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Sustentabilidade e bem viver segundo os agricultores familiares do Projeto de Desenvolvimento Sustentável São Paulo, na Amazônia norte mato-grossense, Brasil

Sustainability and good living from the perspective of family farmers in the Sustainable Development Project ‘São Paulo’, northern Amazon of Mato Grosso state, Brazil

Resumo:

Na Amazônia brasileira, os assentamentos rurais encontram-se cada vez mais isolados por grandes fazendas de produção em larga escala, comprometendo a sua sustentabilidade e o bem viver dos agricultores familiares assentados. Trabalhos foram realizados em assentamentos para mensurar a sustentabilidade. Porém, a maioria não leva em consideração a participação e a coletividade dos envolvidos. O objetivo deste trabalho foi compreender a concepção dos agricultores familiares sobre a sustentabilidade e o bem viver bem como avaliar a sustentabilidade no Projeto de Desenvolvimento Sustentável - PDS São Paulo, na Amazônia norte mato-grossense. Utilizamos oficina e o sistema de semáforo para avaliar a sustentabilidade do PDS. A avaliação da sustentabilidade do assentamento nos permitiu compreender como a sustentabilidade e o bem viver vão se construindo no processo da história do assentamento. A sustentabilidade e o bem viver são processos dialéticos, estão em construção, em movimento.

Palavras-chave:
agricultura familiar; assentamentos rurais; ecologia agrícola; pesquisa participante; reforma agrária

Abstract:

In the Brazilian Amazon, rural settlements are increasingly isolated by large-scale production farms, compromising their sustainability and the well-being of settled family farmers. This work was carried out in settlements to measure sustainability. However, most do not take into account the participation and collectivity of those involved. In this way, we propose to evaluate, in a collective and participative way, the sustainability and well-being of the Sustainable Development Project - SDP São Paulo, Amazon in northern Mato Grosso state. We use the workshop and the traffic light system to assess the sustainability of the SDP. The assessment of the sustainability of the settlement allowed us to understand how sustainability and good living are being built in the process of the settlement's history. Sustainability and good living are dialectical processes, they are under construction, in movement.

Keywords:
family farming; rural settlements; agricultural ecology; participant research; land reform

1. Introdução

Nos últimos anos, a Amazônia no norte do estado de Mato Grosso, Brasil, sofreu intensas transformações ocorridas em função do modelo de desenvolvimento imposto pelo Estado brasileiro e pelo capital internacional (Picoli, 2006Picoli, F. (2006). O capital e a devastação da Amazônia. São Paulo: Expressão Popular.). Esse modelo de desenvolvimento é fundamentado no desmatamento para exploração irracional da madeira e de minerais; para atividades de pecuária extensiva e para o uso intensivo do solo com o plantio de monocultura (Gervazio, 2019Gervazio, W. (2019). Círculo da sustentabilidade: um método didático-pedagógico para avaliar a sustentabilidade de assentamentos rurais na Amazonia norte mato-grossense (Tese de doutorado). Universidade Estadual de Campinas, Campinas.). Consequentemente, tem provocado a desertificação do solo, a contaminação do solo e da água, a erosão, o assoreamento dos córregos d'águas e o êxodo rural.

Neste contexto de expansão da agricultura empresarial na Amazônia, encontram-se os assentamentos rurais que, cada vez mais, estão sendo ‘ilhados’ por grandes fazendas de produção em larga escala, comprometendo a sustentabilidade desses assentamentos rurais e o bem viver dos agricultores familiares (Gervazio, 2019Gervazio, W. (2019). Círculo da sustentabilidade: um método didático-pedagógico para avaliar a sustentabilidade de assentamentos rurais na Amazonia norte mato-grossense (Tese de doutorado). Universidade Estadual de Campinas, Campinas.). Sendo assim, o contexto amazônico impulsiona a realização de estudos em assentamentos rurais, para a compreensão e avaliação da sustentabilidade e do bem viver à luz da concepção dos agricultores familiares numa perspectiva coletiva e participativa.

Boff (2016)Boff, L. (2016). O que é e o que não é sustentabilidade (5a. ed.). Petrópolis, RJ: Vozes. apresenta diversos modelos que procuram buscar a sustentabilidade e apresenta o bem viver como o modelo que tem sustentabilidade desejável. O bem viver é um modo de vida que ajuda a manter o sistema de sustentação da vida, por meio de leis da natureza (Cavalcanti, 1995Cavalcanti, C. 1995. Sustentabilidade da economia: paradigmas alternativos de realização econômica. In C. Cavalcanti, (Org.), Desenvolvimento e natureza: estudos para uma sociedade sustentável (pp. 153-76). São Paulo: Cortez Editora.). O bem viver busca promover a harmonia e o equilíbrio entre as sociedades, o ser humano e a natureza, sem conceber qualquer das partes como subordinadas às outras (Vanhulst & Beling, 2012Vanhulst, J., & Beling, A. E. (2012). El discurso del Buen Vivir: sustentabilidad “made in Latinoamérica”. Nadir: Revista Electrónica de Geografía Austral, 4(1), 1-11.).

Este artigo parte do pressuposto de que a compreensão e a avaliação da sustentabilidade se dão através da coletividade e da participação e que contribui para a ideia de que todos somos portadores de conhecimentos e saberes. Além disso, a avaliação através da coletividade contribui para dar mais poder aos os agricultores familiares e para a construção do conhecimento sobre a sustentabilidade e a real situação dos assentamentos rurais. Conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos, e é como sujeito, e somente enquanto sujeito, que o homem pode realmente conhecer (Freire, 1983Freire, P. (1983). Extensão ou comunicação? (8a. ed. ). Rio de Janeiro: Paz e Terra.). A avaliação coletiva e participativa pode contribuir também na leitura de mundo dos sujeitos através do conhecimento crítico de sua realidade, no resgate da luta pela terra, na identidade cultural e no olhar para os assentamentos através da coletividade.

Diversos trabalhos foram realizados em assentamentos rurais na Amazônia (Batista, 2013Batista, K. T. (2013). Avaliação da sustentabilidade de agroecossistemas familiares agroextrativistas de açaizeiros na região das ilhas do município de Cametá, Pará (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Pará, Belém.; Silva, 2014Silva, V. C. S. (2014). Sustentabilidade em assentamentos rurais do estado do Pará: uma aplicação do barômetro da sustentabilidade (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Pará, Belém.; e no Brasil (Zuñiga, 2009Zuñiga, C. H. (2009). A construção participativa de indicadores territoriais socioambientais para o desenvolvimento regional sustentável. Análise propositiva para as comunidades do rio sagrado, Morretes (PR): Zona de Educação para o Ecodesenvolvimento (Dissertação de mestrado). Universidade Regional de Blumenau, Blumenau.; Alves & Bastos, 2011Alves, L. B., & Bastos, R. P. (2011). Sustentabilidade em Silvânia (GO): o caso dos assentamentos rurais São Sebastião da Garganta e João de Deus. Revista de Economia e Sociologia Rural, 49(2), 419-448.; Freire & Braga, 2011Freire, M. S. V., & Braga, R. A. P. (2011). Indicadores de cumprimento de normas ambientais em assentamentos de reforma agrária. In Anais do Encontro da rede luso-brasileira de estudos ambientais. Vulnerabilidade socioambiental na África, Brasil e Portugal: dilemas e desafios (pp. 1-17). Recife: [s.n.].; Parente et al., 2011Parente, T. D., Tabosa, F. J. S., Mayorga, F. D. O., & Oliveira, S. C. (2011). Análise de sustentabilidade dos beneficiados do programa cédula da terra no município de Sobral, Estado do Ceará. Revista de Economia e Agronegócio, 9(1), 123-146.; Leite Júnior et al., 2013Leite Júnior, C. B., Fernandes, E. P., Souza, E. R. B., Leandro, W. M., & Frazão, J. J. (2013). Indicadores social-econômico e ambiental em assentamentos de reforma agrária no cerrado goiano. CAMPO-TERRITÓRIO: Revista de Geografia Agrária, 8(16), 342-378.) para a mensuração da sustentabilidade. Porém, a maioria deles trabalha com uma avaliação apenas quantitativa, através de indicadores e muitas vezes não levam em consideração as diversas dimensões da sustentabilidade (social, cultural, econômica, técnica, ética, alimentar, de escala, política, administrativa, ambiental e energética), tampouco a participação efetiva e o entendimento dos envolvidos acerca da sustentabilidade. Na maioria dos trabalhos, apenas as dimensões econômica, social e ambiental são mensuradas. Nesse contexto, vários autores registraram a necessidade de avaliar aspectos não tradicionais da sustentabilidade considerados elementos culturais e, muitas vezes, denominados por componentes não materiais da sustentabilidade (Viégas et al., 2018Viégas, O., Caeiro, S., & Ramos, T. (2018). Modelo conceitual para integração de componentes não materiais na avaliação da sustentabilidade. Ambiente & Sociedade, 21, e02011.).

Dessa forma, o objetivo desta pesquisa foi compreender a concepção dos agricultores familiares sobre a sustentabilidade e o bem viver, bem como avaliar a sustentabilidade no Projeto de Desenvolvimento Sustentável - PDS São Paulo, Amazônia norte mato-grossense.

Desse modo, a realização desta pesquisa se justifica tendo em vista que se desconhece as ações que tenham sido realizadas nesses assentamentos rurais nos municípios da Amazônia no norte do estado do Mato Grosso, Brasil, dentro de uma perspectiva participativa para compreender e avaliar a sustentabilidade e o bem viver dos agricultores familiares.

Este artigo está organizado da seguinte maneira: primeiramente apresentamos a área de estudo, o procedimento metodológico e como realizamos a análise dos dados. Posteriormente apresentamos os resultados e discutimos os mesmos. E para finalizar, concluímos com os principais pontos do trabalho.

2. Materiais e Métodos

2.1. Área de estudo

Este artigo deriva da tese de doutorado do primeiro autor realizada em dois assentamentos rurais na região da Amazônia, no norte do estado do Mato Grosso, Brasil. Neste artigo, apresentamos a concepção dos agricultores familiares sobre sustentabilidade e avaliação da sustentabilidade e do bem viver do assentamento rural Projeto de Desenvolvimento Sustentável - PDS São Paulo. O PDS está localizado no município de Carlinda, na Amazônia, norte do estado do Mato Grosso (MT). Esse assentamento foi escolhido devido às ações que vêm sendo realizadas por instituições locais na perspectiva da sustentabilidade.

O PDS São Paulo é uma modalidade de assentamento que implica concessão de uso comunal da terra, bem como no desenvolvimento de atividades sustentáveis, baseados no modelo de Reservas Extrativistas da Amazônia. As famílias estão assentadas desde o ano de 2012. O PDS possui 48 parcelas, com 47 famílias em uma área de 2.390,07 ha, sendo 63,25% de reserva legal. Uma parcela foi reservada para um técnico residir no PDS e esta é uma área modelo para que os agricultores familiares assentados possam se espelhar.

A partir de uma lista das lideranças do PDS, em 2017, iniciamos as visitas a estes integrantes e marcamos reunião para apresentarmos o projeto de pesquisa para todos os agricultores familiares.

Nos meses de março e abril de 2017, aos sábados, ocorreram as primeiras reuniões no assentamento e que foram realizadas na sede da associação. Estas primeiras reuniões foram para a apresentação da proposta de trabalho e para conseguirmos o consentimento dos agricultores familiares. Assim, os sujeitos participantes da pesquisa são aqueles que, através do convite em suas residências anterior à reunião, aceitaram participar da pesquisa, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, após aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), parecer consubstanciado número 1.475.051, aprovado em 1 de abril de 2016. A maioria dos sujeitos que participou da pesquisa é mulher, entre 35 a 60 anos. Aproximadamente 13 pessoas participaram das reuniões, entre adultos, jovens e crianças.

Os demais encontros ocorreram ainda no mês de abril e os demais em outubro e novembro de 2017. Finalizada a pesquisa, foi apresentada a tese para os agricultores familiares dos assentamentos com o intuito de validar a pesquisa pelos sujeitos, encontro que ocorreu no segundo semestre de 2018.

2.2. Procedimento metodológico

O método de amostragem utilizado neste trabalho foi o não-casual ou não-probabilístico, sendo a amostragem por tipicidade. Esta amostragem “constitui em selecionar um subgrupo da população que com base nas informações disponíveis, possa ser considerado representativo de toda a população” (Gil, 2008Gil, A. C. (2008). Método e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas., p. 97). A amostra deste trabalho foi definida através das lideranças do PDS que nos informaram nomes de pessoas que teriam disponibilidade para participarem da pesquisa.

Trabalhamos com o conceito de sustentabilidade através de uma oficina geradora, onde os sujeitos, sentados em círculos, expuseram suas opiniões. O tema sustentabilidade foi proposto por nós para iniciarmos um diálogo. A discussão sobre sustentabilidade se deu a partir do conhecimento e do saber dos sujeitos da pesquisa e através do conhecimento científico.

Iniciamos a oficina com uma “tempestade de ideias”, que teve duração de aproximadamente três horas. Cada sujeito expôs sua compreensão sobre o significado do termo sustentabilidade. Após esta primeira etapa, realizamos a dinâmica da “teia”. Para isso usamos um novelo de linha, de barbante. O novelo ia sendo jogado e cada participante, ao segurar respondia, em uma ou mais palavras, o que é necessário para “segurar” a sustentabilidade do assentamento. Assim que se expressava passava o novelo para outro sujeito, que respondia a mesma pergunta. E assim sucessivamente, de forma aleatória, todos os sujeitos participaram da dinâmica e ao final formou-se uma teia. Anotamos cada palavra dita pelos sujeitos numa folha e a expusemos nas extremidades dos fios da teia.

Nós explicamos aos sujeitos que a teia formada representava o assentamento. Enfatizamos que se um ou mais fios forem deixados, quebrados, pode desmontar a teia, a comprometendo. Dessa forma, se cada palavra expressa pelos sujeitos não fosse desenvolvida nos assentamentos, assim como na teia, toda a sustentabilidade poderia ser comprometida. Chamamos as palavras que ‘seguram’ a sustentabilidade, na visão dos sujeitos, de categorias da sustentabilidade. Para cada categoria, sistematizamos (resumimos) estas em pilares da sustentabilidade; enquadramos estas categorias também nas dimensões da sustentabilidade, adaptadas de Machado & Machado Filho (2014)Machado, L. C. P., & Machado Filho, L. C. P. (2014). A dialética da agroecologia: contribuições para um mundo com alimentos sem veneno. São Paulo: Expressão Popular..

Em outro encontro, de aproximadamente duas horas, avaliamos a sustentabilidade do assentamento através de cada categoria da sustentabilidade construídas no ponto anterior. A avaliação se deu em dois momentos: no primeiro momento, qualitativo, a avaliação da sustentabilidade se deu através das narrativas e percepções dos sujeitos a respeito de cada categoria; no segundo momento, quantitativo, a avaliação foi feita com o auxílio do sistema de “sistema de semáforos” de Altieri & Nicholls (2013)Altieri, M., & Nicholls, C. I. (2013). Agroecologia y resiliencia al cambio climatico: principios y consideraciones metodologicas. Agroecología, 8(1), 7-20..

Para a avaliação qualitativa, construímos uma tabela (em um cartaz fixado para todos verem) com duas colunas: uma coluna escrevemos cada categoria da sustentabilidade (cada palavra dita pelos sujeitos no encontro anterior) e na outra coluna, escrevemos as avaliações das categorias através das narrativas e percepções com relação à sustentabilidade do assentamento, através da fala de cada sujeito. Para cada categoria, os sujeitos chegaram a um consenso sobre a avaliação. Assim, o que foi sendo redigido na tabela, representada uma visão coletiva sobre cada categoria.

A avaliação quantitativa, como já mencionado, se deu através do “sistema de semáforos” de Altieri & Nicholls (2013)Altieri, M., & Nicholls, C. I. (2013). Agroecologia y resiliencia al cambio climatico: principios y consideraciones metodologicas. Agroecología, 8(1), 7-20.. Em uma cartolina, desenhamos um círculo dividido de acordo com o número de categorias da sustentabilidade de cada assentamento. Para avaliar cada categoria, usamos as cores vermelha, amarela e verde. A cor vermelha indicava sustentabilidade fraca; a amarela sustentabilidade média; e a verde sustentabilidade forte. Ao visualizarem o círculo na cartolina, os sujeitos chegavam a um consenso coletivo sobre a avaliação de cada categoria. Ao chegarem a um acordo sobre a cor que dariam para cada categoria avaliada, pintávamos a cor no círculo. Foram construídas e analisadas 28 categorias no PDS São Paulo.

2.3. Análise dos dados

A sistematização, a análise e a discussão dos dados se deram a partir de abordagem qualitativa, da codificação e categorização das informações coletadas. Esse processo de análise qualitativa demandou muita reflexão, devido à complexidade do tema estudado, da realidade observada, caracterizada pelas diversas percepções dos sujeitos da pesquisa sobre o que cada um ou cada uma compreende por sustentabilidade. Como instrumento de sistematização, utilizamos o caderno de campo. Para a sua confecção, seguimos as orientações de Whitaker (2002)Whitaker, D. C. A. (2002). Sociologia rural: questões metodológicas emergentes. Presidente Venceslau: Letras à MARGEM/CNPq.. Decidimos por não gravar áudio ou vídeo pois os participantes não aceitaram.

A avaliação da sustentabilidade do assentamento PDS São Paulo se deu a partir das categorias com as respectivas percepções e narrativas dos sujeitos da pesquisa, além a mensuração através de cores, que representavam uma condição da sustentabilidade.

Numa tentativa de aferir valor quantitativo aos resultados, adaptado de Altieri & Nicholls (2013)Altieri, M., & Nicholls, C. I. (2013). Agroecologia y resiliencia al cambio climatico: principios y consideraciones metodologicas. Agroecología, 8(1), 7-20., classificados com o sistema de semáforos (qualitativo), foram atribuídas as seguintes notas: foi dada uma nota coletiva, após debate e consenso para cada categoria da sustentabilidade de acordo com a cor. As notas foram dadas de 1 a 3 sendo: 1 - vermelho; 2 - amarelo; e 3 - verde.

Para a avaliação quantitativa, utilizamos um gráfico radar (ameba), para a visualização gráfica dos resultados. A visualização com gráficos é uma maneira bastante didática e eficiente de observar a integração das categorias de sustentabilidade proposta pelos sujeitos. No gráfico tipo radar o eixo de cada valor (de cada categoria de sustentabilidade) parte de um centro comum. Quanto mais próximo da extremidade do radar, mais sustentável será o assentamento.

3. Resultados

3.1. Pilares da sustentabilidade do PDS São Paulo

Na Figura 1, observamos os pilares que sustentam o PDS São Paulo segundo os sujeitos deste trabalho.

Figura 1
Círculo da sustentabilidade com os pilares do Assentamento PDS São Paulo, Amazonas, Mato Grosso, Brasil. Fonte: elaboração própria

No pilar história, os sujeitos citaram as seguintes categorias: a luta pela terra, a coragem, a esperança e a resiliência. A história de luta é muito importante para os assentados, uma vez que dá unidade às famílias e mantém a identidade do PDS. No decorrer do processo de luta tiveram muita coragem e esperança. Para viverem no acampamento tiveram que lançar mão de tudo. Assim, afirmaram que “com a coragem conseguimos realizar o sonho de ter um pedaço da terra. Hoje temos uma comunidade, terra, vizinhos, uma grande família. A coragem é que mantém todos nós no PDS. Temos que manter a coragem para não desanimarmos e não perdermos a esperança”. A palavra resiliência foi citada pelos sujeitos. Conceituam-na como sendo a capacidade de renovar-se, de viver, de ser criativo, de se reinventar. Foi assim que conseguiram viver 10 anos acampados e assentados até os dias atuais.

Foram elencadas as seguintes categorias no pilar organização: política, pessoas, objetivos comuns, coletividade, associação, cooperativa, instituições públicas, organizações não-governamentais e a permanência no PDS. Para os sujeitos, a vida em comunidade é central. “Sem a vida em comunidade o PDS já não mais estaria vivo e organizado”, concluem os sujeitos.

Mas, para os sujeitos, se não houver ajuda exterior, como das instituições públicas e ONGs que contribuem para o desenvolvimento, não é possível se sustentar. Para eles, as instituições, entidades etc., “fazem parte do nosso dia a dia. Estas juntas nos fazem ver as pessoas, um grupo de pessoas; um conjunto de pessoas. Foram as pessoas que nos fizeram viver até aqui; somos diferentes, mas com objetivos comuns”.

A produção é mais um pilar da sustentabilidade. Neste pilar a produção de leite, a fruticultura e a diversificação foram ressaltadas. A coleta de sementes florestais e o autoconsumo também foram temas bastante debatidos. Para os sujeitos, esses elementos são fundamentais para o desenvolvimento econômico das famílias, sem os quais não seria possível viver no PDS.

No pilar política, com relação à política partidária, os agricultores familiares são divididos. Há um grupo com ideias mais progressistas, de esquerda, e outro grupo mais conservador, de direita. Isso gera conflitos, debates e muita conversa entre eles. Cada grupo defende seu pensamento, suas convicções e os debates chegaram a ficar calorosos em quase todas as reuniões. Ainda sobre política, os assentados são representados por uma associação, que se reúnem periodicamente para deliberar sobre as demandas do assentamento.

No pilar preservação, a água, a reserva legal, os sistemas agroflorestais e a natureza foram mencionados como sendo indispensáveis para a vida no assentamento.

Na religiosidade pensam que a família, a paz/tranquilidade e o amor são fundamentais para o bem viver e a sustentabilidade. Para os sujeitos “não existe outra forma de falar de paz, de resiliência, se não falar em família, não dá para falar em sustentabilidade sem falar em família. O berço da sustentabilidade é a família”. Sobre o amor, foi falado que “tudo que vamos fazer tem que ter amor... com a família, com os vizinhos, não só para a gente. Até mesmo com os animais, com a natureza, é necessário amor. Sem ele não somos nada”. E sobre a paz, para os agricultores familiares assentados, as pessoas precisam de paz, apesar de não haver violência no PDS, entre as pessoas e entre as famílias.

No pilar ética, foram relatados o respeito e a consciência. Para os sujeitos “todo segmento social, órgãos, etc., precisa de um conselho de ética. Para que serve a ética? Se tiver pessoas, amor, paz, coragem, resiliência, associação, mas não tiver ética, não adianta. Na história de luta pela terra o movimento não tinha ética. A ética se encaixa na família, num relacionamento, dentro da religião... toda a sustentabilidade vai por água abaixo se não houver ética. Fazer tudo dentro da ética”. Ainda os sujeitos relataram que “o PDS tem reconhecimento pela ética das pessoas. Nós mostramos que é possível sermos organizados. E fomos reconhecidos. Precisamos cultivar a ética, para não se perder o amor, a paz, a alegria e a confiança”. Esta ética para os sujeitos os leva ao respeito, ao cuidado com a natureza e a uma consciência sobre usufruir os recursos para não os acabar, não os eliminar.

Assim, foram elencadas um total de 28 categorias necessárias para a sustentabilidade do PDS São Paulo.

3.2. Sustentabilidade e bem viver no PDS São Paulo

Para os agricultores familiares assentados do PDS São Paulo, a sustentabilidade envolve questões relacionadas com a produção de alimentos: “Tudo o que se usa para se alimentar, para sobreviver sem eliminar o que se tem, se manter ao longo do tempo; é conseguir manter em algum lugar, produzir”. Os sujeitos que participaram desta pesquisa compreendem que na “agricultura familiar tem que plantar de tudo, conseguir viver do que se planta e ter o sustento da parcela. Quando se compra de fora da parcela não se sabe o que se come e de onde isto vem. A sustentabilidade ajuda a família a ter uma alimentação saudável. É preciso saber o que a terra oferece e se a terra não oferece saber o porquê”.

Segundo os sujeitos, para que haja sustentabilidade, é preciso diversificar a produção. “Ter uma produção diversificada, diversificar as culturas agrícolas e assim sustentar a renda e garantir a permanência na parcela. Infelizmente os agricultores familiares não conseguiram desenvolver esta diversificação ainda”, avaliaram os sujeitos. Analisaram que: “Não adianta nada plantar, produzir se não houver onde vender”.

Outra questão muito debatida entre os sujeitos é a questão da organicidade dos agricultores familiares. Para eles “se não houver organização, não haverá sustentabilidade. Se não houver uma boa política e uma boa associação, organização não há sustentabilidade. Como o PDS é coletivo, temos que pensar coletivamente. Uma ideia diferenciada, coletiva, com objetivos comuns e rumo à sustentabilidade”.

O cuidado, a política e a ética também foram mencionadas como fundamentais para que haja sustentabilidade. Para os sujeitos “o cumprimento das regras do plano de desenvolvimento do assentamento, do que está no estatuto da associação e ter ética, isso é sustentabilidade”. Ainda afirmaram que “se houver uma boa política, se houver um bom cuidado com o meio ambiente e, se houver ética das famílias o PDS será sustentável” e que “há moradores no PDS que querem viver de forma sustentável”. Relataram ainda que “é necessário haver florestas, rios, nascentes, áreas de preservação permanente e sistema agroflorestal para ser sustentável”.

Com relação ao bem viver, os sujeitos acreditam que está relacionado com a união e a coragem. Segundo eles, não importa tanto a produção, o como se sustentar; o mais importante é estarem unidos e terem coragem para viver. “O bem viver é ter coragem de encarar o que almeja”, relataram. Pensam que a terra é um começo para o bem viver. Enfatizaram que é necessário “fazer o que pode na terra, viver. Nosso lugar é aqui. Sentimo-nos bem. Esperamos que melhore o bem viver aqui no PDS”.

Para os sujeitos, eles não estão sozinhos, possuem uma cooperativa que procura contribuir com o bem viver de todos; que agrega valor aos seus produtos. Acreditam que “o bem viver é a busca pelos seus direitos; é ter conhecimento das leis e se não observarem a lei, não terão o bem viver.

Enfatizaram que “temos que brigar, lutar; se cruzarmos os braços não vamos conseguir o que queremos. Temos que querer. Se quisermos, lutamos e conseguimos”.

Para os sujeitos, o bem viver também é estar em paz consigo, com a consciência; estar em harmonia com a família, com a comunidade, com a natureza e com a sociedade. É ter um propósito de vida, ter foco, objetivos, ter sentido para viver e procurar alcançar os objetivos, ter uma base, uma fé e buscar a Deus. “Estar em paz onde você estiver consciência onde você mora”, assim afirmaram os sujeitos.

Outra noção de bem viver vincula-se à entendimento de que o PDS está rumo à sustentabilidade, e está sendo construído. Segundo os sujeitos, “cada um se sustenta como pode. É difícil sobreviver. Essa sustentabilidade é difícil e é nova. Temos que construir este bem viver. É uma construção. Iniciamos em 2004 e está avançando. Em 2012 avançou com o nosso sonho conquistado de ter a terra. Faz parte da vida e que as dificuldades nos tornam mais fortes”.

Enfim, para os sujeitos, o bem viver vai se construindo e avançando. Citaram a fruticultura como um avanço na questão da produção e geração de renda. Pensam que é um processo que vai sendo construído em passos. “Às vezes damos um passo à frente, outras vezes um passo para trás. Vai sendo construindo se moldando, tendo os objetivos, buscando a nossa sobrevivência”, advogam os agricultores familiares assentados.

Para o bem viver, os sujeitos também relataram depender do INCRA. “Precisamos entender o momento. Vivemos num momento em que o governo não é o da agricultura familiar. Podemos viver cobrando, buscando outros meios. O objetivo do governo é desestruturar o INCRA. O INCRA está deixando de fazer diversas atividades, além do mais como pensar em bem viver com o congelamento dos gastos públicos?”, observam os sujeitos. Analisaram que o bem viver ficou paralisado no PDS, mas que precisam superar essa paralisação e que as instituições não estão presentes no PDS como deveriam. Acreditam que é necessário fazer parcerias institucionais para colaborar com a construção do bem viver. Citaram ainda que o bem viver passa por terem mais conforto e pela garantia de ter o pão de cada dia.

Os sujeitos também estão preocupados com o bem viver, uma vez que “quando vemos plantios de soja ao redor do PDS isso dá uma preocupação para o bem viver. Vivemos numa ‘bolha’, pois, ao redor tem soja. O que nos rodeia é totalmente fora dos nossos objetivos”.

3.3. Avaliação da sustentabilidade e do bem viver do PDS São Paulo

Para avaliar a sustentabilidade do PDS São Paulo, os sujeitos pensam que é necessário observar a realidade, a formação; a presença das pessoas nas reuniões, na igreja, etc.; observar e analisar a produção; o preço e a comercialização; observar o cumprimento da ética, da lei, dos estatutos, seja da cooperativa ou da associação; e observar se os assentados estão vendendo ou não as parcelas, os sítios.

Os resultados da avaliação qualitativa estão dispostos na tabela abaixo (Tabela 1).

Tabela 1
Percepções e narrativas dos agricultores familiares assentados sobre a sustentabilidade e o bem viver do PDS São Paulo.

Na Figura 2, apresentamos as notas dadas pelos agricultores familiares assentados para cada categoria na avaliação quantitativa.

Figura 2
Círculo da Sustentabilidade com as vinte e oito categorias avaliadas de forma quantitativa pelos agricultores familiares assentados do PDS São Paulo, Amazônia, Brasil. Fonte: elaboração própria.

Na Figura 3, apresentamos a avaliação quantitativa dos pilares da sustentabilidade do PDS São Paulo.

Figura 3
Círculo da Sustentabilidade com os sete pilares avaliados de forma quantitativa pelos agricultores familiares assentados do PDS São Paulo, Amazônia, Brasil. Fonte: elaboração própria.

Notamos que os pilares que mais precisam de atenção no PDS São Paulo são a organização, a política e a produção. Já a história, a ética, a religiosidade e a preservação são os pilares melhor avaliados pelos sujeitos. Vale destacar que no pilar preservação, além da reserva legal ser conservada, vários agricultores familiares estão trabalhando de forma mais sustentável, o que tem contribuído para a preservação da água, do solo e da agrobiodiversidade.

Os agricultores familiares assentados estão desenvolvendo trabalhos voltados à agricultura sustentável. São trabalhos relacionados à formação, à organização de uma cooperativa em uma rede de sementes e à recuperação de áreas degradadas através de sistemas agroflorestais.

Diversos princípios e técnicas sustentáveis foram mencionados pelos sujeitos como adubos verdes e compostagens em sistemas agroflorestais, sistema agrossilvopastoril, a rotação de culturas, o consórcio de culturas, casa de sementes, etc.

4. Discussão

Compreendemos que a sustentabilidade e o bem viver vão sendo construídos num processo dialético e na história dos sujeitos que participaram desta pesquisa. A sustentabilidade e o bem viver vão se desenvolvendo com o passar do tempo. A sustentabilidade não é estática; é dinâmica, dialética. Muitas vezes contraditória, vai se desenvolvendo ora avançando, ora recuando com o passar do tempo. Dessa forma, compreendemos que no processo de discussão e avaliação da sustentabilidade é de suma importância concebê-la numa perspectiva histórica e dialética. Os sujeitos trazem consigo, a sabedoria vivenciada e apreendida durante a luta pela conquista da terra. Essa concepção sobre sustentabilidade, também foi observada no Assentamento São Pedro, em Paranaíta, MT (Gervazio et al., 2021Gervazio, W, Bergamasco, S. M. P. P., Barrera-Bassols, N., Felito, R. A., Yamashita, O. M., & Roboredo, D. (2021). Narratives and perceptions of the sustainability and good living of household farmers in the Mato Grosso, Amazon, Brasil. RECIMA21 - Revista Científica Multidisciplinar, 2(9), e29648.).

Parece-nos que a história dos pesquisados do assentamento rural está fortemente relacionada com o desenvolvimento do conceito e do modo de vida sustentável. “Através de sua permanente ação transformadora da realidade objetiva, os homens, simultaneamente, criam a história e se fazem seres histórico-sociais” (Freire, 1987Freire, P. (1987). Pedagogia do oprimido (17a. ed.). Rio de Janeiro: Paz e Terra., p. 52). Além disso, a percepção e a concepção sobre sustentabilidade que os agricultores têm, podem estar relacionadas ao contexto de projeto de desenvolvimento sustentável - PDS na região amazônica. O PDS é uma modalidade de assentamento de interesse socioeconômico e ambiental, destinado às populações que já desenvolvem ou que se disponham a desenvolver atividades de baixo impacto ambiental, baseado na aptidão da área (Costa & Porro, 2019Costa, M. C. L., & Porro, R. (2019). Assentamentos convencionais e projetos de desenvolvimento sustentável em Anapu, Pará: percepções locais da trajetória de implementação. Revista Retratos de Assentamentos, 22(2), 63-98.).

Além da história, o entendimento do que é sustentável parte dos valores de cada grupo social. Dessa forma, para os agricultores familiares a sustentabilidade também engloba a organização, a ética, a política, a religiosidade, a produção e a preservação. Esses princípios e valores, na nossa visão dos agricultores poderão estar alinhados com a sustentabilidade para que se alcance o bem viver. Para Viégas et al. (2018)Viégas, O., Caeiro, S., & Ramos, T. (2018). Modelo conceitual para integração de componentes não materiais na avaliação da sustentabilidade. Ambiente & Sociedade, 21, e02011., os princípios nortearão as estratégias e ações necessárias que venham a ser definidas em consenso pelos grupos sociais e que devem ser adotadas pelos indivíduos através de atitudes e comportamentos efetivamente sustentáveis.

Com relação ao bem viver, é consenso entre os agricultores familiares que para o bem viver são necessários a luta, a organização da comunidade, o comprometimento e a participação. Sendo assim, os agricultores resumiram que para o bem viver é necessário: primeiro, ter fé em Deus; segundo, se preocupar em garantir o pão de cada dia; e terceiro, viver em harmonia com a família, com a comunidade e com a natureza. Para Santos et al. (2017)Santos, L. C. R., Lorenço, F., Grimm, I. J., Queiroz, I. S., Silva, N. M. O., & Canciglieri Junior, O. (2017). Agroecologia: saberes e práticas locais como componentes do Bem Viver. Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade, 3(3), 1-22. o bem viver remete a questões como espiritualidade, natureza, modos de vida e consumo, política e ética, na relação sociedade e natureza. Nessa abordagem, o bem viver se relaciona à melhoria da qualidade de vida das pessoas, e esta é alcançada com relações familiares, educação, trabalho, hábitos e ambiente (Diedrich et al., 2021Diedrich, G. E., Biondo, E., & Bulhões, F. M. (2021). Agroecologia e Bem Viver como modo de vida e como modelo sustentável de produção agrícola e de consumo de alimentos. COLÓQUIO – Revista do Desenvolvimento Regional - Faccat – Taquara, 18(3), 230-255.).

Neste contexto, o entendimento sobre o que é sustentabilidade e bem viver é complexo e envolve diversas dimensões, vinte e oito categorias e sete pilares que sustentam o PDS, se interagem e se complementam formando um círculo virtuoso. Diversos autores registraram a necessidade de incorporar componentes não materiais na avaliação da sustentabilidade, compreendendo aspectos subjetivos, atitudes e valores culturais e individuais, dentre outros (Viégas et al., 2018Viégas, O., Caeiro, S., & Ramos, T. (2018). Modelo conceitual para integração de componentes não materiais na avaliação da sustentabilidade. Ambiente & Sociedade, 21, e02011.).

Para Caporal & Costabeber (2006)Caporal, F. R., & Costabeber, J. A. (2006). Da extensão rural convencional à extensão rural para o desenvolvimento sustentável: enfrentar desafios para romper a inércia. Brasília: [s.n.]., a sustentabilidade é concebida também, através de representações comunitárias, conselhos, entre outras, no sentido de que se considerem as dimensões social, cultural e econômica como integradoras das formas de exploração e manejo sustentável dos agroecossistemas. A sustentabilidade somente poderá ser alcançada no contexto de uma organização social que proteja a integridade dos recursos naturais e estimule a interação harmônica entre os seres humanos, o agroecossistema e o ambiente (Altieri, 1989Altieri, M. (1989). Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternativa. Rio de Janeiro: PTA/FASE.). Assim, para Boff (2010)Boff, L. (2010). Cuidar da Terra, proteger a vida. Como evitar o fim do mundo. Rio de Janeiro: Record., a sustentabilidade deve encarar o desafio da construção social, a partir de uma ética da outridade (alteridade) e do diálogo de saberes. A visão de mundo está intimamente ligada aos valores e constitui uma expressão cultural do mundo interior, ao nível das ideias, afetos, percepções, orientações e intenções (Viégas et al., 2018Viégas, O., Caeiro, S., & Ramos, T. (2018). Modelo conceitual para integração de componentes não materiais na avaliação da sustentabilidade. Ambiente & Sociedade, 21, e02011.).

Outra questão importante para a construção da sustentabilidade é a contribuição de todos os atores envolvidos, poder público federal e estadual, organização de luta dos trabalhadores e os próprios assentados (Kawakami & Ribas, 2013Kawakami, A. Y., & Ribas, C. E. D. C. (2013). Projeto de desenvolvimento sustentável – PDS e novas formas de assentamentos – uma sistematização do caso do assentamento professor Luiz David de Macedo – Apiaí-São Paulo (pp. 1-17). Uniara.). No caso do PDS São Paulo, as organizações não-governamentais também estão contribuindo para a sustentabilidade do mesmo. Estas desenvolvem ações em sintonia com os objetivos do assentamento.

Como ficou demonstrado neste trabalho, os sujeitos possuem seus próprios entendimentos do que é sustentabilidade e de sua importância para o desenvolvimento do assentamento e consequentemente para o bem viver. Utilizam seus saberes e conhecimentos para avaliarem as reais condições de sustentabilidade do assentamento.

Os agricultores familiares acreditam que a produção sustentável, tem contribuído para a sustentabilidade e o bem viver no PDS. A produção é focada em uma forma mais harmoniosa que visa o equilíbrio nos sistemas produtivos e que respeita os recursos naturais. Nesse sentido, os sujeitos, estão buscando uma agricultura de base ecológica, que respeite o meio ambiente e contribua para uma alimentação mais saudável e consequentemente mais saúde. Sendo assim, “a manutenção e recuperação da base de recursos naturais - constitui um aspecto central para atingirem-se patamares crescentes de sustentabilidade em qualquer agroecossistema” (Caporal & Costabeber, 2002Caporal, F. R., & Costabeber, J. A. (2002). Análise multidimensional da sustentabilidade uma proposta metodológica a partir da agroecologia. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, 3(3), 70-85., p. 76).

O PDS São Paulo está em uma fase de transição agroecológica, e tem contribuído para o resgate de saberes e conhecimentos dos agricultores familiares assentados e gerado novos conhecimentos a partir da construção de agroecossistemas sustentáveis nas parcelas; tem proporcionado o uso racional da reserva legal para fins artesanais.

Neste caso, tratamos transição como sendo “caracterizada pelos processos de ecologização como a passagem do modelo produtivista convencional ou de formas de agricultura tradicional para estilos de produção mais complexos sob o ponto de vista da conservação e manejo dos recursos naturais” (Caporal & Costabeber, 2000Caporal, F. R., & Costabeber, J. A. (2000). Agroecologia e desenvolvimento rural sustentável: perspectivas para uma nova extensão rural. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, 1(1), 16-37., p. 29). Os processos de transição não são estáticos, sempre incluem a ideia de processos ou dimensão dinâmica, e, por conseguinte a variável tempo, ou dimensão temporal (Costabeber, 1998Costabeber, J. A. (1998). Acción colectiva y procesos de transición agroecológica en Rio Grande do Sul, Brasil (Tese de doctorado). Universidad de Córdoba, España.).

A questão da ética também é crucial nas narrativas dos sujeitos deste trabalho no PDS São Paulo. A produção sustentável tem como um de seus princípios a questão da ética, tanto no sentido estrito, de uma nova relação com o outro, isto é, entre os seres humanos, como no sentido mais amplo da intervenção humana no meio ambiente (Caporal & Costabeber, 2006Caporal, F. R., & Costabeber, J. A. (2006). Da extensão rural convencional à extensão rural para o desenvolvimento sustentável: enfrentar desafios para romper a inércia. Brasília: [s.n.].).

Para os sujeitos do PDS São Paulo, a ética se dá no zelo e no cumprimento das normas estabelecidas no plano de desenvolvimento do assentamento e no cuidado com o meio ambiente. Na prática, a questão ética se manifesta através do sentido da responsabilidade, nas relações normativas, em um conjunto de obrigações que passam a ser socialmente sancionadas, adquirindo o status de normas ou valores (Caporal & Costabeber, 2006Caporal, F. R., & Costabeber, J. A. (2006). Da extensão rural convencional à extensão rural para o desenvolvimento sustentável: enfrentar desafios para romper a inércia. Brasília: [s.n.].).

Assim, para novas estratégias de ação, que sejam orientadas para a construção de contextos de sustentabilidade, é importante garantir o incremento da biodiversidade e da diversidade cultural, minimizando, ao mesmo tempo, as dependências às quais os etnoecossistemas estão submetidos (Costabeber, 2001Costabeber, J. A. (2001, julho 1). Transição agroecológica e ação coletiva. In Anais do Encontro Internacional sobre Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável (Vol. 1). Botucatu: [s.n.]. CD-ROM.). O bem viver, neste sentido, se apresenta como uma oportunidade para construir coletivamente novas formas de vida (Acosta, 2016Acosta, A. (2016). O Buen Vivir: uma oportunidade de imaginar outro mundo. In C. M. Sousa (Org.), Um convite à utopia (Vol. 1, pp. 203-233). Campina Grande: EDUEPB.). O bem viver aponta uma ética do suficiente para toda a comunidade, e não apenas para o indivíduo (Boff, 2010Boff, L. (2010). Cuidar da Terra, proteger a vida. Como evitar o fim do mundo. Rio de Janeiro: Record.). Desse modo, para pensar o bem viver como uma oportunidade é necessário buscar outra forma de economia, fundamentada na solidariedade e na sustentabilidade, com reciprocidade, complementariedade, responsabilidade, respeitando que todos os seres vivos são necessários ao planeta, além da diversidade cultural, da equidade e da democracia (Diedrich et al., 2021Diedrich, G. E., Biondo, E., & Bulhões, F. M. (2021). Agroecologia e Bem Viver como modo de vida e como modelo sustentável de produção agrícola e de consumo de alimentos. COLÓQUIO – Revista do Desenvolvimento Regional - Faccat – Taquara, 18(3), 230-255.).

Por fim, o bem viver, em sintonia com outros discursos, que concebem uma transição civilizacional para formas de organização social e padrões de produção e consumo fundamentalmente transformado como uma pré-condição inevitável para atingir o imperativo da sustentabilidade (Vanhulst & Beling, 2012Vanhulst, J., & Beling, A. E. (2012). El discurso del Buen Vivir: sustentabilidad “made in Latinoamérica”. Nadir: Revista Electrónica de Geografía Austral, 4(1), 1-11.).

5. Conclusões

A caracterização histórica, socioeconômica e cultural do assentamento nos permitiu compreender como a sustentabilidade e o bem viver vão se construindo num processo histórico e dialético de cada sujeito e do assentamento. Assim, a sustentabilidade e o bem viver vão se desenvolvendo com o passar do tempo no PDS.

Os sete pilares que sustentam o PDS São Paulo se interagem e complementam-se formando um círculo virtuoso. Assim, o entendimento sobre sustentabilidade e bem viver para os agricultores familiares do PDS São Paulo é amplo, complexo e envolve diversas dimensões e vinte e oito categorias.

A sustentabilidade e o bem viver são processos dialéticos, estão em construção, em movimento e a produção sustentável tem possibilitado avanço na construção da sustentabilidade e do bem viver no PDS São Paulo.

  • Como citar: Gervazio, W., Bergamasco, S. M. P. P., Moreno-Calles, A. I., Yamashita, O. M., & Rocha, A. M. (2023). Sustentabilidade e bem viver segundo os agricultores familiares do Projeto de Desenvolvimento Sustentável São Paulo, na Amazônia norte mato-grossense, Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, 61(2), e255979. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2022.255979
  • Classificação do Journal of Economic Literature (JEL)
    Q. Economia Agrícola e de Recursos Naturais Economia Ambiental e Ecológica
    Q01 Desenvolvimento Sustentável

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    01 Set 2021
  • Aceito
    24 Mar 2022
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