Open-access Experiência venezuelana em Roraima: da agência comunitária em Ka Ubanoko ao confinamento da Operação Acolhida

Venezuelans experience in Roraima: from Ka Ubanoko community to the confinement of Operação Acolhida

Resumo

Este artigo propõe compreender o embate entre duas formas de acolhimento vivenciadas por migrantes venezuelanos na cidade de Boa Vista (RR). De um lado, encontram-se os processos autônomos de gestão da vida, cujo ponto de partida é a ocupação Ka Ubanoko, e, do outro, as formas institucionalizadas de controle, manifestas na política de abrigamento da Operação Acolhida. Nossa hipótese é a de que a Operação tem atuado como dispositivo de desarticulação dos vínculos comunitários e das estratégias de participação cidadã construídas pelos venezuelanos. Identificamos que a resposta humanitária estabelece diferentes circuitos de mobilidade, voluntários ou não, e de espera, produzindo hierarquias e conflitos interétnicos, ao passo que os migrantes tentam resistir à precarização permanente firmando um compromisso com o bem comum.

Palavras-chave:
comunidade; humanitarismo; abrigamento; migração venezuelana

Abstract

This article aims to understand the clash between two forms of reception experienced by Venezuelan migrants in the city of Boa Vista (RR). On the one hand, there are the autonomous processes of life management, whose starting point is the Ka Ubanoko occupation, and on the other, the institutionalized forms of control, manifested in the sheltering policy of Operação Acolhida. Our hypothesis is that the Operation has acted as a device to dismantle community ties and citizen participation strategies built by Venezuelans. We identified that the humanitarian response establishes different mobility circuits, voluntary or not, and waits, producing hierarchies and inter-ethnic conflicts, while the migrants try to resist permanent precariousness by making a commitment to the common good.

Keywords:
community; humanitarianism; shelter; Venezuelan migration

Segundo a Plataforma de Coordinación Interagencial para Refugiados y Migrantes de Venezuela (R4V), em maio de 2024, havia 7,7 milhões de migrantes e refugiados venezuelanos dispersos em todo o mundo, dos quais 6,6 milhões viviam na América Latina e Caribe (R4V, 2024). Entre janeiro de 2017 e abril de 2024, o Brasil registrou mais de 1 milhão de entradas de venezuelanos, sendo que aproximadamente metade permanece em território nacional (OIM, 2024a). Desde fevereiro de 2018, o Governo Federal vem atuando com a população migrante e refugiada vinda da Venezuela através da Operação Acolhida (OPA), criada no estado fronteiriço de Roraima e posteriormente disseminada Brasil afora por meio da estratégia de interiorização1. A ação é levada a cabo pelo Exército Brasileiro, as agências da Organização das Nações Unidas, Acnur e OIM, e cerca de 120 instituições civis, entre Organizações Não Governamentais (ONGs) e Órgãos Governamentais que atuam no acolhimento de venezuelanos nos diferentes níveis federal, estadual e municipal.

Em texto oficial extraído do Ministério da Defesa, responsável pela coordenação da Força-Tarefa Logística Humanitária - FT Log Hum, a Operação Acolhida é caracterizada pela suposta “sinergia” entre os componentes civil e militar, cuja atuação conjunta “tem levado dignidade e esperança a milhares de venezuelanos, o que vem merecendo reconhecimento nacional e internacional, no contexto de Operações de Ajuda Humanitária” (Brasil, 2022). Esse foi o quadro que motivou a execução da pesquisa “Fronteiras da mobilidade no Brasil contemporâneo: comunicação e experiência migrante na securitização do acolhimento e da integração social no âmbito da Operação Acolhida”, financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no âmbito do edital Universal, em parceria das Universidades Federais de Pernambuco (UFPE) e de Roraima (UFRR), para trabalhar com um conceito alongado de fronteira, discutir a aproximação entre gestão militar e economia humanitária e, sobretudo, para ouvir migrantes sobre suas experiências com a OPA.

A Operação Acolhida efetua desde o trabalho de recepção, documentação, triagem sanitária e abrigamento dos recém-chegados na região Norte até a interiorização de migrantes. Estima-se que mais de 134 mil venezuelanos tenham passado por este programa, os quais foram alocados em 1.040 municípios distintos situados nas cinco regiões brasileiras (OIM, 2024b). Na cidade fronteiriça de Pacaraima (RR) e nas capitais Boa Vista (RR) e Manaus (AM), a OPA mantém, ainda, uma diversidade de equipamentos físicos, tais como abrigos, alojamentos de trânsito, postos de recepção e identificação e de interiorização e triagem. Vale destacar que a forte militarização da OPA tem sido criticada por contribuir para criminalizar e desumanizar os migrantes (Pereira, Quintanilha, 2021), encarados como um problema a ser gerido por forças policialescas, ao mesmo tempo em que a resposta se notabilizou como “política modelo” ou mesmo “caso de sucesso”2 em matéria humanitária, acumulando elogios por parte da mídia e das agências da ONU, incluindo o alto comissário da Acnur (ONU, 2019).

Nesses 7 anos de exercício, a Operação Acolhida colecionou números expressivos em termos de atendimentos prestados. A retórica de acolhimento e proteção de direitos adotada pelo discurso oficial, subentendido no lema da “mão amiga”, contudo, contrasta com a dimensão do “braço forte” intrínseco a uma operação militarizada. Junto à divulgação de estatísticas, reproduzidas em informes como prova de eficácia, a versão positiva propagada pelos entes administrativos pouco diz sobre a experiência de seu público-alvo, do ponto de vista qualitativo. Essa suspeita quanto à discordância entre o enunciado e o vivido já havia sido levantada por meio de pesquisas anteriores realizadas pelas autoras com migrantes indígenas e não indígenas no estado de Pernambuco (Lyra, 2021; Leite, Tavares, 2024), vindo a se confirmar durante trabalho de campo realizado em Roraima, em 2022. O que se percebe é que, mesmo com o passar do tempo, a vida dos venezuelanos segue marcada por dinâmicas de violência, exclusão e segregação que, juntas, podem levar a um quadro de precariedade permanente.

Para este artigo, realizamos um recorte a partir de entrevistas em profundidade com migrantes venezuelanos das comunidades João de Barros, Terra Prometida e Warao Ajanoko, localizadas nos arredores da cidade de Boa Vista. As entrevistas foram concedidas à pesquisa a partir de assinatura de termo de consentimento e compromisso de que nenhum nome seria divulgado, sendo posteriormente decupadas e transcritas pelas autoras. Os migrantes relatam tanto da experiência de acolhimento institucional na Operação Acolhida, quanto das formas de moradia autogestionadas que foram construídas por suas próprias mãos, em um gesto de apropriação afetiva e política do território (Sodré, Paiva, 2019, p. 2). Vale destacar que, durante toda a pesquisa, a única forma de acessar depoimentos sobre a experiência de abrigamento se deu por meio de migrantes que não mais se encontravam nesta situação, em virtude dos mecanismos de controle e tutela vigentes. Uma vez que o contato entre abrigados e quaisquer formas de presenças externas, incluindo pesquisadores, é desincentivado pelas organizações internacionais que gerem estes espaços (Castro, 2021, p. 169; Vasconcelos, 2022, p. 165), a análise combina o que pudemos ver durante as visitas guiadas ao que ouvimos dos próprios migrantes em termos de críticas e sugestões.

A divisão da investigação nesses dois momentos - a observação dos abrigos e as entrevistas executadas fora da institucionalidade - desvelou um contraste nas diferentes formas de habitação encontradas pelos venezuelanos. É justamente nesse sentido que o artigo se propõe a compreender o embate entre dois vieses: de um lado, os processos autônomos de gestão da vida, cujo ponto de partida é a memória da ocupação Ka Ubanoko, recuperada a partir de entrevistas com migrantes em Roraima, trabalhos acadêmicos e reportagens publicadas à época do despejo compulsório, e, do outro, as formas institucionalizadas de controle, manifestas na política de abrigamento da OPA. Localizada no bairro periférico do Jóquei Clube, Ka Ubanoko ficou conhecida como experiência de convívio intercultural forjada por migrantes venezuelanos pertencentes às etnias Warao, Pemon, Eñepa e Kariña e não-indígenas (autodenominados como “crioulos”). A ocupação esteve ativa no período de 2019 a 2021, quando mais de 850 pessoas (Carvalho, Raquel, 2020; MST, 2020; Patias, 2020) foram removidas forçadamente após uma sucessão de ameaças e ordem de despejo emitida pela OPA, em parceira com o Ministério Público Estadual e Federal, Prefeitura de Boa Vista, Governo do Estado de Roraima, entre outros atores (Folha de Boa Vista, 2020).

Como pretendemos argumentar, Ka Ubanoko se constituiu como uma alternativa de sobrevivência produzida pelos migrantes em um contexto em que as suas presenças foram, desde o princípio, marcadas como indesejáveis. É quando o número de venezuelanos circulando nas praças, ruas e canteiros da cidade se torna “excessivo”, aos olhos da sociedade boavistense, que surge o imperativo de contê-los, criando a estrutura dos abrigos. De maneira semelhante, quando terrenos e prédios abandonados passam a ser ocupados, novas investidas de controle são realizadas. Assim, trabalhamos com a hipótese de que a OPA atua como dispositivo de desarticulação dos vínculos comunitários, das estratégias de participação e resistência cotidiana dos migrantes a partir de um controle necropolítico (Mbembe, 2018). Uma vez que Ka Ubanoko vai de encontro à política de confinamento e higienização sustentada pelos abrigos, prontamente ela é reprimida e desmontada pelo Exército, instituindo a “forma campo” (Mbembe, 2020) como resposta preferencial oferecida pelo Estado brasileiro aos migrantes em situação de vulnerabilidade.

Caminhos Teóricos

No texto “Refugiados diante da nova ordem mundial”, M. Agier (2006) elege a invasão norte-americana ao Afeganistão, em 2001, como marco inicial da experiência contemporânea de associação entre guerra e resposta humanitária. O autor qualifica como “ambiguidade maniqueísta” a dinâmica que se estabelece a partir do ocorrido, entre a mão que fere e a que socorre. Em um movimento encadeado, tem-se, de um lado, o estabelecimento de uma guerra “em resposta aos atentados de 11 de setembro de 2001”, de outro, “uma intervenção humanitária” que deveria vir em auxílio às populações civis direta ou indiretamente atingidas, fornecendo víveres e medicamentos lançados sobre as zonas bombardeadas, construindo dezenas de campos de refugiados e mobilizando, em caráter urgente, pelo menos mil agentes do Acnur (Agier, 2006, p. 197).

A partir do estabelecimento deste marco, Agier aponta um padrão e destaca três elementos necessários para a compreensão do “dispositivo humanitário mundial”. O primeiro seria a existência simultânea de “um conjunto de guerras, de violências coletivas, de distúrbios e terrores que conduzem as populações civis à morte ou à fuga” (2006, p. 197). O segundo, a existência própria da intervenção, isto é, “ao encarregar-se das vítimas, ela instaura ao mesmo tempo o controle e os cuidados: o princípio do care, cure and control aplica-se idealmente nos campos de refugiados, que são dispositivos policiais, alimentares e sanitários eficazes para o tratamento das massas vulneráveis”. Já o terceiro componente é o isolamento: “os sítios humanitários situam-se nas margens, afastados dos locais de vida comuns, nos limiares da vida social e da vida, simplesmente”. Assim é que o estabelecimento de centros, campos, zonas, muitas delas situadas em regiões de fronteira, tem se disseminado para conter, sobretudo, o movimento dos “indesejáveis” cujo destino desejado são os países do Norte.

O quadro descrito por Agier (2006) dialoga com os trabalhos de Achille Mbembe, em que destacamos a ideia guia do retorno da relação de inimizade a uma escala global no ensaio “Políticas da Inimizade” (2020). O autor, que se notabilizou pelo conceito de necropolítica (2018), a partir da análise das formas de vida engendradas na Faixa de Gaza, na Palestina, argumenta, neste ensaio, a ideia da institucionalização do que ele chama de “forma campo”. Em consonância com Agier, Mbembe primeiro aponta que, na esteira dos movimentos da descolonização, a guerra “se tornou, desde o final do século XX, o sacramento da nossa época” (Mbembe, 2020, p. 12). Nesse contexto, torna-se fundamento o “fazer das fronteiras formas primitivas de afastamento” dos inimigos, intrusos e estrangeiros, tendo como principal consequência o fracionamento da cidadania. “As fronteiras não são mais lugares que se atravessam, mas linhas que separam. Nesses espaços mais ou menos miniaturizados e militarizados, supõe-se que tudo se imobilize” (Mbembe, 2020, p. 14).

De acordo Mbembe (2020), a forma campo se constituiu ao longo de diversos períodos da história. O autor faz primeiro uma genealogia das modalidades de campo instituídas, a começar pela virada do século XX, até chegar à introdução da “planificação da morte em massa” pelo Terceiro Reich, o que, segundo o autor, já havia sido tentado pelos alemães no Sudoeste africano, em 1904. Mbembe distingue os campos de concentração coloniais daqueles voltados ao extermínio judeu, contudo, sublinha que todos eles foram “espaços onde reinava o sofrimento e, eventualmente, diversas formas de morte - a morte lenta por exaustão, pelo trabalho ou pelo abandono e pela indiferença”. Confirma assim que, na origem do campo, “há sempre um projeto de partição dos seres humanos” (2020, p. 126), o qual engendra a base para classificações entre povos, seletividades ancoradas em racismos que separam os cidadãos que de fato pertencem daqueles que são relegados “ora como inútil, ora prejudicial, ora era percebida como inimiga, e em todos os sentidos, como parasitária e supérflua” (2020, p. 125). E conclui: “ao restringir as oportunidades de encontro e contato, tem-se como resultado a maximização da distância e banalização da indiferença” (2020, p. 126).

Novamente, podemos construir pontes entre os argumentos de Mbembe (2020) e Agier (2006), quando este último caracteriza os campos humanitários sob a marca da urgência e provisoriedade, ao menos como subterfúgio, restando àqueles que neles vivem a espera como horizonte cotidiano (Arantes, 2014). Agier (2006, p. 199) ressalta ainda que a constituição desses espaços de exceção origina “uma categoria mundial de sem-lugar e sem-direitos mais ampla que a soma dos refugiados propriamente ditos”. Esses campos, por sua vez, ficam à margem da governança estatal e mais próximos da administração das ONGs e dos organismos internacionais dedicados ao humanitarismo, “posicionados à esquerda de um Estado que perde sua função de protetor do bem-estar social”, como lembra Agier (2006, p. 202). No entanto, o autor destaca a tensão intrínseca à fórmula contemporânea de administração das populações excedentes, na medida em que “é formada pelos gerentes e pelos princípios de gestão da economia de mercado (livre empresa, competitividade, flexibilidade, re-torno do investimento etc.), e provoca a ampliação e o aprofundamento da miséria social e moral” (Agier, 2006, p. 202).

No embate entre controle e acolhimento, defesa de direitos e repressão, faz-se necessário chamar atenção para a parceria entre tecnologias digitais, securitização, economia financeira e humanitária, cujo entrelaçamento é o ponto de partida da pesquisa sobre a Operação Acolhida (OPA). A investigação da estrutura estabelecida na/e em torno da Operação e sua problematização em torno do conceito de bios virtual ou midiático (Sodré, 2014) é a contribuição teórica que buscamos desenvolver. Muniz Sodré descreve o bios midiático como “uma espécie de clave virtual aplicada à vida cotidiana, à existência real histórica do individuo” (2014, p. 143), levando a um ecossistema sociotécnico no qual tela e realidade - em seu sentido convencional - não se distinguem. A perspectiva de Sodré torna-se rica ao perceber que a relação entre o capitalismo financeiro e a comunicação se faz, hoje, um par indissolúvel, destacando o funcionamento da última tanto como “base material” quanto “biombo ideológico” (2014, p. 44) que contribui para assentar o novo padrão de acumulação e extração de valor.

Se, por um lado, as tecnologias digitais são fundamentais para pessoas em movimento manterem contato com o local de origem às negociações de pertencimento no novo território, por outro, têm sido mobilizadas também por Estados e corporações capitalistas transnacionais com objetivos desconhecidos. A estrutura da Operação Acolhida, em Roraima, se caracteriza por posto de triagem, onde migrantes são registrados, a partir de biometria e da coleta da íris de adultos e crianças, recebem atendimento médico, por meio de aplicação vacinal, e são encaminhados para abrigos temporários, que pouco se diferem de uma construção prisional. O migrante venezuelano atendido pela OPA é totalmente documentado, apto para viver no Brasil, e, a depender das circunstâncias, pode ser interiorizado para outros estados brasileiros, devendo permanecer em um dos abrigos enquanto aguarda a designação para trabalho, cujo foco se dá no âmbito do agronegócio, em frigoríficos e fazendas (Demétrio, Baeninger, 2023). Se o enunciado da Operação impressiona pela efetividade, os relatos colhidos por meio dos migrantes e trabalhadores humanitários denunciam um quadro de múltiplas infrações aos direitos humanos.

Nesse sentido, atentamos para as duas perspectivas em análise neste trabalho. Afirmamos que a Operação Acolhida pode ser entendida como dispositivo de fronteira, no sentido de “uma resultante do cruzamento das relações de poder e de saber no quadro do que Foucault denomina como governamentalidade” (Sodré, 2021, p. 112), cuja função é de rede que se estabelece entre discursos, instituições, organizações, leis, medidas securitárias e repressivas, que “tem uma função estratégica concreta e sempre se inscreve numa relação de poder” (2021, p. 112). Muitos são os dispositivos atuantes na sociedade contemporânea, contudo, aqui advogamos o entendimento da OPA como sendo um desses dispositivos que separa a “vida nua” para estar inserido num outro bios, o midiático ou virtual, pelo qual, “procura neutralizar ou dissolver a comunidade humana, absolutizando-se, isto é, constituindo uma esfera entregue a si mesma pela lógica dos dispositivos, (...) mantendo intacto o poder da organização tecnoindustrial” (Sodré, 2021, p. 113).

Caminhos metodológicos

As discussões deste artigo são fruto de trabalho de campo feito em setembro de 2022, como parte da pesquisa realizada em parceria entre os grupos MIGRA (UFPE) e GEIFRON (UFRR). A investigação se baseou em série de entrevistas e observações empreendidas junto a trabalhadores das Organizações Não-Governamentais (ONGs) que atuam no acolhimento de migrantes e refugiados em Roraima; representantes designados pelo sistema de proteção da ONU, das organizações ACNUR e OIM; militares que atuam nos abrigos da Operação Acolhida e, por fim, venezuelanos atendidos ou não pela Operação. Assim, desde o princípio nosso intuito foi o de ir além dos discursos produzidos pelas instâncias corporativas e divulgados a partir de relatórios publicados em sites oficiais, bem como nas redes sociais da Operação e de seus parceiros. Com isso, procuramos dialogar com as experiências dos migrantes, inclusive por entender a necessidade de ampliar a voz desses sujeitos que, não raras vezes, são apartados de debates e decisões que dizem respeito às suas próprias vidas. Este objetivo é respaldado pelo próprio campo da Comunicação que, na visão de Sodré (2014, p. 116), deve buscar quebrar a hegemonia “das mesmas personalidades políticas, culturais, científicas, religiosas, militares que se exprimem na mídia”.

O interesse em conhecer as alternativas construídas pelos migrantes à revelia da OPA nos levou diretamente ao nome de Ka Ubanoko, que figurava como parâmetro positivo de acolhimento autogestionado nos relatos dos migrantes ouvidos pela pesquisa. Uma vez que a ocupação já não mais existia quando no momento da nossa estadia em Roraima, acionamos uma pesquisadora que havia acompanhado o cotidiano do acampamento (Castro, 2021), em janeiro de 2020, a fim de estabelecer contato com algumas das lideranças que participaram da sua construção. Com o fim de Ka Ubanoko, as centenas de famílias que ocuparam o clube abandonado se dispersaram. Umas foram parar nos abrigos, outras foram interiorizadas. Houve, ainda, uma parcela que, segundo os nossos informantes, se organizou em pelo menos outras quatro comunidades: Terra Prometida, Hélio Campos, João de Barros e Warao Ajanoko. À exceção de Hélio Campos, os demais terrenos foram visitados pela pesquisa e é a partir dos depoimentos obtidos com os seus moradores, entre outros materiais publicados, que reconstruímos a memória de Ka Ubanoko.

A seguir, realizamos uma leitura comparativa em torno dos processos autônomos de gestão da vida, tendo na ocupação o seu ponto de partida, e das formas institucionalizadas de controle, manifestas na política de abrigamento da Operação Acolhida. Vale destacar que as entrevistas não estruturadas foram gravadas sob o consentimento dos migrantes e refugiados com quem estabelecemos laços de confiança, sendo depois transcritas manualmente. Optamos por utilizar nomes fictícios a fim de preservar o sigilo das fontes, bem como traduzir as falas para o português de maneira a garantir a uniformidade textual. Paralelamente, a análise também se apoia em informações extraídas de trabalhos acadêmicos (Castro, 2021; Briceño, Repetto, De Oliveira, 2024), trechos de documentos (ACNUR, 2020; Folha de Boa Vista, 2020; MST, 2020) e matérias jornalísticas (Carvalho, Raquel, 2020; Patias, 2020), permitindo uma contextualização mais aprofundada acerca dos processos de formação, organização e desocupação de Ka Ubanoko.

Ka Ubanoko: a construção e a dissolução do comum

O trabalho de Castro (2021) contribui na restituição dos primeiros olhares externos lançados sobre Ka Ubanoko. Segundo a autora, em 2019, havia todo um misticismo em torno da forma com que os migrantes encontraram o terreno: “parecia difícil imaginar que eles mesmos teriam descoberto o espaço público abandonado, se organizado entre criollos e indígenas e liderados por mulheres” (Castro, 2021, p. 8). Com o passar dos anos, a ocupação se tornou símbolo da luta por autonomia travada por venezuelanos em Roraima, despertando o interesse de acadêmicos, jornalistas, organizações da sociedade civil e autoridades locais. Visibilidade que, ao menos em parte, pode ser compreendida por ter sido a última das ocupações desativadas durante a pandemia da Covid-19 (Briceño, Repetto, De Oliveira, 2024), além de sua composição pluricultural. Fato é que mesmo depois de reprimida ela ainda seria lembrada como exemplo de resistência, ganhando as telas, em documentário3, e os palcos4.

Durante nosso trabalho de campo, a venezuelana Maria contou que o pontapé inicial de Ka Ubanoko se deu por um motivo prático: sua família, que contabilizava 9 pessoas, estava sendo despejada pelo proprietário do imóvel alugado. A migrante se via sem alternativas e o clima de insegurança imperava, até que um dia três homens de sua família, que trabalhavam recolhendo materiais para vender no ferro-velho, encontraram um grande terreno abandonado. Era o antigo Clube do Trabalhador, situado no bairro do Jóquei Clube. Apesar da degradação do ambiente, então utilizado para consumo de drogas, “desova” de itens roubados, entre outros crimes, os venezuelanos viram ali uma possibilidade. “Eles entraram, visualizaram e disseram: isso aqui é bom para nós”, relembra Maria. De aí em diante, passaram a limpar o terreno, retirar o acúmulo de lixo e tapar buracos, na intenção de fazer dele um lar.

O boato de que o antigo clube estava sendo ocupado logo se espalhou, atraindo a atenção da mídia local (“nos colocaram na televisão”) e também de outros migrantes à procura de um lugar. Foi quando um policial trouxe um grupo de indígenas em situação de rua, preocupados com a iminência da temporada de chuvas. Segundo Maria, os recém-chegados conversaram diretamente com ela e o neto e expressaram o desejo de ficar. Entre eles, havia Pemons, Cariñas, Eñepans e, sobretudo, Waraos. Rapidamente, também começaram a chegar indígenas que vinham dos abrigos, porque lá “a vida não é boa”, descreve. Com esse crescimento populacional inesperado, veio a necessidade de organizar o cotidiano no novo habitat, elegendo representantes indígenas e crioulos e formando 12 comitês para cuidar dos temas de interesse da comunidade, como saúde, limpeza, educação, esportes, cultura e segurança, entre outros (Carvalho, Raquel, 2020; Castro, 2021). Exercício de cidadania que não se dissociava, portanto, da apropriação do espaço urbano “com vistas a torná-lo de fato habitável (acolhedor, agregativo)” (Sodré, Paiva, 2019, p. 2).

Nesse sentido, Nelson explica que, desde a origem da ocupação, o compartilhamento das normas de convívio permitiu que se criasse uma relação pessoal, “de amizade e convivência”, com cada um dos membros, conhecendo “sua atitude, forma de pensar e falar”. Ainda que atritos fossem inevitáveis, o importante, para ele, era que se firmasse um compromisso com o bem comum. “O bem comum, que bem? Ka-Ubanoko que era um espaço de dormir, onde ficar para não ir para a rua. Agora, esse bem comum é uma responsabilidade onde todos vamos compartilhar o mesmo espaço”, define. Em outras palavras, a sociabilidade, fruto de um esforço inaugural e, ao mesmo tempo, contínuo de respeito ao outro, foi o que possibilitou a costura das responsabilidades conjuntas. Essas, por sua vez, eram construídas e repassadas sem a intervenção de terceiros: “à diferença de um abrigo, onde há pessoal encarregado desse lugar, nas ocupações todos somos encarregados”. A participação popular também foi destacada pela liderança indígena Laura, ao comentar que, em Ka Ubanoko, jovens, idosos, homens e mulheres igualmente “tinham voz”, pois se acreditava “que todos poderiam contribuir para a melhoria do espaço”. A precariedade do cotidiano era, assim, contornada pela solidariedade comunitária.

Nos abrigos5 a ausência de mecanismos de escuta dos migrantes, cujas demandas são preteridas face o imperativo da contabilidade de metas alcançadas seguindo os padrões internacionais de acolhimento, é evidente. Toda a organização se dá por meio de uma lógica impositiva que desconsidera peculiaridades humanas e geográficas, reproduzindo um duplo padrão ético e estético encontrado nos campos de refugiados mundo afora (Agier, 2006), enquanto espaços de suspensão da vida comum que inibem a circulação e as trocas espontâneas entre os seus habitantes. Assim é que os migrantes têm os seus modos de vida, desejos e autonomia constantemente desrespeitados (Carvalho, Raquel, 2020): sujeitos a formas de controle e vigilância sobre seus corpos, tendo a liberdade de agir e se expressar coibida (Briceño, Repetto, De Oliveira, 2024, p. 13615), e obrigados a dividir a intimidade e o local de descanso com completos desconhecidos. Acrescenta-se a isso as hierarquizações internas geradas pelos próprios gestores que ora criam novas lideranças - exemplo de quando os militares favorecem determinados abrigados com doações em troca de serviços prestados - ora substituem as antigas, como no caso dos indígenas apontados como aidamos6 (Vasconcelos, 2021, p. 151-152).

A arbitrariedade com que se elegem novos líderes nos abrigos ilustra como a Operação Acolhida atua por meio do princípio da separação (Mbembe, 2020), presente não apenas nas relações assimétricas entre trabalhadores e abrigados, mas também difundidas para dentro das comunidades. Os relatos dos migrantes, por outro lado, nos permitem enxergar Ka Ubanoko como uma experiência sui generis de exercício de como viver com a diferença. Nos depoimentos dos crioulos, foi constante a menção à relação com os indígenas como um desafio que muitos até então não haviam experimentado na Venezuela. Ao perguntarmos sobre os sentidos desse encontro, Milagros chegou a confessar que “não sabia que havia tantas etnias indígenas. Eu pensava que era indígena e pronto”. Para além do desconhecimento acerca da diversidade do ser indígena, muitos também falaram sobre os estranhamentos culturais relacionados à higiene pessoal, preparo de comidas e mesmo consumo de certas iguarias, como a formiga que no Brasil é conhecida como “saúva” ou “tanajura”. A multiplicidade de línguas, dialetos e culturas presentes na ocupação, bem como a divergência de opiniões, são também mencionadas no estudo de Briceño, Repetto e De Oliveira (2024), focado na mobilização social dos povos originários.

É preciso ressalvar que, na dimensão do comum, a harmonia entre as diferenças não implica uma conciliação idealizada dos contrários, tampouco ausência de conflitos (Sodré, 2014, p. 172). Contudo, a criação de regras de convivência, horários, usos do espaço e divisão de tarefas buscava justamente respondê-los, garantindo a sustentabilidade coletiva (Castro, 2021; Briceño, Repetto, De Oliveira, 2024). Em todo caso, a percepção geral acerca dos frutos extraídos desse diálogo é positiva e se deixa antever na palavra escolhida para nomear a ocupação: de origem Warao, “Ka Ubananoko” quer dizer “um lugar para dormir”. Após a explicação do significado, Nelson comentou que aquele foi “um momento bom, que a relação com o indígena começou a se cruzar muito mais, a se entender mais, compartilhar mais. Porém quando isso começou a acontecer, veio o despejo”, lamenta. E acrescenta: “Se ainda existisse Ka Ubanoko, eu acredito que falaria Warao”. Semelhante foi o entendimento de Gladys ao ressaltar que, “apesar dos indígenas terem uma maneira de viver muito diferente dos crioulos, lá eu aprendi a gostar deles e a respeitá-los”. Além do encontro entre etnias, a ocupação também representou a possibilidade de coabitar com venezuelanos vindos de diferentes regiões do país, formando uma “pequena Venezuela”, como definiu Gladys.

A sensação de viver em uma comunidade capaz de transportar alguém ao seu país de origem pode ser traduzida em uma palavra: pertencimento (Zanforlin, 2016, 2017). Pertencimento esse alinhavado graças à prática dos costumes, à sociabilidade e à possibilidade de construção de vínculos que se davam com/no território, aberto e não fechado (murado, apartado) à integração local. Como descrevem Briceño, Repetto e De Oliveira (2024), ao recuperar o cotidiano da ocupação, lá “era comum a preparação de alimentos, a elaboração de artesanatos, a cura de doenças, as danças, os cantos, a contação de histórias e os encontros, entre outras atividades”. Encontros que envolviam a participação dos diferentes povos e sujeitos que nela habitavam ou circulavam, entre venezuelanos indígenas e crioulos, voluntários e trabalhadores das organizações religiosas, da sociedade civil, das agências internacionais e representantes governamentais (Castro, 2021; Castilho, 2022 apudBriceño, Repetto e De Oliveira, 2024, p. 13611), compondo um verdadeiro mosaico humano.

A liberdade de poder ir e vir, manter vivas as suas tradições, ajudar na distribuição de tarefas e construir um senso de coletividade, contudo, foram subitamente interrompidos em setembro de 2020, após mais de um ano e meio de ocupação. No dia 17 daquele mês, como recorda Milagros, diversas instituições envolvidas na Operação Acolhida, incluindo o Exército e as agências da ONU, informaram que a comunidade seria desalojada dentro de um mês. As opções oferecidas eram as seguintes: um auxílio aluguel temporário, os abrigos e a interiorização. Com o prazo apertado e a convicção de que nenhuma dessas alternativas lhes satisfaziam, as lideranças crioulas optaram por redigir uma carta (MST, 2020) onde justificavam os seus motivos e apelavam para a permanência naquele território, ainda mais se considerando o contexto da pandemia da Covid-19 e o risco de contaminação em massa inerente a um despejo coletivo. Yelitza resume o conteúdo do documento:

A explicação dessa carta era que não queríamos o aluguel porque não tínhamos trabalho fixo. O outro era o abrigo, por que não queríamos abrigo? Não tem ventilador, não é um espaço digno. Agora soube que os colchões são assim, finos. Há famílias que têm mais de dois, três anos, se supõe que é emergencial, e essas não são as condições dignas para uma família permanecer. Não queríamos tampouco a interiorização (...) porque estamos mais perto da fronteira, perto da nossa família, e não queríamos ir para lá porque pensamos que mais adiante, depois, como vamos voltar para a Venezuela? (Yelitza. Entrevista grupal N°1. Setembro de 2022)

A perspectiva de ir para um abrigo também foi fortemente rechaçada por Gladys. Na visão dela, “viver em um refúgio7 é o castigo do migrante, o mais decadente e doloroso que uma família pode viver”. A sensação de insegurança, o calor, a impossibilidade de cozinhar a própria comida, a falta de privacidade (Carvalho, Raquel, 2020), em suma, a condição de uma vida precária excessivamente regulada são elementos que fundamentaram a opinião consensual dos migrantes, indígenas e não indígenas, de que os abrigos não eram um caminho razoável para eles. Diante da necessidade de mobilização, as lideranças crioulas nos relataram que passaram a divulgar o andamento das negociações e processos consultivos, exigidos na referida carta, nas redes sociais. Também foi possível encontrar pelo menos um perfil na plataforma Instagram8 criado pelos indígenas com a mesma finalidade. Contudo, à medida que batiam de frente com as formas de gestão e controle da Operação Acolhida, o clima de resistência foi cedendo espaço para o que Carmen chama de “psicoterror”.

Eles iam às casas, “olha, fulana, quando você vai? você precisa ir” (...) eles trabalhavam as pessoas de maneira psicológica. Para quê? Para meter medo na pessoa, para que ela se fosse, então eles conduziam as pessoas assim (...) diziam “quando vier a prisão, quando vierem as máquinas, o que vocês vão fazer?". Então aguentamos isso um mês, dois meses mais, porque era uma ameaça. (Carmen. Entrevista grupal N°2. Setembro de 2022)

Sob o pretexto de que os abrigos ofereciam “melhores condições de moradia, mais segurança e dignidade” para a população venezuelana, conforme atesta documento emitido pela OPA (Folha de Boa Vista, 2020), as investidas de desmobilização das ocupações se deram justo quando, segundo Nelson, Ka Ubanoko havia começado a “dar seus primeiros passos fortes”. De acordo com relatório produzido pelo Acnur, em 2020, dos 3,4 mil migrantes que naquele momento residiam em 11 ocupações espontâneas na cidade de Boa Vista, 78% estavam com a situação migratória regular e 73% se sentiam seguros nas áreas onde viviam (ACNUR, 2020). Ao invés de unirem esforços para ampliarem o acesso à saúde e ao saneamento básico dos locais autogestionados pelos migrantes, porém, a resposta apresentada pelos entes envolvidos na Operação Acolhida foi o “Plano Emergencial para as Ocupações Espontâneas” (Brasil, 2020), como parte de um plano maior de Contingenciamento para a Covid-19. Arquitetado pelo Ministério da Defesa, em conjunto com outros órgãos públicos, como Prefeitura e Governo do Estado, ONGs e agências (Folha de Boa Vista, 2020), o plano previa normas de ações ainda mais securitizadas voltadas para a erradicação de todas as ocupações existentes na capital, alegando que os moradores daqueles espaços corriam sérios riscos sanitários.

Uma vez que nenhuma das alternativas fornecidas efetivamente colocava os venezuelanos em melhores condições para o enfrentamento da pandemia, é possível suspeitar que o objetivo por trás dessa ofensiva era o de mantê-los sob o controle institucional, sendo o confinamento uma forma de territorialização contemporânea que não se reproduz senão paralelamente ao “seu polo oposto, o das expulsões, da transumância compulsória e/ou da mobilidade supostamente total” (Leite, Giavarotti, 2020, p. 34). Esta hipótese é evidenciada em casos como o de Pintolândia9, em que aqueles que resistem à realocação forçada são, por isso mesmo, abandonados à própria sorte. À época do trabalho de campo em Boa Vista, os migrantes em Pintolândia encontravam-se em estado de extrema vulnerabilidade social, sem receber provisões de comida, cortadas pela OPA, sem saneamento básico e vivendo em meio ao acúmulo de água parada, lixo e esgoto a céu aberto. A insalubridade do espaço foi noticiada pela mídia local (Ramalho, 2022). Em Ka Ubanoko, a pressão pelo desalojamento levou não apenas à retenção de uma parcela nos abrigos, promovendo ainda a circulação, tanto através da política de interiorização, quanto pela dispersão provocada por meio de projetos que, limitados em recursos, geraram intrigas e divisões dentro da comunidade interétnica. Fomentados por diferentes ONGs, esses projetos ajudaram uma parte dos membros da ocupação a financiar terrenos coletivos, elaborar projetos arquitetônicos, registro do imóvel, entre outros tipos de auxílios.

Tal foi o caso de Terra Prometida, onde 21 famílias crioulas remanescentes de Ka Ubanoko foram reunidas. Situada no distrito de Pérola, Terra Prometida é formada por quatro terrenos que foram comprados a partir das economias que conseguiram juntar durante o período da ocupação, sem pagar aluguel e contando com o auxílio emergencial. Apesar de ter sido erguida por meio de materiais reciclados dos antigos barracos onde viviam, no momento da nossa visita, a comunidade estava contando com a ajuda de engenheiros que haviam organizado a planta do terreno, incluindo a demanda por um recuo onde pudessem montar empreendimentos. Já da parte indígena, um grupo de 10 famílias das etnias Warao e Kariña conseguiu apoio financeiro para compra de um terreno no município do Cantá. Após receber doação de uma ONG ligada à Igreja Católica, as famílias se organizaram para construir as casas a partir da madeira das árvores encontradas no local e assim fundaram a comunidade Warao Ajanoko. A Cáritas Brasileira, também ligada à Igreja Católica, estruturou banheiros coletivos, esgotos sanitários e bebedouros através do projeto WASH Orinoco.

Nem todos, contudo, tiveram a mesma “sorte”, motivo pelo qual lamenta Gladys. Vivendo no loteamento João de Barro, comprado sem o auxílio de terceiros, a migrante demonstrou insatisfação quanto ao desfecho de Ka Ubanoko, pois, para ela, o ideal seria que a comunidade tivesse batalhado por um terreno maior no qual “conseguíssemos benefícios para todos”, relembrando que há diversas famílias interiorizadas e/ou pagando aluguéis insustentáveis a contragosto10. Também Laura nos contou que o fato de alguns indígenas não terem sido contemplados por projetos como o da comunidade Warao Ajanoko gerou desconfortos e dificultou articulações entre eles. Por outro lado, durante o trabalho de campo, as desavenças entre as lideranças crioulas pareciam já ter sido ao menos em parte superadas, em razão da necessidade de manter um canal de comunicação aberto e forjar novos horizontes de luta a partir da criação de uma “rede de migrantes”. Materializada em um blog e em um grupo do WhatsApp, a rede tinha como intuito buscar soluções para as dificuldades que os migrantes seguiam encontrando apesar do tempo em que viviam no Brasil, segundo nos foi relatado.

Considerações finais

O que os depoimentos nos mostram é que a memória de Ka Ubanoko permanece viva por meio do desejo dos migrantes em serem reconhecidos como sujeitos autônomos capazes de gerir as suas próprias vidas, apesar das dificuldades encontradas e das tensões promovidas pelos diferentes atores que fazem parte da resposta humanitária. Embora positivem a atuação das organizações em determinados momentos, pelo fato de terem ajudado a acessar direitos que, de outra forma, não teriam sido possíveis, eles não hesitam em criticá-las ao perceber que, muitas vezes, suas demandas espontâneas não chegam a ser ouvidas, sequer atendidas. Para além de kits de higiene, cestas básicas e outros produtos pré-definidos em editais, os quais operam na lógica temporária do emergencial, os migrantes enfatizam a importância de se desenvolverem políticas e estruturas perenes que de fato viabilizem dignidade. Pois é por meio de ações “mais a longo prazo que as pessoas podem seguir adiante. Queremos soluções mais duradouras. Queremos seguir adiante”, ecoa Yelitza com indiscutível clareza.

A experiência comunitária de Ka Ubanoko demonstra que a construção do senso de coletividade é significativamente mais eficaz por meio de encontros e diálogos aprofundados. Diferente, portanto, do modelo implementado segundo a “forma campo” (Mbembe, 2020) e imposta aos migrantes via Operação Acolhida. As premissas relacionadas à securitização militarizada amparadas também por um amplo sistema de tecnologias de controle e datificação são próprias do par intervenção e cuidado, como descrito por Agier (2006). As discussões acerca da midiatização, sintetizada no conceito de bios midiático de Muniz Sodré (2014), são fundamentais para complementar o entendimento dos dispositivos de fronteira, e trazem consigo novas formas de gerir a socialização. No entanto, Sodré (2014, p. 191) adverte que “enxergar apenas o sistema e a máquina é cegar-se para o que, no homem, é potencialmente abertura”, ressaltando, assim, a necessária recusa de leituras determinísticas que ignoram as disputas inerentes a esses dispositivos e que são travadas por pessoas.

Acreditamos, portanto, que recuperar a experiência de Ka Ubanoko por meio de relatos ouvidos em trabalho de campo, confirmados pelo entrecruzamento de bibliografias diversas, pode enfatizar uma das principais descobertas da pesquisa, isto é, a designação do diálogo como categoria ética inerente aos processos coletivos e à negociação de pertencimentos. Afinal, como aponta Sodré (2014, p. 161), fazer comunidade não se limita a uma transmissão de informações ou a uma dimensão verbal, mas uma “forma modeladora (organização de trocas reais) e um processo (ação) de pôr diferenças em comum”, sem que processo e ação ocorram de forma arbitrária e sem escuta das pessoas diretamente envolvidas.

O desenvolvimento da pesquisa esteve focado na realização de trabalhos de campo que resultaram em um conjunto de entrevistas qualitativas com migrantes, trabalhadores e ex-trabalhadores humanitários, unindo ambientes institucionais e depoimentos anônimos, em Pacaraima/RR, Boa Vista/RR e Brasília/DF. Os próximos passos da pesquisa apontam para o aprofundamento dos termos de uma economia humanitária financeirizada e de uma política de acolhimento militarizada e securitizada, cuja infraestrutura se estabelece a partir das tecnologias digitais na forma da plataformização do trabalho, por exemplo.

Datos de investigação

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo

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  • 1
    Trata-se do deslocamento voluntário de migrantes para os demais estados da federação, por meio de modalidades que incluem: saída de abrigos nos estados de Roraima e Amazonas para abrigos em uma das cidades de destino; reunificação familiar; reunião social; e com vaga de trabalho sinalizada.
  • 2
    A expressão foi utilizada pela Coordenadora de Serviços de Acolhimento do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Niusarete Margarida de Lima, em palestra disponível no Youtube (MJSP, 2023).
  • 3
    Lançado pela Resistir Produções, agência amazônica independente de comunicação popular, o filme encontra-se disponível no Youtube.
  • 4
    Trata-se do monólogo “Boa noite, Boa Vista” estrelado pelo ator Eduardo Mossri e em cartaz, em 2023. O espetáculo circulou por diversas capitais brasileiras, incluindo Recife, onde o assistimos e pudemos conversar com o ator que também trabalhou como agente de campo voluntário em Boa Vista.
  • 5
    Durante a visita aos equipamentos da OPA em Boa Vista, visitamos o antigo Centro de Coordenação de Interiorização (CCI) do Posto de Triagem (PTRIG), o Abrigo RONDON I e o Abrigo Tuaranoko. Em Pacaraima, foram visitados o Posto de Recepção e Apoio (PRA), o PTRIG, incluindo o escritório da Defensoria Pública da União (DPU) no local, e o Abrigo Janokoida. Fomos recebidas pelo Coronel Charles Pires (Pacaraima), Tenente Coronel Darwin (CCI-Boa Vista), Major Caldeira e Tenente Coronel Clovis (Rondon I/Boa Vista).
  • 6
    Caciques, chefes ou líderes da etnia Warao.
  • 7
    “Refúgio”, nos termos da interlocutora, se referia a estar abrigado nas instalações da Operação Acolhida.
  • 8
    Nos remetemos ao perfil @kaubanokoboavista, cuja primeira postagem data de novembro de 2020.
  • 9
    A pesquisa visitou o extinto abrigo indígena, tornado ocupação espontânea, em setembro de 2022. Recentemente, Pintolândia voltou a ser noticiada em reportagem da Agência Pública acerca do assassinato de indígenas dentro do local (Custódio, 2025).
  • 10
    Sobre as condições de vida de migrantes venezuelanos interiorizados, ver reportagem da Pública (Custódio, 2025).
  • Editores de seção
    Roberto Marinucci, Barbara Marciano Marques

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    02 Out 2024
  • Aceito
    13 Mar 2025
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