Acessibilidade / Reportar erro

A evolução do pensamento sobre o Estado na visãode Peter Evans - uma abordagem teórica

The evolution of thinking about the State in Peter Evans’s view - a theoretical approach

RESUMO

O trabalho discute a evolução do pensamento de Peter Evans sobre as condições teóricas em que o Estado pode atuar de forma a promover o desenvolvimento de um país. Em um primeiro momento de seu pensamento, Evans constrói o conceito de “autonomia inserida”, que é a base para a sua análise do desenvolvimento de países, focado na acumulação de capital e transformação industrial. Posteriormente, Evans reconhece a necessidade de expandir essa discussão para grupos sociais mais amplos. A abordagem utilizada pelo autor, apesar de similar, é construída sobre um corpo teórico diferente, que envolve uma nova conceituação de desenvolvimento. Nessa segunda etapa, Evans aborda a ideia de democracia deliberativa como sustentáculo do desenvolvimento, conceituando o modelo de Estado desenvolvimentista do século XXI.

PALAVRAS-CHAVE:
Evans; Estado; burocracia; autonomia inserida; desenvolvimento; desenvolvimentista; democracia

ABSTRACT

The paper discusses the evolution of Peter Evans’ thought about the theoretical conditions in which the State can act in order to promote the development of a country. In a first moment of his thinking, Evans builds the concept of “inserted autonomy”, which is the basis for his analysis of the development of countries, focused on capital accumulation and industrial transformation. Evans later recognizes the need to expand this discussion to broader social groups. The approach used by the author, although similar, is built on a different theoretical body, which involves a new conceptualization of development. In this second stage, Evans approaches the idea of deliberative democracy as the mainstay of development, conceptualizing the 21st century developmental state model.

KEYWORDS:
Evans; State; bureaucracy; embedded autonomy; development; developmental; democracy

INTRODUÇÃO

As crises econômicas e sociais enfrentadas recentemente e os desafios futuros da sociedade1 1 Como exemplos temos a Crise de 2008, o período pós-pandemia de Covid-19 e a grave crise climática. reativaram uma das principais discussões na área das ciências sociais: o papel do Estado na economia como agente de desenvolvimento. Depois de quase três décadas de predomínio do pensamento neoliberal (Brown, 2015BROWN, W. (2015) Undoing the Demos: Neoliberalism’s Stealth Revolution. New York: Zone books. Primeira Edição.), e com poucas resistências teóricas influentes, essas crises possibilitaram um período de questionamento desse modelo. Assim, o momento atual pode ser entendido como um exemplo de “conjuntura crítica”2 2 Segundo Acemoglu e Robinson (2012), uma conjuntura crítica é “um grande acontecimento ou confluência de fatores que vêm a romper o equilíbrio econômico ou político existente em uma sociedade” (p.79). em que há a possibilidade de alterar a visão sobre o Estado como um ator social por si só, que é capaz de formular políticas independentes.

O papel do Estado na economia é um tema recorrente e crucial no debate entre as diversas escolas de pensamento presentes nas ciências sociais. Por sua abrangência, o assunto é, frequentemente, abordado por diferentes referenciais teóricos, que são, muitas vezes, distintos daqueles utilizados tradicionalmente por economistas. Essa abordagem multidisciplinar é fundamental para a compreensão de modo mais concreto e positivo da atuação do Estado no processo econômico.

Peter B. Evans, sociólogo da Universidade da Califórnia em Berkeley, se enquadra nesse enfoque mais geral. Ao invés de caracterizar o Estado como uma simples “agregação de interesses de indivíduos em cargos de poder”, condicionados por uma maximização individual privada por parte desses agentes, Evans parte do pressuposto de que os Estados são “instituições e atores sociais em si, com poderes de influir no curso das mudanças econômicas e sociais” (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.44)

A partir dessa conceituação, o autor discute as condições em que a atuação estatal pode ser eficiente para a sociedade, sem cair na armadilha de acreditar que a intervenção do Estado é por si só benéfica e superior na resolução dos problemas derivados do contexto de desenvolvimento. Nesse sentido, não se trata de discutir a intensidade da intervenção estatal, mas as estruturas e os papéis que o Estado pode assumir para promover o desenvolvimento. Segundo Evans, “[...] no mundo contemporâneo, as alternativas não são intervir ou não intervir. A intervenção do Estado é um fato. A pergunta apropriada não é o quanto, mas que tipo” (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.36).

O estudo da perspectiva apresentada por Evans é importante para estabelecer um marco teórico alternativo sobre o funcionamento da intervenção estatal, indo além de um papel secundário e genérico do Estado como garantidor e definidor dos direitos de propriedade e atuante em falhas de mercados3 3 Essa perspectiva está presente nos autores do mainstream sobre o desenvolvimento a partir de uma abordagem institucional conforme apresentado por Acemoglu (2009) e Gonçalves (2013). . Segundo Evans (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.), “Os Estados não são genéricos, eles variam drasticamente nas suas estruturas internas e relações com a sociedade” (p.37). Nesse sentido, Evans discute essas estruturas e relações, definindo papéis específicos e ativos para o Estado atuar a fim de promover o desenvolvimento (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.37-38).

Desse modo, o objetivo deste trabalho é apresentar a evolução teórica do papel do Estado na visão de Peter Evans para a promoção do desenvolvimento4 4 O autor analisa diversos casos históricos de desenvolvimento, além de discutir o impacto da globalização nestes locais. Dadas as restrições de tempo e espaço impostas, o trabalho discutirá apenas as formulações teóricas de Peter Evans sobre a intervenção estatal no âmbito do desenvolvimento. De forma mais específica, discutirá as construções de dois tipos ideais de Estado: o Estado desenvolvimentista do século XX (presente em “Autonomia e Parceria” (2004)) e o Estado desenvolvimentista do século XXI. . Vale destacar que o pensamento de um autor nunca está isolado de referenciais teóricos e de trabalhos de outros autores. Evans (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.) adota a perspectiva institucional comparativa para analisar as políticas de desenvolvimento. Grosso modo, essa abordagem analisa a estrutura interna do Estado, as relações Estado-sociedade e discute o impacto dessas na promoção do desenvolvimento (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.70)5 5 Evans (1993, 2004a) tem como ponto de partida a linha teórica apresentada por autores como Albert Hirschaman, Max Weber, Alexander Gerschekron e K. Polanyi, seguido por Alice Amsden e Robert Wade (EVANS, 2004a, p.50). .

É interessante ressaltar que é possível distinguir duas ideias diferentes sobre o papel do Estado desenvolvimentista, porém relacionadas e, de certa forma, complementares na evolução cronológica dos trabalhos do autor. O fio condutor dessa evolução, contudo, é a abordagem institucional em seus trabalhos: “La perspectiva del desarrollo que se refleja en esos artículos se basa en tres premisas básicas. [...]La primeira premisa es que la comprensión del desarrollo requeire un enfoque institucionalista” (Evans, 2007EVANS, P. (2007) Instituiciones y desarollo en la era de la globalización neoliberal. Bogotá: ILSA., p.18). Evans (2007EVANS, P. (2007) Instituiciones y desarollo en la era de la globalización neoliberal. Bogotá: ILSA.) define instituições como as regras do jogo, que são determinadas historicamente e constituídas socialmente (p. 18-19), e destaca que “las divergencias existentes en la variables a lo largo del tiempo y en distintos lugares deben entenderse, ante todo, como producto de los efectos institucionales” (Evans, 2007EVANS, P. (2007) Instituiciones y desarollo en la era de la globalización neoliberal. Bogotá: ILSA., p.19).

Dessa forma, o texto será dividido em duas seções, além dessa introdução, abordando detalhadamente essas duas ideias. Na primeira seção serão apresentados os conceitos de autonomia e parceria e como eles se relacionam com a transformação industrial. Na segunda seção será apresentada uma abordagem mais ampla sobre a questão do desenvolvimento, focada mais na organização institucional do que acumulação de capital e a construção da ideia de Estado desenvolvimentista do século XXI. Uma breve conclusão busca analisar os principais pontos de inflexão e continuidade e ressaltar as contribuições de Peter Evans.

ESTADOS E TRANSFORMAÇÃO INDUSTRIAL

Estado e Desenvolvimento

O debate sobre o papel do Estado na promoção do desenvolvimento permanece ativo e seu entendimento é necessário para compreender as contribuições feitas por Evans nessa temática. Tal discussão está presente desde o estabelecimento da questão do (sub)desenvolvimento como um tópico de interesse particular na Ciência Econômica.

Um primeiro grupo de autores, entre eles Rosenstein-Rodan, Nurkse, Hirschman, entre outros, escreveu suas ideias “em um contexto internacional de aumento da intervenção estatal na economia, na tentativa explícita de estabelecer políticas ativas para acelerar o crescimento dos países mais atrasados [...]” (Bastos e Britto, 2010, p.35). Nesse sentido, segundo Bastos e Britto (2010), o Estado exercia um papel ativo na indução dos investimentos ao ofertar ativos com externalidades positivas, coordenar investimentos e reduzir os riscos desse investimento em setores de interesse estratégico, além de exercer um componente psicológico capaz de influenciar o investimento privado.

A partir dos anos 1970, a capacidade do Estado em promover o desenvolvimento começou a ser questionada. A crise econômica instalada em alguns países subdesenvolvidos associada à emergência do pensamento neoliberal como pensamento dominante levaram a um redimensionamento do papel do Estado. Ao invés de tentar entender as causas dos casos de fracasso do Estado enquanto promotor do desenvolvimento e buscar mudanças institucionais capazes de melhorar seu desempenho, “os críticos simplesmente demonizaram o Estado” (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.51).

Essa nova teoria do Estado ficou conhecida como teoria do rent-seeking ou busca da renda. Tal teoria busca estabelecer uma relação de troca por meio de um mercado entre grupos sociais e burocratas em que vigoraria o pressuposto racional maximizador de ganhos privados. Como sintetiza Fiani (2011FIANI, R. (2011) Cooperação e conflito: instituições e desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Elsevier .), os burocratas do Estado ofertariam privilégios contra a competição de mercado para os empresários enquanto estes competiriam por meio de lobbies para capturar os burocratas e, assim, conseguir vantagens anticompetitivas no mercado.

Desse modo, argumentam os autores dessa teoria, haveria o deslocamento de ativos reais, como investimentos, para a criação de monopólios que prejudicaram a sociedade como um todo. Evans esclarece o caráter perverso do processo: “os altos retornos derivados da busca de lucros mediante atividades improdutivas acabam por dominar as atividades produtivas e, em consequência, a eficiência econômica e o dinamismo entram em declínio” (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.52).

Porém, ao retratar o Estado como mera “agregação de interesses individuais”6 6 Definição utilizada por Peter Evans (Evans, 2004, p.57). , essa teoria generaliza, sob pressupostos bastante abstratos, a atuação do Estado. Para esta teoria, não haveria espaço para uma ação governamental coerente e coesa visando objetivos coletivos como a transformação estrutural da economia. Além disso, é importante notar que as ações otimizadoras individuas não ocorrem em um vácuo institucional, i.e., estão sujeitas a restrições determinadas pela estrutura organizacional do Estado. Essa crítica implica que se deve “estudar o Estado como uma organização em que os indivíduos estão inseridos” (Fiani, 2011FIANI, R. (2011) Cooperação e conflito: instituições e desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Elsevier ., p.165) e entender como esta é capaz de resolver o problema de ação coletiva do Estado. Segundo Evans (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.), “A superioridade do Estado burocrático moderno está em sua habilidade de superar a lógica individualista” (p.59).

Evans (1993EVANS, P. (1993) “O Estado como problema e solução”. Lua Nova, v. 28-29. Disponível em <Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451993000100006&lng=en&nrm=iso >. accesso em 15 Jan. 2013. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0102-64451993000100006 .
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
) esquematiza essas diferentes visões por meio da ideia de ondas. A “primeira onda” consistia em uma ideia de que o Estado era a principal solução ao problema do desenvolvimento, o que Evans chamou de “estatismo”, entendido como “uma fé utópica na beneficência e na eficácia do Estado” (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.50).

A “segunda onda” foi marcada, por um lado, pelo avanço da Teoria da Busca da Renda e predominância do pensamento neoliberal e, por outro, pelo fracasso do Estado em promover o desenvolvimento principalmente em países da África. Nessa visão, o Estado deveria se comportar como um “vigia noturno”7 7 Figura utilizada por Peter Evans (EVANS, 2004, p.54). , atuando em prol das liberdades individuais e econômicas e garantindo os direitos de propriedade. A base do que se costuma chamar de “Estado mínimo”.

A “terceira onda”, em que o pensamento de Peter Evans se encaixa, busca formular críticas tanto teóricas quanto históricas à visão anterior e construir um quadro analítico distinto para a análise da intervenção eficiente do Estado na economia. Grosso modo, “o reconhecimento da centralidade do Estado inevitavelmente remete a questões sobre a capacidade da ação do Estado” (Evans, 1993EVANS, P. (1993) “O Estado como problema e solução”. Lua Nova, v. 28-29. Disponível em <Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451993000100006&lng=en&nrm=iso >. accesso em 15 Jan. 2013. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0102-64451993000100006 .
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p.110). Essa abordagem da “terceira onda” será detalhada nas seções seguintes.

A “terceira onda” de pensamento sobre o Estado

Um dos marcos iniciais do pensamento de Evans nesse movimento foi a organização, junto com Theda Skocpol e Dietrich Rueschemeyer, do livro Bringing the State back in (1985). Conforme a análise de Skocpol (1985), fio condutor dos diversos artigos apresentados, o Estado pode atuar como ator independente e ser potencialmente autônomo, sendo capaz de influenciar processos políticos e sociais tanto direta quanto indiretamente. Dessa forma, o livro tenta superar a dificuldade das teorias anteriores em retratar o Estado como uma estrutura organizacional (Skocpol, 2008SKOCPOL, T. (2008) “Bringing the State back in: retrospect and prospect”. Scandinavian Political Studies, v. 31, n. 2, p. 109-124., p.2).

Outro ponto de convergência dos diversos textos da coletânea é o método utilizado para analisar o Estado de forma concreta. Os autores adotaram metodologicamente a ideia de “indução analítica”8 8 Evans et al. (1985, p.348). e o método institucional comparativo. Segundo Evans et al. (1985EVANS, P.; RUESCHEMEYER, D; SKOCPOL, T (org.). (1985) Bringing the State back in. Cambridge: Cambridge Univ. Press.), o problema metodológico colocado é extrair hipóteses causais de debates teóricos na literatura e testá-lo por meio de uma abordagem histórica comparativa. Evans et al. (1985EVANS, P.; RUESCHEMEYER, D; SKOCPOL, T (org.). (1985) Bringing the State back in. Cambridge: Cambridge Univ. Press.) argumentam que “They [os pesquisadores] draw research questions, concepts and causal hypotheses from a variety of existing theoretical debates [...]. Then they explore such ideas through comparative and historical research”(p.348). Note que ao utilizar a pesquisa comparativa histórica para analisar as hipóteses derivadas de problemas analíticos, os pesquisadores podem alterar, redefinir e/ou aprofundar determinado ponto analítico de uma teoria, o que confere o caráter indutivo a esse método9 9 Ver Robinson (1951). .

Vale destacar que essa é a mesma estratégia utilizada por Evans nos seus trabalhos ulteriores. Em seu livro Autonomia e Parceria (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.), Evans defende que “as generalizações analíticas devem estar sedimentadas na análise de evidências históricas específicas” (p.73). Além disso, em outra passagem desse livro, o autor qualifica tal método:

“Este estudo adota o que chamo de ‘abordagem institucional comparativa’: institucional porque busca explicações que vão além dos interesses utilitaristas dos indivíduos, procurando compreender os padrões mais duradouros de relacionamento nos quais se inserem tais interesses; comparativo porque focaliza variações concretas de casos históricos, em vez de buscar explicações genéricas” (p.44).

O capítulo introdutório, escrito por Theda Skocpol, é bastante relevante para a análise posterior de Evans, pois apresenta alguns conceitos utilizados e desenvolvidos por ele. Nesse artigo, Skocpol sintetiza duas perspectivas complementares para se analisar o Estado. A perspectiva de Weber-Hintze e a perspectiva de Toqueville. Weber-Hintze, conforme mostrado por Skocpol (1985), pensam o Estado como uma organização que possui uma estrutura institucional e está imerso em relações sociais e transnacionais que moldam a forma do governo agir. Assim, essa perspectiva abre espaço para análise da estrutura do Estado e das suas relações com a sociedade em que está inserida. De certa forma, essa visão teórica coloca o Estado como um ator independente, fazendo com que faça sentido analisá-lo como um ator social por si só.

A perspectiva de Toqueville permite analisar o impacto das ações do Estado sobre fatores mais macroscópicos como formação e fortalecimento de certos grupos políticos e ideias em detrimento de outros grupos ou ideias. Segundo Skocopol (1985), “They [states] matter because their organizational configurations [...] affect political culture, encourage some kinds of groups formation and collective political actions (but not others), and make possible the raising of certain political issues (but not others)” (p.21).

Da perspectiva de Weber-Hintze sobre o Estado, ela deriva a ideia de autonomia e capacidade do Estado. Skocpol (1985, p.9) define autonomia do Estado como a capacidade de formular e buscar objetivos que não refletem apenas o interesse de grupos sociais. Nesse sentido, a autonomia do Estado implica que este tem o poder de construir políticas próprias que satisfaçam metas independentes de classes sociais específicas.

A capacidade do Estado é entendida como as condições necessárias que o Estado deve possuir para implementar essas políticas satisfatoriamente. Soberania nacional, controle administrativo militar sobre um determinado território, oficiais capacitados e leais e recursos financeiros suficientes são, para Skockpol (1985, p.16), exemplos dessas capacidades. A autora argumenta também que essas capacidades são mutáveis ao longo do tempo e não estão presentes em todo o aparato estatal, i.e., o Estado pode ser capaz de realizar uma política eficientemente em determinado setor mas não em outro, ideia que será incorporada por Evans em sua análise concreta de intervenções do Estado.

Da perspectiva de Tocqueville, Skockpol (1985) deriva a necessidade de se analisar o impacto direto e indireto das ações do Estado sobre os grupos sociais e a sociedade como um todo. Dessa forma, o Estado é capaz de moldar determinados comportamentos dos grupos sociais dependendo da política adotada. É importante destacar que, apesar de Evans utilizar essa perspectiva, o foco principal de seus trabalhos, nessa primeira parte, reside principalmente na perspectiva weberiana. Em uma segunda etapa de seu pensamento ele utiliza mais perspectiva tocquevilliana.

Em outro capítulo desse livro, Evans e Rueschemeyer (1985EVANS, P.; RUESCHEMEYER, D; SKOCPOL, T (org.). (1985) Bringing the State back in. Cambridge: Cambridge Univ. Press.)10 10 Artigo presente em Evans et al. (1985, p. 44-77). discutem as condições necessárias para que uma intervenção estatal seja eficiente e capaz de gerar uma transformação econômica. Para facilitar a exposição do argumento, os autores separam essas condições em duas vertentes. A primeira discute as relações internas do Estado e a segunda foca nas relações entre o Estado e as classes dominantes.

No que tange à estrutura interna do Estado, os autores enfatizam a importância e a necessidade de se ter uma burocracia weberiana. Como explica Fiani (2011FIANI, R. (2011) Cooperação e conflito: instituições e desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Elsevier .), essa burocracia é “caracterizada por um elevado grau de profissionalismo e preparo técnico no exercício de suas funções” (p.204). A construção dessa burocracia envolve diversos aspectos desde atração de mão de obra qualificada por meio de concursos baseados no mérito e salários competitivos, até a regulação das competências implicando estabilidade e previsibilidade nos procedimentos adotados por essa estrutura. A edificação desse aparelho de Estado é um empreendimento institucional de longo prazo e envolve a construção de certos aspectos intangíveis11 11 Os autores chamam de “aspectos não burocráticos da burocracia” (Evans et al., 1985, p.51). capazes de dar gerar um “espirit de corps12 12 Espírito corporativo, em tradução livre. , fundamental para a coesão deste. A existência de uma burocracia weberiana tecnicamente capacitada é condição necessária para uma atuação estatal coesa e coerente.

Evans (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.) argumenta que o ponto relevante dessa forma de burocracia é o fato dos indivíduos pertencentes a ela condicionarem a sua maximização individual de utilidade aos objetivos da burocracia como um todo (p.57-58). Nesse sentido, a presença de uma burocracia weberiana gera a capacidade de uma atuação corporativa coerente e coesa com a possibilidade de implementar de forma eficiente projetos de transformação econômica.

Além dos aspectos internos, o Estado deve possuir autonomia das classes dominantes para poder contribuir efetivamente no processo econômico (Evans e Rueschemeyer, 1985EVANS, P.; RUESCHEMEYER, D; SKOCPOL, T (org.). (1985) Bringing the State back in. Cambridge: Cambridge Univ. Press., p.49). A autonomia é necessária, pois permite ao Estado não ser capturado pelas demandas dessas elites. Desse modo, somente na presença dessa autonomia o Estado conseguirá formular políticas independentes e voltadas a objetivos coletivos, assim como implementá-las.

Dada a importância de autonomia na ação do Estado, Evans e Rueschemeyer (1985EVANS, P.; RUESCHEMEYER, D; SKOCPOL, T (org.). (1985) Bringing the State back in. Cambridge: Cambridge Univ. Press.) discutem alguns fatores que possibilitam maior autonomia relativa do Estado diante dos interesses das classes dominantes. O primeiro fator discutido pelos autores é o caso de divisões dentro da classe dominante, o que enfraquece, potencialmente, o poder das elites de cooptar o Estado, implicando maior autonomia deste. O segundo fator é o aumento da pressão sobre o Estado de classes subordinadas. Os autores argumentam que, ao exigir maior ação do Estado para reprimir tais demandas, este se torna mais propenso a agir contra grupos dominantes também. Por fim, existem situações em que os “pactos de dominação” em uma sociedade possuem rupturas, o que faz com que as elites cedam mais autonomia ao Estado por receio de pressões das classes subordinadas, ou estas classes ganhem poder de modo a desfazer o controle político das elites (p.63-64).

Evans e Rueschemeyer (1985EVANS, P.; RUESCHEMEYER, D; SKOCPOL, T (org.). (1985) Bringing the State back in. Cambridge: Cambridge Univ. Press.) argumentam que, a despeito da crença predominante, essas duas vertentes (estrutura interna do Estado e autonomia desta ante as classes dominantes), à medida que há aumento da intervenção estatal, não se reforçam mutuamente. Avançando mais na análise, eles tentam mostrar que há uma relação de certa forma paradoxal entre a autonomia do Estado e sua capacidade de agir como um ator coletivo na medida que o Estado expande sua intervenção.

O argumento de Evans e Rueschemeyer (1985EVANS, P.; RUESCHEMEYER, D; SKOCPOL, T (org.). (1985) Bringing the State back in. Cambridge: Cambridge Univ. Press., p.69) deriva da ideia de, ao expandir suas atividades, o Estado encontrar crescentes dificuldades para justificar e legitimar suas ações enquanto provedor de bens coletivos e guardião de interesses universais perante aqueles grupos não privilegiados por essas políticas. Assim, o discurso do Estado de representar o interesse coletivo fica comprometido, o que enfraquece um dos pilares de sustentação da autonomia do Estado.

Ademais, Evans e Rueschemeyer (1985EVANS, P.; RUESCHEMEYER, D; SKOCPOL, T (org.). (1985) Bringing the State back in. Cambridge: Cambridge Univ. Press., p.69-70) destacam outro fator relevante para esse processo, que é dado pelo fato de que quanto mais inserido na sociedade civil o Estado está, maior a possibilidade dessa organização se tornar uma arena de conflito social tal qual ocorre na sociedade, dado que a intervenção do Estado ativa respostas políticas de grupos específicos, o que aumenta a probabilidade de estes tentarem interferir no Estado. Esses dois movimentos contribuem para que o avanço da intervenção do Estado implique redução da autonomia perante grupos dominantes e dificuldade de ação corporativa coerente.

As duas vertentes apresentadas acima e a dinâmica complexa da intervenção do Estado nas estruturas sociais circundantes é a base do pensamento de Evans. Contudo, é importante destacar que essa é uma visão inicial. Em um trabalho posterior, o autor refina as ideias apresentadas nesse texto (1985) e avança com as condições necessárias para a atuação do Estado voltada para a transformação industrial.

Autonomia inserida

No artigo intitulado “O Estado como problema e solução” (1993), Evans constrói os fundamentos teóricos principais que estruturam sua análise da transformação industrial de determinados países em seu livro clássico Autonomia e Parceria (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.)13 13 Publicado em 1995. . Apesar de utilizar conceitos parecidos com os apresentados acima, Evans os articula de maneira diferente para formular um conceito novo em seu pensamento: o de “autonomia inserida”14 14 Do inglês, embedded autonomy. .

Esse conceito combina tanto a coesão interna quanto a articulação externa do Estado como fatores necessários para a transformação industrial. Autonomia inserida pode ser definida como “uma combinação aparentemente contraditória entre isolamento burocrático weberiano e inserção intensa na estrutura social circundante.” (Evans, 1993EVANS, P. (1993) “O Estado como problema e solução”. Lua Nova, v. 28-29. Disponível em <Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451993000100006&lng=en&nrm=iso >. accesso em 15 Jan. 2013. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0102-64451993000100006 .
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p.122). Como na visão anterior, Evans (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.) separa esse conceito em duas características estruturais do Estado: sua organização interna e sua conexão com a sociedade. É fundamental ressaltar, porém, que esse conceito é apenas um “guia analítico útil” (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.308) para a análise histórica comparativa que Evans faz ao longo do seu texto, i.e., deve-se considerar questões institucionais específicas de cada país e, também, o contexto histórico ao se aplicar esse instrumental.

Na discussão sobre a organização interna do Estado, Evans qualifica seu argumento sobre autonomia. No contexto de “autonomia inserida”, a presença de uma burocracia weberiana ideal implica a criação de uma coerência corporativa responsável por dar ao Estado a capacidade de formular metas e objetivos autônomos e independentes, em algum grau, das estruturas sociais circundantes, permitindo ao Estado burocrático moderno superar a lógica individualista (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.59). Nesse sentido, ele condensa a visão apresentada anteriormente, passando a associar burocracia weberiana à autonomia. De acordo com Evans:

“A organização interna dos Estados desenvolvimentistas15 15 Essa conceituação será discutida adiante. assemelha-se mais à burocracia weberiana. Recrutamento por mérito, altamente seletivo, e compensações ao longo de carreiras de longo prazo criam uma situação de compromisso e sentido de coerência corporativa. A coerência dá a este aparato um certo tipo de ‘autonomia’”. (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.37).

Ao avançar em seu trabalho, Evans destaca que o Estado está inserido em uma complexa relação entre atores sociais que buscam utilizar o aparato estatal para realizar seus próprios objetivos. A autonomia propiciada por esta burocracia weberiana permite ao Estado formular seus próprios objetivos e atuar como um ator social relevante por si só.

Porém, para atingir a meta de transformação econômica e, mais especificamente, industrial, o Estado precisa atuar em parceira com os setores privados da sociedade. Essa inserção em “um conjunto concreto de alianças sociais que ligam o Estado à sociedade” (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.38) viabiliza tanto a coleta de informações sobre o ambiente privado de negócios quanto a formulação de políticas em conjunto, capazes de induzir determinadas decisões privadas.

É fundamental destacar que esses dois conceitos são complementares e necessários para a eficiência da intervenção. A autonomia isoladamente não consegue atingir o objetivo de transformação industrial, pois não possui os laços necessários com o setor privado capazes de deslanchar os investimentos voltados para essa transformação e, de forma mais grave, o Estado pode não conseguir compreender as demandas dos agentes da sociedade necessárias para o desenvolvimento. Conforme Evans, “um Estado inteiramente autônomo não teria a capacitação suficiente, nem a habilidade necessária para implementar seus objetivos de forma privada e descentralizada” (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.38).

Da mesma forma, a inserção do Estado em densas redes sociais estabelecidas sem a presença de uma burocracia weberiana constituída geraria uma situação em que o Estado “se torna incapaz de resolver problemas de ‘ação coletiva’ e de transcender os interesses individuais de suas contrapartes privadas” (EVANS, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.38).

É possível entender essa situação como um caso típico abordado pela Teoria da Busca da Renda, em que a falta de coerência corporativa e formulação de objetivos coletivos permite que relações de balcão ocorram dentro da estrutura do Estado. Segundo o autor, “sem autonomia, a distinção entre parceria e captura do Estado desaparece” (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.93). Assim, o objetivo de transformação industrial, nesses casos, também não seria alcançado.

Tipos ideais de Estado na promoção de desenvolvimento industrial

Tanto no livro quanto no artigo, Peter Evans aplica essa ferramenta teórica de “autonomia inserida” na análise do desenvolvimento de determinados países16 16 Evans analisa Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Zaire (atual República Democrática do Congo), Brasil e Índia. . A ideia dessa proposta é avaliar empiricamente a hipótese de que somente na presença conjunta de burocracia weberiana e parceria com os setores privados que a transformação industrial foi eficiente. Para discutir mais profundamente, Evans constrói dois tipos ideais de estados - os desenvolvimentistas e os predatórios - e caracteriza o tipo intermediário.

Estados predatórios

Como arquétipo desse tipo de Estado, Evans examina o caso do Zaire (atual República Democrática do Congo) na época do ditador Mobutu Sese Seko. Evans (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.) discute as condições estruturais do Estado que o levaram a utilizar a sociedade como sua presa na busca por rendas. A sua interpretação é baseada na ausência de um aparato burocrático weberiano, o que gerava incentivos aos burocratas “a buscarem a maximização individual da sua posição enquanto detentores de um espaço no poder do Estado, aproximando-se da ideia apresentada pela teoria da busca da renda”17 17 Em seu livro, Evans (2004a) utiliza a nomenclatura neoutilitarista para se referir a esse corpo teórico. . No entender de Evans, o Zaire apresentava “uma notável ausência de regras de comportamento imersas numa estrutura mais ampla de carreiras públicas que criem compromissos com objetivos corporativos” (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.79).

A presença de um aparelho burocrático subordinado a trocas de mercado e a satisfação de interesses pessoais gera uma imprevisibilidade das decisões desse Estado, o que implica aumento do risco e da incerteza sobre os investimentos privados. Assim, além de desviar recursos da sociedade por meio da corrupção, esse tipo de Estado inibe o investimento privado, acentuando ainda mais seu caráter predatório. Dessa forma, a ausência de uma burocracia weberiana torna o Estado permeável a interesses particulares, inviabilizando qualquer tipo de parceria com o setor privado que induza à transformação industrial.

Estados desenvolvimentistas

Evans analisa três países (Japão, Coreia do Sul e Taiwan) que tiveram o Estado como elemento-chave em seu desenvolvimento e busca encontrar convergências nesse processo. Para Evans (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.), o segredo do sucesso desses países se deu em combinar de forma eficiente uma burocracia consolidada nos moldes weberianos com uma profunda penetração nas estruturas industriais circundantes.

É interessante notar, que nesses três países, não houve apenas a construção de uma burocracia weberiana formal, i.e., com recrutamento meritório, normas e regras condicionando a atividade dos burocratas, carreiras de longo prazo, entre outros. Houve também a construção de laços informais na burocracia, o que Evans (1985EVANS, P.; RUESCHEMEYER, D; SKOCPOL, T (org.). (1985) Bringing the State back in. Cambridge: Cambridge Univ. Press., 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.) denominou de “elementos não burocráticos da burocracia”. Esses laços são derivados de um sentimento de pertencimento a um grupo social prévio a burocracia, como o fato de se ter estudado na mesma faculdade ou escola. Esses elementos, segundo Evans, ajudam a reforçar a identidade corporativa e a coerência interna engendrando uma espécie de “weberianismo reforçado” (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.82).

O Estado desenvolvimentista também possui intensa atividade e inserção em redes sociais externas que conectam esse Estado à sociedade civil e, mais especificamente, a grupos industriais competentes para realizar investimentos capazes de transformar a estrutura industrial. Essa conexão permite a “coleta de dados e formulação de políticas, a partir de uma agenda contínua de tópicos específicos” (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.82).

É importante compreender que é a presença simultânea dessas duas características estruturais - autonomia e parceria - que os torna Estados desenvolvimentistas. A burocracia weberiana impede que as relações com os grupos sociais se tornem clientelísticas e a parceria com tais grupos ajuda na formulação de políticas factíveis e necessárias para a transformação industrial.

Outro ponto característico desse tipo é a seletividade das intervenções do Estado. Conforme definido por Robert Wade, citado por Evans, a burocracia atua como um “mecanismo de filtragem” (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.92), operando em setores estratégicos e fundamentais para o desenvolvimento industrial do país. Esse movimento facilita a atuação do Estado nos setores-chave, dado que permite a focalização das políticas implementadas, reduzindo os problemas de coordenação e coerência dentro do aparelho do Estado.

Estados intermediários

Os Estados intermediários combinam elementos presentes nos Estados predatórios e nos Estados desenvolvimentistas. São exemplos de Estados intermediários o Brasil e a Índia. Evans ressalta que “suas estruturas internas e suas relações com a sociedade são, como o seu desempenho, difíceis de descrever sem ambiguidades. Dependendo do prisma do analista foram descritos como ‘fortes’ e ‘fracos’ e podem parecer ‘autônomos’ ou ‘capturados’” (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.94). Nesse sentido, esses Estados não configuram um objetivo teórico (tipo ideal) relevante em si mesmo, o que não implica, obviamente, que o estudo desses Estados seja irrelevante ou desnecessário.

De fato, uma das principais contribuições de Evans é possibilitar uma compreensão das condições necessárias para que a intervenção estatal seja eficiente na promoção do desenvolvimento. Evans, como visto, sintetiza essas condições construindo o conceito de Estado desenvolvimentista. Apesar de o autor destacar que o conceito de Estado desenvolvimentista não deve ser copiado integralmente para os Estados intermediários, Evans discute algumas medidas úteis que os Estado intermediários deveriam tomar visando promover o desenvolvimento como seletividade na escolha de projetos coletivos e aumento da capacidade do Estado por meio de burocracias weberianas (EVANS, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.308-309).

Papéis desempenhados pelo Estado na transformação industrial

A análise das conexões Estado-sociedade e da organização interna do Estado implica condições necessárias, mas não suficientes, para a transformação industrial. Ou seja, não basta apenas o Estado possuir uma burocracia weberiana consolidada e eficiente e ser capaz de se inserir em redes empresariais densas; o Estado deve desempenhar o papel econômico mais adequado para um determinado contexto histórico e setor econômico passível de sofrer uma intervenção. Desse modo, Evans coloca a questão além da capacidade de intervenção estatal, discutindo os papéis concretos que o Estado pode assumir para promover o desenvolvimento (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.109). Em outra passagem, Evans (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.), complementa: “ as estruturas criam o potencial de ação; a representação de papéis traduz o potencial em efeitos reais” (p.115).

Os papéis assumidos pelo Estado variam de acordo com as características setoriais específicas. Dessa forma, não existe um papel de Estado superior ou mais eficiente, em abstrato, para promover o desenvolvimento. Segundo Evans (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.):

“Será que deveríamos concluir que uma maior intervenção é melhor, pelo menos no sentido de que assim seria mais provável promover a transformação? Obviamente que não. As consequências da intervenção do Estado dependem de que tipo de intervenção é tentada, o tipo de Estado e o seu contexto” (p.114).

Além disso, os papéis exercidos pelo Estado não são excludentes, de modo que o Estado pode combinar papéis na promoção de determinado setor. Para facilitar a discussão, Evans destaca quatro principais papéis teóricos que o Estado pode assumir, quais sejam, custódio, demiurgo, parteiro e pastoreio, e tenta estabelecer condições e setores em que determinado papel possui mais eficiência relativa.

O papel de custódio é associado à função reguladora do Estado, sendo caracterizado por tarifas protecionistas e regulação de atividades ilegais (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.115). A ideia desse papel é restringir a atuação e o comportamento dos setores privados, podendo, contudo, ter aspectos promocionais. Por exemplo, a criação de uma “estufa protecionista”, na denominação de Evans, pode ser associada com outras políticas, estimular determinado setor. É interesse fazer uma analogia desse papel com a metáfora da corda amarrada a um corpo, que só tem a possibilidade efetiva de puxar, deixando a promoção apenas como possibilidade potencial (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.116). O autor destaca, contudo que “quando o Estado lida com um novo setor exercendo o papel de custódio, a preocupação de policiar sobrepõe-se ao potencial desenvolvimento das políticas e as possibilidades de transformação são perdidas” (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.116).

Ao assumir o papel de demiurgo, o Estado adota a função de produtor direto. Nesse caso, o Estado irá organizar o capital e a gestão e, assim, produzir tanto bens coletivos (infraestrutura, escolas, hospitais) quanto bens que competirão no mercado privado (aço é o exemplo clássico). Evans (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.) faz ressalvas a esse tipo de papel. Primeiro, a sua adoção implica algumas hipóteses sobre a incapacidade do setor privado de atuar em determinado setor, sendo “o capital local incapaz de se tornar uma ‘burguesia transformadora’, de iniciar novas indústrias e setores” e o “capital transnacional é considerado desinteressado no desenvolvimento local” (p.116-117).

Outra crítica formulada pelo autor ao papel de demiurgo do Estado deriva da ideia da que o “papel do demiurgo é expansionista por razões organizacionais” (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.117). Evans argumenta que as firmas estatais, assim como as privadas, podem potencialmente entrar em setores distintos daqueles para os quais foram originalmente desenhadas, o que leva a aumentar o risco de não possuir desempenho favorável nesses setores (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.117). Contudo, há setores em que há vantagens da adoção desse papel. Evans (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.), citando o trabalho de Jones e Mason (1982), argumenta que “quando as firmas de um setor são tipicamente grandes em relação ao mercado; [...] intensivas em capital; quando o setor tem vínculos a jusante, produz artigos padronizados ou em exportações baseadas em recursos naturais” (p.120), a adoção do papel de demiurgo pelo Estado pode alcançar os objetivos de transformação industrial.

O parto ocorre quando o Estado tenta estimular o setor privado a entrar em um setor em que não havia interesse prévio. Dessa forma, o Estado tenta induzir os empresários a adotarem posturas mais arriscadas em termos de inovação tecnológica e investimento. Segundo Evans, o objetivo do parto é “induzir o capital privado a ter um papel empresarial que de outra maneira teria relutância em desempenhar, criando assim os recursos institucionais e organizacionais comprometidos com novos setores ou tipos de conquista” (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.119). O autor (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.) ressalta, todavia, que “representar o papel de parteiro deixa o Estado dependente da reação privada” (p.118), dado que é uma atuação baseada, basicamente, em incentivos.

A combinação de custódio e parteiro pode ser interessante quando o objetivo é gerar o incentivo necessário aos empresários para que estes aloquem ativos em um determinado setor econômico novo. A criação de uma “estufa protecionista” aumenta a rentabilidade do investimento e diminui os riscos associados à competição internacional, estimulando, assim, a entrada de atores privados nacionais em um determinado setor.

O pastoreio envolve a “combinação de suporte e estímulo” (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.119). De certa forma, esse papel complementa os objetivos do parto. Nada garante que, após o parto, os atores privados tenham condições objetivas de manter as atividades nesse setor. Sem um apoio do Estado garantindo situações mínimas de viabilidade e constante pressão para melhoras tecnológicas e organizacionais, o objetivo do parto e da transformação industrial pode ser frustrado. De acordo com Evans, “os novos entrantes são tão vulneráveis como mudas de plantas e exigem a versão moderna das antigas técnicas de pastoreio” (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.119). Vale destacar a relevância da inserção do Estado em densas redes privadas capazes de levar adiante esse empreendimento. Se não houvesse o contínuo compartilhamento de informações e construção de políticas, o Estado não seria capaz de representar de forma eficiente esse tipo de papel.

Ao analisar os papéis assumidos pelo governo da Coreia do Sul no caso de sucesso da POSCO18 18 Companhia de Aço e Ferro Pohang, empresa sul-coreana. e pelo governo da Índia no caso de fracasso da DCM, Evans destaca que:

“Se a POSCO demonstra que um ‘maior’ envolvimento não está necessariamente relacionado com uma menor transformação, existem outros exemplos que demonstram que o apoio de formas menos intrusivas de envolvimento do Estado, como a regulação, não garante menos estragos. A indústria têxtil, um clássico exemplo do empresariado privado, fornece alguns dos melhores exemplos de como até mesmo uma modesta intervenção do Estado pode ser prejudicial” (EVANS, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.113).

Ao avançar na análise, Evans discute que alguns papéis se aplicam melhor a uns setores que em outros, dependendo das características destes setores (EVANS, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.120-121). Contudo, o autor (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.) alerta que “representar mal o papel certo é tão ruim quanto representar o papel errado” (p.122). Como exemplos, Evans destaca as experiências de aço estatal na Índia e no Brasil em que “problemas organizacionais e institucionais podem sabotar muito facilmente a eficiência do demiurgo, mesmo num setor em que o Estado tem uma ‘vantagem institucional’”19 19 Reflete o caso em que o papel foi mal representado. (p.126) e caso da indústria têxtil na Índia em que “o papel custodial dominou às custas do parto e do pastoreio” (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.129) e prejudicou o desenvolvimento desses setores. Segundo o autor (2004), “a política custodial era bem eficiente para diminuir o ritmo de modernização da indústria [...] aumentar o preço local de têxteis de algodão em relação aos preços mundiais e decrescer a disponibilidade doméstica de tecido per capita” 20 20 Reflete o caso em que o papel representado foi equivocado. (p.129).

Os tipos de papéis adotados pelo Estado são, dessa forma, casos concretos de intervenção destes na atividade econômica. É fundamental perceber que sem a estrutura interna adequada e relações Estado-sociedade estáveis e bem construídas, a intervenção estatal pode ser falha e ainda criar situações de busca pela renda, atuando contra os objetivos iniciais de transformação industrial. Assim, a “autonomia inserida” é condição necessária para a representação eficiente de determinado papel. Porém, a escolha inadequada de papéis para a intervenção em um setor econômico pode ser tão custosa, em termos de transformação industrial, quanto a falta de autonomia inserida.

Dinâmica da intervenção do Estado

Em seu texto junto com D. Rueschemeyer (1985), Evans coloca que a intervenção do Estado, dada uma situação inicial de autonomia e capacidade de intervenção poderia evoluir no sentido de reduzir a autonomia relativa do Estado e perda de capacidade de intervenção deste Estado. O argumento deriva da ideia de que, ao se expandir, o Estado fica mais propenso a ter dificuldades de coordenação e a incorporar dentro do aparelho estatal as relações conflituosas entre grupos sociais presentes na sociedade civil.

Como na ideia de autonomia e parceria, em seu livro Autonomia e parceriaEvans (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.) refina seu argumento sobre a dinâmica da intervenção do Estado. Primeiro, Evans (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.) reconhece que situação de “autonomia inserida” não é absoluta nem estática, i.e., a capacidade de Estado executar potencialmente papéis transformadores da estrutura industrial é restrito a alguns órgãos e setores e, ademais, essas relações se alteram ao longo do tempo, de modo que elas devem ser continuamente construídas e fortalecidas.

Além disso, de forma mais relevante, Peter Evans discute com a visão ne-utilitarista de que a intervenção do Estado sempre possibilitaria a captura do Estado por parte dos grupos sociais favorecidos, ocorrendo, assim, a criação de “paraísos rentistas”. Ao analisar a evolução das relações entre o Estado e os grupos industriais na transformação industrial da Coreia do Sul no setor de tecnologia de informação, Evans argumenta que essa intervenção gerou grupos industriais fortes e com interesses distintos21 21 No caso, o interesse era a aliança com o capital transnacional. Segundo Evans (2004a), as firmas sul-coreanas se tornaram fortes o suficiente para atrair aliados transnacionais e essa “nova aliança do empresariado local com as corporações transnacionais tornou mais difícil sustentar a velha aliança entre o capital local e o Estado” (Evans, 2004a, p.42). daqueles que o Estado possuía, debilitando, assim, a própria capacidade de intervenção do Estado. De acordo com Evans (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.):

“A perspectiva neoutilitarista, prevalecente nos anos 1980, achava que o envolvimento do Estado iria produzir uma economia estagnada e uma simbiose política entre funcionários públicos, com poderes para criar privilégios, e atores privados ansiosos por tirarem proveito deles. Eu descobri que acontecia o oposto. O envolvimento estatal estava associado com o dinamismo econômico, e o resultado não era simbiose, mas sim conflitos políticos” (p.43).

A ideia básica dessa proposição é que o desenvolvimento econômico gera novas forças sociais e políticas, com agendas próprias, tornando-se atores com objetivos diferentes daqueles estabelecidos no início. Ademais, essa nova agenda pode ser conflitante com a presença do suporte e intervenção do Estado nos setores de atuação desses grupos. Tal fato coloca uma importante questão sobre a atuação futura do Estado, cuja resposta Evans começa a construir no capítulo final do livro Autonomia e parceria e que será aprofundada e tratada na seção seguinte.

ESTADO DESENVOLVIMENTISTA DO SÉCULO XXI

1 - Revendo a autonomia e parceria

Ao concluir o seu livro Autonomia e parceria (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.), Evans questiona se outras formas mais abrangentes de “autonomia inserida” podem funcionar de modo eficiente e de forma a alcançar objetivos socialmente mais amplos. O autor parte do pressuposto de que as alianças apenas com o capital industrial podem se deteriorar ao longo do tempo, seja por parte dos próprios empresários, como visto no último capítulo, seja por parte da sociedade, que busca metas mais profundas do que apenas a transformação industrial (p.290-293).

Apesar de reconhecer a necessidade de expansão das relações Estado-sociedade para setores mais amplos da sociedade civil22 22 Segundo Evans (2004a), “Na sua formulação original, a autonomia e parceria implicava vínculos intensos, não com a sociedade em geral, mas especificamente com o capital industrial” (p.43). capazes também de engendrar uma transformação social e desenvolvimento (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.43), Peter Evans não constrói uma nova abordagem para entender as relações. Evans, utilizando o marco teórico da “autonomia inserida”, apenas expande sua análise para grupos sociais mais abrangentes, como a sociedade civil no Kerala ou os trabalhadores organizados da Áustria (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.290). Na segunda etapa do desenvolvimento de suas ideias, que será discutida de modo mais detalhado neste capítulo, Evans utiliza uma abordagem que, apesar de pressupor a autonomia inserida, não utiliza apenas esse conceito para a análise concreta de casos, abrindo espaço para outras ferramentas analíticas complementares, em um marco teórico mais amplo (EVANS, 2007EVANS, P. (2007) Instituiciones y desarollo en la era de la globalización neoliberal. Bogotá: ILSA., p.20).

Desenvolvimento como mudança institucional

Como visto anteriormente, Evans (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.) já ressaltava a necessidade de se expandir a análise para setores mais amplos da sociedade. Porém, não havia formulado ainda uma teoria satisfatória de como isso poderia ocorrer. Para construir essa nova abordagem, o autor relaciona, com a abordagem institucional, duas outras ideias aparentemente distintas: a teoria do crescimento endógeno e a perspectiva de Amartya Sen sobre desenvolvimento, articulada no livro Desenvolvimento como liberdade (Sen, 2010SEN, A. (2010) Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras.). A seguir, analisa-se brevemente essas duas teorias.

A teoria do crescimento endógeno23 23 Para uma discussão mais detalha e formal, ver Jones (2000), Acemoglu (2009) e Gonçalves (2013). postula que o crescimento econômico sustentado de longo prazo é movido pela criação de novas ideias, que por serem não-rivais24 24 Acemoglu (2009) define como “[...] the use of an idea by one producer to increase efficiency does not preclude its use by other” (p.413). geram retornos crescentes de escala25 25 Ao contrário do capital físico, que apresenta, na teoria neoclássica, retornos decrescentes de escala. em K, L e A na função de produção neoclássica26 26 A função de produção neoclássica é Y=F(K, L, A). É importante destacar que essa função apresenta retornos constante de escala em K e L. (Acemoglu, 2009ACEMOGLU, D. (2009) Introduction to Modern Economic Growth. New Jersey: Princenton University Press., p.414), em que A é tecnologia, K, capital e L, trabalho. Esses modelos de crescimento são considerados endógenos pois explica-se a taxa de crescimento da tecnologia por meio do investimento em P&D (Gonçalves, 2013GONÇALVES, C.E.S. (2013) “Desenvolvimento econômico: uma breve incursão teórica”. In: FERREIRA, P.C.; GIAMBIAGI, F.; PESSÔA, S.; VELOSO, F. (Orgs.). Desenvolvimento econômico: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Elsevier., p.44). Um dos pontos que Evans explora então é a constatação que:

“[...] ao adicionar ao estoque de conhecimento agregado a contribuição derivada de seu investimento em P&D, [o inventor] não leva em consideração que essa decisão aumenta a probabilidade de inventar dos outros. A taxa de crescimento em uma economia descentralizada é, nesses modelos, sempre socialmente subótima. Como corolário disso, a intervenção pública pode gerar aumento de bem-estar” (Gonçalves, 2013GONÇALVES, C.E.S. (2013) “Desenvolvimento econômico: uma breve incursão teórica”. In: FERREIRA, P.C.; GIAMBIAGI, F.; PESSÔA, S.; VELOSO, F. (Orgs.). Desenvolvimento econômico: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Elsevier., p.47)

A importância dessa teoria para o pensamento de Evans está relacionada com a focalização dessa teoria na criação de ideias como base do crescimento econômico. Assim, a acumulação de capital físico passa a não ser mais o principal meio para se atingir taxas maiores de crescimento. Essa nova construção teórica leva diretamente, então, ao questionamento acerca de como gerar essas novas ideias, cuja resposta passa pela formulação de instituições econômicas capazes de suscitar os incentivos necessários em capital humano para expandir o estoque de conhecimento.

Ademais, essa teoria ajudaria a explicar melhor o paradigma de produção atual, baseado mais na criação de ativos intangíveis do que bens tangíveis (Evans, 2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58., p.42). Nesse sentido, Evans (2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58.) reforça a importância do foco nas ideias ao afirmar que, apesar da importância da manufatura no desenvolvimento dos países, “a centralidade dos serviços cria um novo conjunto de desafios para o Estado desenvolvimentista, forçando-o a se concentrar nas pessoas e em suas habilidades, em vez de máquinas e seus donos” (p. 42).

Ao discutir essa nova teoria do crescimento econômico sob o viés de instituições, Evans ressalta a necessidade de arranjos institucionais adequados para a construção dessas novas ideias e o consequente crescimento econômico. Segundo Evans (2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58.):

“[...] a questão central do crescimento passa a ser esta: que tipo de providências institucionais melhor capacitarão as sociedades para construir as organizações e redes necessárias para gestar as novas habilidades juntamente com novos conhecimentos e ideias, difundindo e tirando proveito desses ativos intangíveis?” (p.42).

Portanto, a importância dessa nova teoria passa a residir nas instituições necessárias que possibilitarão os países criarem novas ideias e alterarem, assim, sua posição relativa na divisão internacional do trabalho.

Para responder a esse questionamento, Evans utiliza a perspectiva de Amartya Sen sobre o desenvolvimento. Segundo Sen, “o desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agentes” (Sen, 2010SEN, A. (2010) Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras., p.10). De outra forma, “atenta-se particularmente para a expansão das ‘capacidades’ das pessoas de levar o tipo de vida que elas valorização [...]” (Sen, 2010SEN, A. (2010) Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras., p.33). O papel de agente que as pessoas devem exercer é bastante importante para a teoria de Sen. Segundo Sen (2010SEN, A. (2010) Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras.), o agente é “alguém que age e ocasiona mudanças e cujas realizações podem ser julgadas de acordo com seus próprios valores e objetivos [...])” (p.34). Essa definição amplia o conceito de desenvolvimento, que passa a incorporar outros elementos que não só o aumento da renda per capita e acesso a bens materiais, tangíveis.

Em sua análise, Sen enfatiza o papel da expansão das capacidades dos seres humanos. Esse conceito “consiste nas combinações alternativas de funcionamentos27 27 Segundo Sen (2010), o conceito de “funcionamentos reflete as várias coisas que uma pessoa pode considerar valioso fazer ou ter” (p.104). cuja realização é factível para ela [a pessoa]”, ou seja, “a liberdade para ter estilos de vida diversos” (Sen, 2010SEN, A. (2010) Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras., p.105). Dessa forma, a discussão de desenvolvimento passa a ser pautada pela centralidade do ser humano e nas instituições necessárias para que este consiga ter a liberdade de fazer escolhas e, assim, se tornar agente, tornando-se não mais uma questão apenas de acumulação de capital físico.

A ótica da expansão das capacidades dos seres humanos é um dos pilares da ideia de desenvolvimento de Sen. Contudo, não se trata apenas de um objetivo moral ou uma questão de aumentar a utilidade individual. De acordo com Evans, a expansão das capacidades é o “fundamento inarredável para o crescimento do PIB geral” (Evans, 2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58., p.38). Para sua abordagem posterior, Evans relacionará a nova teoria do crescimento econômico com o marco analítico de Sen. Grosso modo, a lógica por trás dessa articulação reside na proposição que, ao expandir a capacidade dos seres humanos, estes aumentam seus estoques de capital humano e se tornam, assim, mais propensos à criação de novas ideias e à inovação, o que implica aumento da produtividade e crescimento econômico. Segundo Evans (2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58.), “the emphasis on ideas fits well with the capabilities approach, since the human brain is host to the existing stock of ideas, the main interface between ideas and implementation and the prime source of new ideas” (p.41).

O corolário dessa nova definição de desenvolvimento é a necessidade de se expandir as liberdades dos cidadãos de modo a dar-lhes a possibilidade de se tornarem agentes e, assim, decidirem os objetivos e caminhos a seguir. Embora Sen descreva a necessidade de expansão de alguns tipos básicos de liberdade como fundamentais para o desenvolvimento28 28 Sen (2010) diferencia entre liberdades substantivas do desenvolvimento, que são elementos constitutivos do desenvolvimento, como liberdade de participação política, oportunidade de receber educação básica e assistência de saúde (p.19), e as liberdades instrumentais, que são meios para se atingir maior liberdade e, portanto, maior desenvolvimento. Sen (2010) destaca, entre as liberdades instrumentais, as liberdades políticas, as facilidades econômicas, as oportunidades sociais, as garantias de transparência e a segurança protetora (p.25). Vale destacar, como será visto adiante, que Evans (2010) aborda tanto o aspecto substantivo quanto o instrumental da liberdade política. , Evans explora em seu trabalho, basicamente, o impacto da liberdade política na construção do Estado desenvolvimentista do século XXI.

A importância atribuída a essa forma de liberdade surge do reconhecimento, por parte de Evans, que o único modo de se definir os objetivos concretos do desenvolvimento é por meio de deliberação e discussão públicas. Dado que o entendimento de desenvolvimento passa pela expansão das capacidades das pessoas, o único meio de captar informação das reais necessidades destas é um fórum publico para a troca de ideias e deliberações. Segundo Evans (2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58.), “democracy is not just a key means of promoting economically effective institutions. It is also the only analytically defensible means of defining specific developmental goals” (p.44). Peter Evans utiliza o conceito de “deliberative democracy” para caracterizar essa expressão de liberdade política (Evans, 2005EVANS, P. (2005) “The challenges of the institutional turn: new interdisciplinary opportunities in development theory”. In: NEE, V; SWEDBERG, R (Orgs.). The economic sociology of capitalism. p. 90-114., p.103).

Além do caráter intrínseco na construção da capacidade de agente dos cidadãos, de acordo com Evans (2004bEVANS, P. (2004b) “Development as institutional change: the pitfalls of monocropping and the potentials of deliberation”. Studies in Comparative International Developments , v. 38, n. 4, p. 30-52.), essa forma de liberdade política permite uma melhor provisão de bens públicos, pois permite melhor identificação dos problemas e fornece canais contínuos de feedback e accountability (p.39). Ademais, a presença dessas instâncias facilita a transparência das ações políticas do Estado, reduzindo o risco de captação e clientelismo. Nas palavras de Evans (2004bEVANS, P. (2004b) “Development as institutional change: the pitfalls of monocropping and the potentials of deliberation”. Studies in Comparative International Developments , v. 38, n. 4, p. 30-52.):

“Sen’s focus on capabilities as the end point of development offers strong theoretical support for this option by making deliberative institutions both an inescapable means of orienting development efforts and a fundamental intrinsic good in themselves” (p.44).

Essa proposição está, de fato, de acordo com a visão de Amartya Sen sobre a participação dos cidadãos como formuladores de suas próprias demandas em termos de bens públicos por meio de instituições democráticas. Sen (2010SEN, A. (2010) Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras.) afirma que, “com efeito, um dos argumentos mais poderosos em favor da liberdade política reside precisamente na oportunidade que ela dá aos cidadãos de debater sobre os valores na escolha de prioridades e de participar da seleção desses valores” (p.48). Assim, a principal forma de definir as necessidades reais das pessoas de uma comunidade e expandir, dessa forma, suas capacidades é a democracia deliberativa29 29 Evans (2004) busca articular essa proposição teórica com alguns exemplos em que essas instituições geraram resultados socialmente positivos, que foram os casos de Porto Alegre com o orçamento participativo e Kerala com o fornecimento eficiente de bens públicos. .

É interessante destacar que não há uma resposta satisfatória a priori para a proposição de que a democracia deliberativa leva a situações de maior crescimento econômico (Evans, 2004bEVANS, P. (2004b) “Development as institutional change: the pitfalls of monocropping and the potentials of deliberation”. Studies in Comparative International Developments , v. 38, n. 4, p. 30-52., p.38). Por um lado, instituições mais democráticas permitem uma provisão mais eficiente de bens públicos, além de reduzir a corrupção e violência, o que gera um ambiente propício ao investimento (EVANS, 2004bEVANS, P. (2004b) “Development as institutional change: the pitfalls of monocropping and the potentials of deliberation”. Studies in Comparative International Developments , v. 38, n. 4, p. 30-52., p.44). Por outro lado, esse tipo de instituições podem resultar em uma perda relativa de poder por parte das elites e dos políticos, o que os levaria a agir defensivamente, dificultando a expansão dessas instituições e levando, assim, a um crescimento econômico menor (EVANS, 2004bEVANS, P. (2004b) “Development as institutional change: the pitfalls of monocropping and the potentials of deliberation”. Studies in Comparative International Developments , v. 38, n. 4, p. 30-52., p.40). Evans (2004bEVANS, P. (2004b) “Development as institutional change: the pitfalls of monocropping and the potentials of deliberation”. Studies in Comparative International Developments , v. 38, n. 4, p. 30-52.) propõe, assim, a hipótese de crescimento neutro30 30 Do inglês, growth-neutral hypothesis. , no sentido de que ambos os movimentos desencadeados por instituições deliberativas tendem a se contrabalançar, não impactando, assim, o crescimento econômico.

Construção do Estado desenvolvimentista do século XXI

Na seção anterior, evidenciou-se a qualificação do conceito de desenvolvimento empregado por Evans, que passou a incorporar outras dimensões que não só a acumulação de capital. O denominador comum entre essas novas teorias e o desenvolvimento dos países passa pela discussão institucional, i.e., implica responder ao questionamento acerca de como desenvolver instituições que permitam ao indivíduo expandir suas capacidades e se tornar agente e com isso gerar novas ideias e engendrar o crescimento sustentado.

O reconhecimento da importância das instituições na criação de ideias e na expansão das capacidades humanas não garante, porém, que essas irão emergir de forma espontânea na sociedade. A construção e a alteração dessas instituições dependem de complexos fatores políticos que não são trivialmente solucionados. Para ratificar esse ponto, Evans (2005EVANS, P. (2005) “The challenges of the institutional turn: new interdisciplinary opportunities in development theory”. In: NEE, V; SWEDBERG, R (Orgs.). The economic sociology of capitalism. p. 90-114.), analisando as implicações da ideia de “path dependence” de Douglass North (Evans, 2005EVANS, P. (2005) “The challenges of the institutional turn: new interdisciplinary opportunities in development theory”. In: NEE, V; SWEDBERG, R (Orgs.). The economic sociology of capitalism. p. 90-114., p.101), argumenta que “once institutions take hold, they are likely to endure even if they have a long-run negative effect on development, crowding out the possibility for the emergence of more efficacious institutions” (p.101). Assim, Evans aceita a ideia de North sobre os possíveis efeitos de “lock in” das instituições, exigindo que potenciais interesses velados de grupos dominantes sejam superados no intuito de se formular um projeto de desenvolvimento. Segundo Evans (2004bEVANS, P. (2004b) “Development as institutional change: the pitfalls of monocropping and the potentials of deliberation”. Studies in Comparative International Developments , v. 38, n. 4, p. 30-52.), “[...] deliberative institutions [...] must be able to overcome the ‘political’ economy problem: the opposition of powerholders who have vested interests in existing decision-making structures”(p.38).

Ademais, Evans ressalta que não há um conjunto único de instituições capazes de engendrar o desenvolvimento e alerta para os riscos de se adotar um modelo que não leve em consideração instituições locais específicas. Nesse ponto, especificamente, Evans (2004bEVANS, P. (2004b) “Development as institutional change: the pitfalls of monocropping and the potentials of deliberation”. Studies in Comparative International Developments , v. 38, n. 4, p. 30-52.) questiona a ideia de que as instituições anglo-americanas são mais eficientes no papel de instituições capazes de promover o desenvolvimento, argumentando que “This process [institutional monocropping]31 31 Para Evans (2004b), “Institutional monocropping rests on both the general premise that institutional effectiveness does not depend on fit with the local sociocultural environment, and the more specific premise that idealized versions of Anglo-American institutions are optimal development instruments, regardless of level of development or position in the global economy” (p.33). has produced profoundly disappointing results”(p.31). Evans (2004bEVANS, P. (2004b) “Development as institutional change: the pitfalls of monocropping and the potentials of deliberation”. Studies in Comparative International Developments , v. 38, n. 4, p. 30-52.) justifica esses resultados argumentando que a imposição de um projeto institucional altera basicamente as instituições formais, de modo que “disjunction between formal structures and the underlying, more informal structures of power and practice renders the formal structures ineffectual”(p.34). Assim, para Evans (2004bEVANS, P. (2004b) “Development as institutional change: the pitfalls of monocropping and the potentials of deliberation”. Studies in Comparative International Developments , v. 38, n. 4, p. 30-52., p.36-37), é fundamental levar-se em consideração contextos históricos e institucionais específicos de cada país na construção dessas instituições e o caminho apropriado para isso é a utilização de canais locais democráticos de deliberação e formulação de estratégias.

Contudo, é importante ressaltar que o aprofundamento das instâncias deliberativas extrapola o simples receituário anglo-saxão de democracia formal. Para Evans (2004bEVANS, P. (2004b) “Development as institutional change: the pitfalls of monocropping and the potentials of deliberation”. Studies in Comparative International Developments , v. 38, n. 4, p. 30-52.), “when popular participation in decision-making consists only of conformity to electoral norms, the result is what Yusuf and Stiglitz [...] call ‘hollowed-out’32 32 Democracia oca, em tradução livre. democracy” (p.37). Evans (2004bEVANS, P. (2004b) “Development as institutional change: the pitfalls of monocropping and the potentials of deliberation”. Studies in Comparative International Developments , v. 38, n. 4, p. 30-52.) defende a ideia de adensar as instituições democráticas (p.37) fazendo com que os cidadãos comuns participem ativamente do processo de formulação de políticas públicas e estratégias e planejamento para solução de problemas em âmbito local, participando do que Evans chamou de democracia deliberativa (Evans, 2004bEVANS, P. (2004b) “Development as institutional change: the pitfalls of monocropping and the potentials of deliberation”. Studies in Comparative International Developments , v. 38, n. 4, p. 30-52., p.36-37).

Essas duas ressalvas teóricas evidenciam a necessidade de se construir instâncias de democracia deliberativa, i.e., não há nenhuma força endógena na economia que leve ao surgimento destas. Para focalizar tal necessidade, Evans (2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58.) define o conceito de Estado desenvolvimentista do século XXI, que é uma qualificação do tipo ideal elaborado na “primeira fase” de seu pensamento do Estado desenvolvimentista.

De acordo com sua crítica a um modelo institucional único como solução para o problema de desenvolvimento, Evans (2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58.) inicia a apresentação do conceito de Estado desenvolvimentista do século XXI com uma ressalva importante:

“Não há um modelo fixo universal para se construir o Estado desenvolvimentista. Os estados desenvolvimentistas do século XXI aproveitarão os exemplos de outras regiões e de outros períodos históricos, além das teorias gerais do desenvolvimento, porém transplantes imponderados de modelos prontos estão fadados ao fracasso” (p.1).

Para solucionar esse problema, o autor define que a construção desse Estado deve ser um processo de “tentativa e erro” e de “aprender fazendo”33 33 Do inglês, learning by doing. (Evans, 2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58., p.37), implicando aprendizado constante.

O objetivo prioritário desse Estado é a expansão das capacidades, atuando como Evans chamou de “aprimorador da capacidade” (Evans, 2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58., p.38). A ideia por trás desse conceito deriva das teorias apresentadas acima. Segundo Evans (2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58., p.70), ao expandir a capacidade dos indivíduos, além de atuar em um elemento constitutivo do desenvolvimento, aumenta-se a probabilidade de criação de conhecimento e de novas ideias, que são a base do crescimento sustentado de longo prazo. Uma das formas básicas de se expandir a capacidade dos agentes é fornecer, de forma adequada e eficiente, os bens coletivos34 34 Basicamente, para Evans baseado em Sen (2010), esses bens são saúde, educação, segurança, justiça e infraestrutura (Evans, 2010, p.44). . É importante ressaltar a necessidade de fornecimento estatal desses bens. O argumento econômico por trás reside, grosso modo, na presença de externalidades positivas no fornecimento desses bens35 35 Sob presença de externalidades positivas, o fornecimento privado desses bens seria subótima, dado que os empresários não conseguiriam apropriar inteiramente do retorno gerado por esse bem. (Evans, 2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58., p.70). Assim, o Estado se torna peça-chave na formulação desse Estado desenvolvimentista.

Para fornecer eficientemente esses bens públicos, que são capazes de expandir as capacidades humanas e gerar crescimento sustentado, o Estado precisa ter capacidade administrativa adequada e estar inserido em relações com determinados grupos socais. Nesse ponto, Evans retoma, de certa forma, a ideia das estruturas necessárias para o desenvolvimento do Estado no século XX. Conforme Evans (2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58.) afirma, “se considerarmos a efetiva prestação de serviços destinados à expansão de capacidades como a pedra de toque para o desenvolvimento do século XXI, então os vínculos e as estruturas associados com essa prestação são um bom ponto de partida” (p.48).

A argumentação de Evans, nesse ponto, se parece bastante com aquela apresentada no último capítulo do livro Autonomia e parceria. Assim, há a necessidade de se ter uma burocracia coerente e coesa, nos moldes weberianos e relações Estado-Sociedade mais amplas e profundas. Ao focar nos serviços públicos capazes de expandir a capacidade dos agentes, Evans (2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58.) afirma que “without competent, coherent public bureaucracies, capability-expanding public services will not be delivered” (p.48). Além disso, o autor (2010) defende uma forma mais engajada de parceria: “A 21st developmental state requires new kinds of capacity as well. Most crucially it requires the ability to promote a more encompassing form of embeddedness” (p.48).

Portanto, a nova definição de desenvolvimento discutida na “segunda fase” do pensamento de Peter Evans coloca um componente adicional e fundamental para essas estruturas concretas do Estado: a necessidade de se ter instituições de democracia deliberativa e engajamento social dos cidadãos na definição de suas prioridades para a expansão de suas capacidades.

Assim, a dificuldade principal desse novo Estado desenvolvimentista consiste no estabelecimento dessas relações com grupos sociais mais amplos por meio de instituições de democracia deliberativa, o que é uma tarefa muito mais complexa do que associações com o capital industrial. O retorno de um projeto passar a depender do resultado corresponde “à preferência coletiva das comunidades atendidas” (Evans, 2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58., p.49), o que implica a necessidade da coleta de informações e constante feedback das políticas adotadas dos cidadãos. Assim, as instituições de democracia deliberativa se tornam centrais nesse modelo de desenvolvimento, tanto por definir os principais objetivos das pessoas na expansão de suas capacidades, quanto por garantir maior eficiência no uso de recursos públicos (Evans, 2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58., p.49).

Além disso, esse modelo de Estado desenvolvimentista necessita de constante engajamento dos cidadãos, o que dificulta ainda mais o processo de construção de fato dessas instâncias deliberativas. De acordo com Evans (2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58.), “the state needs their [societal actors] active engagement in the delivery of those services [education, health and other collective goods] in order to ensure that the investments produce the desired effects” (p.49). Desse modo, para a plena realização da capacidade desse Estado, não adianta apenas ter a instituição formal de deliberação. Esta instituição precisa ser utilizada pelos cidadãos como canais de expressão democrática na formulação de objetivos de desenvolvimento (Evans, 2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58., p.49) e de pressão ao Estado no fornecimento eficiente de bens públicos (Evans, 2004bEVANS, P. (2004b) “Development as institutional change: the pitfalls of monocropping and the potentials of deliberation”. Studies in Comparative International Developments , v. 38, n. 4, p. 30-52., p.39).

O foco em instâncias de democracia deliberativa coloca uma dificuldade adicional ao Estado desenvolvimentista do século XXI: a de “facilitar a organização de contrapartes na sociedade civil” (Evans, 2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58., p.49). Peter Evans ressalta que esse movimento é bem mais complexo do que organizar o capital industrial, dado que “‘civil society’ is a complicated beast, full of conflicting particular interests and rife with individuals and organizations claiming to represent the general interest” (Evans, 2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58., p.50).

Ao dirigir o foco à importância de democracia deliberativa como constituinte principal do desenvolvimento, Evans de certa forma subordina a discussão sobre a autonomia e a capacidade do Estado à discussão das relações Estado-Sociedade. Pode-se afirmar que a autonomia continua sendo importante para a não cooptação do Estado por partes da sociedade civil que defendam interesses particularistas. Porém, mais fundamental para a construção do Estado desenvolvimentista do século XXI seria, segundo a evolução mais recente do pensamento de Evans, a capacidade do Estado de se inserir na sociedade civil por meio de instâncias deliberativas e, assim, ter os instrumentos para a coleta de informações e condições de oferta eficiente de bens públicos. Portanto, como Evans (2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58.) coloca, a discussão sobre desenvolvimento passa a ser mais política do que tecnocrática.

A construção desse modelo de Estado desenvolvimentista não é um processo simples. Exige constante aperfeiçoamento, em um processo de tentativas e erros, sem garantia a priori de sucesso. Conforme Evans (2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58.) destaca:

“A construção de novas instituições é sempre um projeto arriscado e armadilhas que cercam esse determinado componente da construção institucional são profundas e difíceis de evitar. No entanto, recusar o desafio é arriscar abraçar um futuro insustentável no qual baixo crescimento e menor bem-estar estarão unidos como gêmeos siameses” (p.54).

CONCLUSÃO

A abordagem utilizada por Peter Evans em alguns trabalhos posteriores ao seu livro Autonomia e parceria (2004) é, antes de ser uma ruptura teórica, uma qualificação de suas teorias anteriores com outras visões sobre o desenvolvimento. A análise da evolução do pensamento de Peter Evans sobre o Estado ajuda a qualificar e assentar sobre bases mais sólidas o papel do Estado na economia como promotor do crescimento econômico e desenvolvimento. Ao longo dos seus textos é possível perceber que o papel do Estado na economia não é uma questão sobre o tamanho do Estado e sim sobre os papéis que ele pode exercer para promover o desenvolvimento. Assim, o autor escapa tanto de fórmulas genéricas e abstratas que afirmam que qualquer intervenção do Estado é prejudicial ao funcionamento do mercado e, portanto, da economia, quanto de visões idealizadas sobre a atuação eficaz do Estado.

Ao definir o conceito de “autonomia inserida”, Evans contribui com um instrumental analítico interessante para a discussão sobre o desenvolvimento, que ajuda a ratificar a necessidade de se analisar intervenções específicas do Estado e, mais relevante, derivar condições necessárias para que o Estado consiga atuar de forma desenvolvimentista. Os arquétipos de Estado desenvolvimentista e de Estado predador desenvolvidos por ele ajudam a pensar o Estado de forma mais concreta, evitando a lógica neoutilitarista.

Evans, em um segundo momento de seu pensamento, reconhece a necessidade de expandir esse conceito e incluir grupos sociais mais amplos do que apenas a classe industrial. Para isso, em linha com novas teorias sobre crescimento e desenvolvimento, o autor apresenta a ideia de novas relações Estado-sociedade baseadas em instâncias de democracia deliberativa. Esse princípio é a base do que Evans definiu como Estado desenvolvimentista do século XXI. Tal Estado deve ser capaz de promover a expansão das capacidades dos cidadãos e, assim, com base na teoria do crescimento endógeno, engendrar a criação de novas ideias e, com isso, promover o crescimento econômico sustentado de longo prazo.

Apesar de reconhecer algumas dificuldades práticas na construção de instâncias deliberativas, Evans busca em estruturas concretas do Estado as condições para a atuação efetiva deste. A análise de seu pensamento contribui, portanto, para entender melhor as dificuldades teóricas e práticas tanto na formulação de políticas públicas por meio de uma burocracia estatal, quanto na interação do Estado com a sociedade, buscando sempre enfatizar que não há nada a priori que garanta que a intervenção do Estado seja eficiente para o desenvolvimento de um país.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • ACEMOGLU, D. (2009) Introduction to Modern Economic Growth. New Jersey: Princenton University Press.
  • ACEMOGLU, D.; ROBINSON, J. (2012) Por que as nações fracassam: as origens do poder, prosperidade e pobreza. Rio de Janeiro: Campus.
  • AMSDEN, A. (2009) A ascensão do “resto”: os desafios ao Ocidente de economias com industrialização tardia São Paulo: Editora UNESP.
  • BROWN, W. (2015) Undoing the Demos: Neoliberalism’s Stealth Revolution. New York: Zone books. Primeira Edição.
  • CHANG, H. (2004) Chutando a escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica. São Paulo: Editora UNESP .
  • CHANG, H. (2011) “Institutions and economic development: theory, policy and history”. Journal of Institutional Economics, v. 7, n. 4, p. 473-498.
  • EVANS, P. (1993) “O Estado como problema e solução”. Lua Nova, v. 28-29. Disponível em <Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451993000100006&lng=en&nrm=iso >. accesso em 15 Jan. 2013. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0102-64451993000100006
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451993000100006&lng=en&nrm=iso» http://dx.doi.org/10.1590/S0102-64451993000100006
  • EVANS, P. (2002) “Collective capabilities, Culture, and Amartya’s Sen Development as Freedom”. Studies in Comparative International Developments, v. 37, n. 2, p. 54-60.
  • EVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.
  • EVANS, P. (2004b) “Development as institutional change: the pitfalls of monocropping and the potentials of deliberation”. Studies in Comparative International Developments , v. 38, n. 4, p. 30-52.
  • EVANS, P. (2005) “The challenges of the institutional turn: new interdisciplinary opportunities in development theory”. In: NEE, V; SWEDBERG, R (Orgs.). The economic sociology of capitalism. p. 90-114.
  • EVANS, P. (2007) Instituiciones y desarollo en la era de la globalización neoliberal. Bogotá: ILSA.
  • EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58.
  • EVANS, P.; RUESCHEMEYER, D; SKOCPOL, T (org.). (1985) Bringing the State back in. Cambridge: Cambridge Univ. Press.
  • EVANS, P..; RAUCH, J. (2000) “Bureaucratic structure and bureaucratic performance in less developed countries”. Journal of Public Economics, v. 75, p. 49-71.
  • EVANS, P.; HELLER, P. (2013) “Human development, State transformation and the politics of the Developmental State”. In: LEIBFRIED, S; NULLMEIER, F; HUBER, E; LANGE, M.; LEVY, J; STEPHENS, J (Orgs.). The Oxford Handbook of Transformations of the State. Oxford: Oxford Univ. Press. (a ser lançado).
  • GONÇALVES, C.E.S. (2013) “Desenvolvimento econômico: uma breve incursão teórica”. In: FERREIRA, P.C.; GIAMBIAGI, F.; PESSÔA, S.; VELOSO, F. (Orgs.). Desenvolvimento econômico: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Elsevier.
  • FIANI, R. (2011) Cooperação e conflito: instituições e desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Elsevier .
  • JONES, C. (2000) Introdução à teoria do crescimento econômico. Rio de Janeiro: Campus .
  • PINKSFELD, C; BRITTO, G. (2010) “Introdução”. In: ARGWALA, A; SINGH, S (Org.). A economia do subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto, p. 7-41.
  • ROBINSON, W.S. (1951) “The logical structure of analytical induction”. American Sociological Review, v. 16, n.6, p, 812-818.
  • RODRIK, D. (2000) Institutions for high-quality growth: what they are and how to acquire them. Cambridge, MA: NBER (Workingpaper, n.7540).
  • SEN, A. (2010) Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras.
  • SKOCPOL, T. (2008) “Bringing the State back in: retrospect and prospect”. Scandinavian Political Studies, v. 31, n. 2, p. 109-124.
  • VARIAN, H. (2009) Microeconomia: princípios básicos. Rio de Janeiro: Campus .
  • 1
    Como exemplos temos a Crise de 2008, o período pós-pandemia de Covid-19 e a grave crise climática.
  • 2
    Segundo Acemoglu e Robinson (2012ACEMOGLU, D.; ROBINSON, J. (2012) Por que as nações fracassam: as origens do poder, prosperidade e pobreza. Rio de Janeiro: Campus.), uma conjuntura crítica é “um grande acontecimento ou confluência de fatores que vêm a romper o equilíbrio econômico ou político existente em uma sociedade” (p.79).
  • 3
    Essa perspectiva está presente nos autores do mainstream sobre o desenvolvimento a partir de uma abordagem institucional conforme apresentado por Acemoglu (2009ACEMOGLU, D. (2009) Introduction to Modern Economic Growth. New Jersey: Princenton University Press.) e Gonçalves (2013GONÇALVES, C.E.S. (2013) “Desenvolvimento econômico: uma breve incursão teórica”. In: FERREIRA, P.C.; GIAMBIAGI, F.; PESSÔA, S.; VELOSO, F. (Orgs.). Desenvolvimento econômico: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Elsevier.).
  • 4
    O autor analisa diversos casos históricos de desenvolvimento, além de discutir o impacto da globalização nestes locais. Dadas as restrições de tempo e espaço impostas, o trabalho discutirá apenas as formulações teóricas de Peter Evans sobre a intervenção estatal no âmbito do desenvolvimento. De forma mais específica, discutirá as construções de dois tipos ideais de Estado: o Estado desenvolvimentista do século XX (presente em “Autonomia e Parceria” (2004)) e o Estado desenvolvimentista do século XXI.
  • 5
    Evans (1993EVANS, P. (1993) “O Estado como problema e solução”. Lua Nova, v. 28-29. Disponível em <Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451993000100006&lng=en&nrm=iso >. accesso em 15 Jan. 2013. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0102-64451993000100006 .
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    , 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.) tem como ponto de partida a linha teórica apresentada por autores como Albert Hirschaman, Max Weber, Alexander Gerschekron e K. Polanyi, seguido por Alice Amsden e Robert Wade (EVANS, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.50).
  • 6
    Definição utilizada por Peter Evans (Evans, 2004EVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.57).
  • 7
    Figura utilizada por Peter Evans (EVANS, 2004EVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.54).
  • 8
    Evans et al. (1985EVANS, P.; RUESCHEMEYER, D; SKOCPOL, T (org.). (1985) Bringing the State back in. Cambridge: Cambridge Univ. Press., p.348).
  • 9
    Ver Robinson (1951ROBINSON, W.S. (1951) “The logical structure of analytical induction”. American Sociological Review, v. 16, n.6, p, 812-818.).
  • 10
    Artigo presente em Evans et al. (1985EVANS, P.; RUESCHEMEYER, D; SKOCPOL, T (org.). (1985) Bringing the State back in. Cambridge: Cambridge Univ. Press., p. 44-77).
  • 11
    Os autores chamam de “aspectos não burocráticos da burocracia” (Evans et al., 1985EVANS, P.; RUESCHEMEYER, D; SKOCPOL, T (org.). (1985) Bringing the State back in. Cambridge: Cambridge Univ. Press., p.51).
  • 12
    Espírito corporativo, em tradução livre.
  • 13
    Publicado em 1995.
  • 14
    Do inglês, embedded autonomy.
  • 15
    Essa conceituação será discutida adiante.
  • 16
    Evans analisa Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Zaire (atual República Democrática do Congo), Brasil e Índia.
  • 17
    Em seu livro, Evans (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.) utiliza a nomenclatura neoutilitarista para se referir a esse corpo teórico.
  • 18
    Companhia de Aço e Ferro Pohang, empresa sul-coreana.
  • 19
    Reflete o caso em que o papel foi mal representado.
  • 20
    Reflete o caso em que o papel representado foi equivocado.
  • 21
    No caso, o interesse era a aliança com o capital transnacional. Segundo Evans (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.), as firmas sul-coreanas se tornaram fortes o suficiente para atrair aliados transnacionais e essa “nova aliança do empresariado local com as corporações transnacionais tornou mais difícil sustentar a velha aliança entre o capital local e o Estado” (Evans, 2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., p.42).
  • 22
    Segundo Evans (2004aEVANS, P. (2004a) Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.), “Na sua formulação original, a autonomia e parceria implicava vínculos intensos, não com a sociedade em geral, mas especificamente com o capital industrial” (p.43).
  • 23
    Para uma discussão mais detalha e formal, ver Jones (2000JONES, C. (2000) Introdução à teoria do crescimento econômico. Rio de Janeiro: Campus .), Acemoglu (2009ACEMOGLU, D. (2009) Introduction to Modern Economic Growth. New Jersey: Princenton University Press.) e Gonçalves (2013GONÇALVES, C.E.S. (2013) “Desenvolvimento econômico: uma breve incursão teórica”. In: FERREIRA, P.C.; GIAMBIAGI, F.; PESSÔA, S.; VELOSO, F. (Orgs.). Desenvolvimento econômico: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Elsevier.).
  • 24
    Acemoglu (2009ACEMOGLU, D. (2009) Introduction to Modern Economic Growth. New Jersey: Princenton University Press.) define como “[...] the use of an idea by one producer to increase efficiency does not preclude its use by other” (p.413).
  • 25
    Ao contrário do capital físico, que apresenta, na teoria neoclássica, retornos decrescentes de escala.
  • 26
    A função de produção neoclássica é Y=F(K, L, A). É importante destacar que essa função apresenta retornos constante de escala em K e L.
  • 27
    Segundo Sen (2010SEN, A. (2010) Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras.), o conceito de “funcionamentos reflete as várias coisas que uma pessoa pode considerar valioso fazer ou ter” (p.104).
  • 28
    Sen (2010SEN, A. (2010) Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras.) diferencia entre liberdades substantivas do desenvolvimento, que são elementos constitutivos do desenvolvimento, como liberdade de participação política, oportunidade de receber educação básica e assistência de saúde (p.19), e as liberdades instrumentais, que são meios para se atingir maior liberdade e, portanto, maior desenvolvimento. Sen (2010SEN, A. (2010) Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras.) destaca, entre as liberdades instrumentais, as liberdades políticas, as facilidades econômicas, as oportunidades sociais, as garantias de transparência e a segurança protetora (p.25). Vale destacar, como será visto adiante, que Evans (2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58.) aborda tanto o aspecto substantivo quanto o instrumental da liberdade política.
  • 29
    Evans (2004EVANS, P. (2004b) “Development as institutional change: the pitfalls of monocropping and the potentials of deliberation”. Studies in Comparative International Developments , v. 38, n. 4, p. 30-52.) busca articular essa proposição teórica com alguns exemplos em que essas instituições geraram resultados socialmente positivos, que foram os casos de Porto Alegre com o orçamento participativo e Kerala com o fornecimento eficiente de bens públicos.
  • 30
    Do inglês, growth-neutral hypothesis.
  • 31
    Para Evans (2004bEVANS, P. (2004b) “Development as institutional change: the pitfalls of monocropping and the potentials of deliberation”. Studies in Comparative International Developments , v. 38, n. 4, p. 30-52.), “Institutional monocropping rests on both the general premise that institutional effectiveness does not depend on fit with the local sociocultural environment, and the more specific premise that idealized versions of Anglo-American institutions are optimal development instruments, regardless of level of development or position in the global economy” (p.33).
  • 32
    Democracia oca, em tradução livre.
  • 33
    Do inglês, learning by doing.
  • 34
    Basicamente, para Evans baseado em Sen (2010SEN, A. (2010) Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras.), esses bens são saúde, educação, segurança, justiça e infraestrutura (Evans, 2010EVANS, P. (2010) “Constructing the 21st century developmental state: potentialities and pitfalls”. In: EDIGHEJI, O (Org). Constructing a democratic developmental State in South Africa: potentials and challenges. Cidade do Cabo: HSRC Press. p.37-58., p.44).
  • 35
    Sob presença de externalidades positivas, o fornecimento privado desses bens seria subótima, dado que os empresários não conseguiriam apropriar inteiramente do retorno gerado por esse bem.
  • 36
    JEL Classification: B25; B52; D73; H11; P16.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    18 Abr 2021
  • Aceito
    07 Jun 2021
Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br