Acessibilidade / Reportar erro

A sucessão geracional na pecuária familiar do extremo sul do Brasil

Generational succession in family farming in the extreme south of Brazil

Resumo:

Este estudo teve como objetivo compreender as disposições que envolvem as dinâmicas sucessórias em estabelecimentos rurais da pecuária familiar no município de Jaguarão/RS. A pesquisa consiste em um estudo de natureza qualitativa baseado no uso da entrevista em profundidade como instrumento da coleta de dados. Foram realizadas 31 entrevistas, das quais 29 com pecuaristas familiares e duas com agentes do serviço oficial de extensão rural local. Os dados foram tratados pela técnica de análise de conteúdo. O marco teórico está centrado na análise das singularidades do pecuarista familiar e da questão da sucessão geracional, partindo da perspectiva sociológica centrada no patrimônio de disposições de Lahire. Os resultados destacaram que a realidade e o contexto sociocultural que envolve os estabelecimentos familiares são fatores que interferem diretamente na reprodução social dessas famílias. Dois aspectos são primordiais para a sucessão geracional: o gostar da atividade e a vocação para exercer tal ofício. De acordo com os resultados, não há um padrão sucessório definido na pecuária familiar. Nos estabelecimentos que contam com potenciais sucessores, a tendência é seguir com a atividade pecuária; já naqueles onde não há perspectiva de sucessão, os caminhos apontados são o abandono, a venda e/ou o arrendamento das propriedades.

Palavras-chave:
dinâmica sucessória; unidade familiar de produção; bioma Pampa; disposições

Abstract:

This study aimed to understand the provisions that involve the dynamics of succession in rural family livestock establishments in the city of Jaguarão/RS. The research consists of a qualitative study based on the use of in-depth interviews as a data collection instrument. Thirty-one interviews were conducted, 29 of which with family farmers and two with agents of the official local rural extension service. Data were treated using the content analysis technique. The theoretical framework is centered on the analysis of the singularities of the family rancher and the question of generational succession, starting from the sociological perspective centered on Lahire's heritage of dispositions. The results highlighted that the reality and sociocultural context surrounding family establishments are factors that directly interfere in the social reproduction of these families. Two aspects are essential for generational succession: the enjoyment of the activity and the vocation to exercise such a profession. According to the results, there is no defined pattern of succession in family livestock. In establishments that have potential successors, the tendency is to continue with the livestock activity; in those where there is no prospect of succession, the paths indicated are the abandonment, sale and/or lease of properties

Keywords:
succession dynamics; production family unit; Pampa biome; disposition

Introdução

A agricultura familiar é definida como uma forma social de produção em que os membros da família são, ao mesmo tempo, proprietários e responsáveis pelas atividades produtivas, tendo sua importância reconhecida no Brasil, sobretudo, a partir da década de 1990 (Wanderley, 1999Wanderley, M. N. B. (1999). Raízes históricas do campesinato brasileiro. In J. C. Tedesco (Ed.), Agricultura familiar: realidades e perspectivas. Passo Fundo: EDIUPF.). Todavia, o caráter familiar não é um simples atributo de determinados tipos de estabelecimentos agropecuários. Com efeito, “o fato de uma estrutura produtiva associar família-produção-trabalho tem consequências fundamentais para a forma como ela age econômica e socialmente” (Wanderley, 1999Wanderley, M. N. B. (1999). Raízes históricas do campesinato brasileiro. In J. C. Tedesco (Ed.), Agricultura familiar: realidades e perspectivas. Passo Fundo: EDIUPF., p. 25). Como bem salientou Wanderley, a categoria formada pelos agricultores familiares apresenta grande diversidade de formas sociais.

No início dos anos 2000 surgem pesquisas que buscam delimitar os traços que identificam o pecuarista familiar, um subtipo de produtor familiar que se insere no âmago da aludida diversidade dessa categoria de estabelecimentos no extremo sul do Brasil. Estudos desenvolvidos inicialmente por técnicos da Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural (Ascar) do Rio Grande do Sul no início dos anos 2000 (Ribeiro, 2003Ribeiro, C. R. (2003). Pecuária familiar na região da campanha do Rio Grande do Sul (Série Realidade Rural, No. 34, pp. 11-45). Porto Alegre: EMATER/RS.) e por alguns pesquisadores como Cotrim (2003)Cotrim, M. S. (2003). Pecuária familiar na região da Serra do Sudeste Rio Grande do Sul: um estudo sobre a origem e situação socioagroeconômica do pecuarista familiar no município de Canguçu/RS (Dissertação de mestrado). Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Recuperado em 15 de março de 2018, de www.lume.ufrgs.br/handle/10183/3786, Sandrini (2005)Sandrini, G. B. D. (2005). Processo de inserção dos pecuaristas familiares do Rio Grande do Sul na cadeia da carne (Dissertação de mestrado). Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Recuperado em 8 de março de 2018, de https://lume.ufrgs.br/handle/10183/7809
https://lume.ufrgs.br/handle/10183/7809...
, Ribeiro (2009)Ribeiro, C. R. (2009). Estudo do modo de vida dos pecuaristas familiares da Região da Campanha do Rio Grande do Sul (Tese de doutorado). Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Recuperado em 17 de dezembro de 2018, de https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/17261
https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/1...
, mostraram que a bovinocultura de corte não se desenvolve apenas em grandes estabelecimentos. Em grande medida, tais trabalhos revelam a existência de um contingente de explorações dedicadas à pecuária extensiva (bovinos, ovinos), cuja atividade é eminentemente centrada no emprego da mão de obra da própria família. Esses produtores estão presentes em todas as regiões do Rio Grande do Sul, mas localizam-se, predominantemente, no extremo sul do Rio Grande do Sul, em áreas pertencentes ao bioma Pampa. O decreto n° 48.316, da Assembleia Legislativa do estado do Rio Grande do Sul, de 31 de agosto de 2011, instituído pela Lei n° 13.515 de 13 de setembro de 2010, estabelece que:

São considerados pecuaristas familiares os produtores que atendam simultaneamente às seguintes condições: I – tenham como atividade predominante a cria ou a recria de bovinos e/ou caprinos e/ou bubalinos e/ou ovinos com a finalidade de corte; II – utilizem na produção trabalho predominantemente familiar, podendo utilizar mão de obra contratada em até cento e vinte dias ao ano; III – detenham a posse, a qualquer título, de estabelecimento rural com área total, contínua ou não, inferior a trezentos hectares; IV – tenham residência no próprio estabelecimento ou em local próximo a ele; e V – obtenham no mínimo setenta por cento da sua renda provinda da atividade pecuária e não agropecuária do estabelecimento, excluídos os benefícios sociais e os proventos previdenciários decorrentes de atividades rurais (Rio Grande do Sul, 2010Rio Grande do Sul. (2010). Decreto n° 48.316, de 31 de agosto de 2011. Regulamenta o Programa Estadual de Desenvolvimento da Pecuária de Corte Familiar – PECFAM, instituído pela Lei nº 13.515, de 13 de setembro de 2010, e dá outras providências. Recuperado em 9 de agosto de 2018, de http://www.al.rs.gov.br/legis/M010/M0100099.ASP?Hid_Tipo=TEXTO&Hid_TodasNormas=56585&hTexto=&Hid_IDNorma=56585
http://www.al.rs.gov.br/legis/M010/M0100...
, p. 1).

Segundo Waquil et al. (2016)Waquil, P. D., Matte, A., Neske, M. Z., & Borba, M. F. S. (2016). Pecuária familiar no Rio Grande do Sul: a ressignificação de uma categoria social. In P. D. Waquil, A. Matte, M. Z. Neske & M. F. S. Borba (Eds.), Pecuária familiar no Rio Grande do Sul: história, diversidade social e dinâmicas de desenvolvimento (pp. 11-16). Porto Alegre: Editora UFRGS., existem 60 mil estabelecimentos de pecuaristas familiares no Rio Grande do Sul, o que representa 70% do total de produtores dedicados à pecuária de corte nesta unidade federativa brasileira. Em pesquisa realizada com 60 pecuaristas familiares nos municípios de Bagé, Dom Pedrito e Quaraí, Ribeiro (2016)Ribeiro, C. R. (2016). O modo de vida dos pecuaristas familiares do pampa brasileiro. In P. D. Waquil, A. Matte, M. Z. Neske & M. F. S. Borba (Eds.), Pecuária familiar no Rio Grande do Sul: história, diversidade social e dinâmicas de desenvolvimento (pp. 87-107). Porto Alegre: Editora UFRGS. constatou que são poucos os pecuaristas familiares jovens, sendo que, quando se fala em jovens mulheres esse número é ainda mais reduzido. Segundo essa fonte, 51% dos chefes de família na região estudada são idosos (mais de 60 anos), sendo que o processo de envelhecimento se dá sem a expectativa de sucessores. Na pecuária familiar “não é comum os pais se ‘aposentarem’ e repassarem para seus filhos a condução das atividades do estabelecimento e da própria família” (Ribeiro, 2016Ribeiro, C. R. (2016). O modo de vida dos pecuaristas familiares do pampa brasileiro. In P. D. Waquil, A. Matte, M. Z. Neske & M. F. S. Borba (Eds.), Pecuária familiar no Rio Grande do Sul: história, diversidade social e dinâmicas de desenvolvimento (pp. 87-107). Porto Alegre: Editora UFRGS., p. 95, aspas no original). A questão da sucessão é parte desse cenário, sobretudo, porque é uma questão que se busca equacionar, predominantemente, no âmbito da própria família.

É importante ressaltar que a sucessão considera a manutenção do estabelecimento rural familiar através das gerações, o que envolve a transferência da propriedade da terra, de bens móveis e de conhecimentos, dos pais para filhos, mas também a transmissão cultural, do saber fazer, de práticas que atravessam gerações, as quais determinam ações e escolhas individuais e coletivas. Logo, a ausência de sucessores implica, também, em perdas culturais, na aniquilação progressiva de um saber-fazer, de um modo ou estilo de vida (Sacco dos Anjos & Caldas, 2006Sacco dos Anjos, F., & Caldas, N. V. (2006). Pluriatividade e sucessão hereditária na agricultura familiar. In S. Schneider (Ed.), A diversidade da agricultura familiar. Porto Alegre: Editora UFRGS.).

O problema da sucessão geracional atinge todo o estado do Rio Grande do Sul e aparece retratado, de forma bastante enfática, nos números dos sucessivos censos demográficos. Tais dados refletem um panorama de progressiva queda da população rural. Segundo dados do IBGE, no ano de 1970 a população rural do Rio Grande do Sul representava 44% da população total desta unidade federativa. Já em 2010, esse número caiu para 15,6%. Mais especificamente com relação à Jaguarão, contexto empírico da pesquisa que ensejou esse artigo, os dados do IBGE mostram que no ano de 1970, 25,7% da população total do município residia na zona rural. Todavia, em 2010 tal proporção chegou a escassos 6,5%. Mas essa localidade, situada no extremo sul do país, conheceu mudanças sociais profundas, as quais estão diretamente relacionadas com o objeto deste estudo.

Nos últimos dez anos Jaguarão vivenciou a conversão de 37.000 ha de campo nativo em lavouras de soja. Esse processo vem sendo empreendido por agricultores originários da região noroeste do Rio Grande do Sul, os quais são atraídos pelos preços mais baixos das terras em Jaguarão, se comparados aos praticados naquela região. Esse processo de expansão da soja e de outras culturas se dá, essencialmente, via arrendamento de áreas de campo nativo e, em menor medida, através da aquisição de propriedades.

Em estudo realizado nessa mesma região Nardini & Sacco dos Anjos (2020)Nardini, M., & Sacco dos Anjos, F. (2020). A expansão da soja no município de Jaguarão/RS: análise das percepções através da abordagem narrativa. Revista de Economia e Sociologia Rural, 58(3), e213748. http://dx.doi.org/10.1590/1806-9479.2020.213748
http://dx.doi.org/10.1590/1806-9479.2020...
indicaram que o principal motivo que levou os pecuaristas a arrendarem e venderem suas áreas aos sojicultores foi o processo de envelhecimento dos produtores e a falta de perspectiva de encontrarem sucessores no âmbito da própria família.

O Escritório Municipal da Emater de Jaguarão estima a existência de 300 estabelecimentos de pecuaristas familiares no município. Segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2017)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2017). Censo demográfico – séries históricas. População por situação do domicilio 1950-2010. Recuperado em 2 de agosto de 2018, de https://www.ibge.gov.br/estatisticas novoportal/sociais/saude/9662-censo-demografico-2010.html?=&t=series-historicas
https://www.ibge.gov.br/estatisticas ...
, nesta localidade existem 614 estabelecimentos rurais. Com base nestes dados estima-se que 48,85% dos estabelecimentos rurais do município se enquadram dentro do conceito de pecuária familiar. Tais unidades produtivas operam em áreas de até 300 ha, especialmente na criação de bovinos de corte e/ou de ovinos. A produção se baseia na mão de obra da própria família, constituindo-se em um conjunto de atividades e técnicas produtivas altamente tributárias das potencialidades do bioma Pampa, por meio da criação extensiva em campo nativo. Além disso, essa atividade representa a manutenção da cultura local, que está diretamente relacionada com a figura do gaúcho, símbolo do estado do Rio Grande do Sul.

O objetivo deste artigo é entender como as disposições adquiridas pelos pecuaristas familiares, ao longo de sua socialização, interferem ou não na sucessão desta categoria social, uma vez que há muitos elementos que se mostram relevantes e que afetam diretamente o presente e o futuro da região e do próprio bioma Pampa. O trabalho se estrutura, além desta introdução em sete outras seções. A primeira apresenta e debate os traços que identificam o pecuarista familiar como ator social, enquanto a segunda volta-se à questão da reprodução social e da sucessão geracional. A terceira seção explicita a metodologia empregada na pesquisa, ao passo que a quarta estabelece um quadro geral sobre a atividade pecuária na região em questão. É na quinta e sexta seções que se busca apresentar e debater os achados da pesquisa. A última seção reúne algumas conclusões e considerações finais deste estudo.

Fundamentação Teórica

O Pecuarista familiar: origem e formação

A construção social da categoria de pecuarista familiar representa a reivindicação de um espaço dentro do campo das políticas públicas, mas também de resgate da importância da pecuária extensiva, tida como uma das consagradas vocações do bioma Pampa. O pecuarista familiar é definido como: “um tipo de agricultor familiar que tem como atividade principal a bovinocultura de corte extensiva, utiliza a mão de obra da família, tem a maior parte de sua renda oriunda da atividade agrícola e detém áreas de até 300 ha” (Ribeiro, 2016Ribeiro, C. R. (2016). O modo de vida dos pecuaristas familiares do pampa brasileiro. In P. D. Waquil, A. Matte, M. Z. Neske & M. F. S. Borba (Eds.), Pecuária familiar no Rio Grande do Sul: história, diversidade social e dinâmicas de desenvolvimento (pp. 87-107). Porto Alegre: Editora UFRGS., p. 89). Para Waquil et al. (2016Waquil, P. D., Matte, A., Neske, M. Z., & Borba, M. F. S. (2016). Pecuária familiar no Rio Grande do Sul: a ressignificação de uma categoria social. In P. D. Waquil, A. Matte, M. Z. Neske & M. F. S. Borba (Eds.), Pecuária familiar no Rio Grande do Sul: história, diversidade social e dinâmicas de desenvolvimento (pp. 11-16). Porto Alegre: Editora UFRGS., p. 12), o pecuarista familiar pode ser concebido como “um ator social diferenciado étnica e culturalmente, ligado a um conjunto de fenômenos históricos”.

O fato de a região Sul do Rio Grande do Sul, âmbito socioespacial em que se concentra a maior parte dos pecuaristas familiares do estado do Rio Grande do Sul, ser um espaço ocupado, predominantemente, por grandes explorações contribuiu para que, durante muito tempo, os pecuaristas familiares fossem excluídos das políticas públicas. Com o passar dos anos, algumas das grandes estâncias1 1 A palavra estância por si só não representava somente os grandes estabelecimentos. Originária da língua espanhola, identifica explorações voltadas à criação de gado, independente do tamanho do estabelecimento e do número de animais criados (Osório, 2016). da região Sul, voltadas para a criação de gado, tiveram suas áreas divididas em função dos mecanismos de herança e de crises econômicas2 2 No século XIX as formas de acesso à terra eram: a doação das sesmarias, posse, arrendamento, herança ou compra. Também existiam criadores que não eram proprietários de terras, os quais dedicavam-se à cria de gado como posseiros, capatazes ou arrendatários (Fernandes & Miguel, 2016). . Por força de reiterados desmembramentos amplia-se o número de pecuaristas familiares, detentores de estabelecimentos de menor porte (Sandrini, 2005Sandrini, G. B. D. (2005). Processo de inserção dos pecuaristas familiares do Rio Grande do Sul na cadeia da carne (Dissertação de mestrado). Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Recuperado em 8 de março de 2018, de https://lume.ufrgs.br/handle/10183/7809
https://lume.ufrgs.br/handle/10183/7809...
). No entanto, sobressai a imagem de região de latifúndios, concepção que reflete os traços de uma estrutura fundiária que segue ainda bastante concentrada.

Algumas fontes consideram que os pequenos estabelecimentos destinados à criação de gado eram mais numerosos na zona da campanha e no extremo sul gaúcho desde meados do século XIX. Esse é um dos achados da pesquisa de Fernandes & Miguel (2016)Fernandes, V. D., & Miguel, L. A. (2016). A presença histórica da pecuária familiar na região da Campanha do Rio Grande do Sul. In P. D. Waquil, A. Matte, M. Z. Neske & M. F. S. Borba (Eds.), Pecuária familiar no Rio Grande do Sul: história, diversidade social e dinâmicas de desenvolvimento (pp. 41-61). Porto Alegre: Editora UFRGS., realizada no município de Santana do Livramento. Esse trabalho demonstrou, por meio da análise de inventários e de censos da época, que, nesta localidade, a maior parte dos produtores era formada por pequenos e médios criadores. A investigação de Farinatti (2005)Farinatti, L. A. (2005). Criadores de gado na fronteira meridional do Brasil (1831-1870). In Anais da II Jornadas de História Regional Comparada. Porto Alegre., no município de Alegrete, também constatou que a maioria dos criadores de gado era constituída por produtores de porte médio e inclusive pequeno.

É importante lembrar uma característica da atividade pecuária: a relação direta que tal mètier estabelece com os recursos naturais, uma vez que depende fundamentalmente da vegetação natural, do campo nativo, dos recursos hídricos e de outros ativos territoriais. Nesse sentido, consta que:

A reprodução dos meios produtivos e da vida social dos pecuaristas familiares são mais dependentes dos recursos oferecidos ‘gratuitamente’ pela natureza (chuva, energia solar, pastagem natural, mata nativa, etc.), o que revela que a autonomia e emancipação em relação aos mercados passa por essas ‘trocas’ realizadas com a natureza (Neske, 2016Neske, M. Z. (2016) Mercantilização, heterogeneidade social e autonomia na produção familiar: uma análise da pecuária familiar do sul do Rio Grande do Sul. In P. D. Waquil, A. Matte, M. Z. Neske & M. F. S. Borba (Eds.), Pecuária familiar no Rio Grande do Sul: história, diversidade social e dinâmicas de desenvolvimento (pp. 131-148). Porto Alegre: Editora UFRGS., p. 144, destacado no original).

Para Tourrand (2016)Tourrand, J. F. (2016). Prefácio. In P. D. Waquil, A. Matte, M. Z. Neske & M. F. S. Borba (Eds.), Pecuária familiar no Rio Grande do Sul: história, diversidade social e dinâmicas de desenvolvimento (pp. 7-9). Porto Alegre: Editora UFRGS., o funcionamento da pecuária familiar pode ser comparado a um tripé integrado por: campo nativo (vegetação típica do bioma Pampa, que alimenta os animais); o rebanho, constituído por bovinos e/ou ovinos e, a própria família, encarregada de exercer todas as fainas que correspondem a esta secular atividade na região em questão. As estratégias adotadas, ao fim e ao cabo, pelas famílias para garantir a sua reprodução social - em um contexto de uma vulnerabilidade crescente - são resultantes de um modo de vida, que inclui o contexto em que está inserida, os recursos de que dispõe e as circunstâncias que regem o ciclo de vida familiar.

A reprodução social

A reprodução social aborda os caminhos que levam à continuidade de estruturas, práticas e instituições (Brumer & Anjos, 2008Brumer, A., & Anjos, G. (2008). Gênero e reprodução social na agricultura familiar. Nera, 11(12), 6-17.). No caso dos estabelecimentos rurais familiares, existem duas formas de reprodução social: a reprodução de curto prazo e a de ciclo longo. A abordagem de ciclo curto se refere à reprodução da unidade de produção familiar no ciclo anual, analisa como são utilizados os recursos naturais, o conhecimento e o trabalho para atender a família e às dinâmicas do ciclo produtivo. Já a abordagem de ciclo longo, remete à reprodução geracional. As famílias rurais adotam estratégias dos dois tipos, simultaneamente, no ciclo curto e no ciclo longo, para reproduzir-se (Almeida, 1986Almeida, M. W. B. (1986). Redescobrindo a família rural. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 1(1), 66-83. Recuperado em 5 de maio de 2018, de http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_01/rbcs01_06.htm
http://www.anpocs.org.br/portal/publicac...
).

Vem de Bourdieu a noção de estratégias de reprodução. Essa noção explica a reprodução da disposição dos sujeitos no espaço social por meio da socialização. Segundo Bourdieu o habitus pode ser definido como:

[...] um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas [...] (Bourdieu, 1983Bourdieu, P. (1983). Sociologia. São Paulo: Ática., p. 65).

Nesse sentido, para Bourdieu são as disposições que orientam as ações dos indivíduos, as quais são estruturas dinâmicas, ao mesmo tempo produto e produtoras de ações (Thiry-Cherques, 2006Thiry-Cherques, H. (2006). Roberto. Pierre Bourdieu: a teoria na prática. Revista de Administração Pública, 40(1), 27-53. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-76122006000100003
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-76122006...
). Por outra parte, as disposições “são as rotinas corporais e mentais inconscientes que nos permitem agir sem pensar” (Thiry-Cherques, 2006Thiry-Cherques, H. (2006). Roberto. Pierre Bourdieu: a teoria na prática. Revista de Administração Pública, 40(1), 27-53. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-76122006000100003
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-76122006...
, p. 33).

Parte-se da premissa de que as teorias de Bourdieu sobre as estratégias de reprodução e a noção de habitus ajudam na compreensão do processo de sucessão geracional da pecuária familiar no extremo sul do Brasil. Ao comentar esse conceito basilar da sociologia contemporânea, Scott (2010Scott, J. (2010) Sociologia: conceitos-chave. Rio de Janeiro: Zahar., p. 99) acrescentou: “As disposições fornecem um acervo de recursos latentes, na forma do que Bourdieu chama de ‘esquemas gerativos’, aos quais se pode recorrer quando as circunstâncias o exigirem” (aspas no original).

A acepção de Bourdieu aparece resumidamente exposta no esquema a seguir transcrito (Figura 1). As estratégias de reprodução representam o corolário do habitus e de um sistema de disposições.

Figura 1
– Esquema teórico Bourdieu. Fonte: Elaboração dos autores (2021)

Para Bernard Lahire o conceito de habitus como sistema homogêneo de disposições precisa ser redefinido, uma vez que tal noção reflete uma sociedade homogênea, que não é o caso da sociedade atual, na qual, desde cedo, os indivíduos vivenciam uma grande diversidade de contextos socializantes (Lahire, 2004Lahire, B. (2004). Trajetória acadêmica e pensamento sociológico: entrevista com Bernard Lahire. Educação e Pesquisa, 30(2), 315-321. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022004000200009
http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022004...
).

Para Lahire a ação social é induzida por uma grande diversidade de disposições, que são variáveis e podem ser contraditórias, as quais são resultantes das experiências vividas por cada indivíduo, sofrendo influência do contexto em que ocorre a interação (Oliveira, 2008Oliveira, M. C. V. (2008). Duas formas de se pensar os determinantes da prática ou do consumo cultural na sociologia: Pierre Bourdieu e Bernard Lahire. In Anais eletrônicos do IV Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (ENECULT). Salvador: Universidade Federal da Bahia. Recuperado em 29 de dezembro de 2020, de http://www.cult.ufba.br/enecult2008/14167.pdf
http://www.cult.ufba.br/enecult2008/1416...
). As disposições são as experiências sociais absorvidas pelos indivíduos ao longo de sua trajetória. Nesse sentido, “nós somos todos produtos de experiências sociais que, em grande parte, escapam à nossa vontade e mesmo, às vezes, à nossa consciência” (Lahire, 2012Lahire, B. (2012). Entrevista com Bernard Lahire. Áskesis - Revista dos Discentes do PPGS/UFSCar, 1(1), 200-210. Recuperado em 9 de janeiro de 2021, de https://www.revistaaskesis.ufscar.br/index.php/askesis/article/view/447
https://www.revistaaskesis.ufscar.br/ind...
, p. 204).

Lahire entende que o habitus é formado por patrimônio de disposições, as quais os indivíduos carregam consigo e não sistemas como referiu Bourdieu. Na acepção de Lahire, Bourdieu, ao pensar em sistemas de disposições, prevê uma coerência nos indivíduos, uma homogeneidade. Por seu turno, Lahire entende que essas disposições podem inclusive ser contraditórias, algo que dependerá dos contextos de interação dos quais o indivíduo participa e de sua própria trajetória.

O autor usa a palavra “estoque” como uma metáfora para se referir ao conjunto de sínteses de experiências que os indivíduos incorporaram. Para este pesquisador:

[...] os repertórios de esquemas de ação (de hábitos) são conjuntos de sínteses de experiências sociais que foram construídas/incorporadas durante a socialização anterior nos âmbitos sociais limitados/delimitados, e aquilo que cada ator adquire progressivamente e mais ou menos completamente são tanto hábitos como sentidos da pertença contextual (relativa) de terem sido postos em prática (Lahire, 2002Lahire, B. (2002). Homem plural: os determinantes da ação (J. A. Clasen, Trad.). Petropolis: Vozes., p. 37).

Nesse sentido, busca-se compreender as disposições que envolvem as dinâmicas sucessórias em estabelecimentos rurais da pecuária familiar no município de Jaguarão/RS. Trata-se aqui de saber, em que medida, tais atores apresentam disposições mais homogêneas ou mais contraditórias, se as disposições adquiridas ao longo da trajetória e dos contextos de interação levaram a mudanças mais ou menos profundas e entender se, e em que nível, tais disposições levam a uma tendência mais favorável, ou não, no que tange à sucessão geracional no âmbito dos estabelecimentos rurais.

A Sucessão geracional

A sucessão geracional pode ser definida como o processo, por meio do qual, os/as filhos (as) decidem entre sair e ficar no estabelecimento rural (Spanevello, 2008Spanevello, R. M. (2008). A dinâmica sucessória na agricultura familiar (Tese de doutorado). Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Recuperado em 12 de março de 2018, de https://lume.ufrgs.br/handle/10183/16024
https://lume.ufrgs.br/handle/10183/16024...
). Todavia, parte-se aqui da premissa de que sucessão geracional é um tema mais amplo e complexo, o qual não compreende apenas a transmissão do patrimônio da família acumulado através das gerações, mas todo um conhecimento e de uma cultura que, conjuntamente, guiam as escolhas e garantem que um dos sucessores reproduza a situação original (Sacco dos Anjos & Caldas, 2006Sacco dos Anjos, F., & Caldas, N. V. (2006). Pluriatividade e sucessão hereditária na agricultura familiar. In S. Schneider (Ed.), A diversidade da agricultura familiar. Porto Alegre: Editora UFRGS.).

No meio rural - é importante frisar - o processo de escolha do sucessor e o de partilha dos bens, apesar de estarem articulados, não são exatamente a mesma coisa. Assim, enquanto o processo sucessório visa assegurar a continuidade do estabelecimento rural familiar, a partilha dos bens refere-se à divisão do patrimônio (Carneiro, 2001Carneiro, M. J. (2001). Herança e gênero entre agricultores familiares. Estudos Feministas, 9(1), 22-55. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2001000100003
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2001...
).

Duarte et al. (2021)Duarte, L. C., Spanevello, R. M., Boscardin, M., & Lago, A. (2021). A diversidade dos arranjos sucessórios em propriedades rurais não agrícolas no noroeste do Rio Grande do Sul. Desenvolvimento Regional em Debate, 11, 1-20. http://dx.doi.org/10.24302/drd.v11.3166
http://dx.doi.org/10.24302/drd.v11.3166...
descrevem três tipos de arranjos sucessórios: sucessão geracional, rural e hereditária. Na sucessão geracional os jovens permanecem no estabelecimento desenvolvendo a atividade que já vinha sendo praticada no mesmo; na sucessão rural os filhos são sucessores, mas desenvolvem uma atividade diferente da que já é praticada no estabelecimento; na sucessão hereditária o sucessor assume apenas o patrimônio, vendendo-o ou arrendando.

Sabe-se que “a profissão de agricultor é, dentre todas, a mais fortemente determinada por transmissão hereditária, um ‘oficio’ que passa de pai para filho” (Schneider, 1994Schneider, I. (1994). Êxodo, envelhecimento populacional e estratégias de sucessão na exploração agrícola. Indicadores Econômicos, 21, 259-268. Recuperado em 13 de agosto de 2018, de https://revistas.fee.tche.br/index.php/indicadores/article/view/629
https://revistas.fee.tche.br/index.php/i...
, p. 264, aspas no original). Os dados do IBGE referentes aos últimos censos demográficos ilustram o declínio progressivo da população rural brasileira. De acordo com Balsadi & Grossi (2016)Balsadi, O. V., & Grossi, M. E. D. (2016). Trabalho e emprego na agricultura brasileira. Um olhar para o período 2004-2014. Revista de Política Agrícola, 25(4), 82-96. Recuperado em 6 de março de 2020, de https://seer.sede.embrapa.br/index.php/RPA/article/view/1204
https://seer.sede.embrapa.br/index.php/R...
, no período de 2004 a 2014, por exemplo, a PEA (População Economicamente Ativa) ocupada na agricultura caiu 2,8% ao ano, resultando na redução de um contingente de 3,6 milhões de pessoas. Sendo assim, esse descenso interfere diretamente na sucessão geracional dos estabelecimentos rurais. Até a década de 1980 a maior preocupação da sucessão geracional nos estabelecimentos rurais familiares era encontrar saídas para garantir o futuro dos filhos no âmbito rural. Hoje a preocupação parece ser formular alternativas para garantir a continuidade do negócio familiar e manter o estabelecimento indiviso.

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa de natureza eminentemente qualitativa. O instrumento de coleta de dados foi a entrevista face a face (Ramos, 2016Ramos, M. P. (2016). Uso de questionários e entrevistas na pesquisa social: vantagens e limitações. In P. A. R. Niz, C. M. Rech, P. Lisdero & R. F. Fachinetto (Eds.), Metodologia em ciências sociais hoje: práticas, abordagens e experiências de investigação (Vol. 2, pp. 127-146). Jundiaí: Paco Editorial.). Ao todo foram realizadas 31 entrevistas (com 22 famílias), sendo 29 com pecuaristas familiares (pais, mães e filhos, incluindo “não sucessores” que não seguiram nos estabelecimentos) e duas entrevistas com extensionistas rurais do município, sendo um da Emater e outro da Prefeitura Municipal de Jaguarão. O número de entrevistas não foi baseado na pretensão de representatividade estatística, mas sim, de uma imersão em profundidade do contexto sob análise. O critério usado para estabelecer o número de entrevistados foi o ponto de saturação, que é atingido quando as respostas dos entrevistados começam a se repetir (Baldin & Munhoz, 2011Baldin, N., & Munhoz, E. M. B. (2011). Snowball (bola de neve): uma técnica metodológica para pesquisa em educação ambiental comunitária. In Anais do 10º Congresso Nacional de Educação (EDUCERE) (pp. 329-341). Curitiba: PUCPR. Recuperado em 24 de março de 2020, de https://educere.bruc.com.br/CD2011/pdf/4398_2342.pdf
https://educere.bruc.com.br/CD2011/pdf/4...
), ou seja, quando as falas dos entrevistados já não acrescentam novas informações para a análise.

As entrevistas foram realizadas com membros dos estabelecimentos de pecuária familiar (EPF) do município de Jaguarão. Os critérios para seleção dos EPF entrevistados foram os mesmos estabelecidos na definição de pecuarista familiar, conforme lei que institui o Programa Estadual de Desenvolvimento da Pecuária de Corte Familiar de 2010 (13515/2010).

Para iniciar a etapa de campo, buscou-se, junto aos extensionistas da Emater municipal, a indicação de entrevistados potenciais que atendessem aos referidos critérios de delimitação. Posteriormente, tais indicados foram contatados para averiguar o interesse em participar da pesquisa. Pediu-se aos primeiros entrevistados que indicassem outras pessoas que pudessem se integrar à pesquisa, respeitando os critérios comentados anteriormente. Essa técnica metodológica é chamada de snowball ou Bola de Neve. Nela os participantes iniciais indicam participantes potenciais, que por sua vez indicam outros e assim sucessivamente (Baldin & Munhoz, 2011Baldin, N., & Munhoz, E. M. B. (2011). Snowball (bola de neve): uma técnica metodológica para pesquisa em educação ambiental comunitária. In Anais do 10º Congresso Nacional de Educação (EDUCERE) (pp. 329-341). Curitiba: PUCPR. Recuperado em 24 de março de 2020, de https://educere.bruc.com.br/CD2011/pdf/4398_2342.pdf
https://educere.bruc.com.br/CD2011/pdf/4...
).

As entrevistas foram realizadas no período compreendido entre outubro de 2019 e março de 2020, sendo que a maior parte ocorreu nos domicílios rurais dos entrevistados. Os roteiros de entrevistas envolveram questões abertas, isto é, sem opção de respostas preestabelecidas. As 31 entrevistas somaram mais de 12 h de gravação, sendo que o processo de transcrição produziu 179 páginas de depoimentos. As entrevistas foram gravadas e, posteriormente, transcritas na íntegra para serem organizadas e analisadas.

A análise de conteúdo (Bardin, 2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70.) foi a ferramenta empregada na análise do material reunido neste estudo. Buscou-se interpretar as respostas obtidas nas entrevistas e o contexto, em sua totalidade, visando compreender as dinâmicas sucessórias que envolvem os estabelecimentos de pecuária familiar, denominação que será abreviada com a sigla EPF.

Cabe ressaltar que nesse estudo se considerou os EPF como a categoria de análise, representando o núcleo familiar como um todo. A unidade de análise corresponde, portanto, à família. Também é importante ressaltar que as expressões masculinas “sucessores” e “pecuarista familiar”, referiram-se, no decorrer da pesquisa, a pessoas de ambos os sexos, sem distinção de gênero.

A organização das informações foi estruturada em categorias, as quais podem ser entendidas como: “elementos ou aspectos com características comuns ou que se relacionam entre si” (Gomes, 1994Gomes, R. (1994). A análise de dados em pesquisa qualitativa. In M. C. S. Minayo & R. Gomes (Eds.), Pesquisa social: teoria, método e criatividade (pp. 67-80). Petrópolis: Vozes., p. 70). As categorias foram definidas a posteriori, ou seja, após a realização das entrevistas (emergentes). A primeira categoria volta-se ao panorama desenhado pelos atores sociais acerca da própria realidade. A segunda categoria diz respeito à sucessão familiar sob o prisma dos indivíduos entrevistados. A terceira tem a ver com a percepção acerca do futuro do pecuarista familiar enquanto atividade socioprodutiva. A construção de um marco geral do contexto analisado levou-nos à construção de subgrupos que espelham a realidade analisada. Tal informação é reunida nas tabelas que serão a seguir apresentadas.

Resultados e discussão

Com relação aos pecuaristas familiares, foram destacados aspectos como: tempo de trabalho na atividade pecuária; local de residência dos membros da família; escolaridade; a condição de aposentadoria (ou não) dos entrevistados e a situação de origem ou ascendência.

O tempo de trabalho destinado à atividade pecuária é uma característica que está relacionada diretamente à reprodução social das famílias, uma vez que se trata de um ofício (criador ou pecuarista) que, em grande medida, é transmitido de geração em geração. Tal característica é relatada pelos entrevistados, que destacam a transferência de conhecimentos através das gerações, como assim refere um dos entrevistados: “passou para nós a sabedoria sobre pecuarista e a gente continuou o trabalho dele [pai]” (Pecuarista familiar, 59 anos, informação verbal).

As respostas relacionadas ao tempo de trabalho dedicado à atividade pecuária, na maioria das vezes, ilustram toda uma vida dedicada à produção animal. Foram recorrentes (dezoito entrevistados) depoimentos que podem ser sintetizadas na fala de alguns deles: “Desde que eu me conheço por gente” (Pecuarista familiar, 58 anos, informação verbal); “toda minha vida” (Pecuarista familiar, 67 anos, informação verbal), os quais exaltam o envolvimento em tarefas relacionadas à atividade pecuária desde tenra idade. Um dos pecuaristas familiares entrevistados conta que ajuda nas atividades desde os oito anos: “Eu trabalhava com o pai, cuidava o que era dele, eu que dosava3 3 A “dosagem” vem a ser a aplicação de vermífugos e inseticidas nos rebanhos, bem como a administração de medicamentos. O banho dos animais é outra operação que envolve o manejo do gado em instalações específicas (banheiros de imersão) para o controle do carrapato. , banhava e tudo e depois ficou para mim o que era meu, eu também já criava junto com ele, já tinha os meus bichos e depois segui, faz uns 66 anos” (Pecuarista familiar, 74 anos, informação verbal).

Mesmo que o pecuarista e/ou agricultor não tenha nascido e/ou crescido no estabelecimento em que atualmente se encontra, suas origens estão plantadas no meio rural. Eis que: “dificilmente alguém sem essa vivência familiar, sem conhecimento tácito adquirido, passa a ser agricultor” (Carvalho, 2007Carvalho, V. R. F. (2007). Sucessão da atividade na pequena propriedade rural na perspectiva da família e de gênero. In Anais do XLV Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural. Brasília: SOBER. Recuperado em 24 de outubro de 2016, de www.sober.org.br/palestra/6/487.pdf, p. 02). As falas acima carregam uma ideia implícita que remete ao que preconiza Lahire (2005)Lahire, B. (2005). Patrimônios individuais de disposições: para uma sociologia à escala individual. Sociologia. Problemas e Práticas, (49), 11-42. Recuperado em 31 de janeiro de 2020, de http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0873-65292005000300002&lng=pt&nrm=i
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?scri...
. Segundo a concepção desse sociólogo francês, quanto mais precoce, regular e intensa for a socialização, maior é a chance de determinada disposição se tornar forte. Para ele a força das disposições depende do tempo e da recorrência de sua atualização.

Com relação ao local de residência dos membros da família, sabe-se que, até meados dos anos 1970, era comum toda a família residir no estabelecimento rural e os filhos acompanharem o andamento das atividades de forma direta (Abramovay et al., 1998Abramovay, R., Silvestro, M., Cortina, N., Ferrari, I., & Testa, V. (1998). Juventude e agricultura familiar: desafios dos novos padrões sucessórios. Brasília: Unesco.; Spanevello et al., 2011Spanevello, R. M., Azevedo, L. F., Vargas, L. P., & Matte, A. (2011). A migração juvenil e implicações sucessórias na agricultura familiar. Revista de Ciências Humanas, 45(2), 291-304. http://dx.doi.org/10.5007/2178-4582.2011v45n2p291
http://dx.doi.org/10.5007/2178-4582.2011...
). Tais momentos serviam como um rito de iniciação dos jovens nas lides campeiras. Atualmente, a realidade é outra: com relação ao local de residência, como mostra a Tabela 1, das 22 famílias que fizeram parte da pesquisa, em 36,4% delas reside apenas o titular da exploração. Em 31,8% dos casos reside apenas o casal no estabelecimento. Por fim a mesma proporção (31,8%) corresponde ao caso de a família inteira residir no estabelecimento familiar. Uma característica importante a ser mencionada é que nas sete famílias em que apenas o casal reside no estabelecimento, os pecuaristas familiares possuem uma idade superior a 59 anos, refletindo a tendência de envelhecimento aludida anteriormente, bem como a total ausência de jovens no seio da unidade familiar.

Tabela 1
- Distribuição dos entrevistados segundo a condição de residência no estabelecimento rural.

Na pesquisa de Vargas (2017)Vargas, L. P. (2017). Serviços ecossistêmicos e produção animal no bioma Pampa: uma análise na área de proteção ambiental do Ibirapuitã (Tese de doutorado). Centro de Ciências Rurais, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria., 60% dos entrevistados residem no estabelecimento rural apenas com a esposa, uma vez que os filhos foram para a cidade para trabalharem ou dar continuidade aos estudos. Logo, o que os dados demonstram é que na maior parte dos estabelecimentos não há o envolvimento de toda a família na realização das tarefas, já que os filhos migram para a cidade em busca de outras opções de trabalho, renda e de estudo.

A respeito da escolaridade, 63% dos pecuaristas familiares entrevistados têm Ensino Fundamental incompleto4 4 Considerando que do total de 31 entrevistados, dois são extensionistas e dois são filhos de pecuaristas que exercem outra atividade no meio urbano. , sete possuem o Ensino Médio completo e apenas três possuem Ensino Superior completo. A baixa escolaridade é reflexo do ensino oferecido nas escolas rurais, que geralmente alcança apenas o 4° ano do Ensino Fundamental. Também há relatos de pecuaristas familiares que moraram na cidade para estudar e que, após o término dos estudos, retornaram para trabalhar e viver no estabelecimento familiar. Esse foi o caso de cinco de nossos entrevistados. Segundo as palavras do entrevistado:

Eu morei até os 5 anos na campanha5 5 “Viver na campanha” é como as pessoas se referem ao modo de vida rural nessa parte do país. , lá fora. Depois eu vim para a cidade para estudar, eu estudava e ia nas férias e nos finais de semana para a campanha, morava com a minha vó, minha mãe ficou lá e meu pai também. Depois eu fiz o técnico e voltei para a campanha. Voltei porque gostava de trabalhar na campanha e para ajudar meus pais (Filho de pecuarista familiar, 34 anos, informação verbal).

Do total de famílias entrevistadas, em 36,4% delas havia, pelo menos um aposentado ou pensionista, cuja renda é parte integrante do ingresso econômico familiar. Em 31,8% da amostra o cônjuge também é aposentado, refletindo a situação de famílias que contam com duas rendas mensais provenientes da aposentadoria. A condição de aposentado decididamente não pode ser tomada como término da atividade laboral, isso porque, mesmo estando aposentados, os pecuaristas continuam trabalhando na atividade. A renda da aposentadoria é importante para estes grupos domésticos, uma vez que o ingresso econômico obtido com a pecuária não é mensal. Conforme explica o entrevistado, “no momento que um da família se aposenta, já dá uma melhorada” (Pecuarista familiar, 52 anos, informação verbal).

Dentre os entrevistados, a ascendência prevalecente é a de uruguaios e brasileiros, com exceção de um entrevistado, que relatou ter ascendência portuguesa. Esta ascendência uruguaia se deve à proximidade de Jaguarão com o país vizinho, haja vista que uma simples ponte separa esta localidade de Rio Branco, a cidade limítrofe situada na outra margem de um rio que leva o mesmo nome do município no qual realizamos esta pesquisa. A ascendência ibérica é uma das características identificadas em alguns estudos realizados na área como determinante para o aludido rito sucessório. No entanto, nessa pesquisa, este fator não se mostrou determinante enquanto eixo definidor de um determinado padrão, tampouco para as definições que dizem respeito à herança dos estabelecimentos dos pecuaristas familiares.

A respeito dos estabelecimentos de pecuária familiar interessava conhecer aspectos relacionados à forma de obtenção dos mesmos (herança ou compra), a área dos estabelecimentos rurais e a renda da propriedade. A principal forma de obtenção dos estabelecimentos dos pecuaristas familiares é a herança, correspondente a 86% dos entrevistados. Os estabelecimentos geralmente são herança dos avós e alguns têm suas origens ligadas aos grandes pecuaristas, como bem relata um dos entrevistados, que se remete ao tempo da distribuição das sesmarias: “A nossa família, por parte de pai, era uma família de grandes pecuaristas. O padre Felisberto Faria tinha duas sesmarias6 6 Uma légua de sesmaria corresponde a 4.356 hectares. de campo” (Pecuarista familiar, 59 anos, informação verbal).

Com a divisão dos estabelecimentos rurais através da herança, as áreas foram se tornando menores, algumas das vezes inviáveis para o desenvolvimento da atividade pecuária, visto ser esta uma atividade praticada em regime extensivo. Muitas vezes as áreas já são pequenas e a parte que cabe a cada herdeiro não permite a continuidade da atividade pecuária, situação que gera o êxodo rural. Segundo um de nossos entrevistados: “uns quantos, pais morreram, venderam, quando a propriedade é pequena divide e fica pouco, melhor vender e ir para a cidade” (Pecuarista familiar, 57 anos, informação verbal); “O maior êxodo está nessa parte, porque fica dividido muitas vezes, uma terra de 50 ha, divide por dois fica 25 ha, o que vai fazer com 25 ha? Nada” (Pecuarista familiar, 52 anos, informação verbal).

Uma das práticas comuns nessa situação é a compra das áreas dos demais irmãos por um dos herdeiros. Essa foi uma estratégia relatada com frequência nas entrevistas, a qual é realizada tanto pelas gerações passadas quanto pelas atuais. Um dos entrevistados relata a estratégia adotada na sua família, em tempos pretéritos: “O pai seguiu na propriedade dele, comprou dos outros irmãos. Todos os filhos receberam herança igual” (Pecuarista familiar, 58 anos, informação verbal). Outro entrevistado relata: “éramos 14 irmãos, todos receberam a mesma herança, todos venderam, comprei deles” (Pecuarista familiar, 82 anos, informação verbal). A compra das partes por um dos herdeiros é o que muitas vezes viabiliza a continuidade da exploração comercial do estabelecimento. Tal recurso reflete uma estratégia de sucessão para manter o patrimônio indiviso. Desse modo, busca-se fugir do risco de inviabilização econômica em virtude da excessiva fragmentação do estabelecimento.

Com relação à área dos estabelecimentos dos pecuaristas familiares, das 22 famílias entrevistadas, 41% delas possuem área superior a 100 ha e 59%, área inferior a 100 ha. Quatro produtores, além de áreas de pastagem e de campo nativo, também plantam soja. Outros quatro arrendam parte da área total do estabelecimento para produtores de soja e, nos demais casos, a maior parte da área é destinada à pastagem cultivada e campo nativo.

A renda média anual relatada pelos pecuaristas familiares oscila entre R$ 30.000,00 e R$ 40.000,00. Sete7 7 Considerando apenas os entrevistados P, não os filhos de pecuaristas. dos entrevistados (35%), conforme a Tabela 2, disseram não saber qual a renda obtida por não ter o hábito de fazer anotações. Alguns estudos (Sacco dos Anjos & Caldas, 2006Sacco dos Anjos, F., & Caldas, N. V. (2006). Pluriatividade e sucessão hereditária na agricultura familiar. In S. Schneider (Ed.), A diversidade da agricultura familiar. Porto Alegre: Editora UFRGS.) encontraram uma associação entre estabelecimentos com perspectiva de sucessores e rendas familiares mais altas. No extremo oposto, estabelecimentos sem expectativa de sucessores são aqueles que apresentam um nível de ingresso mais baixo.

Tabela 2
- Distribuição dos estabelecimentos segundo a renda familiar, expectativa de sucessão e existência de filhos

Na presente pesquisa, uma renda anual mais elevada não se mostrou relacionada aos estabelecimentos com perspectiva de sucessor. A Tabela 2 mostra uma visão conjunta dos estabelecimentos que integram a amostra. No cômputo geral, 55% dos estabelecimentos não possuem expectativa de sucessão; 15% são souberam informar e apenas 30% responderam afirmativamente a essa questão.

Cabe observar, ainda com base na Tabela 2, que dos onze estabelecimentos que não têm expectativa de sucessão, seis (54,5%) são justamente aqueles que não contam com descendentes. Outro aspecto digno de nota é que o estabelecimento que possui a maior renda familiar (100 mil Reais) é um dos casos onde a sucessão é incerta.

A sucessão na percepção dos pecuaristas familiares

Os aspectos históricos, culturais, sociais, conjunturais e, sobretudo, o peso de tradições arraigadas moldam os chamados padrões sucessórios que predominam nas respectivas regiões. Os projetos individuais de vida, mormente formados pelas disposições adquiridas pelos sujeitos ao longo de sua existência, também exercem influência sobre as famílias de pecuaristas familiares, que buscam adaptar-se às modificações constantes a que estão expostos. A formação ou não de tradições e padrões sucessórios faz parte dessa adaptação, a qual reflete a conciliação de fatores externos e internos à exploração familiar. Segundo Neiman (2017Neiman, M. (2017). La herencia en las empresas familiares de la región pampeana argentina durante el actual período de auge económico de la actividad agrícola. Papers, 102(3), 509-531. http://dx.doi.org/10.5565/rev/papers.2269
http://dx.doi.org/10.5565/rev/papers.226...
, p. 512):

un modelo de sucesión a partir de la combinación de arreglos económicos y no económicos que se corresponden con criterios afectivos y parentales que apunta a mantener a la empresa familiar en funcionamiento, pero también para responder a los proyectos de vida de los miembros del hogar.

O Quadro 1 foi construído no sentido de apresentar uma visão sintética acerca da expectativa de continuidade dos estabelecimentos rurais dos pecuaristas familiares entrevistados. São apresentadas quatro situações, conforme o quadro: estabelecimentos que apresentam certeza de sucessão; estabelecimentos onde a sucessão é incerta; estabelecimentos em que os pecuaristas não têm filhos e nem sucessor e estabelecimentos em que os pecuaristas têm filhos, mas não têm sucessores.

Quadro 1
- Distribuição dos estabelecimentos segundo a idade dos entrevistados, número de filhos, número de sucessores potenciais e sexo do sucessor potencial.

Dos 20 pecuaristas familiares entrevistados (sem contar os filhos), 30%, têm certeza de que terão sucessores, 25%, não têm certeza se terão sucessores e 45% decididamente não possuem sucessores. Dos nove entrevistados que não têm sucessores, cinco não têm filhos e não visualizam possíveis sucessores, e quatro, apesar de terem filhos, já tem certeza de que os filhos não serão seus sucessores. Ou seja, em apenas 30% das famílias entrevistadas há uma expectativa favorável em relação à sucessão.

Os motivos mais mencionados como determinantes para ampliar as chances de sucessão na pecuária familiar foram: o gostar e a vocação. Tais motivos foram citados por 18 entrevistados. Para a maior parte dos entrevistados o gostar é o que determina a sucessão: as pessoas que gostam do meio rural, da pecuária é que seguem no estabelecimento, na atividade. A opinião de um dos entrevistados sintetiza esse aspecto: “depende da pessoa, se gosta de permanecer. Tem gente que não gosta. Eu mesma sou uma que se pudesse permanecer sempre lá ia permanecer” (Pecuarista familiar, 70 anos, informação verbal).

Para um dos entrevistados, se a pessoa não gosta, não será sucessor, mesmo que receba incentivos: “mas sabe que aquela pessoa que gosta, e quem não gosta, não adianta. Não tem como insistir” (Pecuarista familiar, 55 anos, informação verbal). Outro entrevistado também pensa assim: “Se não gostar não adianta eu incentivar, eu querer” (Pecuarista familiar, 63 anos, informação verbal). O gostar soa nas falas, não raras vezes, como uma forma de estoicismo, de uma capacidade de se sujeitar a uma vida de dificuldades e de incertezas.

Para Lahire, a maneira como as disposições foram adquiridas, o momento da biografia individual em que as disposições foram adquiridas e o contexto atual de sua atualização determinam a forma como serão interiorizados e atualizados, definindo o gostar, a vontade e/ou o não gostar (Lahire, 2005Lahire, B. (2005). Patrimônios individuais de disposições: para uma sociologia à escala individual. Sociologia. Problemas e Práticas, (49), 11-42. Recuperado em 31 de janeiro de 2020, de http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0873-65292005000300002&lng=pt&nrm=i
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?scri...
). O incentivo que receberam dos pais e a vivência da atividade pecuária de forma positiva, podem, por exemplo, ter desencadeado o “gostar” mencionado pelos entrevistados. Ainda segundo Lahire:

Os hábitos que foram interiorizados precocemente, em condições favoráveis à sua boa interiorização (sem fenômenos de injunção contraditória, sem interferências na “transmissão cultural” devido a dissonâncias culturais entre os pais ou entre o que dizem os adultos e o que eles fazem, entre o que eles dizem e a maneira que o dizem...) e que encontram condições positivas (socialmente gratificantes) de concretização, podem dar lugar àquilo que é comumente denominado por paixão (Lahire, 2005Lahire, B. (2005). Patrimônios individuais de disposições: para uma sociologia à escala individual. Sociologia. Problemas e Práticas, (49), 11-42. Recuperado em 31 de janeiro de 2020, de http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0873-65292005000300002&lng=pt&nrm=i
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?scri...
, p. 22; aspas no original).

Segundo Lahire o gosto é formado também, em grande parte, pela trajetória escolar percorrida pelo indivíduo. Segundo suas próprias palavras: “o volume e a natureza (literária versus científica) do capital escolar adquirido determinam em grande parte os gostos e disposições culturais” (Lahire, 2004Lahire, B. (2004). Trajetória acadêmica e pensamento sociológico: entrevista com Bernard Lahire. Educação e Pesquisa, 30(2), 315-321. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022004000200009
http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022004...
, p. 318).

A vocação também é um fator determinante para a sucessão. Segundo um dos entrevistados (Pecuarista familiar, 34 anos, informação verbal), “se não tiver vocação e um pouco de amor, não fica. Acho que, quem tem vocação, volta”. A vocação ainda é citada como característica decisiva para a definição do sucessor nas famílias com mais de um filho. Um dos entrevistados relata: “acho que é o que se identifica mais com a pecuária. Sempre tem um que tem mais vocação para tocar” (Filho de pecuarista familiar, 34 anos, informação verbal).

A vivência que marca as lides campeiras é um dos fatores que, na opinião dos entrevistados, exerce forte influência no processo sucessório. O período de vivência, desde a infância, acompanhando as atividades desenvolvidas dentro do estabelecimento, desperta o gostar e constrói o conhecimento no sentido de um domínio básico das fainas rurais. De acordo com os entrevistados, para ser sucessor “O filho tem que ser criado dentro da propriedade e aprender com os pais, se ele sai da propriedade não entende nada de pecuária, vai seguir outro caminho, se empregar em uma empresa, são poucos que seguem” (Pecuarista familiar, 71 anos, informação verbal). Um dos entrevistados conta o exemplo do seu filho para ilustrar essa ideia:

Desde pequeno trabalham, o meu filho, desde os seis anos.... Ia na feira tropear com o pai. Sempre gostou, gosta. Já trabalhou na cidade e voltou, ele gosta mesmo. Acho que a criança tem que ser acostumada naquela lida, a lidar com os animais, para gostar (Pecuarista familiar, 82 anos, informação verbal).

É preciso considerar que até mesmo essa vivência está sujeita à formação de disposições contraditórias. Para Lahire (2002)Lahire, B. (2002). Homem plural: os determinantes da ação (J. A. Clasen, Trad.). Petropolis: Vozes., dificilmente as configurações familiares serão totalmente homogêneas, o que permitiria falar de um habitus familiar coerente, produtor de disposições gerais orientadas para as mesmas direções. A realidade é que o espaço familiar de socialização se dá com exigências diversas e com características variadas, onde coexistem exemplos e contraexemplos e onde se entrecruzam contraditórios princípios de socialização.

Ou seja, durante sua vivência no estabelecimento, até mesmo no ambiente familiar, o pecuarista convive com variados padrões ou exemplos (o pai que incentiva a seguir na atividade, a mãe que não deseja que o filho siga na atividade, irmãos que almejam morar na cidade) que, em maior ou menor medida, influenciam diretamente na sua socialização e nas disposições que formarão seu “estoque”, usando o termo de Lahire, que será determinante nas questões sucessórias.

Na pesquisa com jovens rurais realizada por Breitenbach & Corazza (2019)Breitenbach, R., & Corazza, G. (2019). Formação profissional e a relação com a sucessão geracional entre jovens rurais. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, 17(2), 1-34. http://dx.doi.org/10.11600/1692715x.17212
http://dx.doi.org/10.11600/1692715x.1721...
, os resultados indicaram que os principais fatores que determinam a permanência no campo são: a ligação emocional, a valorização das tradições familiares e o incentivo financeiro. Em outra pesquisa, realizada pelos mesmos autores com jovens rurais do Rio Grande do Sul constatou-se que o processo sucessório tem sido afetado pela limitação da participação desses jovens nos processos gerenciais e na tomada de decisões nas propriedades (Breitenbach & Corazza, 2021Breitenbach, R., & Corazza, G. (2021). Ser ou não ser sucessor? O que almejam os jovens rurais do Rio Grande do Sul. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, 19(3), 1-23. http://dx.doi.org/10.11600/rlcsnj.19.3.4093
http://dx.doi.org/10.11600/rlcsnj.19.3.4...
).

E o futuro da pecuária familiar?

Buscou-se conhecer as perspectivas futuras dos pecuaristas familiares, analisando os casos em que há chance de sucessão, os casos em que isso inexiste, as consequências e os possíveis caminhos futuros na percepção dos próprios entrevistados.

Nos estabelecimentos com perspectiva de sucessor(es), a pecuária seguirá sendo a principal atividade econômica e produtiva desenvolvida, segundo os relatos dos sucessores entrevistados. Um dos entrevistados, por exemplo, pondera: “vou permanecer, tenho um pouco de agricultura, mas o mais importante é a pecuária, ovinocultura e bovinocultura” (Filho de pecuarista familiar, 34 anos, informação verbal).

Os pecuaristas familiares entrevistados que não terão sucessores demonstraram, em suas falas e reações, que preferem não conversar sobre o assunto, que é muito delicado e, para alguns deles, doloroso. Segundo os entrevistados, eles não pensam sobre o assunto: “Não, eu nem imagino, pra te dizer sinceramente, nem imagino. A gente nem pensa, nem conversa” (Pecuarista familiar, 59 anos, informação verbal); “Não tem, não sei, não penso, mas vou ter que dar um jeito” (Pecuarista familiar, 82 anos, informação verbal).

Os entrevistados que possuem filhos poderiam contar com alguma chance de equacionar essa questão, mas os mesmos não têm interesse em serem sucessores. Contam que os filhos não demonstram interesse nas atividades rurais, moram e têm emprego na cidade: “Ele (filho único) fica enrolando e eu não aconselho, ele não pode perder o emprego dele, já estudou e depende também que arrumasse alguém para trabalhar lá e é difícil. Morar não vai, a esposa é criada na cidade, não é de campanha” (Pecuarista familiar, 80 anos, informação verbal).

Em uma situação ideal os antecessores transmitem, aos poucos, a ciência das tarefas e o conhecimento sobre a gestão das atividades. Não obstante, nestes casos, a realidade é outra. Há uma clara ruptura. Um dos entrevistados descreve como geralmente ocorre: “acho que deveria acontecer bem antes de o pai estar no fim da carreira, o que não acontece. Geralmente o pai cria o filho, manda ele estudar e ele só toma ciência do que o pai está fazendo quando o pai falta” (Pecuarista familiar, 55 anos, informação verbal). Martins (2019)Martins, L. R. (2019). Permanecer no campo como projeto de vida de jovens rurais: experiências de formandos e egressos de Escolas Família Agrícola no Estado do Espírito Santo (Tese de doutorado). Departamento de Sociologia, Universidade de Brasília, Brasília. Recuperado em 5 de fevereiro de 2021, de https://repositorio.unb.br/handle/10482/37242
https://repositorio.unb.br/handle/10482/...
concluiu que as relações estabelecidas entre os jovens e suas famílias, o diálogo e algum nível de autonomia são fatores que influenciam na tomada de decisão acerca da permanência dos jovens no campo e no retorno daqueles que já saíram.

Esse é um aspecto que sobressai nesta pesquisa: o envelhecimento da população rural e a falta de sucessores. Em poucas palavras, poder-se-ia dizer que podem haver herdeiros, mas não sucessores. Com a falta de sucessores, os caminhos para os estabelecimentos dos pecuaristas familiares são três: abandono, venda ou arrendamento. Os relatos indicam que muitos pecuaristas familiares trabalharam toda uma vida para construir um estabelecimento, os quais envelhecem e, sem perspectiva de sucessor, precisam abandonar o estabelecimento, situação esta que gera desânimo e tristeza.

Sobre essa situação, Spanevello (2008)Spanevello, R. M. (2008). A dinâmica sucessória na agricultura familiar (Tese de doutorado). Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Recuperado em 12 de março de 2018, de https://lume.ufrgs.br/handle/10183/16024
https://lume.ufrgs.br/handle/10183/16024...
alerta que as modificações na questão sucessória, em função das vendas e arrendamentos, muitas vezes alteram o circuito produtivo de base familiar, dependendo de quem for o comprador ou arrendatário. Os dados levantados na nossa pesquisa mostram que a escolha sobre o destino da terra (arrendamento, cessão a terceiros, venda, parceria, meação, etc.) é apenas uma faceta da questão. O que está em jogo, muito acima das circunstâncias e dos aspectos materiais envolvidos, é o futuro de uma atividade que pautava a socialização e a reprodução social dos indivíduos.

As opiniões se dividem em relação ao futuro do meio rural em Jaguarão e das atividades produtivas ligadas à pecuária familiar. Alguns cenários emergiram na fala dos entrevistados. O primeiro deles é negativo: a maior parte dos entrevistados acredita que haverá cada vez menos pessoas no meio rural. Um deles disse: “Triste, muito triste. Acho que não vai sobrar ninguém” (Extensionista rural, 41 anos, informação verbal); “Um deserto, quando os velhos abandonarem não vai sobrar ninguém, não se vê ninguém jovem indo para o campo” (Pecuarista familiar, 62 anos, informação verbal).

Outros caminhos também são apontados pelos entrevistados. Alguns acreditam que o futuro do meio rural será o aumento da área plantada com soja8 8 Estudo realizado na região (Nardini & Sacco dos Anjos, 2020) e publicado nesta revista aponta o expressivo aumento da área plantada de soja, com seus graves impactos sobre o bioma Pampa. . Já para outros, haverá o declínio da soja e a retomada da pecuária. Alguns entrevistados acreditam ainda que há um movimento de volta para o campo, principalmente de aposentados do meio urbano que vão para o meio rural usufruir da tranquilidade e de pessoas que vão em busca de lazer, mas não para trabalhar nas atividades campeiras. A maior parte dos entrevistados, no entanto, relata que não há esse movimento de pessoas indo morar no meio rural.

Há os que creem (apenas dois entrevistados) que não há soluções para o êxodo rural, que já é tarde para reverter a situação: “acho que já está muito tarde, teria que ter se feito alguma coisa 30, 40 anos atrás” (Pecuarista familiar, 62 anos, informação verbal). Mas, os demais entrevistados acreditam que maiores incentivos, através de políticas públicas, poderiam diminuir o êxodo rural. Entre as medidas citadas estão: Em primeiro lugar, o incentivo financeiro: os pecuaristas familiares entrevistados entendem que o acesso ao crédito poderia diminuir o êxodo rural. Segundo resumiu um deles: “Mais incentivo, mais ajuda financeira para quem quer ficar” (Pecuarista familiar, 40 anos, informação verbal).

Em segundo lugar, a resolução dos problemas estruturais. A manutenção das estradas rurais é um fator desalentador para quem vive no campo. A terceira medida apontada para arrefecer o êxodo rural é o apoio à comercialização da produção. Segundo indicam suas falas, os entraves na comercialização desmotivam a continuidade da produção.

As escolas rurais também foram apontadas como um fator relevante dentro desse cenário. Com efeito, se as escolas rurais voltassem a funcionar, diminuiria o êxodo rural. As crianças, crescendo no estabelecimento rural, aprendem a trabalhar com a pecuária e permanecem no estabelecimento: “Escola para as crianças, as escolas rurais teriam que funcionar, porque aquela gurizada que estuda ali vai continuar ao lado dos pais, na pecuária pequena ou grande, vão ficar ali do lado e vão aprender alguma coisa” (Pecuarista familiar, 71 anos, informação verbal). A fala das pessoas remete a uma situação idealizada no sentido de pensar que a existência da escola, por si só, teria o condão de reverter um processo demasiado profundo e complexo.

As políticas públicas são instrumentos importantes que podem auxiliar no combate ao êxodo rural e nas melhorias das condições de vida da população rural. Devido à importância que a categoria representa, do ponto de vista social, econômico, cultural e ambiental, faz-se necessária a implementação de políticas públicas que favoreçam o processo sucessório por parte desses atores sociais, de modo a garantir a continuidade da atividade e impedir que esse “saber-fazer”, característico do pecuarista familiar, desapareça.

Matte et al. (2019)Matte, A., Spanevello, R. M., Lago, A. & Andreatta, T. (2019). Agricultura e pecuária familiar: (Des) continuidade na reprodução social e na gestão dos negócios. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, 15(1), 19-33. Recuperado em 22 de novembro de 2021, de https://www.rbgdr.net/revista/index.php/rbgdr/article/view/4317
https://www.rbgdr.net/revista/index.php/...
enfatizam a necessidade de o Estado reconhecer, através de políticas públicas, a diversidade de formas de reprodução social existentes no âmbito da agricultura familiar. O fato é que são cada vez mais necessárias as políticas que incentivem a permanência dos jovens no meio rural e a continuidade das formas familiares de produção. Ações nessa direção passam pelo uso sustentável das potencialidades locais, pelo estimulo à formação de capital social e do incentivo à formação de redes sociais. O desafio é justamente formular ações criativas e políticas públicas identificadas com os grandes dilemas da ruralidade contemporânea.

Conclusões

Esta pesquisa teve por objetivo compreender as disposições que envolvem as dinâmicas sucessórias em estabelecimentos rurais da pecuária familiar no município de Jaguarão/Rio Grande do Sul. Os resultados obtidos trouxeram consigo a compreensão da influência do patrimônio de disposições dos pecuaristas familiares na questão sucessória.

Observou-se que os pecuaristas familiares, em sua maioria, apresentam um longo tempo de dedicação à atividade, alguns a vida toda, uma vez que se trata de uma profissão transmitida através das gerações. A maior parte dos entrevistados se dedica à pecuária desde a infância, aspecto que é determinante no processo sucessório. Não obstante, constatou-se que um dos fatores que interfere negativamente na sucessão é o fato de as famílias não residirem no estabelecimento. Do total de famílias que fizeram parte da pesquisa, em 36,4% delas reside apenas o titular da exploração no estabelecimento familiar, ao passo que em 31,8% dos casos reside apenas o casal no estabelecimento. Em escassos 31,8% da amostra a família inteira reside no estabelecimento familiar.

Com relação aos estabelecimentos dos pecuaristas familiares constatou-se que a principal forma de obtenção das terras foi a herança. Neste caso, prevaleceu a divisão igualitária entre todos os filhos, o que não exclui os conflitos entre os herdeiros, que são comuns nas situações que envolvem a transmissão de bens pelos pais aos seus filhos. Os dados da pesquisa mostraram, também, que a renda dos estabelecimentos que trabalham com pecuária familiar não é um fator preponderante para a sucessão geracional. Em outras palavras, uma renda anual mais elevada não está necessariamente associada a estabelecimentos com perspectiva clara de forjar um sucessor.

Com relação à sucessão na percepção dos pecuaristas familiares, os motivos mencionados com maior frequência como determinantes para a concretização desse processo foram o gostar e a vocação. Entende-se que a maneira, o contexto e o momento em que as disposições são adquiridas determinarão se essa dinâmica será assimilada de forma positiva ou negativa pelos indivíduos, resultando no gostar ou não gostar (Lahire, 2005Lahire, B. (2005). Patrimônios individuais de disposições: para uma sociologia à escala individual. Sociologia. Problemas e Práticas, (49), 11-42. Recuperado em 31 de janeiro de 2020, de http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0873-65292005000300002&lng=pt&nrm=i
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?scri...
). Essa pesquisa inova ao discutir a sucessão geracional na pecuária familiar através de uma análise sociológica mais aprofundada, sob o prisma da reprodução social, ancorada no aporte conceitual de Pierre Bourdieu e Bernard Lahire.

As falas com relação ao futuro permitiram desenhar alguns dos cenários possíveis para esse ofício rural. A principal tendência, segundo as pessoas entrevistadas, é a diminuição, ainda mais drástica, da população rural. Para tanto, os principais fatores influenciadores dessa tendência são: o êxodo, a violência, o abigeato, a família residir na cidade, o celibato, o declínio da ovinocultura e a queda da produção para autoconsumo. Dentre as possíveis soluções para enfrentar esse cenário constam: políticas públicas orientadas ao financiamento das atividades agropecuárias (crédito de custeio e investimento); melhorias na conservação das estradas; apoio à comercialização; ampliação do número de escolas rurais; segurança e assistência técnica à produção agropecuária.

Outro aspecto importante que surgiu nas entrevistas foi a necessidade de fortalecer uma maior participação das mulheres na realização das atividades, na tomada de decisão e na divisão da renda familiar. Tal indicativo se transfere também para o caso dos filhos. O padrão correspondente à família patriarcal, onde os papéis são rigidamente definidos e as decisões são tomadas de forma centralizada pelo titular do estabelecimento (esposo/pai) expõe claramente suas limitações, contribuindo para o cenário de incerteza e de ruptura no processo sucessório.

Agradecimento

Este trabalho não poderia ter sido realizado sem o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico através da concessão de bolsa produtividade ao segundo autor (processo nº 305086/2018-9), bem como da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, via concessão de Bolsa de Professor Visitante Sênior (PRINT-CAPES PROGRAM) ao segundo autor (processo nº 88887.363956/2019-00), a qual viabilizou missão científica (2019-2020) junto ao “Instituto de Estudios Sociales Avanzados” (Córdoba), ligado ao “Consejo Superior de Investigaciones Científicas de Espanha”, a quem agradece a acolhida.

  • 1
    A palavra estância por si só não representava somente os grandes estabelecimentos. Originária da língua espanhola, identifica explorações voltadas à criação de gado, independente do tamanho do estabelecimento e do número de animais criados (Osório, 2016Osório, H. (2016). Pastores e lavradores do Rio Grande. In P. D. Waquil, A. Matte, M. Z. Neske & M. F. S. Borba (Eds.), Pecuária familiar no Rio Grande do Sul: história, diversidade social e dinâmicas de desenvolvimento (pp. 19-39). Porto Alegre: Editora UFRGS.).
  • 2
    No século XIX as formas de acesso à terra eram: a doação das sesmarias, posse, arrendamento, herança ou compra. Também existiam criadores que não eram proprietários de terras, os quais dedicavam-se à cria de gado como posseiros, capatazes ou arrendatários (Fernandes & Miguel, 2016Fernandes, V. D., & Miguel, L. A. (2016). A presença histórica da pecuária familiar na região da Campanha do Rio Grande do Sul. In P. D. Waquil, A. Matte, M. Z. Neske & M. F. S. Borba (Eds.), Pecuária familiar no Rio Grande do Sul: história, diversidade social e dinâmicas de desenvolvimento (pp. 41-61). Porto Alegre: Editora UFRGS.).
  • 3
    A “dosagem” vem a ser a aplicação de vermífugos e inseticidas nos rebanhos, bem como a administração de medicamentos. O banho dos animais é outra operação que envolve o manejo do gado em instalações específicas (banheiros de imersão) para o controle do carrapato.
  • 4
    Considerando que do total de 31 entrevistados, dois são extensionistas e dois são filhos de pecuaristas que exercem outra atividade no meio urbano.
  • 5
    “Viver na campanha” é como as pessoas se referem ao modo de vida rural nessa parte do país.
  • 6
    Uma légua de sesmaria corresponde a 4.356 hectares.
  • 7
    Considerando apenas os entrevistados P, não os filhos de pecuaristas.
  • 8
    Estudo realizado na região (Nardini & Sacco dos Anjos, 2020Nardini, M., & Sacco dos Anjos, F. (2020). A expansão da soja no município de Jaguarão/RS: análise das percepções através da abordagem narrativa. Revista de Economia e Sociologia Rural, 58(3), e213748. http://dx.doi.org/10.1590/1806-9479.2020.213748
    http://dx.doi.org/10.1590/1806-9479.2020...
    ) e publicado nesta revista aponta o expressivo aumento da área plantada de soja, com seus graves impactos sobre o bioma Pampa.
  • Como citar: Silva, M. N., & Anjos, F. S. (2023). A sucessão geracional na pecuária familiar do extremo sul do Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, 61(2), e253400. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2021.253400
  • JEL Classification: Z13; Z19

Referências

  • Abramovay, R., Silvestro, M., Cortina, N., Ferrari, I., & Testa, V. (1998). Juventude e agricultura familiar: desafios dos novos padrões sucessórios Brasília: Unesco.
  • Almeida, M. W. B. (1986). Redescobrindo a família rural. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 1(1), 66-83. Recuperado em 5 de maio de 2018, de http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_01/rbcs01_06.htm
    » http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_01/rbcs01_06.htm
  • Baldin, N., & Munhoz, E. M. B. (2011). Snowball (bola de neve): uma técnica metodológica para pesquisa em educação ambiental comunitária. In Anais do 10º Congresso Nacional de Educação (EDUCERE) (pp. 329-341). Curitiba: PUCPR. Recuperado em 24 de março de 2020, de https://educere.bruc.com.br/CD2011/pdf/4398_2342.pdf
    » https://educere.bruc.com.br/CD2011/pdf/4398_2342.pdf
  • Balsadi, O. V., & Grossi, M. E. D. (2016). Trabalho e emprego na agricultura brasileira. Um olhar para o período 2004-2014. Revista de Política Agrícola, 25(4), 82-96. Recuperado em 6 de março de 2020, de https://seer.sede.embrapa.br/index.php/RPA/article/view/1204
    » https://seer.sede.embrapa.br/index.php/RPA/article/view/1204
  • Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70.
  • Bourdieu, P. (1983). Sociologia São Paulo: Ática.
  • Breitenbach, R., & Corazza, G. (2019). Formação profissional e a relação com a sucessão geracional entre jovens rurais. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, 17(2), 1-34. http://dx.doi.org/10.11600/1692715x.17212
    » http://dx.doi.org/10.11600/1692715x.17212
  • Breitenbach, R., & Corazza, G. (2021). Ser ou não ser sucessor? O que almejam os jovens rurais do Rio Grande do Sul. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, 19(3), 1-23. http://dx.doi.org/10.11600/rlcsnj.19.3.4093
    » http://dx.doi.org/10.11600/rlcsnj.19.3.4093
  • Brumer, A., & Anjos, G. (2008). Gênero e reprodução social na agricultura familiar. Nera, 11(12), 6-17.
  • Carneiro, M. J. (2001). Herança e gênero entre agricultores familiares. Estudos Feministas, 9(1), 22-55. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2001000100003
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2001000100003
  • Carvalho, V. R. F. (2007). Sucessão da atividade na pequena propriedade rural na perspectiva da família e de gênero. In Anais do XLV Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural. Brasília: SOBER. Recuperado em 24 de outubro de 2016, de www.sober.org.br/palestra/6/487.pdf
  • Cotrim, M. S. (2003). Pecuária familiar na região da Serra do Sudeste Rio Grande do Sul: um estudo sobre a origem e situação socioagroeconômica do pecuarista familiar no município de Canguçu/RS (Dissertação de mestrado). Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Recuperado em 15 de março de 2018, de www.lume.ufrgs.br/handle/10183/3786
  • Duarte, L. C., Spanevello, R. M., Boscardin, M., & Lago, A. (2021). A diversidade dos arranjos sucessórios em propriedades rurais não agrícolas no noroeste do Rio Grande do Sul. Desenvolvimento Regional em Debate, 11, 1-20. http://dx.doi.org/10.24302/drd.v11.3166
    » http://dx.doi.org/10.24302/drd.v11.3166
  • Farinatti, L. A. (2005). Criadores de gado na fronteira meridional do Brasil (1831-1870). In Anais da II Jornadas de História Regional Comparada. Porto Alegre.
  • Fernandes, V. D., & Miguel, L. A. (2016). A presença histórica da pecuária familiar na região da Campanha do Rio Grande do Sul. In P. D. Waquil, A. Matte, M. Z. Neske & M. F. S. Borba (Eds.), Pecuária familiar no Rio Grande do Sul: história, diversidade social e dinâmicas de desenvolvimento (pp. 41-61). Porto Alegre: Editora UFRGS.
  • Gomes, R. (1994). A análise de dados em pesquisa qualitativa. In M. C. S. Minayo & R. Gomes (Eds.), Pesquisa social: teoria, método e criatividade (pp. 67-80). Petrópolis: Vozes.
  • Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2017). Censo demográfico – séries históricas. População por situação do domicilio 1950-2010. Recuperado em 2 de agosto de 2018, de https://www.ibge.gov.br/estatisticas novoportal/sociais/saude/9662-censo-demografico-2010.html?=&t=series-historicas
    » https://www.ibge.gov.br/estatisticas
  • Lahire, B. (2002). Homem plural: os determinantes da ação (J. A. Clasen, Trad.). Petropolis: Vozes.
  • Lahire, B. (2004). Trajetória acadêmica e pensamento sociológico: entrevista com Bernard Lahire. Educação e Pesquisa, 30(2), 315-321. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022004000200009
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022004000200009
  • Lahire, B. (2005). Patrimônios individuais de disposições: para uma sociologia à escala individual. Sociologia. Problemas e Práticas, (49), 11-42. Recuperado em 31 de janeiro de 2020, de http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0873-65292005000300002&lng=pt&nrm=i
    » http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0873-65292005000300002&lng=pt&nrm=i
  • Lahire, B. (2012). Entrevista com Bernard Lahire. Áskesis - Revista dos Discentes do PPGS/UFSCar, 1(1), 200-210. Recuperado em 9 de janeiro de 2021, de https://www.revistaaskesis.ufscar.br/index.php/askesis/article/view/447
    » https://www.revistaaskesis.ufscar.br/index.php/askesis/article/view/447
  • Martins, L. R. (2019). Permanecer no campo como projeto de vida de jovens rurais: experiências de formandos e egressos de Escolas Família Agrícola no Estado do Espírito Santo (Tese de doutorado). Departamento de Sociologia, Universidade de Brasília, Brasília. Recuperado em 5 de fevereiro de 2021, de https://repositorio.unb.br/handle/10482/37242
    » https://repositorio.unb.br/handle/10482/37242
  • Matte, A., Spanevello, R. M., Lago, A. & Andreatta, T. (2019). Agricultura e pecuária familiar: (Des) continuidade na reprodução social e na gestão dos negócios. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, 15(1), 19-33. Recuperado em 22 de novembro de 2021, de https://www.rbgdr.net/revista/index.php/rbgdr/article/view/4317
    » https://www.rbgdr.net/revista/index.php/rbgdr/article/view/4317
  • Nardini, M., & Sacco dos Anjos, F. (2020). A expansão da soja no município de Jaguarão/RS: análise das percepções através da abordagem narrativa. Revista de Economia e Sociologia Rural, 58(3), e213748. http://dx.doi.org/10.1590/1806-9479.2020.213748
    » http://dx.doi.org/10.1590/1806-9479.2020.213748
  • Neiman, M. (2017). La herencia en las empresas familiares de la región pampeana argentina durante el actual período de auge económico de la actividad agrícola. Papers, 102(3), 509-531. http://dx.doi.org/10.5565/rev/papers.2269
    » http://dx.doi.org/10.5565/rev/papers.2269
  • Neske, M. Z. (2016) Mercantilização, heterogeneidade social e autonomia na produção familiar: uma análise da pecuária familiar do sul do Rio Grande do Sul. In P. D. Waquil, A. Matte, M. Z. Neske & M. F. S. Borba (Eds.), Pecuária familiar no Rio Grande do Sul: história, diversidade social e dinâmicas de desenvolvimento (pp. 131-148). Porto Alegre: Editora UFRGS.
  • Oliveira, M. C. V. (2008). Duas formas de se pensar os determinantes da prática ou do consumo cultural na sociologia: Pierre Bourdieu e Bernard Lahire. In Anais eletrônicos do IV Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (ENECULT). Salvador: Universidade Federal da Bahia. Recuperado em 29 de dezembro de 2020, de http://www.cult.ufba.br/enecult2008/14167.pdf
    » http://www.cult.ufba.br/enecult2008/14167.pdf
  • Osório, H. (2016). Pastores e lavradores do Rio Grande. In P. D. Waquil, A. Matte, M. Z. Neske & M. F. S. Borba (Eds.), Pecuária familiar no Rio Grande do Sul: história, diversidade social e dinâmicas de desenvolvimento (pp. 19-39). Porto Alegre: Editora UFRGS.
  • Ramos, M. P. (2016). Uso de questionários e entrevistas na pesquisa social: vantagens e limitações. In P. A. R. Niz, C. M. Rech, P. Lisdero & R. F. Fachinetto (Eds.), Metodologia em ciências sociais hoje: práticas, abordagens e experiências de investigação (Vol. 2, pp. 127-146). Jundiaí: Paco Editorial.
  • Ribeiro, C. R. (2003). Pecuária familiar na região da campanha do Rio Grande do Sul (Série Realidade Rural, No. 34, pp. 11-45). Porto Alegre: EMATER/RS.
  • Ribeiro, C. R. (2009). Estudo do modo de vida dos pecuaristas familiares da Região da Campanha do Rio Grande do Sul (Tese de doutorado). Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Recuperado em 17 de dezembro de 2018, de https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/17261
    » https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/17261
  • Ribeiro, C. R. (2016). O modo de vida dos pecuaristas familiares do pampa brasileiro. In P. D. Waquil, A. Matte, M. Z. Neske & M. F. S. Borba (Eds.), Pecuária familiar no Rio Grande do Sul: história, diversidade social e dinâmicas de desenvolvimento (pp. 87-107). Porto Alegre: Editora UFRGS.
  • Rio Grande do Sul. (2010). Decreto n° 48.316, de 31 de agosto de 2011. Regulamenta o Programa Estadual de Desenvolvimento da Pecuária de Corte Familiar – PECFAM, instituído pela Lei nº 13.515, de 13 de setembro de 2010, e dá outras providências. Recuperado em 9 de agosto de 2018, de http://www.al.rs.gov.br/legis/M010/M0100099.ASP?Hid_Tipo=TEXTO&Hid_TodasNormas=56585&hTexto=&Hid_IDNorma=56585
    » http://www.al.rs.gov.br/legis/M010/M0100099.ASP?Hid_Tipo=TEXTO&Hid_TodasNormas=56585&hTexto=&Hid_IDNorma=56585
  • Sacco dos Anjos, F., & Caldas, N. V. (2006). Pluriatividade e sucessão hereditária na agricultura familiar. In S. Schneider (Ed.), A diversidade da agricultura familiar Porto Alegre: Editora UFRGS.
  • Sandrini, G. B. D. (2005). Processo de inserção dos pecuaristas familiares do Rio Grande do Sul na cadeia da carne (Dissertação de mestrado). Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Recuperado em 8 de março de 2018, de https://lume.ufrgs.br/handle/10183/7809
    » https://lume.ufrgs.br/handle/10183/7809
  • Schneider, I. (1994). Êxodo, envelhecimento populacional e estratégias de sucessão na exploração agrícola. Indicadores Econômicos, 21, 259-268. Recuperado em 13 de agosto de 2018, de https://revistas.fee.tche.br/index.php/indicadores/article/view/629
    » https://revistas.fee.tche.br/index.php/indicadores/article/view/629
  • Scott, J. (2010) Sociologia: conceitos-chave. Rio de Janeiro: Zahar.
  • Spanevello, R. M. (2008). A dinâmica sucessória na agricultura familiar (Tese de doutorado). Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Recuperado em 12 de março de 2018, de https://lume.ufrgs.br/handle/10183/16024
    » https://lume.ufrgs.br/handle/10183/16024
  • Spanevello, R. M., Azevedo, L. F., Vargas, L. P., & Matte, A. (2011). A migração juvenil e implicações sucessórias na agricultura familiar. Revista de Ciências Humanas, 45(2), 291-304. http://dx.doi.org/10.5007/2178-4582.2011v45n2p291
    » http://dx.doi.org/10.5007/2178-4582.2011v45n2p291
  • Thiry-Cherques, H. (2006). Roberto. Pierre Bourdieu: a teoria na prática. Revista de Administração Pública, 40(1), 27-53. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-76122006000100003
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0034-76122006000100003
  • Tourrand, J. F. (2016). Prefácio. In P. D. Waquil, A. Matte, M. Z. Neske & M. F. S. Borba (Eds.), Pecuária familiar no Rio Grande do Sul: história, diversidade social e dinâmicas de desenvolvimento (pp. 7-9). Porto Alegre: Editora UFRGS.
  • Vargas, L. P. (2017). Serviços ecossistêmicos e produção animal no bioma Pampa: uma análise na área de proteção ambiental do Ibirapuitã (Tese de doutorado). Centro de Ciências Rurais, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria.
  • Wanderley, M. N. B. (1999). Raízes históricas do campesinato brasileiro. In J. C. Tedesco (Ed.), Agricultura familiar: realidades e perspectivas Passo Fundo: EDIUPF.
  • Waquil, P. D., Matte, A., Neske, M. Z., & Borba, M. F. S. (2016). Pecuária familiar no Rio Grande do Sul: a ressignificação de uma categoria social. In P. D. Waquil, A. Matte, M. Z. Neske & M. F. S. Borba (Eds.), Pecuária familiar no Rio Grande do Sul: história, diversidade social e dinâmicas de desenvolvimento (pp. 11-16). Porto Alegre: Editora UFRGS.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    17 Jun 2021
  • Aceito
    21 Jan 2022
Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural Av. W/3 Norte, Quadra 702 Ed. Brasília Rádio Center Salas 1049-1050, 70719 900 Brasília DF Brasil, - Brasília - DF - Brazil
E-mail: sober@sober.org.br