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Inflação, clientelas e preços relativos

Inflation, customers and relative prices

RESUMO

O artigo discute os fatores que governam as mudanças nos preços relativos, frequentemente observados em desinflações repentinas. Ele examina as mudanças induzidas pela inflação no comportamento do consumidor nos mercados com informações imperfeitas e, em linhas semelhantes, discute maneiras pelas quais a inflação afeta as decisões de precificação das empresas, concentrando-se mais especificamente nas mudanças na elasticidade da demanda e na incerteza do fluxo de caixa.

PALAVRAS-CHAVE:
Inflação; formação de preços; estabilização

ABSTRACT

The paper discusses the factors governing relative price changes often observed in sudden disinflations. It examines inflation induced changes in consumer behavior in markets with imperfect information and, along similar lines, discusses ways through which inflation affects firms pricing decisions, focusing more specifically on changes in demand elasticity and on cash flow uncertainty.

KEYWORDS:
Inflation; price composition; stabilization

I. INTRODUÇÃO

Durante os últimos anos a concepção dominante acerca do processo de formação de preços tomava como paradigma a atividade manufatureira e se apoiava na noção de mark ups mais ou menos estáveis sobre os custos, que seriam afetados de forma não muito decisiva pelo estado da demanda. Esta descrição estilizada de um processo reconhecidamente mais complexo serviu bem, ao longo dos anos 70, ao esforço de estimação de curvas de Phillips para o Brasil e à formulação de modelos de inflação enfatizando o seu caráter autorregressivo, ou inercial. Nos anos 80, todavia, a inflação alcançaria patamares inusitados e o país testemunharia três “choques heterodoxos”. Com isso as atenções se voltariam para diversos elementos até então ignorados na análise do processo de formação de preços e determinantes da inflação, notadamente comportamentos estratégicos e especulativos, bem como dificuldades informacionais, problemas de desalinhamento de preços relativos, conflitos distributivos e comportamentos “defensivos” de natureza desestabilizadora.1 1 Sobre novas questões suscitadas pela experiência inflacionária brasileira nos anos 80, veja-se Simonsen (1989), Franco (1989 e 1990a) e Ortega (1989). Em particular, a crescente incorporação das expectativas nos processos de formação de preços, seja diretamente através da consideração explícita da incerteza, seja indiretamente· através de indexadores forward looking,2 2 Tal como, por exemplo, em Frenkel (1979). tornou evidente que a noção de mark ups fixos prejudicava um entendimento adequado da dinâmica da inflação.

Este trabalho procura aprofundar a discussão sobre formação de preços em economias inflacionárias explorando especificamente os problemas causados pela inflação em mercados sujeitos à informação imperfeita e por isso mesmo afeitos às relações de clientela, assim estendendo a análise feita em Pareias (1989PARCIAS JR., C. (1989) “A Organização dos Mercados. As Instituições e o Processo Inflacionário” Tese de Mestrado. Departamento de Economia PUC-RJ, Rio de Janeiro. (Mimeografado)), mas atentando para os efeitos da inflação, e consequentemente da estabilização, sobre os preços relativos. Com efeito, o comportamento dos preços relativos nos anos recentes, e especialmente durante a vigência dos congelamentos de preços, revela peculiaridades que, todavia, não são específicas da experiência brasileira: conforme assinalado por Ortega (1989ORTEGA, A. E. (1989) O Plano de Estabilização Heterodoxo: a Experiência Comparada de Argentina, Brasil e Peru. Rio de Janeiro, BNDES.), durante outros congelamentos, e também durante episódios de quedas súbitas da inflação observadas em outros países, as variações de preços relativos se mostram surpreendentemente semelhantes às que estiveram presentes nos congelamentos brasileiros. Este padrão é explorado em mais profundidade por Cunha (1990CUNHA, L. R. (1990) “Congelamento e Políticas Heterodoxas: a Experiência Brasileira.” Departamento de Economia PUC-RJ. (Mimeografado)), em seu detalhado exame do comportamento dos preços que compõem o índice de inflação oficial durante os três congelamentos brasileiros dos anos 80: os preços dos serviços e mercadorias sujeitas à diferenciação de produto aumentam significativamente acima da inflação nos três casos. Um aspecto crucial do problema é que este mesmo padrão de acomodação de preços relativos parece presente nos meses que se seguiram ao fim súbito de algumas hiperinflações europeias bem como nos primeiros meses do Plano Collor. Aparentemente, portanto, o fenômeno parece dever-se à redução da inflação e não propriamente ao congelamento de preços.

O elemento básico dos modelos discutidos a seguir com o propósito de explicar esse fenômeno é a ideia de que a inflação deteriora a qualidade da informação traduzida pelos preços, o que afeta por vezes de forma devastadora o funcionamento de mercados onde há informação imperfeita. Atributos como diferenciação de produto ou dispersão geográfica dos fornecedores caracterizam esse tipo de mercado, e é neles que florescem as relações de clientela. Essas relações envolvem elementos de um monopólio bilateral e um processo de formação de preço bastante complexo e que é afetado de forma importante pela inflação. Este é, com efeito, o principal assunto deste trabalho. No que se segue examina-se a conexão entre inflação, relações de clientela e preços relativos, considerando efeitos pelo lado da demanda e pelo lado dos produtores. Do lado do consumidor o modelo segue um caminho semelhante ao percorrido pelo trabalho clássico de Stigler (1961STIGLER, G. (1961) “The Economics of Information.” Journal of Political Economy, 69(3).) ao considerar a importância da atividade de busca em mercados com informação imperfeita. Procura-se aqui estender a análise de Stigler atentando para o fato de que a inflação, ao prejudicar o conteúdo informativo nos preços, afeta a atividade de busca, as relações de clientela e, como veremos adiante, os preços relativos.

Do lado do produtor, duas abordagens são exploradas: de um lado, procura-se tomar a relação de clientela, ou seja, o apego ao produto/fornecedor, como algo que se expressa através da elasticidade da demanda e, em função disso, afeta as decisões de preços. Observa-se, além disso, que em um contexto de competição monopolística variações na elasticidade induzidas pelas variações na extensão das clientelas afetam não só os preços, mas também quantidades e o grau de diferenciação de produto. De outro lado, procura-se examinar o fato de que, em um mundo onde há incerteza acerca das condições de demanda, a relação de clientela se torna desejável e, para firmas que podem praticar discriminação de preços, observa-se com muita clareza o nexo que interliga inflação, clientelas e preços relativos.

O ensaio está organizado de forma simples. A Seção II apresenta a evidência sobre o comportamento de preços relativos em experiências de estabilização. A Seção III estuda o comportamento de consumidores em condições de informação imperfeita e a Seção IV trata do produtor considerando, em duas seções, a relação entre inflação, clientelas e preços relativos, através de elasticidades e da incerteza. A Seção V resume brevemente as principais conclusões.

II. A EVIDÊNCIA

A experiência de controle de preços durante os três congelamentos de preços no Brasil nos anos recentes teve aspectos peculiares. Em função da incidência diferenciada dos controles, alguns preços teriam avançado adiante da média basicamente por causa da virtual impossibilidade de aplicação de tabelamentos e controles em alguns setores, notadamente vestuário e serviços. O fenômeno da “maquiagem” de preços, ou seja, o uso da diferenciação de produto como instrumento para se burlar o tabelamento, foi observado com frequência. Com efeito, esses setores (vestuário e serviços) foram os “vilões” da experiência de congelamento de preços no Brasil nos anos 80. É interessante notar, todavia, que os mesmos setores também se comportaram da mesma forma em outras experiências com congelamentos de preços em outros países, tal como se pode ver na tabela 1, adiante.

Tabela 1
Inflação durante congelamentos de preços em diversos países (%)

A tabela 1 traz o comportamento dos componentes dos índices de custo de vida de alguns países durante períodos de congelamento de preços. Note-se que, como os índices de custo de vida para esses países seguem metodologias diferentes, principalmente na definição de cada cesta de consumo e na agregação de seus principais componentes, eles não são estritamente comparáveis. Em função disso, a evidência contida na tabela fornece apenas uma indicação precária, ainda que promissora, no sentido de que alguns componentes do IPC parecem comportar-se de modo peculiar durante congelamentos de preços, destacadamente o item vestuário, que parece avançar significativamente à frente da média dos preços em todos os casos.

Um quadro mais preciso da relação entre as mudanças em preços relativos e os métodos de determinação de preços durante os congelamentos brasileiros emerge da pesquisa pioneira de Cunha (1990CUNHA, L. R. (1990) “Congelamento e Políticas Heterodoxas: a Experiência Brasileira.” Departamento de Economia PUC-RJ. (Mimeografado)) que, a partir de listagens bastante desagregadas dos componentes do IPC obtidas para os quatro primeiros meses dos três congelamentos de preços do período Sarney, reconstrói uma agregação entre esses componentes segundo uma lógica do processo de determinação de preços em cada componente do índice. Dessa reagregação resultam seis grupos: 1. alimentos; 2. produtos industriais; 3. tarifas públicas; 4. preços com grande variação sazonal; 5. serviços; e 6. preços de mercadorias “diferenciáveis”. A composição precisa de cada grupo pode ser lida na nota à tabela 2, que registra a variação dos preços médios de cada grupo em relação ao IPC nos períodos indicados.

Tabela 2
Inflação durante os três congelamentos brasileiros (primeiros quatro meses,%)

É bastante evidente que cada um dos grupos de produtos da tabela 2 segue regras de fixação de preços muito distintas. Tarifas públicas são fixadas diretamente pelo governo e, durante um congelamento de preços, o mesmo se passa com a maior parte dos preços de produtos industriais. Alimentos e produtos “sazonais” refletem oferta e demanda, bem como choques climáticos e políticas de abastecimento, podendo, portanto, mostrar comportamento errático em determinadas circunstâncias, como no caso do Plano Verão. No tocante aos grupos serviços e produtos diferenciáveis, que representam juntos cerca de 37% do IPC, os processos de determinação de preços são diferentes dos que governam os preços nos outros grupos. Por isso mesmo, o fato de que o comportamento desses preços durante os três congelamentos é semelhante e bastante peculiar parece sugerir que os mecanismos de determinação de preços nesses setores são afetados pela inflação (e consequentemente pela estabilização) o que produz mudanças de preços relativos e com isso essa inflação “residual” observada nesses três casos.

Esses padrões se repetem de forma bastante evidente nos meses seguintes ao Plano Collor, quando, como se sabe, o papel do congelamento para a estabilização de preços foi secundário. Conforme pode ser visto na tabela 3, elaborada a partir do IPC-FIPE, observa-se uma acomodação de preços relativos para os itens vestuário e serviços, onde se registram reajustes de preços nominais muito acima da média. Note-se que a agregação dos componentes do índice nos dois grupos da tabela é muito mais imperfeita que a da tabela 2, no sentido de isolar a influência de serviços e preços de mercadorias sujeitas à diferenciação de produto.

Tabela 3
Custo de vida em São Paulo (variação % no período indicado)

Mas o que há de peculiar com o processo de determinação de preços nesses setores? Pode-se argumentar, aliás, como tem sido comum, que os preços relativos dos grupos vestuário e serviços se elevam simplesmente porque, em função da “maquiagem”, não são controláveis e por isso naturalmente se elevam durante congelamentos de preços. É claro que isto faz sentido se, simultaneamente ao congelamento, praticam-se políticas expansionistas que criam uma situação de inflação reprimida. Nessas circunstâncias cria-se, evidentemente, uma dicotomia entre preços controlados e livres, os quais reagem ao impulso expansionista gerando mudanças significativas nos preços relativos. Não é claro, todavia, que em todas as experiências relacionadas na tabela 1, bem como nos casos brasileiros relacionados na tabela 2, tivéssemos um quadro de inflação reprimida. No caso do Plano Collor isto por certo não se observa. Com efeito, sob condições de demanda inalteradas, um produtor não sujeito a controle de preços e que vinha praticando preços que lhe maximizavam lucros (ou simplesmente eram preços de equilíbrio), não teria motivo para modificá-los unicamente porque um congelamento de preços, que não lhe atinge, teve início. Dessa forma, deve-se admitir que há outras motivações, além do impulso gerado pela inflação reprimida, para que alguns preços relativos se alterem diante de uma desaceleração drástica da inflação. É ilustrativa, nesse sentido, a evidência contida na tabela 4, trazendo a evolução dos principais componentes dos índices de custo de vida em dois países emergindo de hiperinflações:

Tabela 4
Inflação após o fim de duas hiperinflações

A tabela 4 mostra que a recuperação dos preços de alguns itens, vestuário e aluguéis, após o fim súbito de episódios de hiperinflação é plenamente consistente com o que observamos nas outras tabelas. Portanto, não é propriamente o congelamento que provoca o realinhamento de preços relativos, mas a variação brusca do nível de inflação. No entanto, prevalece a dúvida: por que a inflação, ou ausência dela, haveria de modificar os processos de determinação de preços de certas mercadorias e assim provocar variações nos seus preços relativos? Esta dúvida é o assunto do restante deste trabalho.

III. INFLAÇÃO E CLIENTELAS: O CONSUMIDOR

As relações de clientela abrangem tanto os mercados nos quais, em função da inexistência de perfeita informação, os vendedores são capazes de fixar diferentes preços - mesmo sendo o produto negociado praticamente homogêneo -, quanto os mercados nos quais o produto sofre diferenciação a partir de elementos como a qualidade, o atendimento preferencial, a disponibilidade de crédito oferecida pelo ofertante, entre outros.3 3 A caracterização dos mercados de clientela a partir de problemas informacionais é feita por Okun (1975 e 1981). A ênfase em atributos do produto e/ou das características da transação deve-se a Williamson 0975). Whachter & Williamson (1978) e Carlton (1982). De um modo ou de outro o consumidor, nesses mercados, se vê às voltas com um problema de escolha envolvendo risco, seja porque não conhece a distribuição dos preços, seja porque desconhece a qualidade, ou as condições de venda oferecidas a cada momento pelo fornecedor. Nessas condições, existem custos para que o consumidor colete toda a informação relevante para tomar sua decisão, isto é, há custos de tempo e dinheiro em pesquisar o mercado buscando a melhor combinação preço-qualidade-condições de venda. Há custos também em se trocar de um fornecedor já conhecido para outro, o que é bastante evidente em se tratando, por exemplo, de serviços pessoais (dentistas e psicanalistas, para citar apenas dois casos4 4 Veja-se Franco (1990b). ). Há, por conseguinte, um incentivo para que sejam economizados estes custos mediante o desenvolvimento de uma relação estável entre consumidor e vendedor, sendo esta a motivação básica das relações de clientela, ou contratos implícitos.

Ao deteriorar a informação contida nos preços, a inflação modifica os incentivos ligados à constituição das relações de clientela. Em um contexto de informação imperfeita, os consumidores facilmente percebem que os diversos fornecedores de um determinado mercado cobram preços diferentes, por vezes bastante diferentes, por mercadorias ou serviços semelhantes. A dispersão de preços é, na verdade, uma característica de qualquer mercado com informação imperfeita. Nessas circunstâncias, seguindo o espírito do trabalho pioneiro de Stigler (1961STIGLER, G. (1961) “The Economics of Information.” Journal of Political Economy, 69(3).), pode-se pensar no preço praticado para uma determinada mercadoria ou serviço como uma variável aleatória para a qual existe uma distribuição de probabilidades conhecida. É conveniente pensarmos em preços descritos por uma distribuição uniforme5 5 A opção pela distribuição uniforme simplifica consideravelmente a álgebra que se segue. com as seguintes características:

m é d i a E x = b + a 2

v a r i â n c i a σ 2 = b - a 2 12

d e n s i d a d e r x = 1 b - a

Isso significa que os preços observáveis se encontram uniformemente distribuídos no intervalo [a, b], tal como observado no gráfico 1. Diante dessas circunstâncias, o consumidor interessado em adquirir o produto terá incentivos para efetuar um determinado número de “buscas”, ou de extrações dessa distribuição, e deverá certamente optar pelo menor preço. Assim, a variável aleatória importante para o consumidor é o menor valor encontrado em n observações retiradas da distribuição descrita em (1). Esta variável tem distribuição diversa de (1), como será visto a seguir.

Gráfico 1
Distribuição de preços

Considere a probabilidade de que o valor representado por p no gráfico seja o menor valor encontrado em n buscas. Este valor é dado por:

p r o b p = p m i n n = p r o b x > p n (2)

ou seja, para que p seja o menor preço em n tentativas, é necessário que em cada uma delas o valor observado seja maior que p, ou seja, que esteja na região escura do gráfico 1. Pela função de densidade em (1) sabe-se que:

p r o b x > p = p b 1 b - a · d x = b - p b - a (3)

de modo que (2) pode ser reescrita como:

p r o b p = P m i n n = b - p b - a n (4)

A partir daí podemos definir as características básicas da distribuição do menor preço em n buscas. A função de distribuição é facilmente obtida a partir de (4):

F p = p r o b x > p = 1 - b - p b - a n (5)

A função de densidade se obtém de (5):

r p = F p p = n - b - p n - 1 b - a n (6)

A média, isto é, o menor preço esperado a partir de n buscas se obtém de (6) 6 6 A integral se resolve por panes fazendo up. dv n(b p)” “c v (b p)’

E p = a b p · r p · d p = a + b - a n + 1 (7)

Note-se que esta média, ou seja, o menor preço esperado em n buscas depende do número de buscas. Quanto maior o número de buscas, maiores serão as chances de se encontrar um preço menor. Isto evidentemente fornece um incentivo para que o consumidor faça buscas, um incentivo tanto maior quanto maior for a expectativa de economia:

G = - q · E p n = q · b - a n + 1 2 (8)

onde G é o ganho em se fazer buscas e q é o peso do produto em questão no orçamento do indivíduo. Evidentemente há ganhos significativos em se fazer buscas para produtos que respondem por uma parcela grande dos gastos do consumidor. A compra de carros e imóveis, por exemplo, envolve tipicamente um grande número de buscas em diferentes fornecedores por razões óbvias. A atividade de busca, por outro lado, tem custos, pelo lado do tempo gasto ou pelo custo dos serviços de corretagem ou busca de informação especializada. Se este custo de se efetuar mais uma busca é tomado como constante, igual a S, então podemos determinar o número ótimo de buscas simplesmente igualando G e S, ou seja, o benefício e o custo marginal da busca. Assim, usando (8), chegamos a:

n * = b - a · q $ - 1 (9)

o que, usando a fórmula da variância da distribuição de preços descrita em (1), pode ser reescrito como:

n * = 1 . 86 - σ · q $ - 1 (10)

Note-se que o número ótimo de buscas é afetado de forma positiva pela variância da distribuição de preços dada em (1). Note-se também que a partir de n* podemos determinar o menor preço esperado, o que pode ser visto no gráfico 2:

Gráfico 2
Número último de buscas e menor preço esperado

Os efeitos de mudanças bruscas no patamar de inflação nesses mercados se manifestam através de modificações na dispersão de preços, a, na medida em que se admite que existe uma relação positiva entre o nível de inflação e a dispersão de preços relativos7 7 Há uma vasta literatura de natureza empírica confirmando a existência de uma relação positiva entre dispersão de preços relativos e o nível da inflação, conforme descrito em Pareias (1989, cap. 1). Para o caso brasileiro, veja-se Moura da Silva & Kadota (1982) e Loyola (1987). , ou seja, a inflação reduz a visibilidade do sistema de preços. Assim, alterações de magnitude significativa nas taxas de inflação modificam os parâmetros da distribuição definida em (1). Em particular, quando se observam quedas bruscas na inflação teremos reduções também bruscas em a. Como isto altera o equilíbrio definido logo acima, isto é, o número ótimo de bruscas e o menor preço esperado? Para responder a esta pergunta, será interessante considerar modificações em a que não alterem a média da distribuição de preços E[x], com isso estabelecendo que a modificação no patamar de inflação apenas modifica a “visibilidade” do preço médio E[x]. Desta forma podemos supor alterações nos parâmetros a e b de tal sorte que ∆a=-∆b,8 8 Note-se que, com isso, E]x]=(a+b)/2 permanece inalterada mas (b-a)2/12 se amplia. ou seja, um mean preserving spread. Note-se que assim, ∆σ=(b-a).∆/3.46, e com isso é fácil observar pela equação (10) que ∂n*/∂σ>0, ou seja, uma queda brusca na inflação provoca uma redução em → e com isso uma redução no número ótimo de buscas n*. A justificativa é bastante evidente, com a redução em a reduz-se o incentivo em procurar dado pela equação (8). Torna-se menor a possibilidade de se encontrar um produtor com preços defasados. A visibilidade do sistema de preços é maior, há menos erros e por isso não vale mais a pena gastar recursos reais em mais uma busca. Restabelecem-se assim as relações de clientela a partir do incentivo proporcionado pela economia de recursos reais anteriormente gastos na atividade de busca.9 9 Nishimura (1988) adapta o modelo de Salop & Stiglitz (1977), introduzindo a possibilidade de os vendedores oferecerem um preço estável aos consumidores para se estabelecerem relações de clientela (caracterizadas de acordo com o enfoque de Okun (1981) e conclui que os compradores pagam um prêmio, embutido no preço ao qual se realizam as transações, em decorrência da economia de custos de busca que este tipo de relação lhes proporciona. Este resultado é também coerente em relação aos do modelo ora proposto. Isto pode ser visto diretamente na metade superior do gráfico 3 que mostra um deslocamento para dentro da curva G (equação (8)) reduzindo-se o número ótimo de buscas de n1* para n2 *.

Gráfico 3
Redução na inflação

Com relação ao menor preço esperado, há uma certa ambiguidade quanto ao efeito, tal como pode ser visto na metade inferior do gráfico 3. Note-se que o movimento de A para B é consistente com a noção de que, com a redução do número ótimo de buscas o menor preço esperado aumenta.10 10 Whachter & Williamson (1978) enfatizam que os controles de preços não são neutros com relação às “soluções de mercado” encontradas pelos agentes econômicos para condenarem suas transações. O modelo aqui desenvolvido confirma este resultado. Todavia, a curva E[p] sofre um deslocamento para dentro, trazendo o ponto de equilíbrio para C, que enfraquece o efeito positivo que a redução em a e n* cria em E[p], mas não chegando a revertê-lo. Para verificá-lo reescrevemos a equação (7), usando a equação (9):

E p = a + $ / q · b - a (11)

Extraindo o diferencial, tomando σ=(b-a)/3.46 lembrando que ∆a=∆b, e substituindo em (11) temos:

Δ E p = Δ a · S / q · b - a (11)

Para um aumento em CJ, na forma de um mean preserving spread, ou seja, uma redução em a, de tal sorte que ∆a=∆b, o sinal da variação do menor preço esperado ∆E[p] dependerá do sinal da expressão entre parênteses em (11), que deverá ser positivo. Com isso, um aumento na inflação (∆a<O) provoca uma queda no menor preço esperado obtido em um número de buscas definido como ótimo.

IV. INFLAÇÃO E CLIENTELAS: AS FIRMAS

Pelo lado das firmas e/ou provedores de bens e/ou serviços diferenciados, as relações de clientelas são importantes para o processo de determinação de preços seja porque afetam a elasticidade da demanda, seja porque alteram a incerteza que incide sobre o cashflow das firmas. Nas duas seções que se seguem essas duas alternativas são exploradas em detalhe.

Clientelas e elasticidade de demanda

Podem-se considerar “fregueses” de determinado produto aqueles para os quais o excedente do consumidor é grande, contrariamente aos novos consumidores, aqueles que o consomem pela primeira vez, e, como não conhecem o produto, não sabem se lhes servirá. A cada momento no tempo o produtor estará fornecendo seu produto para consumidores de ambos os tipos e poderá ou não praticar discriminação de preços. É plausível admitir que os “fregueses”, ou seja, os que estão apegados ao produto, tenham uma demanda menos elástica, ou seja, menos afetada por flutuações de preços, vis-à-vis os mais arredios consumidores novos mais sensíveis a variações de preços.11 11 Veja-se Bils (1989). Neste caso, a elasticidade da demanda total percebida pelo produtor deverá depender da quantidade de consumidores de cada tipo: a demanda deverá ser menos elástica se predominam os fregueses e mais elástica se são majoritários os marinheiros de primeira viagem. Assim sendo, a predominância das relações de clientela afeta a elasticidade de demanda e com isso os preços praticados. Se, por exemplo, o produtor é capaz de discriminar os consumidores entre fregueses e novatos, tudo se passa como no caso clássico do monopolista que trabalha com dois mercados diferentes e praticam preços diferenciados, sendo que preços menores são praticados no mercado onde a demanda é mais elástica.

Para avaliar as implicações sobre os produtores e/ou provedores de serviços diferenciados das mudanças de hábitos dos consumidores, das quais resultam variações na elasticidade da demanda, será interessante trabalhar com mercados onde se observa um equilíbrio em competição monopolística. Como se sabe12 12 Veja-se Dixit & Stiglitz (1977). , este tipo de equilíbrio se caracteriza por combinar práticas típicas da competição imperfeita, dentre as quais por certo decisões de preço que igualam receita marginal ao custo marginal, e lucro zero em função da possibilidade de diferenciação de produto e livre entrada de novos produtores.13 13 Esta é, em essência a “solução de tangência” de Chamberlin. Uma das propriedades interessantes deste tipo de equilíbrio é o fato de que a extensão da diferenciação de produto depende da elasticidade da demanda, ou do grau de substitutibilidade entre os produtos diferenciados. Assim sendo, a competição monopolística oferece um arcabouço interessante para se estudar a relação entre inflação, diferenciação de produto, elasticidade de demanda e preços relativos de produtos diferenciados.

Vamos considerar um setor da economia onde existem muitos produtores que usam tecnologias idênticas para a produção de quaisquer dos produtos desse setor e que essa tecnologia é tal que haja retornos crescentes de escala. Se existe um único fator de produção, o trabalho, podemos descrever a função de custo para o produtor representativo como:

w · λ i = w · α + β · x i α · β > 0 i = 1 , . . . , n (12)

onde w é o salário, X. o emprego e xi a produção na indústria i. Note-se que w.α é o custo fixo e w.β o custo marginal. Na presença de economias de escala haverá um só produtor para cada indústria e tantos produtores quanto produtos. Ao maximizarem lucro os produtores resolvem:

m a x x i P i x i · x i - w · α + β · x i (13)

e a partir daí obtém:

P i 1 - 1 / = w · β i = 1 , . . . , n (14)

onde ∈ é a elasticidade da demanda.

Em equilíbrio sob competição monopolística o lucro é nulo, ou seja:

P i - x i = w · α + β · x i i = 1 , . . . , n (15)

Usando (14) e (15) podemos obter o nível de produção em equilíbrio:

x i = α / β · - 1 i = 1 , . . . , n (16)

Note-se que o nível de produção é igual para todas as firmas, o que decorre diretamente de não haver diferenças entre as firmas no tocante à tecnologia nem tampouco quanto à elasticidade da demanda. As limitações dadas pelo pleno emprego dos fatores de produção, ou impostas por níveis dados de demanda, são cruciais em um mundo com economias de escala para estabelecer a extensão da divisão do trabalho, ou seja, da diferenciação de produto e do nível de produção. Como o nível de emprego é igual em cada firma (ou indústria), o número de produtos existentes, ou firmas em operação, é dado pelo requisito de pleno emprego, ou de que o nível de demanda seja dado. Esta restrição pode ser escrita como:

Ç = Σ λ i = n · λ i (17)

o que nos permite escrever:

n = L / α + β · x i (18)

o que pode ser reescrito, usando (16), como

n = L / α · (19)

Note-se que a elasticidade da demanda afeta diferentemente o número de produtos e o nível de produção, ou seja, para um dado valor de E há um nível ótimo de produção e um grau ótimo de diferenciação de produto inversamente relacionados. Note-se também que o preço praticado pela firma representativa também depende diretamente da elasticidade, conforme pode ser visto na equação (14). Ao ver-se modificada a elasticidade da demanda em função da disposição dos consumidores em formar relações de clientela devem, portanto, modificarem-se os preços, quantidades e diversidade de produtos. Uma elevação da inflação que desarticula relações de clientela e eleva a elasticidade da demanda tem como efeito elevar o nível ótimo de produção, mas para um número menor de produtos, ou seja, a inflação eleva o tamanho médio das firmas e restringe a diferenciação de produtos, conforme pode ser lido diretamente nas equações (16) e (19). Quanto aos preços, o efeito pode ser lido diretamente na equação (14), ou seja, um aumento na inflação que eleva a elasticidade da demanda reduz o mark up e, portanto, reduz os preços relativos dessas mercadorias diferenciadas sujeitas a relações de clientelas. De forma inversa, a redução na inflação fortalece as freguesias, torna a demanda por produtos diferenciados mais inelástica e com isso faz aumentar os mark ups e consequentemente os preços relativos dessas mercadorias. Temos, portanto, que do lado das firmas a inflação produz o mesmo efeito nos preços relativos que vimos operar do lado dos consumidores na seção anterior.

Discriminação de preços, incerteza e clientelas

O interesse dos produtores em estabelecer relações de clientela deriva-se não só do fato de suas margens estarem diretamente ligadas à elasticidade da demanda, tal como explorado na subseção anterior, como também pelo fato de que a predominância de fregueses, ou de relações contratuais (implícitas ou explícitas) está diretamente ligada à variância do cash-flow da firma representativa. Se existe um custo associado à variância do cash-flow - o que faz todo sentido em um contexto de inflação alta - então será natural que a firma representativa se sinta compelida a discriminar fregueses e não fregueses em termos dos preços praticados, de modo a reduzir a variância do cash-flow.

De modo a capturar o fato de que em um ambiente de incerteza os produtores deverão valorizar as freguesias seguimos Carlton (1979CARLTON, D. W. (1979) “Contracts, Price Rigidity and Market Equilibrium.” Journal of Political Economy 78 (5), part. 1.) em admitir discriminação de preços e que as firmas enfrentem um custo adicional, derivado da incerteza, que varia linearmente com a variância do cash-flow. Tudo se passa como se preços e quantidades vendidas a clientes fossem conhecidos por antecipação, mas os preços e quantidades transacionados spot fossem conhecidos apenas no momento da abertura do mercado, ou seja, após as decisões de produção terem se consumado.

Sejam p^ e x^ os preços e quantidades vendidas através de relações contratuais para fregueses e p* e x* os preços e quantidades vendidas spot. Seguindo a notação da seção anterior e mantendo a hipótese de retornos crescentes de escala podemos escrever a função de custo da firma representativa como:

C x = w · λ i = w · α + β · x ^ + x * (20)

A variância do cash-flow é inteiramente devida ao fato de que p* é uma variável aleatória de média E[p*]) e desvio-padrão igual a σ*, e com isso podemos escrever a variância do cash-flow como:

v a r p * - β · x * = x * 2 · σ * 2 (21)

A firma que maximiza lucros esperados resolve:

m a x x ^ · x * p ^ · x ^ + E p * · x * - w · α + β · x ^ + x * - x * 2 · σ * 2 s . a . x ^ + x * = x ~ (22)

onde x^ é a capacidade produtiva que se assume estar plenamente ocupada.14 14 Note-se que podemos assumir um dado nível de utilização “normal”, ou mesmo níveis inferiores da capacidade produtiva instalada. O pleno emprego apenas simplifica os cálculos. De (22) podemos obter a curva de oferta para as quantidades oferecidas para fregueses:

x ^ = x ~ - E p * - p ^ 2 · σ * 2 (23)

A equação (23) nos diz que a firma representativa oferece uma parcela maior da sua produção sob a forma de contratos a fregueses tanto maior for a variância do preço spot, tanto maior for p e tanto menor for E[p*].15 15 Para detalhes, veja-se Carlton (1979, pp. 1040-1041). A relação de freguesia funciona como um seguro para a firma, o que se deve ao fato de que recursos reais são consumidos pela incerteza, tal como em (21), e não propriamente à hipótese, mais comum, de aversão ao risco.

Vamos considerar em seguida que a firma enfrenta dois tipos de consumidores: os fregueses, os quais mantêm uma demanda fixa igual a x^,16 16 A flexibilização dessa hipótese não altera senão em detalhes as conclusões que se seguem. e os consumidores que, incapazes de prever suas necessidades com antecedência, manifestam suas demandas no mercado spot através da seguinte relação:

x * - p * + ξ = x * (24)

onde x* é a demanda spot e 1; é uma variável aleatória de média zero e variância dada por var(ξ)=σ* 2 . Usando (23) e (24) e usando E[p*]=p*+ξ; temos o equilíbrio no mercado spot:

x * - E p * = E p * - p ^ 2 · σ * 2 (25)

O equilíbrio para o “mercado” para fregueses será dado por:

x ^ = x ~ - E p * - p ^ 2 · σ * 2 (26)

e de (25) e (26) retiramos as duas expressões que se seguem para os preços praticados para fregueses e no mercado spot:

p ^ = x * - 2 · σ * 2 + 1 · x ~ - x ^ (27)

E p * = x * - x ~ - x ^ (28)

Essas duas equações nos permitem retirar algumas conclusões de interesse. Em primeira instância note-se que a variância no mercado spot, que deve estar (presumivelmente) correlacionada positivamente à inflação, afeta negativamente os preços praticados para fregueses sem alterar os preços no mercado spot. Note-se que este resultado é tanto mais claro quanto for a diferença x^-x^ que pode ser entendida como o grau de exposição da firma ao mercado spot. Este resultado é bem intuitivo: é como imaginar que o preço do seguro oferecido pelas relações de clientela varia diretamente com a exposição à incerteza. Outro resultado de interesse diz respeito a x^, ou seja, à demanda por contratos. É relativamente trivial que um aumento em x^ceteris paribus eleve ambos os preços sendo que p mais que proporcionalmente ao aumento em E[p*]. Isto é menos claro quando consideramos um aumento na demanda dos fregueses que é inteiramente compensado por uma redução na demanda no mercado spot, ou seja, Δx^=-Δx*. Este é exatamente o caso de uma ampliação das relações de clientela que, ao longo deste ensaio, temos associado a uma redução na inflação. Nesse caso, é fácil ver que E[p*] não se altera e a variação em x^ dada por:

Δ p ^ = Δ x * + 2 · σ * 2 + 1 · Δ x ^ = 2 · σ * 2 · Δ x ^ (29)

ou seja, é positiva. Dessa forma, a recomposição das clientelas eleva os preços praticados no âmbito dessas relações ainda que não altere os que vigoram no mercado spot. Este resultado é plenamente consistente com os da subseção anterior, e também com a evidência apresentada na Seção II.

V. PRINCIPAIS CONCLUSÕES

A evidência empírica apresentada na Seção II permitiu constatar que, episódios onde a taxa de inflação se reduz de forma drástica - seja através de congelamentos de preços, ou de outros mecanismos - e assim permanece durante algum tempo, os preços relativos das mercadorias, ou grupos de mercadorias e serviços transacionados em mercados nos quais se desenvolvem relações de clientela se elevam significativamente à frente dos demais preços da economia. Este ensaio procurou apresentar uma explicação para este fenômeno a partir de considerações acerca do processo de formação de preços em mercados sob informação imperfeita e em especial acerca do nexo que relaciona a inflação à constituição de relações de clientela. Observamos que, do lado do consumidor, a solidez das clientelas depende da atividade de busca por parte dos consumidores, e esta, bem como o menor preço encontrado, está relacionada à dispersão de preços relativos, a qual, como se sabe, depende do nível da inflação. Desta forma é possível observar que, com a aceleração da inflação se eleva a dispersão de preços relativos e se elevam os incentivos para a atividade de busca. Em decorrência disto, deterioram-se as relações de clientela o que, para o consumidor, se traduz em uma redução do preço esperado. Uma redução significativa na inflação, tal como nos episódios documentados na Seção II, produz um efeito exatamente simétrico, ou seja, reduz a dispersão de preços relativos e, com isso, o incentivo para a atividade de busca, de modo que as relações de clientela tendem a se rearticular. Com o estabelecimento dessas relações o consumidor economiza os custos de busca e admite pagar um prêmio sobre preço anteriormente aceito, de modo que há uma tendência para o crescimento dos preços relativos das mercadorias transacionadas nesses mercados.

As conclusões que emergem da análise do comportamento do consumidor são confirmadas e reforçadas pela discussão dos efeitos das variações na extensão das clientelas pelo lado das firmas. Observamos que as clientelas podem afetar as decisões de preços das firmas por meio de dois mecanismos básicos: elasticidade da demanda e comportamento defensivo em um contexto de incerteza. No primeiro caso, observamos que, em condições de competição monopolística, as variações na elasticidade afetam preços de equilíbrio, tamanho das firmas e grau de diferenciação de produto. Mostramos em particular que acelerações na inflação reduzem margens, ou seja, preços relativos, aumentam o tamanho das firmas e reduzem a diversidade de produtos. Esses resultados são plenamente compatíveis com a evidência que relaciona a estabilização com aumentos de preços relativos discutida na Seção II.

Em seguida, procuramos explorar o fato de que as clientelas são relações contratuais - implícitas ou explícitas - que assumem grande importância quando existe incerteza quanto a preços e quando a variância do cash-flow consome recursos reais. Mostramos que nessas condições as firmas praticam discriminação de preços e que quanto maior a variância de preços (que se presume positivamente correlacionada com a inflação) menor deverá ser o preço praticado para clientes vis-à-vis o preço spot. A relação de clientela é vista como um “seguro” contra a variância do cash-flow cujo preço é o desconto que existe para o preço dos fregueses em relação ao preço spot. Mostra-se também que a ampliação na demanda exercida por fregueses, mesmo quando compensada por uma redução na demanda existente no mercado spot, resulta em elevar os preços para fregueses. Esses dois efeitos são consistentes com a evidência apresentada na Seção II: por um lado, a redução na dispersão de preços tende a reduzir a importância das clientelas como seguro contra incertezas e com isso a firma aproxima o preço dos clientes do preço spot, ou seja, eleva o preço para clientes. Por outro lado, o aumento na demanda, ou na proporção de clientes contratuais vis-à-vis os clientes do mercado spot, torna cada vez menos importantes os custos decorrentes da variância do cash-flow, o que também tende a aproximar o preço dos clientes do preço spot.

Todas essas influências se somam para explicar as acomodações de preços relativos que observamos nos primeiros meses que se seguiram a diversos episódios de súbita e significativa desinflação. As implicações inflacionárias dessas acomodações fazem crer que os mecanismos discutidos neste ensaio são importantes como explicação para o fenômeno da “inflação residual” que se observa após os fins de grandes inflações. Esse fenômeno deve certamente ser levado em conta nos cálculos pertinentes à prática de políticas de estabilização em países como o nosso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • WILLIAMSON, O. E. (1975) Markets and Hierarquies: Analysis and Anti-trust Implications. The Free Press.
  • 1
    Sobre novas questões suscitadas pela experiência inflacionária brasileira nos anos 80, veja-se Simonsen (1989SIMONSEN, M. H. (1989) “Rational Expectations, Incomes Policies and Game Theory.” Revista de Econometria.), Franco (1989 e 1990aFRANCO, G. H. B. (1990a) “Hiperinflação: Teoria e Prática.” In: REGO, J. M. (ed.) Inflação e Hiperinflação: Interpretações e Retórica. São Paulo, Nobel.) e Ortega (1989ORTEGA, A. E. (1989) O Plano de Estabilização Heterodoxo: a Experiência Comparada de Argentina, Brasil e Peru. Rio de Janeiro, BNDES.).
  • 2
    Tal como, por exemplo, em Frenkel (1979FRENKEL, R. (1979) “Decisiones de Precio en Alta Inflación.” Desarollo Econômico, 15(75), dezembro.).
  • 3
    A caracterização dos mercados de clientela a partir de problemas informacionais é feita por Okun (1975OKUN, A. M. (1975) “Inflation: Its Mechanisms and Welfare Costs.” Brookings Papers on Economic Activity, 2. e 1981OKUN, A. M. (1981) Prices and Quantities: a Macroeconomic Analysis. Washington, The Brookings Institution.). A ênfase em atributos do produto e/ou das características da transação deve-se a Williamson 0975WILLIAMSON, O. E. (1975) Markets and Hierarquies: Analysis and Anti-trust Implications. The Free Press.). Whachter & Williamson (1978WATCHER, M. L. & WILLIAMSON, O. E. (1978) “Obligational Markets and the Mechanics of Inflation.” Bell Journal of Economics, 9.) e Carlton (1982CARLTON, D. W. (1982) “The Disruptive Effect of Inflation on the Organization of Markets.” In: HALL, R. (ed.) Inflation: Causes and Effects. Chicago, University of Chicago Press & NBER.).
  • 4
    Veja-se Franco (1990bFRANCO, G. H. B. (1990b) “A Volta da Inflação e o Efeito Clientela.” Jornal do Brasil, 6.6.1990.).
  • 5
    A opção pela distribuição uniforme simplifica consideravelmente a álgebra que se segue.
  • 6
    A integral se resolve por panes fazendo up. dv n(b p)” “c v (b p)’
  • 7
    Há uma vasta literatura de natureza empírica confirmando a existência de uma relação positiva entre dispersão de preços relativos e o nível da inflação, conforme descrito em Pareias (1989, cap. 1). Para o caso brasileiro, veja-se Moura da Silva & Kadota (1982MOURA DA SILVA, A. & KADOTA, D. (1982) “Inflação e Preços Relativos: Medidas de Dispersão.” Pesquisa e Planejamento Econômico, 12 (1), abril.) e Loyola (1987LOYOLA, G. J. L. (1987) “Preços Relativos em um Processo Inflacionário.” Tese de Doutorado. EPGE-FGV, Rio de Janeiro. (Mimeografado)).
  • 8
    Note-se que, com isso, E]x]=(a+b)/2 permanece inalterada mas (b-a)2/12 se amplia.
  • 9
    Nishimura (1988NISHIMURA, K. G. (1988) “A Note on Price Rigidity.” Journal of Economic Behavior and Organization, 10.) adapta o modelo de Salop & Stiglitz (1977SALOP, S. C. & STIGLITZ, J. E. (1977) “Bargains and Ripoffs: a Model of Monopolistically Competitive Price Dispersion.” Review of Economic Studies, 44.), introduzindo a possibilidade de os vendedores oferecerem um preço estável aos consumidores para se estabelecerem relações de clientela (caracterizadas de acordo com o enfoque de Okun (1981OKUN, A. M. (1981) Prices and Quantities: a Macroeconomic Analysis. Washington, The Brookings Institution.) e conclui que os compradores pagam um prêmio, embutido no preço ao qual se realizam as transações, em decorrência da economia de custos de busca que este tipo de relação lhes proporciona. Este resultado é também coerente em relação aos do modelo ora proposto.
  • 10
    Whachter & Williamson (1978WATCHER, M. L. & WILLIAMSON, O. E. (1978) “Obligational Markets and the Mechanics of Inflation.” Bell Journal of Economics, 9.) enfatizam que os controles de preços não são neutros com relação às “soluções de mercado” encontradas pelos agentes econômicos para condenarem suas transações. O modelo aqui desenvolvido confirma este resultado.
  • 11
    Veja-se Bils (1989BILLS, M. (1989) “Pricing in Costumer Markets.” Quarterly Journal of Economics, CIV, november.).
  • 12
    Veja-se Dixit & Stiglitz (1977DIXIT, A. K. & STIGLITZ, J. E. (1977) “Monopolistic Competition and Optimum Product Diversity.” American Economic Review, 67(3), June.).
  • 13
    Esta é, em essência a “solução de tangência” de Chamberlin.
  • 14
    Note-se que podemos assumir um dado nível de utilização “normal”, ou mesmo níveis inferiores da capacidade produtiva instalada. O pleno emprego apenas simplifica os cálculos.
  • 15
    Para detalhes, veja-se Carlton (1979CARLTON, D. W. (1979) “Contracts, Price Rigidity and Market Equilibrium.” Journal of Political Economy 78 (5), part. 1., pp. 1040-1041).
  • 16
    A flexibilização dessa hipótese não altera senão em detalhes as conclusões que se seguem.
  • 17
    JEL Classification: E31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1991
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