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Investimento Externo e Competição

Foreign investment and competition

RESUMO

No nível internacional, a liberalização requer maior mobilidade de tecnologia e mão-de-obra do que atualmente disponível em todos os países. Além dos movimentos internacionais de fatores de produção, este artigo argumenta que a cultura da liberalização precisa ser complementada por uma cultura da concorrência capaz de abordar a visão da empresa e do consumidor. Começamos com definições de investimento direto estrangeiro (IDE) e contestabilidade. As restrições ao IDE e à política de concorrência são então examinadas. Ressaltamos que, para otimizar os benefícios do IDE, variáveis críticas devem ser levadas em consideração. Finalmente, concluímos afirmando que não existe um ou outro entre mercados e intervenção do Estado.

PALAVRAS-CHAVE:
Fluxos internacionais de capital; investimento direto estrangeiro; competição; intervencionismo

ABSTRACT

At the international level, liberalization requires further mobility of technology and labour than is currently available across countries. Apart from the international movements of factors of production, this paper argues that the culture of liberalization needs to be complemented by a competition culture able to tackle both the firm and the consumer view. We start with definitions of Foreign Direct Investment (FDI) and contestability. Constraints on FDI and competition policy are then examined. We stress that, to optimize the benefits of FDI, critical variables should be taken into account. Finally, we conclude by stating that there is no either/or between markets and State intervention.

KEYWORDS:
International capital flows; foreign direct investment; competition; interventionism

INTRODUÇÃO

Em dezembro de 1998, diante da oposição de advogados, associações civis, grupos ec016gicos e sindicatos de países desenvolvidos, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) suspendia as negociações para um Acordo Multilateral de Investimento (AMI). No mês seguinte, a União Europeia e o Japão decidiam perseguir um acordo nos moldes do AMI no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC).

Nos países desenvolvidos, os críticos do AMI argumentavam que explícitos no texto do acordo estavam os direitos e poderes das Empresas Transnacionais (ETN). O mesmo não acontecia com os direitos dos consumidores. Em segundo lugar, o acordo entrava em choque com a divisão constitucional de poderes em diversos Estados nacionais como, por exemplo, o Canadá.

Nos países em desenvolvimento, a discussão acerca dos Investimentos Diretos Estrangeiros (IDEs) aponta suas vantagens como fonte de capital, know-how administrativo e acesso a tecnologias. O papel dos IDEs se tornou relevante dado o declínio de empréstimos oficiais, a volatilidade de investimentos de portfólio e a incerta evolução de taxas de juros associadas a empréstimos bancários.

Para atrair IDEs, os governos podem oferecer proteção contra competidores apesar de, em suas decisões de investimento, as ETN levarem em consideração fatores como o tamanho do mercado, a disponibilidade local de qualificação técnica, as redes de distribuição e de comunicação ou a estabilidade política.

Ainda antes da decisão da União Europeia e do Japão, a OMC não deixou de reconhecer a necessidade de situar os IDEs em um quadro legal. O artigo XIX do Acordo sobre Medidas de Investimentos Relacionadas ao Comércio (TRIMs) prevê discussões - o mais tardar até o ano 2000 - sobre a possibilidade de acrescentar ao acordo cláusulas relativas a investimentos e políticas de competição.

A relevância do tema apenas reforça a necessidade de evitar quadros demasiado róseos ou sombrios, onde os investimentos externos e políticas de competição são exibidos ora como uma panaceia para os países em desenvolvimento, ora como evidência de uma conspiração contra Estados. Em vez de aceitar de maneira acrítica argumentos a favor ou contra os IDEs, começamos apresentando alguns pontos básicos. Em primeiro lugar, são examinadas limitações referentes as definições dos IDEs e de contestabilidade. Em seguida, analisamos restrições quanto ao papel dos IDEs e de políticas de competição.

DEFINIÇÕES DE IDES E CONTESTABILIDADE

Em 1997, durante simpósio em Seul sobre o Acordo Multilateral de Investimentos, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) defendeu a necessidade de uma ampla definição de investimento além da noção tradicional de IDEs, com a inclusão de “virtualmente todos os ativos tangíveis e intangíveis”. Tal definição seria capaz de abranger componentes como os investimentos de portfólio e propriedade intelectual.

Dois anos após esse evento, nosso propósito aqui é menos ambicioso. Em vez de buscar uma definição ampla de investimentos, gostaríamos de demonstrar que definições de IDEs apresentam algumas limitações. Ressaltamos ainda que, apesar das dificuldades em distinguir diversas categorias de investimentos estrangeiros, políticas de investimento promovidas pelo Estado desempenham um papel crucial.

Manuais de economia internacional frequentemente apresentam definições apressadas de IDEs antes de passaram a discussão de teorias ou dados estatísticos. A título de exemplo, podemos citar Paul Krugman e Maurice Obstfeld. Em sua obra Economia internacional, os autores esclarecem que “por investimento direto estrangeiro entendemos fluxos de capital internacional nos quais uma empresa em um país cria ou expande uma subsidiária em outro”. Como veremos abaixo, essa definição nem sequer é válida em todos os casos.

O segundo exemplo provém da definição padrão de IDEs, formulada em 1996 pela OCDE. A organização menciona a existência de “um interesse permanente” e “um grau significante de influência na administração”. Por sua vez, no Relatório Anual de 1996 - dedicado ao Comércio e Investimento Direto Estrangeiro - a OMC oferece o seguinte referencial:

“Investimentos Diretos Estrangeiros ocorrem quando um investidor baseado em um país (home country) adquire um ativo em outro país hóspede (host country) com a intenção de administrar tal ativo. A dimensão administrativa é o que distingue os IDEs de investimentos de portfólio em ações no exterior, títulos e outros instrumentos financeiros.”

À primeira vista, poderíamos esperar que as definições de IDEs acima fossem úteis para a identificação e mensuração de Investimentos Diretos Estrangeiros. Contudo, quando nos deparamos com os dados, as entradas globais e as saídas globais de IDEs nem sequer coincidem. As discrepâncias ocorrem ao nível de fluxos de investimentos entre dois países, com estatísticas distintas contabilizadas pelos governos de cada país em questão.

Essas diferenças podem ser explicadas por fatores como diferentes metodologias contábeis e coleta de dados incompleta. Porém, também existem importantes questões conceituais que, embora pouco examinadas, dificultam a mensuração dos IDEs.

Dado o risco de acabar referindo coisas diferentes pelo mesmo nome, cinco observações devem ser feitas. Em primeiro lugar, é preciso considerar a decorrência de um intervalo de tempo até que a criação ou expansão de uma subsidiária se materialize. Isto é, um investimento pode ser efetuado sem nenhuma adição imediata à planta ou ao estoque de equipamentos. A aquisição de um ativo pode até mesmo ocorrer com o único propósito de compra de uma empresa preexistente ou de fusão com uma outra.

Poderíamos indagar se a natureza da estrutura de propriedade das empresas é relevante. A título de ilustração, podemos considerar o caso da propriedade concentrada nas mãos de investidores de longo prazo, representados no conselho diretor e com monitoramento direto sobre a administração da empresa. Presume-se que tais investidores tenham menor tolerância a erros administrativos e estejam menos inclinados a permitir que sua própria empresa seja adquirida, de forma hostil, por outra empresa. A estrutura de propriedade das empresas afeta, portanto, os IDEs.

Em terceiro lugar, é preciso considerar que assim como um investidor externo pode adquirir uma empresa no exterior sem a intenção de administrá-la, uma empresa pode ser administrada por estrangeiros que não são seus proprietários. Essa separação entre a propriedade e a administração suscita duas indagações. Em primeiro lugar, e preciso determinar se aqui ainda estamos nos referindo a IDEs. Se a resposta for afirmativa, então é necessário identificar o país de origem do investidor. A identificação do país de origem é relevante quando se trata de avaliar se a falência de uma afiliada pode afetar o resto da Empresa Transnacional (ETN). É ainda particularmente discutida quando se trata de escolher que lei deve ser aplicada a investidores associados a paraísos fiscais.

Em quarto lugar, mesmo que o país de origem seja claramente identificado, restam conflitos de jurisdição para serem reconciliados. Por exemplo, uma empresa dos Estados Unidos pode operar exclusivamente fora dos Estados Unidos e ainda assim estar sujeita às leis norte-americanas sobre práticas anticompetitivas, enquanto puder ser demonstrado que suas práticas anticompetitivas no exterior têm repercussões nos Estados Unidos. Em tais casos, a mesma ETN pode estar exposta a leis contraditórias elou a aplicação assimétrica de leis em dois ou mais países.

Para deleite de alguns advogados, os economistas frequentemente menosprezam essas questões. Ainda que isso aconteça, porém, as dificuldades permanecem. De fato, é importante considerar que, ao contrário do sugerido por Krugman & Obstfeld, os IDEs não se referem necessariamente a fluxos de recursos através de fronteiras nacionais. Uma empresa pode expandir suas atividades em um país estrangeiro sem qualquer movimento internacional de capital. Por exemplo, nos Estados Unidos, uma empresa italiana pode adquirir uma empresa norte-americana através de empréstimos efetuados em Nova York. Essa situação não deixa de ter consequências econômicas. Uma implicação é a visão de acordo com a qual os IDEs pertencem a teoria da competição imperfeita e não necessariamente a teorias sobre movimentos internacionais de capital. Portanto, IDEs e políticas de competição podem ser discutidos conjuntamente.

Por que produzir diretamente no exterior quando é possível produzir localmente e em seguida vender ao exterior ou licenciar empresas estrangeiras para produzir no resto do mundo?

Motivos para os IDEs incluem não conceder vantagens táticas a rivais. Tais estratégias, contudo, podem implicar tanto cooperação como competição. Se uma empresa não efetuar um investimento direto no exterior pode perder lucros em suas exportações - porque a produção direta em mercados externos confere vantagens em termos de marketing elou tal empresa pode se deparar com a perspectiva de uma rival adquirir uma vantagem competitiva em um mercado externo que posteriormente será usada para aprimorar sua competitividade no país de origem. Dados tais riscos, as ETNs podem escolher competir em alguns mercados externos e colaborar em outros. Por exemplo, em setores caracterizados por altos custos de entrada, as ETNs podem optar pela colaboração em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) ou em definir padronizações para seus bens e serviços. Contudo, mesmo em tais casos, nem sempre é fácil saber se um acordo entre ETNs existe por motivos de eficiência ou a fim de limitar a competição.

O poder de uma empresa sobre o mercado acende discussões acerca de políticas de competitividade que se tornam mais agudas em um contexto de globalização. Na teoria econômica, é um pressuposto básico que a rivalidade entre empresas e entre consumidores resulta em escolhas que refletem acuradamente a escassez relativa de mercadorias, serviços e recursos disponíveis para o consumo e produção. Quando contemplamos a questão sob a óptica de economias abertas, contudo, a avaliação de tais escolhas é complicada pelo fato de a competição incluir a entrada (e saída) potencial de um mercado por compradores e vendedores transnacionais de mercadorias, serviços e fatores de produção.

Embora possa ser assumido que para superar a vantagem originária daqueles já estabelecidos em um país, uma empresa recém-chegada do exterior deve exibir alguma vantagem competitiva não compartilhada com as empresas locais, pois existem modelos econômicos sugerindo que mesmo mercados oligopolizados produzem resultados similares a mercados competitivos, desde que a entrada e a saída nos primeiros sejam relativamente fáceis.

A facilidade de entrada e de saída de um mercado é conhecida como contestabilidade. Apesar da referência tanto à entrada quanto à saída e embora o conceito inclua tanto ofertantes quanto demandantes, um mercado é frequentemente definido como completamente contestável se os ofertantes existentes levam em consideração o risco de perder fatias do mercado. Mais: os ofertantes em um mercado completamente contestável devem se deparar com uma das seguintes situações:

  1. número de ofertantes é grande o suficiente de tal modo que nenhum ofertante, agindo individualmente ou em colaboração com os demais, é capaz de alterar preços em seu próprio benefício; ou

  2. A entrada no mercado é fácil de tal modo que se o ofertante em questão tentar alterar os preços substancialmente, provavelmente novos ofertantes aparecerão1 1 A doutrina das facilidades essenciais estabelece que quem quer que controle uma facilidade essencial para a entrada em um mercado deve oferecer acesso aos demais incapazes de duplicar tal facilidade. Linhas de transmissão elétrica, gasodutos, oleodutos e redes de telecomunicação podem ser vistos como facilidades essenciais. .

Neste ponto, considerando que generalizações como as apresentadas acima são invocadas para políticas econômicas, ressalvas se fazem necessárias. A palavra-chave aqui é como avaliar a entrada potencial em um mercado. A ameaça de novos competidores não existe quando alguém fora do mercado conclui que as empresas existentes podem manter uma combinação de preço e quantidade enquanto novos competidores não aparecem, mas são capazes de alterar essa combinação assim que alguém fora do mercado tenta entrar.

A avaliação da entrada potencial é ainda complicada pela existência de diversas barreiras à entrada. Como exemplos, o próprio Relatório Anual de 1997 da OMC menciona que as empresas existentes em um mercado podem dispor de relações contratuais de longo prazo com seus fornecedores, menores custos de produção e de distribuição ou de patentes. Tais empresas podem ainda desfrutar de vantagens em termos de reputação adquiridas com nomes comerciais já estabelecidos ou promover bônus de lealdade junto a seus consumidores. Podem ainda escolher designs ou especificações técnicas de pouca ou nenhuma compatibilidade com outras empresas.

De fato, as empresas podem usar diversas armas de competição. “Líderes tecnológicos”, constata a OMC, “podem aumentar o ritmo de introdução de novos produtos, a fim de desencorajar réplicas, ou patentear excessivamente de modo a excluir outras firmas do uso de tecnologias”. A P&D também possibilita a combinação de tecnologias de diferentes indústrias, tornando difícil a identificação do que constitui o mercado relevante para uma determinada empresa. Tais situações não deixam de ter consequências na medida em que a identificação do mercado relevante é uma condição para estabelecer se uma firma tem uma posição de mercado dominante que enfraquece a contestabilidade.

RESTRIÇÕES AOS IDES

A medida em que as ETNs definem seus objetivos estratégicos de diferentes maneiras, levando em consideração o amplo contexto da produção regional e global, benefícios e custos associados aos IDEs aparecem. Dado que o investidor externo não apropria integralmente os ganhos, entre os benefícios se destaca uma elevação na renda do país hóspede. Os IDEs podem ainda difundir tecnologia. Do ponto de vista do consumidor, existe a possibilidade de proporcionarem menores preços, novas ou melhores mercadorias e serviços.

No entanto, se houvessem apenas benefícios, a discussão estaria encerrada ou sequer ocorreria. Porém, ocorre que os IDEs têm efeitos sobre o balanço de pagamentos. O impacto potencial sobre as contas externas existe devido a possibilidade de uma elevação nas importações de fatores de produção por subsidiárias e de um aumento nas remessas de dividendos e royalties para o exterior. Dado que os países em desenvolvimento ostentam menor habilidade do que os países desenvolvidos em financiar seus desequilíbrios em transações correntes através de empréstimos externos, tal impacto não deve ser subestimado.

Ao apontar efeitos sobre o balanço de pagamentos, não podemos perder de vista a existência de outros custos. Do ponto de vista do produtor, não menos importante é a possibilidade de uma transferência de tecnologia não se materializar ou de um desestímulo ao desenvolvimento de tecnologias por empresas nacionais. Do ponto de vista do consumidor, outro custo, mencionado pelo South Center, é o fato de marcas e marketing associados a produtos das subsidiárias provocarem distorções no consumo local. Como exemplo, o South Center cita o caso de produtos alimentícios mais caros produzidos sob IDEs suplantarem, na dieta de consumidores urbanos pobres, produtos locais mais nutritivos.

Finalmente, existem considerações de política econômica nacional e soberania. A competição através de IDEs não implica necessariamente o fim da capacidade produtiva doméstica, mas altera a propriedade. Embora alguns economistas sejam tentados a ignorar considerações geopolíticas, os IDEs podem levar à perda de controle sobre setores estratégicos da economia, como recursos naturais e infra-estrutura. O próprio Relatório Anual da OMC, mencionado acima, reconhece a vulnerabilidade dos governos de países hóspedes à pressão de governos do resto do mundo. Devido ao fato das ETNs responderem a mais de um governo e disporem de oportunidades mais amplas do que empresas nacionais, as ETNs podem efetuar empréstimos mais facilmente no exterior e “frustrar o uso de controles diretos macroeconômicos “. Ou, a fim de escapar da regulamentação, as ETNs podem deixar um país pelo outro e exercer pressão para tornar as regulamentações as menos rígidas possíveis entre países.

Dados os benefícios e custos acima, cabe perguntar se não existe um nível ótimo de IDEs. Duas questões merecem atenção nesse debate. Em primeiro lugar, trata-se de determinar se os IDEs tornam possível e desejável manter ou aumentar a facilidade com a qual qualquer empresa - seja uma ETN ou não - pode entrar em um mercado. Em segundo lugar, supondo que a contestabilidade possa ser mantida ou aumentada, surge a questão de determinar quais reações restam aos governos nacionais quando as ETNs abusam de seu poder de mercado.

Em relação à primeira questão, deve ser mencionado que a liberalização dos IDEs e dos mercados financeiros trouxe novos riscos. Apesar da introdução de novos instrumentos financeiros tornar menos nítidas as diferenças entre os IDEs e demais tipos de investimento, os IDEs - em contraste com investimentos de portfólio - continuam a ser tradicionalmente apresentados como uma forma mais estável e de longo prazo de fluxo de capital. Porém, como mencionamos acima, os formuladores de política econômica dos países em desenvolvimento faltariam em argúcia se subestimassem o fato de um fluxo de dividendos e pagamentos de lucros ser gerado ao longo da vida de um IDE.

De fato, não parece claro porque as remessas de lucros e os lucros retidos por subsidiárias em países hóspedes devam, em qualquer circunstância, ser menos voláteis do que fluxos de investimento de portfólio. Dadas as inexatidões nas estatísticas de IDEs mencionadas anteriormente, não é despropositado indagar se certos IDEs não tomam a forma de lucros reinvestidos em ativos que podem ser liquidados e rapidamente remetidos ao exterior.

Mesmo se os ativos disponíveis não fossem liquidados, uma elevação não-antecipada nas remessas de lucros ou uma inesperada busca de proteção contra variações no câmbio podem representar uma demanda elevada sobre as reservas em moedas estrangeiras de um país. Como lembra Kregel (1996KREGEL, J. A (1996) “Some risks and implications of financial globalization for national policy autonomy”, UNCTAD Review. Genebra, United Nations.):

“A menos que os IDEs sejam de fato permanentes - no sentido de não-repatriação de lucros nem de principal - quanto mais sucesso um país tiver em atrair IDEs - e os IDEs envolvem a geração de retornos - maior o risco de os fluxos de Investimentos Diretos Estrangeiros produzirem fragilidades no saldo em transações correntes de um país e, portanto, também em sua taxa de câmbio. Ambos fatores elevarão o risco cambial do IDEs e aumentarão a probabilidade de uma repatriação ou de hedging. Se o sucesso elevar também a renda doméstica e os custos - reduzindo desta forma as taxas de retorno oferecidas aos investidores externos - não apenas pode ocorrer uma redução nos totais de fluxos de reinvestimentos dos IDEs, como também podem aparecer mais incentivos a deslocar os investimentos para outras localidades, e assim aumentar a probabilidade de mudanças no capital investido.“

Portanto, surtos de IDEs podem criar um ambiente favorável a sobrevalorização cambial, desequilíbrios no saldo em transações correntes e posterior desvalorização com consequências adversas sobre variáveis como a produção, emprego e mesmo a estabilidade política.

Outro aspecto diz respeito aos ciclos na economia internacional. Enquanto ciclos econômicos nos países hóspedes divergirem daqueles nos países de origem, os IDEs podem desempenhar um papel anticíclico. Porém, mesmo que este seja o caso, alguns componentes dos IDEs - especialmente, os lucros retidos pelas subsidiárias nos países hóspedes - são provavelmente mais pró-cíclicos do que outros componentes e, dessa forma, reforçam - ao invés de conterem - a transmissão de distúrbios econômicos entre países.

Dado que as considerações acima são as vezes subestimadas, não é surpreendente encontrar teorias sugerindo que, em um mundo de livre movimento de capitais e enquanto decisões de poupar e de investir das famílias e de empresas privadas forem independentes umas das outras, o Estado não deve intervir para alterar um déficit ou um superávit em transações correntes. Do ponto de vista empírico, contudo, episódios como a crise financeira mexicana de 1994 ou as crises tcheca e asiática de 1997 obrigaram os governos a uma desvalorização que ameaçou não apenas os países em desenvolvimento mas o sistema financeiro como um todo, através do efeito contágio. Nessas ocasiões, o próprio mercado financeiro não interpretou o saldo da conta de transações correntes como um mero detalhe que, de um modo ou de outro, seria revertido ao longo do tempo, não importa o quão longe pudesse ir um déficit ou superávit.

Independentemente do quão reconfortante possa ser a ideia de um desequilíbrio desaparecer - cedo ou tarde - por força do mercado, o Estado não deixará de intervir, quando mais não seja porque, antes do retorno do equilíbrio, seja de forma pacífica ou violenta, governos podem cair. Dado que os países em desenvolvimento ostentam menor habilidade do que os países desenvolvidos em financiarem, através de empréstimos externos, seus desequilíbrios em transações correntes, uma consequência fundamental do discutido em parágrafos anteriores é que, mesmo em um mundo de livre mobilidade de capital, os IDEs que ocorrem em setores não comercializáveis e não geradores de exportações, assim como projetos onde o investidor externo repatria elevados dividendos ou onde a maioria dos lucros não é reinvestida no país hóspede devem, no mínimo, ser monitorados.

Em segundo lugar, é preciso considerar que a medida em que os países liberalizam seus regimes de comércio e de IDEs, instrumentos de política econômica outros que a desregulamentação e privatização são necessários para manter o funcionamento adequado dos mercados. O espaço para o Estado atuar delineando políticas de compras governamentais ou promovendo o desenvolvimento de tecnológicas ainda não se fechou.

Se é desejável prosseguir a liberalização, não podemos deixar de concluir que a manutenção ou aumento da contestabilidade através de IDEs exige, entre outros aspectos, promover a mobilidade internacional de fatores de produção, incluindo tecnologia e mão-de-obra. Passamos agora a examinar os dois aspectos.

Em relação à tecnologia, é revelador constatar como se perde o rumo do debate se assumirmos que a preocupação primária dos governos é sempre assegurar a competição em tecnologias de ponta enquanto a intervenção estatal seria algo excepcional. Ao invés do mundo abstrato da competição perfeita, o desafio internacional aqui é alcançar uma definição consensual de “indústria estratégica “ e “competição administrada” para propósitos de política econômica. Nesse aspecto, é lamentável - e futuramente custosa - a falta de visão dos países em desenvolvimento no debate envolvendo investimentos diretos estrangeiros e competição.

O fato é que os governos desempenham um papel em impedir a saída e promover a entrada de empresas em mercados. Exemplos de intervenções do Estado não faltam. Devemos lembrar que o “transistor” pode ser uma invenção dos Estados Unidos mas, devido a própria política norte-americana da época, a empresa norte-americana AT&T licenciou sua tecnologia para novos competidores, fossem eles domésticos ou estrangeiros. Essa facilidade permitiu aos japoneses inovaram em semicondutores. Com efeito, em 1955, a empresa japonesa Sony lançava o primeiro rádio transistorizado. Alegando ameaça à segurança nacional, as empresas dos Estados Unidos solicitaram, então, ao seu governo, barreiras comerciais contra o Japão.

O governo norte-americano, contudo, rejeitou o pedido protecionista em 1962. Ocorre que, apenas na aparência, essa recusa se conforma aos princípios de não intervenção do Estado. Nessa época, o governo dos Estados Unidos já apoiava as empresas que desenvolviam circuitos integrados - uma combinação de transistores e diodos até então vendidos como componentes eletrônicos distintos. O apoio ocorria através do lançamento do programa espacial dos Estados Unidos em 1961.

Se o governo dos Estados Unidos não apoiou o pleito das empresas do país, foi também porque o governo japonês já intervinha no mercado. Com efeito, Washington considerou que os próprios japoneses já haviam imposto restrições a suas exportações e assegurado não ter “planos imediatos de se ocupar do mercado de transistores altamente especializados”. Em outras palavras, Tóquio se comprometeu a manter uma segmentação entre transistores usados para propósitos militares e civis, de tal modo que o Japão se concentraria em aplicações civis enquanto os Estados Unidos desenvolviam aplicações mais sofisticadas para a indústria de defesa nacional. Mencione-se ainda que, posteriormente, o inventor norte-americano do chip de circuitos integrados - a Texas Industries - se recusou a licenciar sua patente para produtores japoneses.

O segundo exemplo provém da indústria aeronáutica. Deve-se notar que nem os Estados Unidos nem o Reino Unido inventaram os aviões a jato, mas ambos conseguiram superar seu atraso na área. Para entender o porquê, é preciso considerar que o governo dos Estados Unidos impediu o fechamento da empresa Douglas em 1967, autorizando uma fusão com o fornecedor militar McDonnell. Por sua vez, os britânicos recusaram uma aliança com a empresa norte-americana Lockheed. Ao invés disso, optaram pela alternativa mais arriscada de desenvolver as indústrias europeias Airbus com os países vizinhos. Os Estados Unidos fizeram, então, várias ameaças de impor medidas compensatórias contra o apoio estatal europeu à Airbus.

A história não acabou e atritos comerciais no mercado aeronáutico continuem a existir até hoje. Um episódio recente foi a disputa, em 1997, entre órgãos antitruste da União Europeia com os Estados Unidos, a respeito da compra da empresa norte-americana McDonell-Douglas pela também norte-americana Boeing.

Como demonstram os dois exemplos acima, o fato de um equilíbrio competitivo ser alcançado apenas temporariamente - enquanto a tecnologia continua a evoluir - não exclui motivos para a intervenção do Estado. E se a tecnologia permanece objeto de controvérsias, não é menos verdadeiro que é meia-liberalização a liberalização apenas de movimentos de capital entre países.

Se não há mobilidade internacional de mão-de-obra, a contestabilidade de mercados é inferior a que seria o caso existindo menores barreiras ao trabalho. Em outras palavras, abrir o mercado de trabalho dos países desenvolvidos à mão-de-obra de países em desenvolvimento pode elevar a contestabilidade. Nesse aspecto, mencione-se que o Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS), concluído no âmbito da Rodada Uruguai, contempla a presença de estrangeiros no mercado de trabalho através da entrada temporária de empresários ou transferências intra-ETNs de pessoal qualificado. Ainda resta por deixar em aberto a possibilidade de uma entrada legal de mão-de-obra estrangeira em bases permanentes, sem o risco de despertar o racismo, a xenofobia e conflitos sociais.

BARREIRAS FORMAIS E INFORMAIS AO INVESTIMENTO

Poder-se-ia argumentar que os exemplos da indústria de semicondutores e aeronáutica são casos excepcionais. Engano. A liberalização atingida com a Rodada Uruguai através da redução de tarifas e a remoção de outras formas de barreiras comerciais ainda pode ser contida por práticas empresariais restritivas. “Reservas” formais e “derrogações” ao Código de Liberalização de Movimentos de Capital e ao Código de Liberalização de Transações Correntes Invisíveis, bem como “exceções” e “itens de transparência”, sob o mecanismo de tratamento nacional, continuam a permitir discriminações contra empresas estrangeiras. Nesta seção esperamos apontar algumas restrições ao investimento estrangeiro que continuam a existir nos países desenvolvidos.

Nos Estados Unidos, a emenda Exon-Florio ao Omnibus Trade and Competitiveness Act de 1988 permite ao presidente da república investigar, suspender ou bloquear fusões ou takeovers de empresas domésticas por empresas estrangeiras, caso tais operações ameacem ou prejudiquem a segurança nacional do país. As disposições obrigam ao desinvestimento de ativos em takeovers que, embora não notificados, foram posteriormente identificados pelo Comitê de Investimentos Estrangeiros nos Estados Unidos (CIFUS)

Além da segurança nacional, os IDEs podem ser restringidos por motivos de política externa ou cambial. O fundamental aqui é a abrangência das restrições e sua aplicação a diversos setores de atividade. Por exemplo, embora não presentes no nível federal, barreiras ao investimento estrangeiro podem continuar a existir em nível estadual ou municipal. Na Itália, os IDEs podem ser bloqueados se o país de origem da empresa estrangeira não oferecer reciprocidade a empresas italianas em sua jurisdição. Roma também proíbe aos intermediários não-financeiros estrangeiros estabelecerem afiliadas no setor financeiro.

Os investimentos por parte de não-residentes estão atualmente sujeitos a uma panóplia de procedimentos de notificação e autorização, dependendo do volume e dos setores de investimento (agricultura, geração de energia elétrica, energia nuclear, serviços de correio, cultura, transportes, serviços financeiros ou pesquisa, produção e comércio de armas). Ao considerar quais setores devem desfrutar de proteção, os governos fazem julgamentos cruciais, como, por exemplo, se o desenvolvimento de tecnologias de informação superou a importância das telecomunicações para a defesa nacional. Nas atividades culturais, a proteção e distribuição de filmes pode estar sujeita a limites a fim de preservar a identidade nacional.

Os investimentos por empresas não-residentes encontram outras restrições tais como tetos à aquisição de ações por não-residentes ou a direitos de voto2 2 Uma empresa pode elevar seu capital sem diluir o controle devido a existência de diversos tipos de ações, como não-votante, um voto ou múltiplos votos por ação. Em segundo lugar, os direitos ao voto de qualquer grupo ou Investidor que, por exemplo, adquiriu 20% ou mais das ações de uma empresa podem ser limitados, independentemente do número de ações adicionais adquiridas. Em terceiro lugar, o fato de os acionistas poderem depositar suas ações em uma instituição financeira pode permitir a tal instituição exercer uma proxy de direitos de voto em benefício do acionista depositante. Em quarto lugar, existem mecanismos para revelar a estrutura de propriedade a níveis baixos que funcionam como um sistema dc alerta prévio para detectar “transferências” não-amigáveis de ações. em empresas residentes, limites ao modo de operação e discriminação a respeito da nacionalidade ou residência de empregados. Atrasos em processos sobre antitruste ou na autorização de IDEs podem ainda ser partes de uma estratégia a fim de deter um comprador estrangeiro, como é o caso quando o preço de ações é inflado ou se busca uma empresa doméstica disposta a deter a aquisição pelo investidor estrangeiro. Enfim, pode haver tratamento diferenciado no que se refere a subsídios ou ajuda oficial, obrigações tributárias, compras governamentais ou acesso ao crédito local.

Em relação a alvos potenciais para takeovers nos países do G-7, podemos nos referir a barreiras informais no que concerne ao número de empresas listadas e empresas estatais nos mercados acionários. Na França, um número significativo de empresas permanece sob controle familiar ou de propriedade de um pequeno número de acionistas. Na Alemanha, takeovers por estrangeiros requerem a opinião favorável de bancos germânicos, dada a influência destes sobre a administração de suas empresas-clientes através da oferta de amplos serviços. E para controlar empresas listadas em bolsas de valores (Aktiengesellschaft, ou AG) é necessário adquirir pelo menos 75% do capital votante. No Japão, o livre comércio de ações encontra diversos obstáculos. Takeovers hostis por estrangeiros são virtualmente impossíveis dado a existência de ações cruzadas - membros de um keiretsu compram e vendem ações entre si - de diretorias compartilhadas ou do intercâmbio de pessoal entre empresas.

RESTRIÇÕES A POLÍTICAS DE COMPETIÇÃO

Efeitos anticompetitivos surgem a partir da atuação de apenas uma empresa dominante, como resultado de fusões e aquisições entre empresas, através de acordos entre competidores (restrições horizontais) ou após acordos entre empresas em diferentes estágios da cadeia produtiva e distributiva (restrições verticais).

Apesar de as negociações comerciais multilaterais da Rodada Uruguai não terem formulado um acordo específico sobre política de competição, no conjunto de acordos alcançados já existem diversos artigos relevantes para deter práticas empresariais restritivas. Como exemplos, podemos citar o artigo VII. 1 do Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio, o artigo II do Acordo sobre Inspeção Pré-Embarque, o artigo 111.5 do Acordo sobre a Implementação do artigo VI do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio de 1994 (o Acordo Internacional sobre Medidas AntiDumping), o artigo XV.5 do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias, os artigos XI. 1 (b) e XI.3 do Acordo sobre Salvaguardas, os artigos VIII e IX do Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS) ou o artigo XL do Acordo sobre Aspectos Comerciais de Propriedade Intelectual (TRIPS).

Apesar destes dispositivos legais relevantes, a análise econômica de políticas de competição apresenta frequentemente duas limitações. Em primeiro lugar, a recomendação de uma medida para determinado setor de atividade é com frequência conduzida a partir de uma perspectiva de “equilíbrio parcial”, ou seja, as repercussões da medida sobre outros setores da economia não são levadas em consideração. Mesmo que um setor seja definido como perfeitamente competitivo, ainda é possível argumentar a favor de políticas de competição, se os consumidores e produtores no setor em análise não avaliam os efeitos de suas ações sobre terceiras partes.

Eventuais diferenças de interesse entre produtores e consumidores são frequentemente subestimadas na análise de políticas de competição. Igual peso é atribuído aos interesses de consumidores e produtores. Ou seja, medidas para redistribuir ganhos de um grupo para outro são excluídas de antemão.

Os motivos invocados contra o uso de políticas de competição para propósitos redistributivos permanecem pouco convincentes. Em primeiro lugar, assume-se que existe uma distribuição de renda razoavelmente equitativa, o que nem sempre é o caso. Em segundo lugar, alega-se que, nos países desenvolvidos, os consumidores também são proprietários de empresas e os ganhos dos produtores serão, portanto, automaticamente repassados para os consumidores. Mesmo que este fosse o caso para um país, não deve ser subestimada a possibilidade de acordos ou rivalidades entre produtores em um país e consumidores organizados em outro. Tal possibilidade, evidentemente, tem implicações sobre a viabilidade de cooperação internacional em políticas de competição. Provavelmente, é preciso aperfeiçoar teorias nesta área de modo a desenvolver uma visão menos concentrada no produtor.

Efeitos negativos da competição através de IDEs surgem a partir de acordos formais ou informais para não investir em certos mercados ou, mesmo investindo, para não competir. A busca de alternativas para minimizar os efeitos negativos dos IDEs sobre a competição incluem controles sobre preços, quantidades, prazos, qualidade ou entrada e saída de mercado. Independentemente da alternativa escolhida, ao examinar práticas anticompetitivas, os órgãos de Defesa da Concorrência do país hóspede provavelmente necessitarão de informações do país de origem da ETN. É, portanto, fundamental que o envio de tais informações seja permitido sob a lei do país de origem. Nesse aspecto, o Acordo sobre Aspectos Comerciais de Propriedade Intelectual (TRIPS) permite consultas entre países-membros da OMC no que se refere a informações publicamente disponíveis.

Porém, a cooperação - ou mesmo não-oposição - a fim de alcançar resultados mutuamente satisfatórios contra práticas anticompetitivas comuns não é automática. De início, cabe observar que as políticas de competição não dependem apenas de normas, mas ainda de instituições. Dado que necessitam obter evidências de indivíduos e de empresas contra sua vontade, os órgãos de defesa da concorrência são frequentemente acusados de interferência em direitos contratuais ou de favoritismo entre competidores. Assim, o atual debate sobre o tema inclui avaliações sobre a ausência de motivação política elou capacidade administrativa para disciplinar abusos de poder no mercado.

A credibilidade entre órgãos de defesa da concorrência desempenha um papel crucial. Aqui nos deparamos com restrições. Consultas ou conciliações com países estrangeiros se tornam delicadas quando a empresa sob investigação é parcialmente ou totalmente controlada pelo Estado. Outra dificuldade são assimetrias de informações entre órgãos de defesa da concorrência. Existem obrigações de confidencialidade no que se refere a informações submetidas a órgãos de política de competição e o risco de “vazamentos de informações” não deve ser subestimado. Assimetrias também aparecem quando as informações disponíveis em questão de dias em um órgão de defesa da concorrência só são conhecidas após meses pelo seu congênere em outro país. A ausência de segurança nas decisões da Justiça ou o excesso de queixas pode levar a situações nas quais decorre um longo prazo até alcançar uma decisão judicial definitiva autorizando a liberação de informações.

Mesmo quando prazos adequados de liberação de informação sobre condutas supostamente ilegais existem, os órgãos de política de competição de dois ou mais países podem evitar uma colaboração dado que, por exemplo, um país reclama jurisdição extra-territorial. Práticas sem efeitos anticompetitivos na jurisdição de um país podem ter efeitos anticompetitivos em um segundo país. Práticas ilegais sob investigação em uma jurisdição podem ser consideradas legais- e mesmo encorajadas - em outra jurisdição. Um exemplo de tais limitações à cooperação ocorre com as provisões legais beggar-thy-neighbour de alguns países desenvolvidos, as quais permitem a formação de cartéis exportadores desde que os mesmos não apresentem efeitos desfavoráveis na economia doméstica. Da mesma forma, uma fusão aprovada entre duas empresas pode aumentar a competitividade em um país mas, ao mesmo tempo, apresentar consequências negativas para empresas e/ou consumidores no exterior.

Enfim, não podemos afirmar a priori que regras adicionais sobre competição serão de fato respeitadas ao invés de contornadas. A medida em que o tempo passa, são descobertas novas “brechas” na legislação. Portanto, os defensores de leis sobre a competição podem estar corretos sobre a necessidade de regras estáveis, mas se enganarem quanto a possibilidade de alcançá-las.

Devido à longa cadeia de propriedade elou administração através de países outros que o país de origem e o país sendo considerado para IDEs e devido ao fato de governos poderem oferecer benefícios a empresas estrangeiras fora de seu território, não é surpreendente que a complexidade e o risco de arbitrariedade em políticas de competição ofereçam apoio aos que duvidam da capacidade do Estado de formular políticas de competição. Porém, na medida em que diversos países já apresentam uma significativa parcela de insumos importados em suas exportações, nos próximos anos deve crescer a preocupação a respeito de distorções em países hóspedes, as quais podem mais tarde ser utilizadas para limitar a competição em países de origem3 3 A UNCTAD ressalta que “a doutrina dos efeitos [...] assegura jurisdição sobre condutas no exterior que afetam consumidores domésticos”, mas permanece controverso um país chamar para si jurisdição sobre práticas anticornpetitivas no exterior que impliquem a supressão potencial de exportadores. .

CONCLUSÃO

A visão segundo a qual o Estado deve evitar intervenção para manter o ambiente competitivo foi expressa por autores como Scherer (1995SCHERER, F. M. (1995) Competition Policy fora Globalizing World. Washington, Brookings Institution.):

“Dado a extrema diversidade de políticas para corrigir falhas de mercados existentes ou supostas, existe uma pequena probabilidade de obter sucesso tanto na definição de normas mínimas comuns quanto na aplicação de leis competitivas a níveis globais. “

Porém, autores como Sunstein (1997SUNSTEIN, C. (1997) Free Markets and Social Justice. Oxford, Oxford University Press.) não deixam de observar que “mercados não são frutos da natureza. Ao contrário, os mercados são construções legais Portanto, “não há oposição entre ‘mercado’ e ‘intervenção do Estado’. Os mercados são (uma forma particular) de intervenção do Estado”.

A simples denúncia da complexidade ou da qualidade da intervenção do Estado não é suficiente para vaticinar sobre a inexorável decadência de governos nacionais. Sem governos, a competição não é sustentável, não surgem equilíbrios de vantagens que, embora temporários, impedem a escalada de conflitos na sociedade. Portanto, temos de conviver com o problema de aprimorar a qualidade da intervenção do Estado. É nesse contexto que os países buscam definições consensuais de “indústria estratégica” e “competição administrada”. É nesse contexto que a cultura de liberalização precisa ser complementada por uma cultura de competição capaz de levar em conta tanto a óptica do consumidor quanto a da firma.

Como reconhecido neste artigo, embora seja relativamente fácil perceber por que argumentos a favor da intervenção do Estado são válidos, menos evidente é determinar como devem ser implementados. Porém, a dificuldade da tarefa não esconde a sua urgência: é cada vez mais temerari0 supor simplesmente ser um processo sustentável a globalização da produção para consumidores concentrados em poucos países.

De um lado, uma menor diferenciação de produtos ainda restringe, em alguns países, a variabilidade e o número de escolhas para satisfazer diferenças nas preferências dos consumidores locais. De outro lado, os órgãos de defesa da concorrência podem se deparar com dificuldades cada vez maiores para definir e medir a concentração de mercado e posições dominantes, tomando como referência apenas o seu efeito sobre consumidores nacionais. O mercado relevante pode ser mais amplo do que as fronteiras de um país.

Essas situações sugerem que os ganhos de eficiência alcançados com uma produção internacional integrada devem ser pesados contra qualquer aumento na discriminação entre consumidores baseado apenas no lugar de residência. Devemos ainda lembrar que a contestabilidade é favorecida quando mais consumidores têm acesso a mercados. Em outras palavras, mesmo se custos não possam ser totalmente compensados por mercados consumidores nas dimensões atuais, novas entradas de empresas podem ocorrer no presente se se espera uma ampliação futura de mercados.

Enquanto empresas de diversos países estão decidindo não competir em mercados outros que não os domésticos, ainda se ouvem argumentos contra uma regulamentação internacional, segundo os quais a competição entre regimes nacionais, em vez de levar a uma corrida para o pior regime, será capaz de produzir o melhor conjunto de normas antes da irrupção de conflitos extremos entre países e/ou blocos regionais.

Mesmo admitindo que os governos cometem erros e, cedo ou tarde, são capturados por grupos de interesse, existem diferenças entre países que nos convidam à cautela quanto a visão de um governo mínimo. Em primeiro lugar, não está claro por que um grupo de dez países em desenvolvimento, com diferentes graus de liberalização, responde pela maioria de fluxos de IDEs para a região. O exemplo da China mostra que não há uma relação simples e direta entre a liberalidade do regime para IDEs e os IDEs recebidos por um país. Da mesma forma, um país pode liberalizar seu regime para investimentos diretos e ainda assim atrair poucos recursos externos.

Não é possível ignorar essa diversidade de situações ao tentar formular políticas de investimento e competição. Existem ainda as dificuldades de um período de transição. Mesmo que seja possível alcançar um consenso supranacional, podemos nos deparar com uma época de incerteza antes de concretizar uma harmonização de políticas. Durante esse período, países elou blocos regionais com poder para implementar suas decisões podem buscar uma aplicação extra-territorial de regimes distintos. Nessas circunstâncias, se conceitos de teoria do comércio exterior invocados para adotar políticas econômicas não forem entendidos de maneira sensível, as trocas Internacionais não contribuirão para a paz entre países.

REFERÊNCIAS

  • FROOT, K. A (1993) Foreign Direct Investment, A National Bureau of Economic Research Project Report. Chicago, The University of Chicago Press.
  • KINDLEBERGER, C. P. (1973) International Economics. Homewood, Richard Irwin.
  • KREGEL, J. A (1996) “Some risks and implications of financial globalization for national policy autonomy”, UNCTAD Review. Genebra, United Nations.
  • KRUGMAN, P. R. & OBSTFELD, M. (1994) International Economics, Theory and Practice. Nova York, Harper Collins.
  • OECD (1996) Benchmark Definition of Foreign Direct Investment. Paris, Organization for Economic Cooperation and Development.
  • SCHERER, F. M. (1995) Competition Policy fora Globalizing World. Washington, Brookings Institution.
  • SOUTH CENTER (1997) Foreign Direct Investment, Development and the New Global Economic Order, A Policy Brief for the South. Genebra, South Center.
  • SUNSTEIN, C. (1997) Free Markets and Social Justice. Oxford, Oxford University Press.
  • THARAKAN, P. K. M. & VAN DEN BULCKE, D. (1998) International Trade, Foreign Direct Investment and the Economic Environment. Londres, Macmillan.
  • UNCTAD (1997) World Investment Report, Transnational Corporations, Market Structure and Competition Policy. Genebra, United Nations. Brazilian Journal of Political Economy, vol. 20, no 1 (77), January-March/2000
  • 1
    A doutrina das facilidades essenciais estabelece que quem quer que controle uma facilidade essencial para a entrada em um mercado deve oferecer acesso aos demais incapazes de duplicar tal facilidade. Linhas de transmissão elétrica, gasodutos, oleodutos e redes de telecomunicação podem ser vistos como facilidades essenciais.
  • 2
    Uma empresa pode elevar seu capital sem diluir o controle devido a existência de diversos tipos de ações, como não-votante, um voto ou múltiplos votos por ação. Em segundo lugar, os direitos ao voto de qualquer grupo ou Investidor que, por exemplo, adquiriu 20% ou mais das ações de uma empresa podem ser limitados, independentemente do número de ações adicionais adquiridas. Em terceiro lugar, o fato de os acionistas poderem depositar suas ações em uma instituição financeira pode permitir a tal instituição exercer uma proxy de direitos de voto em benefício do acionista depositante. Em quarto lugar, existem mecanismos para revelar a estrutura de propriedade a níveis baixos que funcionam como um sistema dc alerta prévio para detectar “transferências” não-amigáveis de ações.
  • 3
    A UNCTAD ressalta que “a doutrina dos efeitos [...] assegura jurisdição sobre condutas no exterior que afetam consumidores domésticos”, mas permanece controverso um país chamar para si jurisdição sobre práticas anticornpetitivas no exterior que impliquem a supressão potencial de exportadores.
  • 5
    JEL Classification: F21; F68.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2000
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