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Globalização, estado e desenvolvimento: dilemas do Brasil no novo milênio

RESENHAS

Globalização, Estado e Desenvolvimento: dilemas do Brasil no novo milênio

Eli Diniz (org).

Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007

A presente obra organizada por Eli Diniz reúne uma coletânea de textos que procura refletir sobre temas relevantes pertinentes às relações econômicas, político-institucionais, intergovernamentais e de políticas públicas e sociais que fazem parte da discussão da "nova temática da agenda contemporânea" internacional e, em especial, brasileira do período pós-Consenso de Washington e de globalização financeira do capital.

Os 9 capítulos do livro estão divididos em duas partes. Na primeira, constituída de 4 capítulos, faze-se uma análise sobre Estado e governabilidade, políticas macroeconômicas e desenvolvimento econômico, experiências de governos de esquerda latino-americanos e processos de integração regional a partir dos anos 1980. A segunda parte, dividida em 5 capítulos, centra as atenções no desenvolvimento institucional recente do Brasil e nas perspectivas do processo de integração financeira da América do Sul.

O primeiro capítulo, de autoria de Eli Diniz, ao reexaminar três "eixos fundamentais" do debate internacional, quais sejam, a globalização, o Estado e a governabilidade, sustenta a idéia de que a estabilidade política, econômica e social a longo prazo dos países latino-americanos e, em particular, do Brasil passa pela construção de um projeto autônomo de desenvolvimento que dependa de "coalizões políticas identificadas com tal objetivo" e da reforma do Estado.

Centrando a atenção na reforma do Estado, a autora argumenta que repensar a reforma do Estado requer superar três déficits observados ao longo do tempo: "o déficit da inclusão, revertendo os altos graus de concentração da renda e de desigualdade, o déficit de capacidade de produzir resultados socialmente desejados ... e ... o déficit de accountability, reduzindo os graus de discricionariedade das autoridades governamentais" (2007: 53). Concluindo, ao criticar tanto "a estreiteza da abordagem fiscalista" quanto "a visão economicista" da agenda neoliberal, pois elas que levam à subordinação do Estado ao mercado, Eli Diniz argumenta que o referido projeto de desenvolvimento não pode prescindir da superação de "antigas polaridades Estado x mercado [e] Estado intervencionista x Estado mínimo" (2007: 55). Em outras palavras, Estado e mercado (em suma, Instituições) importam.

No capítulo 2, Luiz Carlos Bresser-Pereira, ao analisar os motivos que têm levado à "quase-estagnação de longa duração da economia brasileira", segundo ele (e porque não tantos outros economistas, dentre os quais o autor desta resenha) em grande parte decorrente das políticas macroeconômicas recomendadas pela ortodoxia econômica convencional, propõe uma agenda novo-desenvolvimentista para o Brasil, entendida "como um 'terceiro discurso' entre o populismo da esquerda burocrática e o neoliberalismo da ortodoxa convencional" (2007: 68).

Por que a economia brasileira, principalmente a partir do Plano Real, não possui estabilidade macroeconômica, entendida, conforme Keynes (The General Theory of Employment, Interest and Money, Capítulo 24), como sendo o binômio estabilidade de preços e pleno emprego? Ao responder tal pergunta, Luiz Carlos Bresser-Pereira critica a política macroeconômica implementada pelas Autoridades Monetárias e respaldada pela ortodoxia econômica convencional. Para o autor, déficit público _ diga-se de passagem, predominantemente de natureza financeira _, taxas de juros de curto prazo estratosféricas, câmbio sobre-valorizado e liberalização da conta capital, possibilitando, assim, captar "poupança externa", são os principais motivos que levam o País a ter, desde metade dos anos 1990, estabilidade de preços e crescimento econômico à la stop-and-go, com inclusão social marginal.

O que fazer para assegurar a estabilização macroeconômica para o Brasil? Após analisar a estratégia e os resultados das políticas nacional-desenvolvimentistas do período 1930-1970 e neoliberais do período pós-Consenso de Washington, Luiz Carlo Bresser-Pereira apresenta um "conjunto de diagnósticos e idéias que devem servir de base para a formulação, por cada Estado-nação [e o Brasil, em particular], da sua estratégia nacional de desenvolvimento" (2007: 79). Para tanto, além de reformas institucionais que fortaleçam o Estado e o mercado, ajuste fiscal para propiciar poupança pública, redução das taxas de juros de curto prazo, câmbio administrado e competitivo e restrições à livre mobilidade de capitais, quando necessárias, devem fazer parte de uma agenda novo-desenvolvimentista para os países em desenvolvimento (ou emergentes), dentre os quais o Brasil.

Ao concluir, Luiz Carlos Bresser-Pereira formula a seguinte pergunta: "Terá o novo desenvolvimentismo condições de se tornar hegemônico na América Latina como foi no passado o desenvolvimentismo?" A experiência do novo-desenvolvimentismo dos países dinâmicos da Ásia, a estratégia econômica adotada pela Argentina, pós-crises cambial de 2001-2002, e a renovação do pensamento, em termos políticos e econômicos, novo-desenvolvimentista na América Latina levam Luiz Carlos Bresser-Pereira a escrever que "tudo indica que o tempo do neoliberalismo e da ortodoxia convencional passou, e que novas perspectivas estão se abrindo para a região" (2007: 95).

No capítulo 3, José Luis Fiori "olha" para a esquerda latino-americana tendo como pano de fundo as mudanças do pensamento de esquerda, em nível mundial, quando se abandona "o 'objetivo final socialista' ... e [se] assume uma posição definitivamente 'pró-capital'" (2007:104). Indo nessa linha, o autor mostra que o "processo revisionista" do pensamento de esquerda europeu, que inclusive fez nascer a "Terceira Via", alicerçado em reformas políticas, econômicas e sociais liberalizantes, acabou se espraiando para os países latino-americanos, uma vez que, na década de 1990, a "esquerda" latino-americana converteu-se às políticas preconizadas pelo Consenso de Washington.

Todavia, diante do fracasso da experiência neoliberal na América Latina nos anos 1990 _ fracasso esse caracterizado pelo pífio crescimento econômico e pelo aprofundamento das desigualdades sociais na região _, José Luis Fiori conclui que, "passada a euforia liberal", a América Latina, no novo milênio, pode estar "vivendo o início de uma nova etapa de convergência ... 'virtuosa' entre a ação 'autoprotetora', nacional ou regional, dos novos governos de esquerda latino-americanos, e a ação reivindicativa e mobilizadora dos movimentos sociais e partidos de esquerda que lutam na região, contra a desigualdade e a polarização da riqueza e da propriedade privada" (2007: 123).

O capítulo 4, escrito por Maria Regina Soares de Lima e Marcelo Vasconcelos Coutinho, analisa as condições políticas e econômicas para o processo de integração regional na América do Sul, pós hegemonia do "neoliberalismo radical na região" dos anos 1990. Para tanto, inicialmente, os autores mostram que o regionalismo experimentado pelos países sul-americanos na década de 1990, centrado nos acordos de livre-comércio, na abertura das contas de transações correntes e de capitais do balanço de pagamentos e nas reformas pró-mercado, "não trouxe prosperidade para todos [países] , nem o crescimento sustentado do passado" (2007: 129). Em seguida, Maria Regina Soares de Lima e Marcelo Vasconcelos Coutinho argumentam que o regionalismo na América do Sul deve ser uma resposta à globalização, representando, assim, mudanças substanciais no modelo de desenvolvimento político, econômico e social dos países. Nesse particular, eles entendem que as recentes vitórias de "candidaturas mas à esquerda na região [América do Sul] trouxe de volta o nacionalismo como ideologia orientadora das ações de governo" (2007: 146). Em conclusão, os autores escrevem que "[a] entrada da Venezuela no Mercosul e a consolidação da Comunidade Sul-Americana de nações ... podem caminhar no intuito de constituir uma integração ... sem hegemonismos ... que ... incorpore ... toda a América do Sul, e estabeleça uma coordenação política colegiada com maior participação da sociedade" (2007: 148).

No capítulo 5, Fabiano santos, Márcio Vilarouca e Thaís Mantovani analisam, comparativamente, as relações entre os poderes Executivo e Legislativo nos governos Fernando Henrique Cardoso (FHC) e Lula da Silva, primeiro mandato, tendo como referência a "montagem e o funcionamento" de coalizões de centro-direita, governo FHC, e de centro-esquerda, governo Lula da Silva. A conclusão dos autores é que pelo fato do governo FHC ter articulado uma base de apoio parlamentar mais "contígua no espaço ideológico", não houve maiores resistências para a aprovação de emendas constitucionais e o governo FHC "funcionou de maneira previsível e disciplinada". O Governo Lula da Silva, em contrapartida, pelo fato da sua base de apoio parlamentar ser muito heterogênea, foi "marcad[o] por um equilíbrio mais frágil" (2007: 177).

O capítulo 6, de autoria de Jorge Ruben Biton Tapia, apresenta uma "interpretação sobre o significado e possíveis desdobramentos do processo de criação e consolidação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES)", durante o governo Lula da Silva (2007: 181). O objetivo é examinar como o modus operandi do CDES foi capaz de articular uma proposição de desenvolvimento econômico e social para o Brasil, alternativa ao capitalismo liberal herdado do governo Fernando Henrique Cardoso. Partindo de uma taxonomia sobre as possíveis formas de "concertação" e das experiências de CDESs em alguns países europeus, fundamentais para subsidiar os argumentos do autor, Jorge Ruben Biton Tapia mostra que o CDES, na gestão Tarso Genro, foi centrado em uma agenda de discussão e proposições de encaminhamento de reformas institucionais, ao passo que na gestão Jacques Wagner, o CDES foi caracterizado pela construção de uma Agenda Nacional de Desenvolvimento (AND). A AND, por sua vez, acabaria balizando as principais propostas do Programa de Aceleração do crescimento, lançado em janeiro de 2007. O Autor conclui que o CDES representa um "espaço qualificado e representativo de debate e formulação de propostas para o governo e o país" (2007: 228).

No capítulo 7, Celina Souza analisa a problemática das regiões metropolitanas do País. O texto examina a questão institucional metropolitana nos seguintes contextos: mudança do regime político, a partir da redemocratização do Brasil e, principalmente, da Constituição de 1988; sistema federativo; e relações intergovernamentais. Partindo de uma análise à la path dependecy, a autora conclui que: inicialmente, a gestão das regiões metropolitanas, durante os governos militares, foi marcada "pela centralização e pela ausência de mecanismos de cooperação entre as esferas governamentais" (2007: 257); no período imediatamente após o processo de redemocratização a sobrevivência, em termos de gestão, das regiões metropolitanas tornou-se quase impossível; e no período pós-Constituição de 1988 e constituições estaduais de 1989, o tema sobre a gestão das referidas regiões reapareceu na agenda pública, principalmente por se ter "um contexto político-institucional diferente, caracterizado por um federalismo que equilibra o poder político e tributário dos três níveis de governo ... e que absorva as novas tendências e demandas de um regime democrático, do sistema federativo e das relações intergovernamentais" (2007: 257-258).

O capítulo 8, de autoria de Marta Arretche, realiza uma análise comparada entre os Estados federativos e unitários da América Latina, enfatizando as relações entre federalismo e políticas sociais. Observando o percentual de gastos sociais sobre o PIB para alguns países selecionados da América Latina, uma das constatações da autora é a de que "[o] nível de gasto social dos Estados federativos latino-americanos ... é muito próximo ao da média dos países da OCDE ... [e] mais elevad[o] que a dos Estados unitários na América Latina" (2007: 265-266). No caso do Brasil, a autora conclui que "embora a autonomia política, a descentralização fiscal e a descentralização intrapartidária promovam obstáculos à coordenação nacional de políticas [sociais], elas são compensadas pela legislação federal e pela concentração das funções de financiamento e normatização na União, ambas centralizando a autoridade sobre políticas e viabilizando políticas homogêneas no território nacional" (2007: 293).

Por fim, o capítulo 9, escrito por Carlos Henrique Santana e Yuri Kasahara, investiga o processo de integração regional da América do Sul sob a ótica financeira. Para tanto, as atenções voltam-se três aspectos: a internacionalização do sistema financeiro entre os países sul-americanos; a criação de linhas de crédito regionais direcionadas para o financiamento de investimentos de infra-estrutura e de operações de comércio internacional; e as recentes iniciativas do governo venezuelano em adquirir títulos da dívida pública de alguns países da América do Sul. O tema do texto é pertinente principalmente pelo fato de que, a partir da reestruturação do Mercosul, tem-se discutido, por um lado, a possibilidade de implementação de um mercado comum na América do Sul e, por outro, foi criado no final do ano passado o Banco do Sul. Em suma, as questões apresentadas pelos autores, as perspectivas em torno de uma integração mais dinâmica da América do Sul e a criação do referido Banco constituem-se, parafraseando os autores, em "um conjunto de articulações [que podem ser] responsáveis pela integração financeira e comercial da América do Sul" (2007:326).

Concluindo, os textos, escritos por acadêmicos e pesquisadores de diferentes áreas das Ciências Sociais, apresentam uma qualificada contribuição acerca dos desafios políticos, econômicos e sociais com que se defrontam os países em desenvolvimento.

Fernando Ferrari Filho

Professor Titular da UFRGS e Pesquisador do CNPq

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 2008
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