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O impacto da automação microeletrônica na organização do trabalho em duas montadoras brasileiras

The impact of microelectronic automation in the organization of labor in two Brazilian assembly-factories

RESUMO

Este artigo mostra que a estratégia mundial da indústria automobilística determinou a modernização das montadoras brasileiras. No entanto, considerando a relação capital/trabalho real no Brasil, a introdução de equipamentos microeletrônicos no processo produtivo não só tem se concentrado nos “pontos-chave” da produção, mas também se dá em patamar bastante inferior ao das mesmas plantas em indústrias altamente industrializadas. países. A adoção dessa tecnologia reforçou a atuação da Organização do Trabalho Científico. Podemos identificar a extensão do conceito de linha dentro da fábrica, bem como a deterioração da qualidade da mão de obra e aumento da intensidade do trabalho.

PALAVRAS-CHAVE:
Mudança estrutural; automatização; demanda de trabalho

ABSTRACT

This paper shows that the world strategy of the automobile industry has determined the modernization of Brazilian automakers. However, considering the real capital/labour relation in Brazil, the introduction of microelectronic equipment in production process not only has been concentrated on the production “key-points”, but also takes place in a quite lower level than the same plants in highly industrialized countries. The adoption of this technology has reinforced the of the Scientific Labour Organization. We can identify the extension of line concept inside the factory, as well as the deterioration of labour quality and increase of labour intensity.

KEYWORDS:
Structural change; authomatization; labor demand

INTRODUÇÃO

O aceleramento da difusão da automação microeletrônica nos processos produtivos no fim da década de 70 e, particularmente, nos anos 80, intensificou o debate acerca do impacto da tecnologia na organização do trabalho. Prova disso é o crescente número de engenheiros, administradores, cientistas sociais e economistas que passaram a se dedicar à pesquisa desse objeto em todo o mundo.

Tal interesse é perfeitamente justificável. A microeletrônica é uma tecnologia sem limites de aplicação, podendo vir a alterar o modo de produção em todos os campos da atividade humana. Suas consequências no plano da qualificação, do emprego, das condições de trabalho e da própria composição da força de trabalho - previsíveis ou já em curso - têm exigido respostas institucionais que normatizem as relações capital/trabalho de forma a, pelo menos, minimizar os graves problemas sociais criados.

A microeletrônica tem-se constituído em um dos principais instrumentos utilizados pelas empresas, no plano mundial, para enfrentar a crise que sobre elas se abateu a partir do início da década de 70. Com a continuidade da crise, tornou-se imperativo que as empresas reduzissem seus custos, aumentassem a intensidade do trabalho e, principalmente, capacitassem seu aparelho produtivo a responder às variações do mercado. A internalização dessas prerrogativas deu surgimento a normas de produção que, adequadas à situação de crise, podem estar ao mesmo tempo, na medida em que propiciam grandes ganhos para o capital, definindo normas de produção capazes de sustentar a valorização do capital num posterior período de expansão.

Assim é que as empresas têm procurado produzir com estoque reduzido, em especial o do processo; têm buscado tornar flexível seu aparelho produtivo; têm organizado a produção e o trabalho de forma a aumentar significativamente o controle sobre o processo produtivo e reduzir substancialmente o tempo necessário para produzir. E a microeletrônica tem viabilizado, com maior segurança, a implantação dessas normas de produção. No caso da flexibilidade, inclusive, a microeletrônica é condição necessária. O resultado disso tem sido o aparecimento de fábricas modernas, flexíveis, com significativa economia de capital fixo e circulante e onde o controle sobre o trabalhador é ainda mais intenso.

Em particular a indústria automobilística mundial tem-se destacado em relação aos demais setores industriais, quanto à utilização da microeletrônica. No ano de 1980, 58% dos robôs utilizados na França e perto de um terço dos do Japão estavam empregados na indústria automobilística.1 1 CORIAT, Benjamin. La Robotique, Paris, Editions La Découverte, Maspero, 1983, p. 54. Em 1986, estimava-se que 80% do parque total de robôs da Espanha se concentravam nesse tipo de indústria.2 2 CUESTA, Adolfo. Las Nuevas Tecnologías y sus Impactos - Caso de la Indústria Española del Automóvil. ln: International Seminar Programmable Automatization and New-Work Modes, 1987. É claro que o uso da microeletrônica na automobilística não se restringe à implantação de robôs, sendo relevante a participação de CNC (Comando Numérico Computadorizado), CAD/CAM (Desenho Assistido por Computador/Manufatura Assistida por Computador), vários tipos de sensores ou controladores, entre outros equipamentos com base nessa tecnologia. Os dados referentes à utilização de robôs, contudo, constituem um bom indicador da introdução da microeletrônica na indústria automobilística.

O papel de destaque assumido pela indústria automobilística mundial neste particular deve-se, em grande medida, ao fato de ela ter sido um dos setores mais atingidos pela crise, tornando-se imperioso que suas empresas desenvolvessem verdadeira guerra para manter seus mercados.

No caso das montadoras americanas e europeias, as dificuldades apresentaram-se ainda maiores, pois para dar conta do acirramento da concorrência intercapitalista - em parte acentuada pela competitividade das montadoras japonesas - precisavam, antes de tudo, resolver os problemas decorrentes de sua organização da produção e da relação estabelecida entre capital e trabalho em seus países, os quais vinham minando, desde a segunda metade da década de 60, tanto o ritmo de crescimento de sua produtividade quanto sua taxa de lucro.

Entre os problemas enfrentados por essas montadoras destacam-se os elevados índices de absenteísmo e abandono de emprego, o crescente descuido dos trabalhadores com o resultado final de seu trabalho e a rigidez dos contratos coletivos de trabalho, prejudicando sobremaneira o planejamento da produção, elevando o custo com matéria-prima e força de trabalho e aumentando desnecessariamente o tempo de produção. É preciso mencionar ainda as dificuldades advindas da extrema divisão de trabalho, que não só faz surgir um tempo em que o produto em elaboração fica circulando entre um posto de trabalho e outro sem que a ele se agregue trabalho humano, como impede que, na linha, a gerência aumente o ritmo de trabalho além de certo limite, pois os postos de trabalho mais lentos são os que determinam o ritmo máximo a ser estabelecido.

Assim, dada a retração da demanda,3 3 O mercado mundial de automóveis, que havia crescido, em média, 7,3% no período 1957/71, passou a crescer somente 1,5% entre 1971/85. desencadeou-se verdadeiro processo de transformação na indústria automobilística mundial, abrangendo desde a organização da produção e o processo de fabricação, até a estratégia de mercado e a relação entre as empresas que a compõem.

No que se refere à organização e controle da produção, destacam-se a adoção de técnicas de gestão e planejamento que buscam produzir a um menor custo, reduzindo o nível de estoque e aumentando o grau de controle da gerência sobre o processo produtivo como um todo; e a preocupação em tornar o aparelho produtivo flexível para melhor capacitá-lo a responder às variações do mercado. Já quanto às mudanças na estratégia de mercado, salienta-se a ênfase na qualidade do produto como fator de diferenciação e o surgimento do carro mundial.4 4 O carro mundial, entendido como um projeto básico comum voltado a vários mercados ou como resultado do esforço produtivo de várias filiais, impõe a necessidade de aumento de capacitação ·técnica das plantas, o que só é obtido verdadeiramente através do auxílio da microeletrônica.

Quanto à mudança nas relações entre as empresas, é notável a intensidade com que. na década de 80, proliferaram os acordos e associações estabelecidas entre as mais diversas montadoras. Estes acordos têm ocorrido na área de tecnologia, marketing, distribuição ou produção. Por mais que pareça contraditório, o movimento no sentido da cooperação entre as empresas parece constituir-se em uma das formas encontradas pela indústria automobilística para se defender da crise.

Em relação às mudanças no processo de fabricação, evidencia-se a utilização crescente de novos materiais, a fabricação de variantes de um mesmo modelo, uma divisão de trabalho mais definida entre matriz e filiais no tocante a pesquisa e desenvolvimento e a introdução de máquinas e equipamentos com base técnica na microeletrônica em vários pontos do processo produtivo. ~ importante enfatizar que a microeletrônica tem viabilizado, parcial ou totalmente, as transformações ocorridas na indústria automobilística mundial em termos de organização e controle da produção, estratégia de mercado e processo de fabricação.

O Brasil não tem ficado alheio a essas transformações. Suas montadoras têm empreendido esforços para modernizar suas plantas e para ocupar seu papel na nova estratégia mundial da indústria automobilística.

Procurando contribuir para o aprofundamento da discussão sobre os impactos da automação microeletrônica na organização do trabalho é que se coloca este artigo, dividido em duas partes. Na primeira, analisam-se aspectos da lógica da modernização das montadoras e destacam-se as diferenças de estratégia de introdução da microeletrônica entre a Ford e a Volkswagen.5 5 O carro mundial, entendido como um projeto básico comum voltado a vários mercados ou como resultado do esforço produtivo de várias filiais, impõe a necessidade de aumento de capacitação ·técnica das plantas, o que só é obtido verdadeiramente através do auxílio da microeletrônica. Na segunda parte são estudados os impactos da utilização da micro­eletrônica na qualificação, no emprego, no ritmo de trabalho, enfim, no traba­lho propriamente dito. As conclusões quanto à lógica da modernização extrapo­lam os limites das montadoras Ford e Volkswagen, pois o levantamento da uti­lização dessa tecnologia foi realizado junto a cinco empresas do setor. Contudo, como de longe são a Ford e a Volkswagen as montadoras que mais se utilizam de máquinas e equipamentos com base técnica na microeletrônica, sendo extremamente incipiente o seu uso nas outras três pesquisadas, as conclusões referentes ao impacto dessa tecnologia na organização do trabalho a elas se circunscrevem.

A LOGICA DA INCORPORAÇÃO DA MICROELETRONICA

No processo de modernização das montadoras brasileiras, o primeiro aspecto que desperta atenção é o fato de a utilização de máquinas e equipamentos com base técnica na microeletrônica ser bem inferior ao nível existente nas montadoras americanas, europeias e japonesas.6 6 Um quadro sintético do uso da microeletrônica nas montadoras pesquisadas, em março de 1987, pode ser encontrado nas páginas 220 a 226 da dissertação de mestrado da autora. Não se depreende desta verificação, entretanto, tal como outros pesquisadores, que isso caracterize um período de transição pelo qual estaria passando a indústria automobilística brasileira.

Caracterizar como período de transição seria entender que a indústria automobilística brasileira estaria sofrendo uma ainda incipiente transformação de sua base tecnológica, com tendência a atingir o nível de automação das modernas montadoras de veículos dos países altamente industrializados. Tratar-se-ia, portanto, de uma fase ou etapa.

Entretanto, não há nenhuma razão para supor que a indústria automobilística brasileira deva percorrer os mesmos caminhos trilhados pelas congêneres americana, europeia e japonesa ou, o que vem a dar no mesmo, que deva perseguir idêntico grau de modernização de seu aparelho produtivo. Para que isto seja entendido, é preciso que se tenha presente a estratégia do capital nos principais países do mundo e a forma com que esta mesma estratégia pode ser aplicada em um país como o Brasil.

O que está hoje colocado para o capital é a necessidade de viabilizar um novo modo de fazer as coisas, que permita sustentar uma nova fase de expansão. Isto passa não só por superar os limites decorrentes da tecnologia dominante no período de expansão anterior, como implica em alterar o quadro institucional em que se assentavam as relações capital/trabalho. Dito de outra forma, a necessidade mais geral do capital é recompor sua capacidade de produzir a taxas de lucro crescentes ou, pelo menos, impedir a continuidade de sua queda.

Não é, contudo, pelo fato de a microeletrônica permitir que as empresas respondam aos problemas técnicos e sociais, que estavam minando sua lucratividade, que sua introdução no aparelho produtivo deva ocorrer da mesma forma e intensidade em todas as nações. Em particular a relação capital/trabalho difere significativamente entre um país e outro, pois depende da realidade econômica, social e política. Diferem a política salarial, a classificação das funções, a possibilidade de a empresa deslocar o trabalhador dentro da empresa, entre outros aspectos da relação capital/trabalho.

Estas diferenças vão influir significativamente no grau e na forma de utilização da nova tecnologia. O emprego mais intensivo de robôs nas montadoras americanas e europeias certamente é função, em grande parte, do elevado custo de sua força de trabalho e da ausência de flexibilidade em atender às demandas empresariais (dada a rigidez de seus acordos e de sua regulamentação do trabalho). No caso do Brasil, ocorre exatamente o contrário.

Apesar de os metalúrgicos de nossas montadoras perceberem salário relativamente altos, quando comparados aos demais trabalhadores industriais brasileiros, seus salários estão significativamente abaixo dos padrões americano, europeu e mesmo japonês. Por outro lado, os vários depoimentos colhidos são unânimes em afirmar que não existe aqui a rigidez encontrada nos Estados Unidos e na Europa quanto à utilização da força de trabalho. É comum os trabalhadores serem deslocados de função quando há nisso interesse da empresa. Assim, considerando-se que não haja mudança substantiva na relação capital/trabalho no Brasil, não há, pela lógica da substituição homem/máquina, razões para se pensar que a automação em nível de postos de trabalho nas montadoras brasileiras possa vir a modificar-se significativamente no futuro próximo.

Esta conclusão, entretanto, deve ser mais bem explicitada. Refere-se à automação ao nível das operações, pois na área de circulação de materiais e de integração entre a fábrica propriamente dita e a retaguarda, existem ainda avanços a serem feitos.

A que se deve, então, o grau de automação microeletrônica de nossas montadoras? É o resultado combinado de dois condicionantes: de um lado, a necessidade de as fábricas se capacitarem a produzir para um mercado mundial e dentro dos requisitos da internacionalização da produção; de outro, o estado da relação capital/trabalho no país.

O segundo aspecto a ser destacado, e que de certa forma relaciona-se com o anterior, refere-se aos setores que estão sendo privilegiados na automação. Na pesquisa realizada, fica evidente a importância dada à modernização da funilaria, da pintura e do controle de qualidade e de poluentes.

Apesar de, quanto à escolha dos setores por onde deva ser iniciada, a automação depender, até certo ponto, do que as empresas têm instalado, sua introdução é determinada pela inserção na estratégia mundial das empresas. Atualmente, uma das estratégias mais importantes adotada pelas montadoras no plano mundial é o aprofundamento da internacionalização de sua produção. Esta internacionalização aparece sob duas formas básicas: criação de veículos mundiais e especialização de algumas filiais na produção de alguns componentes. Uma e outra destinam-se ao mercado mundial.

Para que fique clara a relação entre a automação microeletrônica das montadoras brasileiras e sua inserção na estratégia mundial das empresas é preciso entender qual a contribuição da microeletrônica na concretização desta estratégia. Para que duas ou mais plantas sejam capazes de produzir um mesmo tipo de veículo, passível de sofrer adaptações conforme o mercado a que se destina, é necessário um alto nível de padronização da produção. E esta padronização só é obtida através da precisão das operações realizadas por robôs, máquinas-ferramentas com controle numérico ou outro tipo de equipamento com base técnica na microeletrônica.

Assim, verifica-se que a tendência da indústria automobilística brasileira é automatizar a funilaria e a pintura antes de qualquer iniciativa de modernização.7 7 O que está em consonância com a tendência de modernização da indústria automobilística mundial. Isto fica bastante evidente em relação às plantas antigas. Enquanto numa planta nova o projeto de modernização é mais abrangente - englobando tanto outros setores da fábrica como os ligados à concepção do produto e transferência de material -, numa planta antiga procura-se, antes de tudo, automatizar a montagem da carroceria e a pintura. A ênfase na automatização destes setores deve-se a uma combinação de fatores técnicos, financeiros e de mercado.

A soldagem a ponto, por exemplo, é facilmente automatizável, pois sua operação é pouco complexa e repetitiva. A partir do momento em que são definidos os pontos de solda, basta informar ao robô que pontos são estes e a intensidade e tempo de solda necessários, para que ele repita a programação indefinidamente.

Em relação à pintura, embora exija um tipo de robô mais complexo, isto é, “com aprendizagem direta das trajetórias ... e com capacidade de modificar seu programa operatório em tempo real para desenvolver as trajetórias adequadas a cada modelo sobre uma fila de modelos dispostos ao azar ... “,8 8 CORIAT, Benjamin, op. cit., p. 30. parece não haver problemas técnicos maiores. A automação da pintura diz respeito, inclusive, ao conjunto de seu processo, o que compreende desde a aplicação do primer até a do esmalte. E a complexidade técnica maior localiza-se na parte final, onde são utilizados os robôs.

Por outro lado, a menor complexidade técnica do robô de solda a ponto torna-o relativamente mais barato do que outros robôs ou mesmo outros equipamentos. Também concorre para o reduzido preço de um robô de solda a ponto o fato de ele ter sido um dos primeiros utilizados na produção de veículos, o que permitiu o desenvolvimento de todo um aprendizado, resultando em inovações simplificadoras.

Em relação ao fator mercado, destacam-se alguns aspectos. A preocupação com o mercado mundial impôs a necessidade da melhoria de determinados processos, tendo em vista o cumprimento de normas relativas à qualidade e segurança dos veículos. No caso da pintura, por exemplo, sua automatização possibilita evidentes ganhos de qualidade. Como a automatização microeletrônica viabiliza controle estrito de todas as fases da pintura, dela resulta maior resistência do material à ação da ferrugem.

Quanto à segurança do veículo, a montagem da carroceria por robô, dada a precisão deste, permite que o veículo seja estruturalmente mais bem construído. Segundo os depoimentos, a posição da solda não se desloca sequer cinco décimos de milímetro.

É importante esclarecer que não se está apontando aqui a busca por melhor qualidade ou segurança como fator determinante da automação. Se fosse necessário arrolar, por ordem de importância, as razões que levam as empresas a automatizarem os processos produtivos, antes da qualidade e da segurança apareceriam a redução de custo e o aumento da produtividade. Entretanto, tendo em vista o objetivo de atingir mercados onde as exigências de qualidade e segurança são relativamente altas, estes aspectos passam a ser fundamentais. Em outras palavras, passa a existir a necessidade de mudança do próprio produto para garantir-lhe entrada ou permanência no mercado. É a lógica da diferenciação do produto concretizado no plano da qualidade e segurança.

Da mesma forma, pode ser entendida a preocupação das montadoras em automatizar o sistema de teste final e o controle de poluentes. Trata-se de buscar produzir um veículo dentro de especificações mais rígidas de desempenho, a partir de padrões estabelecidos internacionalmente.

Um terceiro ponto a ser sublinhado refere-se ao momento da modernização do aparelho produtivo. Verifica-se que esse momento está, em geral, associado ao lançamento de um novo veículo, em particular de um carro mundial.

Foi assim na Ford, com o lançamento do Escort, e na Volkswagen, com o Santana, apesar de que atualmente as transformações mais significativas estejam vinculadas à produção do Fox (Voyage). Da mesma forma, as informações relativas à General Motors indicam que seus planos de modernização estão vinculados ao lançamento do Kadett, previsto para 1989.9 9 Este artigo foi escrito em 1988. (N.E.) * Assim, a produção de um novo automóvel é acompanhada também por nova tecnologia de fabricação.

O último ponto a ser destacado diz respeito às diferenças entre a Ford e a Volkswagen quanto à estratégia de automação de suas plantas. Apesar de, tal como já se disse anteriormente, priorizarem a automação da montagem da carroceria e da pintura, as montadoras enfatizam de forma diferenciada a automação das operações, da circulação dos materiais ou mesmo do processo de fabricação como um todo.

A Ford, por exemplo, realizou investimento bastante significativo em modernização, mas automatizou relativamente pouco em termos de ponto de solda. Preparou, contudo, toda uma base em termos de fluxo de produção, de espaço, de equipamento auxiliar que, caso decida introduzir mais robôs ou outros equipamentos, o investimento adicional necessário será o dos próprios equipamentos. A importância desse tipo de estratégia parece decorrer do fato de que, dependendo da organização da produção que estiver servindo de base para os equipamentos, altera-se substancialmente o grau de utilização de suas potencialidades.

Assim, a Ford preocupou-se em reorganizar a produção implantando linhas onde antes elas não existiam. Embora tradicionalmente se associe produção de veículos à linha de montagem, este tipo de organização da produção só existia de fato na parte final da montagem do veículo. Segundo informações obtidas nas entrevistas, a armação da carroceria, por exemplo, tinha sua organização centrada na produção de lotes de peças que, só ao final da montagem, estavam organizadas de modo mais linear. Com a reorganização da produção promovida pela Ford, boa parte da armação da carroceria é hoje realizada linearmente.

Também é importante sublinhar que os trilhos por onde passam os carrinhos já estão instalados, assim como boa parte dos controladores programáveis, isto é, dos sensores de posição, que indicam o fim de curso dos carrinhos.

A reorganização da produção e o investimento na automatização da circulação dos materiais está capacitando a Ford para usufruir o conjunto das vantagens decorrentes da microeletrônica. Em outras palavras, a Ford não se tem preocupado muito em automatizar as operações - quantitativamente, esta automatização é pequena; entretanto, toda a base para uma futura integração entre circulação de materiais/postos de trabalho já está sendo montada. E de se notar, contudo, que sua estratégia está basicamente centrada no plano do chão de fábrica.

Destaca-se, ainda, na Ford, a utilização de soldas manuais que, no entanto, são controladas eletronicamente: o operador dispara o gatilho, mas não controla o tempo de solda. Este é regulado eletronicamente.

Quanto ao controle da produção em processo, isto é, ao longo da produção, da funilaria à linha de montagem, impressoras ligadas ao computador central emitem fichas com as características do carro, indicando as peças a serem utilizadas em cada estágio da produção. Tais fichas constituem-se em ordens de produção emitidas a partir da programação geral da produção. As ordens chegam no tempo certo e segundo o cronograma de trabalho determinado pelo tempo de produção necessário.

É importante destacar que simultaneamente existe uma sincronização relativa à circulação de materiais. As peças necessárias à montagem de um veículo chegam ao trabalhador na sequência e momento corretos.

Toda esta modernização da Ford ocorreu basicamente no período 1979/83, com a construção de quatro novos setores: funilaria, pintura, estamparia e linha de montagem. Na funilaria,10 10 Onde é realizada a armação da carroceria. cujo espaço físico abrange a área onde anteriormente estavam localizadas a funilaria, a pintura e a linha de montagem, estão instaladas algumas máquinas multipontos de solda, alguns robôs e um sistema automatizado de transporte.

No setor da pintura (a Ford foi pioneira na instalação de pintura automatizada no Brasil), é interessante salientar que a própria gerência se surpreendeu com os resultados, em termos de economia de material, quando do início do funcionamento da nova linha de pintura.11 11 Cabe esclarecer que estes resultados só passaram a ser visíveis depois de todo um período de aprendizado, de adaptação ao novo equipamento. A economia de tinta obtida decorre do fato de a programação otimizar sua utilização. Anteriormente, com a interrupção da pintura em uma determinada cor e a passagem para outra, toda a tinta· acumulada na pistola era perdida.

Quanto à estamparia nova da Ford, é extremamente moderna, totalmente automatizada.12 12 Segundo as declarações de operários da Ford que conhecem outras instalações da companhia localizadas em países altamente industrializados, não há, na Ford, estamparia com o grau de automação desta de São Bernardo. Ocupa uma área e tem tal capacidade de produção que, se fosse convencional, empregaria cerca de cento e vinte trabalhadores (incluindo os encarregados da manutenção). Entretanto, emprega apenas vinte e sete. São dois sistemas de prensa, um alemão e outro japonês, sendo que a transferência das peças entre os estágios é comandada eletronicamente. A troca de ferramentas é realizada entre dez e treze minutos.

Ao que parece, a decisão de investir nesta nova estamparia foi motivada pelo fato de a antiga apresentar-se como um gargalo da produção, não dando conta da programação. Ao mesmo tempo, o lançamento do Escort impunha a necessidade de aumentar a capacidade de produção.

O quarto setor construído pela Ford no período 1979/83 foi uma nova linha de montagem. A área que ocupa é talvez uma das maiores da fábrica e nela são montados o Escort, a Belina, o Del Rey e o Pampa.13 13 Até pouco tempo montava também o Corcel, hoje fora de linha. Não se trata de uma linha automatizada, mas é de concepção moderna, já que nela pode ser fabricado qualquer tipo de modelo. Entre a área da pintura e a área da linha de montagem existe uma de reserva, que consiste em várias linhas. Nesta área os automóveis são selecionados de acordo com a necessidade de produção.

Já a Volkswagen começou a automatizar-se a partir do lançamento do Santana. Nos últimos anos, entretanto, a modernização da empresa tem estado associada à linha Voyage/Parati, não só porque esta apresenta número bem maior de equipamentos com base na microeletrônica, mas também porque está vinculada a desenvolvimento de projetos mais abrangentes de informatização e automação.

Ao lado da construção da nova linha para armação da carroceria, destinada à fabricação do Voyage/Parati, começou a ser desenvolvido um programa genericamente chamado de SINPRO (Sincronização da Produção). Trata-se de um programa de informatização, de coleta de dados, estruturado a partir de micros instalados em quase todos os setores produtivos da fábrica. Atualmente o SINPRO permite o acompanhamento em tempo real da produção, de cujo controle e planejamento constitui importante instrumento.

A ideia da Volkswagen é integrar o sistema já existente, instalado no plano da fábrica, a um sistema hierarquicamente maior que possibilite a ligação permanente da fábrica com os revendedores. Desta maneira, o pedido de um cliente numa determinada revendedora irá imediatamente para um computador central, originando vários pedidos (ordens de produção) para as diversas áreas da produção.

A integração dos revendedores à fábrica possibilitará maior controle sobre o planejamento do que deve ser produzido, permitindo a otimização de tempo e recursos. Este sistema integrado favorece o surgimento de várias programações. Cada seção, cada área de produção passam a ter sua programação: para a pintura, para a estamparia etc., programações estas decorrentes da programação maior, cujo objetivo é produzir nas melhores condições o que foi pedido.

A Volkswagen também conta com um almoxarifado automatizado. Esta automatização é obtida através de um sistema de gravação magnética que um computador lê. Toda vez que um veículo vai para a linha de montagem, o computador libera as peças necessárias. Este sistema permite a redução substantiva do nível de estoque.

Todos estes sistemas, do SINPRO e do almoxarifado, implicaram em investimento bastante elevado em computadores. Os minis que organizam a produção em cada área foram importados da SIEMENS, da Alemanha. Juntamente com os minis, a Volkswagen também importou a tecnologia de processo que viabiliza a sincronização. Esta tecnologia está sendo implantada paulatinamente.

Assim, verifica-se que nos últimos anos, em que pese o fato de ter havido um incremento de equipamentos microeletrônicos ao nível das operações, importante em termos de Brasil,14 14 O número de robôs aumentou, por exemplo, de quatro para vinte e cinco, entre 1984 e março de 1987. parece que a ênfase dada pela Volkswagen ocorreu no plano da informatização da produção. Enquanto a Ford preocupou-se em construir uma base para a automação ao nível do chão de fábrica, a Volkswagen ambicionou controle mais rigoroso de sua atividade, empreendendo projeto que permite um controle integrado dos pedidos, da produção e dos estoques.

O Centro de Processamento de Dados da Volkswagen é tido como um dos mais completos de que se tem notícia na indústria automobilística. Interessante é que ele é duplicado: um localiza-se na fábrica de São Bernardo e outro no Jabaquara. A justificativa para esta duplicação do sistema é dada pelos responsáveis pelo CPD, em função de normas de segurança. No caso de greve, incêndio ou outro tipo de incidente na fábrica, o CPD do Jabaquara entra em funcionamento imediatamente.

A Volkswagen preocupou-se também em automatizar a pintura, pois sua linha antiga constituía um gargalo de produção. Apesar de a implantação da automatização ter-se iniciado no segundo semestre de 1985, porém, existem fases do processo que ainda não estão automatizadas. Segundo as informações recebidas, restaria ainda ser implantada a fase relativa ao acabamento.

Destaca-se também a compra realizada pela Volkswagen de um robô da Villares, em 1986, para realização de solda a arco, contínua.15 15 De acordo com a Villares, este robô tem seis graus de liberdade, isto é, pode executar, simultaneamente, seis diferentes movimentos: três no corpo (rotação, braço inferior e braço superior) e três no punho (bend, swing e twist). É um equipamento altamente flexível. Seu método de aprendizado é por ensino e repetição, não havendo dificuldade em reprogramá-lo. Este é um tipo de solda que a indústria automobilística está tentando eliminar de seu processo produtivo. Exige muito tempo para sua realização e é difícil de ser feita.

O IMPACTO DA AUTOMAÇÃO MICROELETRÔNICA NA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Para analisar o impacto da automação microeletrônica na organização do trabalho é preciso destacar, em primeiro lugar, as mudanças ocorridas em termos de conteúdo de trabalho, emprego, controle e intensidade do trabalho nos postos ou nos processos que mais sofreram modernização.

No caso da usinagem, apesar de introduzido número relativamente pequeno de máquinas com CNC (Controle Numérico Computadorizado), podem ser verificadas algumas alterações no trabalho. Na Ford de São Bernardo, por exemplo, a área onde estas máquinas estão instaladas ocupava antes trinta e dois trabalhadores e, hoje, somente quatro. “O trabalhador coloca a peça a ser trabalhada numa ponta e recolhe a peça pronta de outro lado. A máquina faz todas as operações e ainda verifica, via computador, a questão da qualidade”.16 16 Palavras de um operário da Ford.

O trabalhador não mais necessita do conhecimento sobre os materiais, a velocidade e o ângulo em que as ferramentas devem operar. Todo conhecimento e experiência antes necessários para usinar uma peça estão hoje encerrados nos programas das máquinas CNC. A introdução destas máquinas não ocasionou, contudo, até o momento, a expulsão do antigo operador e a incorporação de um trabalhador menos qualificado. Ao que parece, isto se deve à preocupação da empresa em não criar pontos de atrito desnecessários com os trabalhadores. Isto é tanto mais verdadeiro quanto maior for a capacidade de organização e mobilização dos trabalhadores no interior da empresa.

Assim, o fato de não ter havido mudanças na usinagem, a partir da introdução de máquinas CNC, quanto à composição da força de trabalho, é expressão, em parte, das condições políticas e sindicais vigentes. Com o passar do tempo, no entanto, a mudança do conteúdo do trabalho deve expressar-se no plano da qualificação exigida do trabalhador. Para a empresa não é preciso mais que um simples alimentador.

A permanência do antigo trabalhador junto à produção, com esses equipamentos, ocasiona o surgimento de tempo e qualificação ociosos. As montadoras têm procurado neutralizar esta ociosidade responsabilizando os trabalhadores pelo controle de qualidade e mesmo pela preparação de máquinas; o que tem resultado na descaracterização das funções do trabalhador tradicional.

A continuar este tipo de prática, no lugar de três funções claramente definidas, a tendência é permanecer somente uma, amorfa, onde o trabalhador cuide de tudo um pouco, menos de sua antiga função. Uma função que, por não estar associada a uma qualificação e dependendo da política da empresa, poderá no futuro corresponder a empregos pouco remunerados. A curto prazo, entretanto, é pouco provável que isto aconteça. O fato de ser recente a introdução dos CNCs implica que a empresa ainda está aprendendo a melhor utilizá-los, necessitando de trabalhadores experientes e responsáveis para sua operação. No momento em que esta fase de aprendizagem for superada, aí sim, a empresa poderá optar por uma política de manutenção de trabalhadores sem qualificação e pouco remunerados. Mesmo neste momento poderá a empresa entender que é melhor reconhecer internamente uma qualificação que de fato não existe, do que adotar uma política de rebaixamento do nível salarial, dado o interesse em contar com trabalhadores altamente responsáveis, devido ao custo do equipamento, por exemplo.

Na ferramentaria a introdução de máquinas com controle numérico ou de eletroerosão também está ocasionando mudanças, qualitativamente mais importantes do que as que estão ocorrendo na usinagem ou em outros setores da fábrica.

O ferramenteiro é um trabalhador· que muito se aproxima do chamado trabalhador de métier, pois domina inteiramente a arte de usinar, realizando a unidade entre concepção e execução do trabalho. Sua atividade no interior da fábrica de automóveis constitui um dos poucos trabalhos que não sofreu aplicação dos princípios tayloristas e fordistas. Com a introdução do controle numérico ou de eletroerosão, no entanto, o saber de seu ofício é passado para o programa, deixando de ser necessário o seu trabalho.

Nota-se, entretanto, que nos últimos anos não houve incremento da utilização destes equipamentos nas empresas pesquisadas. No caso da Volkswagen, apesar de as informações indicarem planos de compra de mais máquinas com controle numérico, o levantamento realizado apontou o mesmo número de máquinas-ferramentas com controle numérico em 1984 e 1987.

Já na Ford os depoimentos apontam outra direção. Como nos últimos anos seu ferramental tem sido produzido no Japão e na Alemanha, seu ferramenteiro tem realizado basicamente trabalho de reparação de ferramentas. Isto porque a Ford, enquanto empresa mundial, realiza concorrência entre suas várias fábricas a fim de determinar qual delas será responsável pela produção.

Quanto à pintura,17 17 Tendo em vista que, na Volkswagen, a implantação da pintura automatizada não estava ainda totalmente concluída no momento da realização da pesquisa, as observações aqui apresentadas referem-se somente à Ford. é basicamente automatizada, com exceção da pintura por baixo da caixa de rodas e dentro do capô que é realizada manualmente pelo trabalhador através de pistolas.18 18 Estas fases da pintura, no entanto, já são realizadas por robôs em outras plantas da Ford. Talvez não valha a pena automatizá-las no Brasil. O aumento da qualidade da pintura interna, decorrente de sua realização por robô, não encontra expressão ao nível de mercado, não justificando o investimento, dado o baixo custo da mão-de-obra brasileira. A manutenção da pintura manual deve-se ao fato de os robôs utilizados na linha de pintura da Ford só efetuarem operações em linhas retas, o que limita sua aplicação à pintura das partes externas do automóvel.

A automatização da pintura não chega a alterar a qualificação do trabalhador porque simplesmente o elimina do processo de trabalho. No caso da Ford, entretanto, como a pintura das partes internas do veículo continua manual, isto não ocorreu. Segundo informações da comissão de fábrica, os trabalhadores da antiga linha de pintura não foram demitidos nem deslocados para outros setores da fábrica, estando ainda hoje trabalhando junto à pintura de veículos. Mas, como ela mesma diz, a automação impediu a criação de novos postos de trabalho, mesmo sendo a produção atual maior do que antes da automatização da pintura.

Por outro lado, a manutenção da pintura manual junto à linha automatizada da Ford indica que uma das justificações mais usualmente apresentadas pelas empresas para a introdução da automação microeletrônica - que as novas tecnologias vêm eliminar o trabalho insalubre e perigoso - não parece ser determinante no processo de decisão das empresas. No caso da pintura, não há dúvida de que se trata de um trabalho insalubre: a inalação de gases ocorre mesmo quando o trabalhador segue todas as normas de segurança e higiene, não podendo ficar por muito tempo dentro das cabines.

A automação ao nível da funilaria destaca-se em relação ao conjunto do chão de fábrica nas duas empresas analisadas, apesar de que a Ford apresenta um grau menor de automação de pontos de solda. Os equipamentos utilizados são basicamente máquinas multiponto de solda e robôs de solda a ponto.

A introdução destes equipamentos na montagem da carroceria permitiu a eliminação de número significativo de postos de trabalho. Esta eliminação basicamente se concentra nos trabalhos de soldagem, transporte e armazenamento, mas também se deve à aglutinação de operações ocorrida com a automatização.

Destaca-se, ainda, na funilaria, o uso de um robô de solda contínua e o fato de as soldas manuais, no caso da Ford, não serem mais controladas por operador. A solda contínua presta-se para vedação, sendo relativamente pouco utilizada na fabricação de automóveis. Por ser uma operação demorada e requerer certo cuidado, as montadoras estão interessadas em eliminar este tipo de trabalho.

As empresas estudadas resolveram diferentemente o problema da solda contínua. Enquanto a Volkswagen comprou um robô da Villares, a Ford está repassando o trabalho para outras empresas.

E. necessário destacar, ainda, que as inovações não se restringem às operações. Na Ford aparece, de forma acentuada, a preocupação em automatizar a parte da circulação de materiais, possibilitando maior fluxo da produção. Apesar de que em algumas áreas a circulação automatizada dos materiais não está ainda em funcionamento, como é o caso do transporte na funilaria, sua base já está criada, sendo marcante nesta montadora a integração entre a circulação dos materiais e as operações.

A integração automatizada da circulação dos materiais com os postos de trabalho permite acentuado aumento no ritmo de trabalho. O planejamento da produção passa a otimizar os vários tempos requeridos para a realização das operações, diminuindo eventual ociosidade na jornada, à espera de material. Ao mesmo tempo, com a automatização das operações mais demoradas, que constituíam pontos de estrangulamento, os postos de trabalho restantes tiveram aumentada a intensidade do trabalho. No caso específico da funilaria, tanto na Ford como na Volkswagen, um dos resultados da integração foi a organização do trabalho em linha, incorporando-a à linha já existente.

Da análise das mudanças ocorridas no trabalho propriamente dito, verifica-se que, ao invés de a automação microeletrônica estar propiciando o surgimento de novas formas de organização do trabalho, está aprofundando o uso da organização taylorista/fordista do trabalho nas montadoras.

Observa-se que o uso desta tecnologia tem permitido a extensão da linha para setores onde antes isto não era possível, resultando em aumento da intensidade do trabalho junto aos postos existentes, estejam eles situados na área que sofreu automação ou nas subsequentes. A extensão da linha para outros setores da fábrica implicou em maior capacidade da gerência em impor o ritmo de trabalho de forma externa. Em vez de determinar o quanto será produzido ao nível de cada posto, basta que regule a linha para a quantidade desejada. Isto é possível na medida em que o trabalhador não tem mais o controle sobre a operação e também não é mais responsável pela alimentação e descarga da máquina.

Por outro lado, o aumento da capacidade produtiva nos setores que sofreram automação impôs o aumento de trabalho nos postos seguintes. Isto teve como resultado o aumento das tensões em torno da figura do cronometrista, o que parece ter motivado a Volkswagen a repassar o trabalho de cronometragem para terceiros.19 19 Este trabalho é realizado por uma firma contratada desde o segundo semestre de 1986. A cronometragem é efetuada com a presença do supervisor do setor e as informações são analisadas pelos responsáveis pela MTM da Volkswagen.

A comissão de fábrica da Volkswagen estima que, com a automação o ritmo de trabalho aumentou em torno de 10 a 15%, dependendo do local.

Assim, a utilização da microeletrônica nas montadoras estudadas não resultou em mudanças na organização do trabalho. Ao contrário, verifica-se que a produção é cada vez mais regida pelos princípios da Organização Científica do Trabalho. Não apenas cresceu o controle da gerência em relação ao ritmo de trabalho - seja através de mecanismos externos ao trabalhador, seja através do uso do cronômetro - como houve extensão da linha para outros setores da fábrica.

A ação desses princípios também fica evidente quando se analisa o impacto desta tecnologia no conteúdo dos trabalhos e na composição da força de trabalho. Como se viu anteriormente, estão sendo eliminados postos de trabalho na funilaria e na usinagem e vem-se modificando o conteúdo do trabalho na ferramentaria e na usinagem. Além disso, a utilização da microeletrônica está permitindo a eliminação do trabalho do inspetor de qualidade em algumas áreas da produção.

Na medida em que o controle de qualidade possa ser realizado automaticamente, não há razão para manter a figura do inspetor de qualidade. Isto ocorre tanto ao nível da operação, com a introdução de um robô ou máquina com controle numérico, quanto ao nível da checagem final do produto. No âmbito geral da empresa, a tendência à eliminação do trabalho do inspetor de qualidade é reforçada pela transferência deste trabalho para o operador. Esta transferência é verificada, tal como descrito anteriormente, não só em áreas que sofreram modernização, mas também devido às campanhas realizadas pelas empresas para que os operários se preocupem mais com seu trabalho.

Em relação à qualificação dos trabalhadores, evidencia-se que houve desqualificação do coletivo dos trabalhadores. Apesar de ter sido criada a função de eletricista eletrônico, o número de vagas vinculadas a essa qualificação não é suficiente para compensar a perda de conteúdo ocorrida na ferramentaria e na funilaria. Há ainda o agravante de que a maioria dos modernos equipamentos são vendidos com garantia de assistência técnica por prazo mais ou menos longo, o que impede o desenvolvimento da área de manutenção da empresa.20 20 Não foi objeto de pesquisa o impacto da microeletrônica no chamado setor administrativo. Contudo, as informações são de que houve eliminação de postos de trabalho na área de engenharia de processo, de projeto e de desenho com a introdução do CAD.

CONCLUSÃO

A modernização do aparelho produtivo das montadoras tem sido determinada basicamente pela estratégia mundial das empresas do setor. Com o surgimento do conceito de carro mundial - seja entendido enquanto veículo produzido para um mercado mundial, seja enquanto um veículo cujas partes provenham de vários lugares diferentes - as montadoras brasileiras passaram a sofrer uma série de transformações com o objetivo de capacitá-las a ocupar seu lugar na nova divisão de trabalho decorrente desse conceito de fabricação.

Com isto as montadoras abriram seu leque de possibilidades. Sem deixar de atender ao mercado interno, as empresas estão se equipando para integrar esta nova divisão de trabalho, tanto promovendo sua especialização na fabricação de componentes, como através da produção de carros mundiais.

Por outro lado, é necessário que as montadoras passem a adotar novas normas de produção utilizadas mundialmente. A busca por produzir a menor custo, com maior produtividade e com flexibilidade impõe às montadoras brasileiras a modernização de seus processos, apesar de que nelas o componente substituição homem/máquina não chega a ser importante, dado o custo de sua força de trabalho. Contudo, a exigência decorrente de uma demanda mundial incerta e restrita, assim como os condicionantes técnicos da produção de um carro mundial impõem a adoção de equipamentos microeletrônicos no seu aparelho produtivo e de métodos modernos de organização da produção. Entende-se como condicionantes técnicos os vinculados à produção do padrão mundial.

A realidade da relação salarial brasileira, por sua vez, funciona como um freio à maior difusão dos equipamentos microeletrônicos no chão de fábrica das montadoras. As empresas têm procurado automatizar somente os pontos chave da produção e a um grau menor que as empresas localizadas em países altamente desenvolvidos, onde, além dos aspectos técnicos/econômicos, a automação tem como objetivo reduzir custo ao eliminar postos de trabalho. Nas montadoras brasileiras não é este o caso. Para produzirem para o mercado mundial, e a preços competitivos, não é preciso que automatizem todas as fases do processo e nem o façam no grau das empresas americanas e europeias.

Entende-se, portanto, que ao nível de chão de fábrica não haverá grandes modificações no futuro próximo. O número de equipamentos com base técnica na microeletrônica deverá aumentar, sem, contudo, provocar mudança qualitativa no processo.

Já em relação ao processo de informatização do conjunto dos atos associados à produção e venda, abrangendo inclusive os da circulação de materiais, entende-se que a tendência é ocorrer mudança substantiva. Não só porque indícios neste sentido já são detectados nos projetos da Ford e da Volkswagen, como também porque só assim as empresas conseguirão de fato otimizar completamente as modernizações que já realizaram no próprio plano do chão de fábrica.

Quanto aos impactos da utilização de máquinas e equipamentos microeletrônicos no processo de produção das montadoras Ford e Volkswagen, verifica-se que não resultou, até o momento em que este estudo foi desenvolvido, alteração da organização do trabalho anteriormente estabelecida. Ao contrário, seu uso tem propiciado a otimização da organização fordista do trabalho no interior da fábrica.

De um lado, verifica-se que as novas máquinas e equipamentos permitem superar problemas preexistentes, que impediam o aceleramento da produção ou que tornavam o tempo de produção distante do de trabalho. De outro, a microeletrônica tem viabilizado a extensão da organização fordista do trabalho a setores de onde até então ela estava ausente.

Ao otimizar este tipo de organização do trabalho, a microeletrônica tem afetado o trabalho concreto em vários aspectos. Verifica-se perda do conteúdo do trabalho, particularmente junto à ferramentaria e a alguns postos na usinagem. Com a adoção de máquinas-ferramentas com controle numérico ou controle numérico computadorizado, já não é mais necessário que o operador conheça a arte de usinar. As novas máquinas incorporam em seus programas o conhecimento e a experiência antes exigidos dos trabalhadores.

É importante mencionar, entretanto, que a utilização destes equipamentos não desqualifica necessariamente o trabalhador. A perda de conteúdo do trabalho do ferramenteiro ou do trabalhador da usinagem é, na verdade, decorrente da concepção de organização do trabalho adotada pela empresa. Só há desqualificação porque a gerência não permite que o trabalhador realize e altere os programas, apoiando-se no princípio básico da Organização Científica do Trabalho que é o de manter separadas a concepção e a execução.

Este impacto da automação também se faz presente no trabalho de solda, tanto na mais simples (solda a ponto) como na mais complexa (solda contínua). No caso da solda contínua, parece que a tendência das montadoras brasileiras é eliminar este trabalho, substituindo o trabalho do soldador pela introdução de robô. Cabe esclarecer que ao substituir o operador pelo robô, a automação não está impondo mera perda do conteúdo do trabalho e sim eliminando o próprio trabalho do processo de produção de automóveis. Já em relação ao trabalho do operador de solda a ponto, apesar de sempre ter sido considerado relativamente simples, com a microeletrônica é ainda mais simplificado, pouco exigindo do trabalhador.

Assim, ao nível do chão de fábrica, parece que a microeletrônica tem resultado na desqualificação do trabalhador. Esta conclusão apoia-se no fato de que a única função qualificada criada pela automação foi a de eletricista eletrônico na manutenção, que mobiliza número significativamente reduzido de trabalhadores. Como esta verificação já ocorrera anteriormente em pesquisa do IPEA, realizada em 1984, quando a difusão da microeletrônica nas montadoras era menor do que atualmente, é plausível supor que novas funções qualificadas não deverão surgir junto à produção.21 21 IPEA/IPLAN/CNRT. Impactos Econômicos e Sociais da Tecnologia Microeletrônica na Indústria Brasileira - Estudo de Caso da Montadora A de Automóveis. 1985. (Relatório de Pesquisa).

Outro aspecto do trabalho alterado com a microeletrônica diz respeito ao ritmo. Com a eliminação, propiciada pela automação, de pontos de estrangulamento, os postos subsequentes foram acelerados, resultando em intensificação do trabalho, que também ocorreu a partir da automação da circulação de materiais.

Estes efeitos da modernização são encontrados em vários setores das montadoras analisadas, afetando tanto o trabalho do operário que participa mais diretamente do processo, quanto o daquele cujo papel é mais de monitoração.

Digna de nota, igualmente, a descaracterização das funções que tem ocorrido no interior das montadoras. Com a modificação das exigências do trabalho do operador, as empresas têm procurado fazer com que ele passe a assumir o trabalho de controle de qualidade, quando este não é passível de ser realizado pelos próprios equipamentos. Verificou-se também que as empresas têm incentivado o operador, ou mesmo o feitor, a realizar a preparação das máquinas. Com tal procedimento, as funções ficam diluídas, cada qual fazendo, além de sua função, um pouco de outra. A continuar esta prática, é possível que desapareçam os cargos de controlador de qualidade e de preparador de máquinas em determinados setores da fábrica.

O impacto da automação nestes aspectos do trabalho indica que a organização fordista do trabalho não está sendo substituída por outra nas montadoras analisadas. As empresas têm procurado aplicar, com o auxílio da microeletrônica, os mesmos princípios da Organização Científica do Trabalho, em particular a fordista. E nem poderia ser diferente. Na produção de automóveis, é essencial o controle da gerência sobre o trabalho operário, de cujo ritmo depende a quantidade produzida. Assim, os princípios básicos da organização científica estarão sendo aplicados mesmo que no futuro estas montadoras deixem de organizar o trabalho em linha e adotem o módulo de produção. A pesquisa realizada, entretanto, não detectou nenhuma intenção das empresas em adotar este tipo de organização do trabalho.

  • 1
    CORIAT, Benjamin. La Robotique, Paris, Editions La Découverte, Maspero, 1983, p. 54.
  • 2
    CUESTA, Adolfo. Las Nuevas Tecnologías y sus Impactos - Caso de la Indústria Española del Automóvil. ln: International Seminar Programmable Automatization and New-Work Modes, 1987.
  • 3
    O mercado mundial de automóveis, que havia crescido, em média, 7,3% no período 1957/71, passou a crescer somente 1,5% entre 1971/85.
  • 4
    O carro mundial, entendido como um projeto básico comum voltado a vários mercados ou como resultado do esforço produtivo de várias filiais, impõe a necessidade de aumento de capacitação ·técnica das plantas, o que só é obtido verdadeiramente através do auxílio da microeletrônica.
  • 5
    O carro mundial, entendido como um projeto básico comum voltado a vários mercados ou como resultado do esforço produtivo de várias filiais, impõe a necessidade de aumento de capacitação ·técnica das plantas, o que só é obtido verdadeiramente através do auxílio da microeletrônica.
  • 6
    Um quadro sintético do uso da microeletrônica nas montadoras pesquisadas, em março de 1987, pode ser encontrado nas páginas 220 a 226 da dissertação de mestrado da autora.
  • 7
    O que está em consonância com a tendência de modernização da indústria automobilística mundial.
  • 8
    CORIAT, Benjamin, op. cit., p. 30.
  • 9
    Este artigo foi escrito em 1988. (N.E.)
  • 10
    Onde é realizada a armação da carroceria.
  • 11
    Cabe esclarecer que estes resultados só passaram a ser visíveis depois de todo um período de aprendizado, de adaptação ao novo equipamento.
  • 12
    Segundo as declarações de operários da Ford que conhecem outras instalações da companhia localizadas em países altamente industrializados, não há, na Ford, estamparia com o grau de automação desta de São Bernardo.
  • 13
    Até pouco tempo montava também o Corcel, hoje fora de linha.
  • 14
    O número de robôs aumentou, por exemplo, de quatro para vinte e cinco, entre 1984 e março de 1987.
  • 15
    De acordo com a Villares, este robô tem seis graus de liberdade, isto é, pode executar, simultaneamente, seis diferentes movimentos: três no corpo (rotação, braço inferior e braço superior) e três no punho (bend, swing e twist). É um equipamento altamente flexível. Seu método de aprendizado é por ensino e repetição, não havendo dificuldade em reprogramá-lo.
  • 16
    Palavras de um operário da Ford.
  • 17
    Tendo em vista que, na Volkswagen, a implantação da pintura automatizada não estava ainda totalmente concluída no momento da realização da pesquisa, as observações aqui apresentadas referem-se somente à Ford.
  • 18
    Estas fases da pintura, no entanto, já são realizadas por robôs em outras plantas da Ford. Talvez não valha a pena automatizá-las no Brasil. O aumento da qualidade da pintura interna, decorrente de sua realização por robô, não encontra expressão ao nível de mercado, não justificando o investimento, dado o baixo custo da mão-de-obra brasileira.
  • 19
    Este trabalho é realizado por uma firma contratada desde o segundo semestre de 1986. A cronometragem é efetuada com a presença do supervisor do setor e as informações são analisadas pelos responsáveis pela MTM da Volkswagen.
  • 20
    Não foi objeto de pesquisa o impacto da microeletrônica no chamado setor administrativo. Contudo, as informações são de que houve eliminação de postos de trabalho na área de engenharia de processo, de projeto e de desenho com a introdução do CAD.
  • 21
    IPEA/IPLAN/CNRT. Impactos Econômicos e Sociais da Tecnologia Microeletrônica na Indústria Brasileira - Estudo de Caso da Montadora A de Automóveis. 1985. (Relatório de Pesquisa).
  • 22
    JEL Classification: J31; O14; O33.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1990
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