022, p. 51).
  • 5
    O Luxemburgo era, segundo os dados do censo de 2010/11 o país de destino, membro da OECD que tinha o menor peso de emigração portuguesa qualificada: 4,1% (Cândido, 2018).
  • 6
    Mais recentemente, Portes (2014) critica aqueles que são saudosistas de uma época em que havia um maior peso da comunidade, ou que, de forma alarmista, anunciam o fim das comunidades e os seus efeitos negativos, sendo provavelmente, o caso mais conhecido o de Putnam (2000).
  • Editores de seção
    Roberto Marinucci, Barbara Marciano Marques

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Dez 2023
  • Aceito
    20 Mar 2024
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