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FEW Nexus (nexo alimento-energia-água) na agricultura familiar: um estudo de caso na RedeCoop/RS

FEW Nexus (food-energy-water nexus) in family farming: a case study at RedeCoop/RS

Resumo:

O objetivo do presente estudo foi analisar as ações da RedeCoop nas cooperativas participantes, por meio da abordagem FEW Nexus (nexo alimento-energia-água). Para isso, considerou-se uma pesquisa qualitativa e o método de pesquisa foi o estudo de caso. Adicionalmente, o método de análise escolhido foi a análise de conteúdo com categorias pré-analíticas. A coleta de dados deu-se através de entrevistas com os gestores das cooperativas e documentos, como atas, chamadas públicas e postagens em redes sociais. Ao longo da análise dos resultados, analisou-se a segurança alimentar, energética e hídrica e a produção agrícola familiar dentro do âmbito das cooperativas participantes da RedeCoop. Segundo a análise dos resultados, a RedeCoop possui ações diretas e indiretas no que tange aos elementos do nexo alimento-energia-água. Age, positivamente, nas cooperativas participantes, diretamente, nos elementos alimento e energia; e, ainda, atua indiretamente no que diz respeito ao elemento água. Nas conclusões, apresentou-se possíveis ações que podem fortalecer a atuação da RedeCoop nos elementos FEW Nexus. A presente pesquisa mostrou que a discussão do FEW Nexus poderá auxiliar a agricultura familiar sustentável. Além disso, o estudo tem a capacidade de contribuir na elaboração de políticas públicas que auxiliem na produção de alimentos feita pelos agricultores familiares.

Palavras-chave:
agricultura familiar; cooperativas; FEW Nexus; sustentabilidade

Abstract:

The objective of the present study was to analyze RedeCoop's actions in participating cooperatives through the FEW Nexus approach (food-energy-water nexus). For this, it was considered a qualitative research and the research method was the case study. Additionally, the method of analysis chosen was content analysis with pre-analytical categories. Data collection took place through interviews with the managers of the cooperatives, and documents such as minutes, public calls and posts on social networks. Throughout the analysis of the results, food, energy and water security and family agricultural production were analyzed within the scope of the cooperatives participating in RedeCoop. The results indicate that the RedeCoop has direct and indirect actions regarding the elements of the food-energy-water nexus. It acts positively in the participating cooperatives, directly, in the elements of food and energy; and still acts indirectly with respect to the water element. In the conclusions, possible actions were presented that can strengthen the performance of RedeCoop in the FEW Nexus elements. The present research showed that the discussion of FEW Nexus can help sustainable family farming. In addition, the study has the capacity to contribute to elaboration of public policies that help the production of food by family farmers.

Keywords:
cooperative; family farming; FEW Nexus; sustainability

1. INTRODUÇÃO

Diante do cenário de grave crise climática, torna-se cada vez mais necessária a transição para um desenvolvimento sustentável. No entanto, devido à complexidade da economia global, emergiu, nos últimos anos, abordagens como o FEW Nexus, que considera os impactos em diferentes setores sociais, ambientais e econômicos. Assim, essa abordagem propõe que os elementos alimento, energia e água devam ser estudados de forma interdependente, uma vez que cada um desses recursos necessita ou é afetado, diretamente, pelo outro (Bazilian et al., 2011Bazilian, M., Rogner, H., Howells, M., Hermann, S., Arent, D., Gielen, D., Steduto, P., Mueller, A., Komor, P., Tol, R. S. J., & Yumkella, K. (2011). Considering the energy, water and food nexus: Towards an integrated modelling approach. Energy Policy, 39(12), 7896-7906. ).

Na discussão de sustentabilidade e FEW Nexus, está a agricultura, atividade responsável pela produção de alimentos e por consumir cerca de 70% da água doce e 30% da energia gerada no mundo (Food and Agriculture Organization of the United Nations, 2017Food and Agriculture Organization of the United Nations - FAO. (2017). Water for sustainable food and agriculture: A report produced for the G20 presidency of Germany. Roma: FAO. Recuperado em 4 de agosto de 2020, de http://www.fao.org/3/a-i7959e.pdf
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). Incorporada a essa atividade econômica, está o ramo agrícola familiar, que produz cerca de 80% dos alimentos mundiais, apesar de operar em 7% das terras cultiváveis (Food and Agriculture Organization of the United Nations, 2019Food and Agriculture Organization of the United Nations - FAO. (2019). El estado de la seguridad alimentaria y la nutrición en el mundo: Protegerse frente a la desaceleración y el debilitamiento de la economía. Roma: FAO. Recuperado em 22 de julho de 2020, de http://www.fao.org/3/ca5162es/ca5162es.pdf
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). No Brasil, esse setor, além de abarcar grande parte da população vulnerável socialmente, é o principal agente de produção orgânica, sustentável e saudável (Castro, 2017Castro, L. F. P. (2017). Agricultura familiar: Perspectivas e desafios para o desenvolvimento rural sustentável. Revista Espaço Acadêmico, 17(192), 142-154.). Ainda no contexto brasileiro, ressalta-se que, em busca de novos mercados, os agricultores brasileiros organizam-se em organizações do tipo cooperativa. Mais recentemente, devido a questões operacionais no mercado institucional, as cooperativas começaram a intercooperar mais em busca de geração de renda, criando, assim, redes de cooperação.

No Rio Grande do Sul, uma das redes mais importantes é a RedeCoop - Rede de Cooperativas da Agricultura Familiar e da Economia Solidária. Constituída, inicialmente, para viabilizar a logística do mercado institucional, a rede está expandindo suas ações ao atuar em áreas como representação política, através de reinvindicações de editais públicos, e educação/conhecimento por meio de participações em eventos e compartilhamento de conhecimento com entidades do setor.

Este artigo parte do princípio de que a atividade agrícola familiar é fundamental para o desenvolvimento sustentável, já que os agricultores familiares apresentam uma produção diversificada de alimentos com baixo uso de insumos e pesticidas (Santos & Cândido, 2013Santos, J. G., & Cândido, G. A. (2013). Sustentabilidade e agricultura familiar: Um estudo de caso em uma associação de agricultores rurais. Revista de Gestão Social e Ambiental, 7(1), 70-86.). Adicionalmente, esse setor mantém o saber tradicional de cultivo e os valores socioculturais, tanto nos processos produtivos quanto nas relações com os consumidores, aspectos esses que são passados de geração a geração (Castro, 2017Castro, L. F. P. (2017). Agricultura familiar: Perspectivas e desafios para o desenvolvimento rural sustentável. Revista Espaço Acadêmico, 17(192), 142-154.). No entanto, por falta de acesso a conhecimento técnico e às políticas públicas adequadas, os agricultores familiares acabam tendo dificuldade para evoluir seus meios de produção em direção à sustentabilidade. Considerando isso, torna-se relevante a atuação das cooperativas, e de suas respectivas redes, nesse tema.

Nesse sentido, o problema de pesquisa deste trabalho é: como a RedeCoop ajudaria as cooperativas de agricultores familiares na transição para a sustentabilidade? Buscando responder a essa pergunta, o objetivo desse estudo é: analisar as ações da RedeCoop nas cooperativas participantes por meio da abordagem FEW Nexus (nexo alimento-energia-água).

Esse estudo justifica-se, pois, considerando que a rede tem atuação recente, a pesquisa poderá contribuir para funcionamento da RedeCoop e, assim, resultar em benefícios no que diz respeito ao impacto sustentável dessa organização. Dito isso, o artigo está estruturado com as seguintes seções, respectivamente: Fundamentação Teórica, Metodologia, Considerações Finais e Referências.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Nessa seção, são apresentadas as discussões sobre Sustentabilidade, FEW Nexus e Agricultura Familiar, e suas relações com segurança alimentar/energética/hidrica e a produção agrícola familiar.

2.1 SUSTENTABILIDADE E FEW NEXUS (NEXO ALIMENTO, ENERGIA E ÁGUA)

Ainda que debatida internacionalmente em diferentes segmentos nos últimos 50 anos, o cenário atual e futuro do planeta é alarmante. De acordo com o estudo de Steffen et al. (2015)Steffen, W., Broadgate, W., Deutsch, L., Gaffney, O., & Ludwig, C. (2015). The trajectory of the anthropocene: The great acceleration. The Anthropocene Review, 2(1), 81-98. existe uma tendência de crescimento exponencial em diferentes fatores preocupantes para a sustentabilidade do planeta Terra, como população mundial, consumo de fertilizantes, emissão de gases do efeito estufa, acidificação dos oceanos, temperatura da superfície e degradação da biosfera terrestre. Tendo em vista o agravamento da degradação do planeta, em 2015, na COP-21, firmaram-se os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que constituem a Agenda 2030 da ONU (Organização das Nações Unidas): 01:Erradicação da pobreza; 02:Fome zero e agricultura sustentável; 03: Saúde e bem-estar; 04 - Educação de qualidade; 05:Igualdade de gênero; 06:Água limpa e saneamento; 07:Energia limpa e acessível; 08:Trabalho decente e crescimento econômico; 09:Inovação infraestrutura; 10:Redução das desigualdades; 11:Cidades e comunidades sustentáveis; 12:Consumo e produção responsáveis; 13:Ação contra a mudança global do clima; 14:Vida na água; 15:Vida terrestre; 16:Paz, justiça e instituições eficazes; 17:Parcerias e meios de implementação (Organização das Nações Unidas, 2015Organização das Nações Unidas - ONU. (2015). Recuperado em 17 de julho de 2020, de https://nacoesunidas.org/wp content/uploads/2015/10/agenda2030-pt-br.pdf
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).

Em paralelo à discussão dos ODS, emergiu, em 2011, no Fórum Econômico Mundial, a abordagem FEW Nexus que trata, de forma conjunta, dos elementos alimento, energia e água (Biggs et al., 2015Biggs, E. M., Bruce, E., Boruff, B., Duncan, J. M. A., Horsley, J., Pauli, N., & Imanari, Y. (2015). Sustainable development and the water-energy-food nexus: A perspective on livelihoods. Environmental Science & Policy, 54, 389-397.). Bazilian et al. (2011)Bazilian, M., Rogner, H., Howells, M., Hermann, S., Arent, D., Gielen, D., Steduto, P., Mueller, A., Komor, P., Tol, R. S. J., & Yumkella, K. (2011). Considering the energy, water and food nexus: Towards an integrated modelling approach. Energy Policy, 39(12), 7896-7906. afirmam que todos os elementos do FEW Nexus possuem uma demanda global em crescimento; são afetados pelas mudanças climáticas; têm variações de oferta, demanda, qualidade e quantidade de acordo com região do planeta; estão em mercados comerciais fortemente regulamentados; exigem um planejamento, monitoramento e tratamento de riscos. Ademais, Biggs et al. (2015)Biggs, E. M., Bruce, E., Boruff, B., Duncan, J. M. A., Horsley, J., Pauli, N., & Imanari, Y. (2015). Sustainable development and the water-energy-food nexus: A perspective on livelihoods. Environmental Science & Policy, 54, 389-397. afirmam que o nexo é uma ferramenta essencial para alcançar o desenvolvimento sustentável e a segurança de subsistência ambiental, que engloba o equilíbrio entre a oferta de recursos naturais e a demanda humana.

Um dos elementos chaves do FEW Nexus é a água. No Brasil, de acordo com estudo realizado pela organização SOS Mata Atlântica (2019)SOS Mata Atlântica. (2019). Observando os rios 2019: O retrato da qualidade da água nas bacias da Mata Atlântica. Recuperado em 17 de setembro de 2020, de https://www.sosma.org.br/wp-content/uploads/2019/03/Observando-Os-Rios-2019.pdf
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, que considerou 16 parâmetros na composição do Índice de Qualidade da Água (IQA), apenas 6,5% das bacias hidrográficas nas regiões da Mata Atlântica, onde está localizada cerca de 70% da população brasileira, possuem qualidade de água “boa” ou “ótima”. Isto é, IQA acima de 35. Outro aspecto, no que diz respeito à água no Brasil, é relacionado ao saneamento básico. Segundo o Marco Legal do Saneamento (Brasil, 2020Brasil. (2020, julho 16). Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília.), o saneamento básico é composto por: abastecimento de água potável; esgotamento sanitário; limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; drenagem e manejo das águas pluviais urbanas.

Adicionalmente a essa discussão, ressalta-se a crise no volume de chuvas que afeta diretamente a produção agropecuária e a segurança alimentar e hídrica dos agricultores (Marengo et al., 2016Marengo, J. A., Cunha, A. P., & Alves, L. M. (2016). A seca de 2012-15 no semiárido do nordeste do Brasil no contexto histórico. Climanálise, 3(1), 1-6.). O Estado do Rio Grande do Sul, ao longo do ano de 2020, foi afetado por uma forte estiagem. Segundo estudo do Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária (2020), aDepartamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária - DDPA. (2020). Análise da estiagem na safra 2019/2020 e impactos na agropecuária do Rio Grande do Sul. Recuperado em 28 de junho de 2021, de https://www.agricultura.rs.gov.br/upload/arquivos/202011/10163507-14095649-circular-06-cardoso-et-al-para-publicacao.pdf
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baixa precipitação nesse estado ocorreu, principalmente, no verão, já que a maioria das regiões não ultrapassaram, durante essa estação do ano, 50 mm de chuvas.

Quanto à energia, no Brasil, a oferta interna de energia é composta, em sua maioria, por energia não-renovável. Segundo a análise energética histórica realizada pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética, 2020Empresa de Pesquisa Energética - EPE. (2020). Recuperado em 13 de outubro de 2020, de https://www.epe.gov.br/pt/abcdenergia/matriz-energetica-e-eletrica
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), o Brasil possui uma oferta de energias renováveis de 46,1%, que é a maior desde 1970. Ainda de acordo com o Balanço Energético de 2020, em 2019, o setor de transportes foi o que mais consumiu energia (32,7%). Sobre a disponibilidade energética, ainda que haja 99,8% da população com acesso à energia elétrica (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (2019). Recuperado em 18 de setembro de 2020, de https://sidra.ibge.gov.br/tabela/6590#resultado
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), o estudo do IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, 2018Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC. (2018). Avaliação da qualidade do serviço de fornecimento de energia das concessionárias e permissionárias brasileiras. São Paulo: IDEC. Recuperado em 18 de setembro de 2020, de https://idec.org.br/sites/default/files/qualidade_setor_eletrico_brasil.pdf
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) sobre a qualidade do serviço prestado em energia, mostra que apenas 52,97% do território brasileiro apresenta nível satisfatório energético.

Considerando esses dados, destaca-se que o acesso à energia básica não é evidência de energia de qualidade. Sendo assim, torna-se relevante destacar os cinco componentes que constituem o acesso à energia de qualidade (Quality Energy Access (QEA): Acesso Básico, proporção da população com acesso à energia; Confiabilidade, energia estável e continua sem interrupções ou oscilações de voltagem; Acessibilidade, energia acessível para todos usos, comércio, serviço e doméstico; Sustentabilidade Ambiental, acesso à energia e tecnologias limpas; Escalabilidade, agilidade de atender as demandas, e suas variações, domésticas e comerciais (World Energy Council, 2020World Energy Council. (2020). Recuperado em 18 de setembro de 2020, de https://www.worldenergy.org/
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).

No mais, com relação à segurança alimentar, salienta-se que essa classificação é composta por quatro pilares principais: Disponibilidade de alimentos, que aborda o lado da oferta alimentar e é determinada pelo nível de produção, de estoque e de importação, além de englobar as ajudas/auxílios alimentares; Acesso aos alimentos, que abrange o poder de compra, a renda da população, as despesas, os preços e a distribuição alimentar; Utilização alimentar, que é a maneira que o indivíduo adquire os nutrientes dos alimentos, envolve boas práticas de preparo, higiene e armazenamento e a diversidade e qualidade na dieta; Estabilidade alimentar, que compreende a estabilização contínua das três primeiras dimensões ao longo do tempo (Charlton, 2016Charlton, K. E. (2016). Food security, food systems and food sovereignty in the 21st century: A new paradigma required to meet sustainable development goals. Nutrition & Dietetics, 73(1), 3-12.; Gregory et al., 2005Gregory, P. J., Ingram, J. S. I., & Brklacich, M. (2005). Climate change and food security. Philosophical Transactions of the Royal Society of London. Series B, Biological Sciences, 360(1463), 2139-2148.).

Outro tema importante referente a alimentos é o desperdício e a perda alimentar. Para Lipinski et al. (2013)Lipinski, B., Hanson, C., Lomax, J., Kitinoja, L , Waite, R., & Searchinger, T. (2013). Reducing food loss and waste. Washington, DC: World Resources Institute., as causas que proporcionam o desperdício alimentar são diversas: maquinário agrícola sucateado ou com danos, planejamento de colheita ruim, armazenamento prolongado, falta de instalações adequadas de transporte, venda de grandes porções de alimentos e consumidores desinformados. Sendo assim, o alcance da Agenda 2030 passa pela transição sustentável da agricultura, principalmente, da agricultura familiar.

Por último, em termos de aplicação, a abordagem FEW Nexus já foi utilizada como pensamento e constructo teórico para: desenvolver ferramentas de Economia Circular Urbana (Xue et al., 2018Xue, J., Liu, G., Casazza, M., & Ulgiati, S. (2018). Development of an urban FEW nexus online analyzer to support urban circular economy strategy planning. Energy, 164, 475-495.); gerenciamento de desperdício alimentar (Kibler et al., 2018Kibler, K. M., Reinhart, D., Hawkins, C., Motlagh, A. M., & Wright, J. (2018). Food waste and the food-energy-water nexus: A review of food waste management alternatives. Waste Management, 74, 52-62.); inovação ambiental em serviços alimentares (Rosa et al., 2021Rosa, F. S., Lunkes, R. J., Spigarelli, F., & Compagnucci, L. (2021). Environmental innovation and the food, energy and water nexus in the food service industry. Resources, Conservation and Recycling, 166, 105350.); análise de desigualdade social (Romero-Lankao & Gnatz, 2019Romero-Lankao, P., & Gnatz, D. (2019). Risk inequality and the Food-Energy-Water (FEW) nexus: A study of 43 city adaptation plans. Frontiers in Sociology, 4, 31.); otimização do uso da terra (Nie et al., 2019Nie, Y., Avraamidou, S., Xiao, X., Pistikopoulos, E. N., Li, J., Zeng, Y., Song, F., Yu, J., & Zhu, M. (2019). A food-energy-water nexus approach for land use optimization. The Science of the Total Environment, 659, 7-19. ), entre outros.

2.2 AGRICULTURA FAMILIAR

A agricultura familiar brasileira emerge nos meados da década de 1990, devido a dois eventos de impacto social e político (Schneider, 2003Schneider, S. (2003). Teoria social, agricultura familiar e pluriatividade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 18, 99-122.). No campo social, houve uma ascensão dos movimentos sociais rurais formados por agricultores familiares insatisfeitos com a queda de preços, com a falta de crédito e de identificação. Já no campo político, a legitimação da agricultura familiar brasileira como categoria social deu-se a partir da criação do PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), em 1996, que tinha, como objetivo principal, incentivar e disponibilizar o crédito rural para os pequenos agricultores familiares (Mattei, 2005Mattei, L. (2005). Impactos do PRONAF: Análise de indicadores. Brasília: IICA.).

Em 2017, a Assembleia Geral das Organizações Unidas proclamou a década de 2019 a 2028 como a Década da Agricultura Familiar das Nações Unidas (United Nations Decade of Family Farming - UNDFF). Essa iniciativa da ONU é baseada em sete pilares fundamentais: Pilar 01: Desenvolver um ambiente político favorável para fortalecer a agricultura familiar; Pilar 02: Apoiar a juventude e garantir a sustentabilidade geracional; Pilar 03: Promover a equidade de gênero na agricultura familiar; Pilar 04: Fortalecer as organizações e capacidades de agricultores familiares para gerar conhecimento; Pilar 05: Melhorar a inclusão socioeconômica, a resiliência e o bem-estar dos agricultores familiares, famílias rurais e comunidades; Pilar 06: Promover a sustentabilidade da agricultura familiar para sistemas alimentares resilientes ao clima; Pilar 07: Fortalecer a multidimensionalidade da agricultura familiar para promover inovações sociais que contribuam para o desenvolvimento territorial e sistemas alimentares (Food and Agriculture Organization of the United Nations, 2020Food and Agriculture Organization of the United Nations - FAO. (2020). Recuperado em 10 de agosto de 2020, de http://www.fao.org/family-farming-decade/pillars/en/
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).

No que diz respeito ao atual cenário da agricultura familiar brasileira, salientam-se os dados do Censo Agropecuário de 2017 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2017Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (2017). Recuperado em 24 de setembro de 2020, de https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/21814-2017-censo-agropecuario.html?=&t=resultados
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), ou seja, 77% dos estabelecimentos rurais totais pertencem à agricultura familiar. Entretanto, a área agrícola ocupada é de apenas 23% da área total. Além disso, se comparado ao Censo de 2006, a força de trabalho familiar reduziu em 17,6%. Todavia, a agricultura familiar continua sendo a principal empregadora do campo, com 73% dos trabalhadores no campo. Segundo análise do IPEA (Valadares et al., 2020Valadares, A., Alves, F., & Galiza, M. O. (2020) Crescimento do uso de agrotóxicos: Uma análise descritiva dos resultados de censo agropecuário 2017. Brasília: IPEA. Nota técnica Nº65 - IPEA.), outro elemento negativo presente no Censo de 2017 é o aumento do uso de agrotóxico por parte da agricultura familiar de 29% (2006) para 36% (2017). Tal informação é preocupante, já que, segundo estudos, a valorização da agricultura familiar passa pela produção orgânica, sustentável e saudável (Araújo, 2019Araújo, D. A. P. S. (2019). Feira & sustentabilidade: O caso da I Feira da Agricultura Familiar e Economia Solidária em Macaé (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Macaé.).

Apesar do aumento na utilização dos agrotóxicos, a atividade agrícola familiar é essencial para sustentabilidade rural já que sua forma de produção, muitas vezes, não está vinculada à lógica predatória e exploradora presente no agronegócio empresarial, pois prioriza, antes do desenvolvimento econômico, os valores socioculturais, na sua produção e consumo (Castro, 2017Castro, L. F. P. (2017). Agricultura familiar: Perspectivas e desafios para o desenvolvimento rural sustentável. Revista Espaço Acadêmico, 17(192), 142-154.). Ademais, a comercialização dos produtos agrícolas familiares é normalmente realizada através de cadeias curtas agroalimentares que tem, como característica principal, a redução de intermediários entre consumidor e produtor (Lopes et al., 2019Lopes, I. D., Basso, D., & Brum, A. L. (2019). Cadeias agroalimentares curtas e o mercado de alimentação escolar na rede municipal de Ijuí, RS. Interações, 20, 543-557.). Nesse sentido, destaca-se que as cadeias curtas contribuem para diminuição do impacto ambiental nos processos de transporte e distribuição uma vez que essas fases da cadeia são uma das principais responsáveis pelo desperdício alimentar e pelo aumento da pegada de carbono do alimento (Franzoni, 2015Franzoni, G. B. (2015). Inovação social e tecnologia social: O caso da cadeia curta de agricultores familiares e a alimentação escolar em Porto Alegre/RS (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; Wakeland et al., 2012Wakeland, W., Cholette, S., & Venkat, K. (2012). Food transportation issues and reducing carbon footprint. In: J. I. Boye & Y. Arcand (Eds.), Green technologies in food production and processing (pp. 211-236). Boston: Springer.).

No que diz respeito ao FEW Nexus, pensar de forma integrada os elementos alimento, água e energia pode trazer benefícios sustentáveis para a agricultura familiar. Segundo estudo realizado por Gathala et al. (2020)Gathala, M. K., Laing, A. M., Tiwari, T. P., Timsina, J., Islam, S., Chowdhury, A. K., Chattopadhyay, C., Singh, A. K., Bhatt, B. P., Shrestha, R., Barma, N. C. D., Rana, D. S., Jackson, T. M., & Gerard, B. (2020). Enabling smallholder farmers to sustainably improve their food, energy and water nexus while achieving environmental and economic benefits. Renewable & Sustainable Energy Reviews, 120, 109645. com mais de 400 pequenos agricultores no sul da Ásia, a implementação de um sistema de técnicas agrícolas sustentáveis possibilitou, se comparado ao manejo tradicional, um aumento na produção de grãos e, paralelamente, uma redução na demanda por água e energia e de emissão de GEE, o que demonstra a importância do relacionamento entre os temas. Já o estudo de Zhang et al. (2018)Zhang, J., Campana, P. E., Yao, T., Zhang, Y., Lundblad, A., Melton, F., & Yan, J. (2018). The water-food-energy nexus optimization approach to combat agricultural drought: A case study in the United States. Applied Energy, 227, 449-464. considera que pensar os recursos presentes no nexo de forma conjunta auxilia no combate às secas, uma das principais interferências na produção de alimentos. Ademais, o livro de Stevens & Gallagher (2015)Stevens, L., & Gallagher, M. (2015). The energy-water-food nexus at decentralized scales: Synergies, trade-offs, and how to manage them. Rugby: Practical Action Publishing. demonstra a importância do FEW Nexus ao relatar ações em pequenas propriedades rurais no Peru, Nepal e Zimbábue envolvendo sistemas de energia micro-hídricos. Segundo os autores, esse sistema de energia renovável auxiliou na agricultura de subsistência e teve impacto positivo na qualidade de vida dos moradores devido à geração de renda que essa iniciativa proporcionou.

No Brasil, o recente estudo de Feitosa et al. (2022)Feitosa, E.R.M., Nunes, E.M., Andrade, H.D., Schneider, S., & Rocha, A.B. (2022). Nexus: Agricultura familiar, energias renováveis e construção de mercados nos territórios rurais do Rio Grande do Norte. Revista de Economia e Sociologia Rural, 60(3), e238969. mostrou a importância da energia eólica para o desenvolvimento rural da agricultura familiar do Rio Grande do Norte, através da geração de renda na região em que as famílias estão localizadas e por meio da ampliação dos mercados. Além disso, os autores verificaram a existência de iniciativas de energia fotovoltaica que automatizaram os sistemas de irrigação de agricultores familiares. Já o estudo de Silva & Vianna (2022), aSilva, P. R., & Vianna, J. N. S. (2022). A região de MATOPIBA (Brasil) e o nexus água-energia-alimentos. Desenvolvimento e Meio Ambiente, 59, 338-353. partir da utilização da abordagem de governança do FEW Nexus, demonstrou que as bacias hidrográficas da região de MATOPIBA estão sendo sobrerexploradas pelas atividades agrícolas e hidroelétricas ameaçando, dessa forma, todo o ecossistema da região do Cerrado.

Um importante tema a ser ressaltado, também, é o impacto na agricultura familiar devido à pandemia da COVID-19. As restrições de mobilidade dificultaram o comércio dos produtos familiares já que muitos produtores vendem através do mercado de rua, não tendo acesso a plataformas de e-commerce e sistemas de entrega delivery (Preiss, 2020Preiss, P. V. (2020). Challenges facing the COVID-19 pandemic in Brazil: Lessons from short food supply systems. Agriculture and Human Values, 37(3), 571-572.). O mercado institucional, representado principalmente através do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) e PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), também teve fortes impactos. Com o fechamento das escolas, estudos mostram que não houve uma transição adequada entre o poder executivo, responsável por formalizar os editais públicos de compra, e os agricultores familiares (Rocha et al., 2021Rocha, G. C., Vilarinho, M. F. S. B., Araújo, D. A. M., Soares, T. C., Silva, L. P. T., Sousa, T. T., Macedo, E. R., Santos, Á. M. S., Sales, C. O., Brito, M. G. O., Trindade, J. L. M., & Xavier, I. J. O. (2021). Execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar durante a pandemia: Desafios e entraves. Research, Society and Development, 10(8), e26110817176. ). No mais, recentes pesquisas também demostraram que o PAA teve contratos suspensos/reduzidos/alterados, impactando, assim, o planejamento da produção (Araújo et al., 2021Araújo, A., Canteri, M., & Bittencourt, J. (2021). Agricultura familiar e o impacto do Covid-19 aos programas de políticas públicas - PNAE e PAA. In R. J. Oliveira (Eds.), Extensão rural: Práticas e pesquisas para o fortalecimento da agricultura familiar (Vol. 2). Guarujá: Científica Digital. ). Isso pode ser considerado um problema, porque as políticas públicas de compra alimentar tornaram-se essenciais na geração de renda, desde 2009, com a modificação da Lei do PNAE, a qual instituiu que pelo menos 30% dos recursos do governo deveriam ser destinados para compra de produtos da agricultura familiar (Menezes et al., 2015Menezes, F., Porto, S., & Grisa, C. (2015). Abastecimento alimentar e compras públicas no Brasil: Um resgate histórico (Série Políticas Sociais e de Alimentação). Brasília: Centro de Excelência Contra a Fome.). No que diz respeito ao aspecto agroecológico e de desenvolvimento sustentável, o mercado institucional, além de incentivar uma cadeia curta agroalimentar, possui diretrizes e objetivos que buscam fomentar a alimentação saudável, a segurança alimentar e nutricional e a diversidade da produção (Menezes et al., 2015Menezes, F., Porto, S., & Grisa, C. (2015). Abastecimento alimentar e compras públicas no Brasil: Um resgate histórico (Série Políticas Sociais e de Alimentação). Brasília: Centro de Excelência Contra a Fome.).

3. METODOLOGIA

A presente pesquisa é exploratória-descritiva, pois busca, concomitantemente, esclarecer um fenômeno ainda pouco estudado através de técnicas de coleta de dados padronizadas (Gil, 2010Gil, A. C. (2010). Métodos e técnicas de pesquisa social (5ª ed.). São Paulo: Atlas.). Possui caráter qualitativo, uma vez que busca se aprofundar em aspectos sociais reais que dependem da reflexividade e da interpretação de atores em determinado contexto (Flick, 2008). Sendo assim, considerando que a construção de ações, no que diz respeito à transição para a sustentabilidade agrícola familiar, está relacionada com a visão das cooperativas e de seus respectivos cooperados. Então, optou-se por essa natureza de pesquisa.

O método de pesquisa adotado foi o estudo de caso, de acordo com Yin (2014, pYin, R. K. (2014). Estudo de caso: Planejamento e métodos (5ª ed.). Porto Alegre: Bookman.. 19), uma vez que essa é a melhor escolha quando “se colocam questões do tipo ‘como’ e ‘por que’, quando o pesquisador tem pouco controle sobre os eventos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real”.

O caso escolhido foi o da RedeCoop (Rede de Cooperativas da Agricultura Familiar e da Economia Solidária), pela sua importância na agricultura familiar gaúcha. Atualmente, essa rede conta com 12 mil agricultores familiares, presentes em 42 cooperativas, distribuídas em 34 municípios gaúchos. No mais, destaca-se que, apesar de ser constituída com o intuito de atender ao mercado institucional, atualmente a RedeCoop atende, também, o mercado consumidor direto (pessoas físicas) e privado (pessoas jurídicas). As ações intercooperativas proporcionadas pela rede contemplam a área logística (distribuição integrada), comercial (atuação conjunta nos mercados institucionais e compartilhamento de infraestrutura), de representação política (reivindicações frente aos órgãos públicos) e de conhecimento (promoção de eventos e compartilhamento de experiências com entidades universitárias).

No que diz respeito à coleta de dados de pesquisa em estudo de caso, Yin (2014)Yin, R. K. (2014). Estudo de caso: Planejamento e métodos (5ª ed.). Porto Alegre: Bookman. considera seis fontes principais: documentação, registro em arquivos, entrevistas, observações diretas (não participantes), observação participante e artefatos físicos. Dessas alternativas apresentadas pelo autor, foram escolhidas a entrevista, a observação direta não participante e documentos. Selecionou-se três fontes, buscando a triangulação de dados que, segundo Zappellini & Feuerschütte (2015, pZappellini, M. B., & Feuerschütte, S. G. (2015). O uso da triangulação na pesquisa científica brasileira em administração. Administração: Ensino e Pesquisa, 16(2), 241-273.. 247), “consiste em usar diferentes fontes de dados, sem usar métodos distintos. Neste caso, os dados são coletados em momentos, locais ou com pessoas diferentes”.

A coleta de dados primários ocorreu através de entrevistas com roteiro semiestruturado, sendo essas realizadas de julho de 2020 a maio de 2021. O primeiro contato foi feito diretamente com o presidente da RedeCoop via telefone e e-mail. Entrevistaram-se 12 pessoas vinculadas à RedeCoop (presidente e membros do conselho de gestão) e a instituições parceiras (Emater/RS-Ascar e UNICAFES). Ao total, foram realizadas 11 horas e 18 minutos de entrevistas, sendo todas gravadas e realizadas virtualmente. Inicialmente, foi realizada uma entrevista exploratória com o presidente da RedeCoop, buscando saber a origem, atuação e organização da rede. No mais, ressalta-se que se escolheu entrevistar a representante da Emater/RS-Ascar, pois a organização presta serviço de assistência técnica rural para os agricultores familiares em todo o estado do Rio Grande do Sul. Já o presidente da UNICAFES/RS foi entrevistado devido, também, à representatividade da organização na área do cooperativismo agrícola familiar e pela sua proximidade com a RedeCoop. Por fim, optou-se por entrevistar os presidentes e/ou diretores das cooperativas, que também são membros do conselho de administração da rede, devido à participação ativa de cada ator e à relevância de sua cooperativa na constituição da RedeCoop. Chegou-se a essas conclusões após a entrevista exploratória com o presidente da rede. O perfil desses entrevistados pode ser observado no Quadro 1.

Quadro 1
Perfil dos Entrevistados

Considerando-se que a pandemia da COVID-19 limitou a ida a campo, as observações desse trabalho foram baseadas em ações realizadas pelos meios de comunicação digital. Assim, observaram-se as publicações nas redes sociais de janeiro de 2019 até maio de 2021, da RedeCoop. Adicionalmente, destaca-se o acompanhamento de uma live, realizada no dia 3 de maio de 2021, com o presidente da RedeCoop. Nessa interação, ele apresentou a atuação e as funções da RedeCoop e os autores desse trabalho realizaram perguntas.

Posteriormente, a técnica de coleta de dados secundários utilizada foi a documental. Entre os documentos coletados, estão chamadas públicas, vídeos de acesso livre, atas de reuniões e reportagens de plataformas jornalísticas. A técnica de análise escolhida foi a análise de conteúdo, de acordo com Bardin (2010)Bardin, L. (2010). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70., conforme um processo de categorização pré-analítica. Segundo Bardin (2010, pBardin, L. (2010). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.. 117), nessa técnica de análise de conteúdo, os procedimentos são organizados a partir de um processo de categorização, que é “uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento, com os critérios previamente definidos”.

Assim, as categorias pré-determinadas, presentes no Quadro 2, foram elaboradas tendo em vista o referencial teórico. Estruturaram-se três categorias principais para a análise de conteúdo, tendo como base principal os elementos do FEW Nexus: Alimento, Água, Energia. Ademais, buscando um maior detalhamento na análise, dividiu-se cada categoria em duas subcategorias principais: segurança alimentar, energética e hídrica; avaliação sobre a produção agrícola familiar.

Quadro 2
Categorias e subcategorias da análise dos dados

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A seção está dividida em três subseções: Elemento Alimento na RedeCoop; Elemento Energia na RedeCoop; Elemento Água na RedeCoop. Como fatores norteadores para a análise de dados, utilizou-se o Quadro 2. Assim, para cada categoria (Alimento, Energia e Água), existirá duas subcategorias: Segurança alimentar, energética e hídrica; e Avaliação sobre a produção agrícola familiar.

4.1 ELEMENTO ALIMENTO NA REDECOOP

Nesta categoria, abordou-se como subcategorias a segurança alimentar e fatores relacionados à produção de alimentos nas cooperativas da RedeCoop.

4.1.1 Segurança Alimentar

Nas entrevistas exploratórias com os representantes da UNICAFES e Emater/RS-Ascar, obteve-se uma visão geral sobre a segurança alimentar rural no Rio Grande do Sul. O entrevistado E2 comentou que, normalmente, a qualidade alimentar no âmbito rural é mais saudável, variada e “fresca” se comparado ao urbano. Contudo, o entrevistado E3 observou, através dos produtores rurais assistidos pela Emater/RS-Ascar, que cada vez mais a produção agrícola familiar está voltada à comercialização e não à subsistência.

No que se refere às cooperativas vinculadas à RedeCoop, a percepção dos entrevistados foi que os agricultores, de maneira geral, têm acesso a alimentos de qualidade. Em especial, ressalta-se a cooperativa ECONATIVA que, por ter uma proposta agroecológica, incentiva seus agricultores a produzirem alimentos para o consumo próprio. Em contrapartida, o entrevistado E5 ressaltou que os agricultores, devido à demanda do mercado e por falta de terra/mão de obra, acabam produzindo -no máximo- 4 ou 5 alimentos, o que impossibilita a produção para subsistência. Corroborando com esse ponto de vista, o entrevistado E6 afirmou que muitos agricultores acabam optando pela monocultura, devido a uma questão econômica. Além disso, o entrevistado cita questões de biossegurança, principalmente, quando se trata de produção animal.

Fora isso, os representantes das cooperativas destacaram que poucos agricultores familiares recebem auxílio do governo relacionado ao combate à fome, como o Bolsa Família. No entanto, não conseguiram informar qual é o percentual dos agricultores que recebem esse tipo de assistência e se eles possuem alguma falta de alimento para seu consumo doméstico.

Perguntados sobre a diversidade na alimentação dos agricultores, os diretores das cooperativas relataram que existe, entre as cooperativas da RedeCoop, uma troca de alimentos (E4). Embora a ideia inicial dessa ação tenha sido para fins comerciais, os associados têm a possibilidade de acessar os alimentos de outras cooperativas da rede, diversificando, assim, a sua alimentação diária. No mais, destaca-se que o diferencial dessa ação é o preço, mais acessível se comparado ao mercado varejista (E10). Contrapondo a isso, o entrevistado E12 disse que esse processo de troca, entre as cooperativas, já foi melhor e que, na sua visão, é preciso que se aproveite mais os “coopmercados” (mercados das cooperativas) e as feiras permanentes de cada cooperativa.

Além da troca de alimentos entre as cooperativas, a RedeCoop proporcionou, durante a pandemia da COVID-19, uma alimentação diversificada por meio do projeto “Cesta Popular da Agricultura Familiar-RedeCoop”. Segundo a publicação do dia 1 de maio de 2021, desde o início da pandemia (março de 2020), já foram vendidas 160 mil toneladas de alimentos para mais de 7 mil famílias. Assim, pode se dizer que a ação de parcerias através de vendas de cestas, durante a pandemia da COVID-19, tem relação direta com ODS 2 - Acabar com a fome- (Organização das Nações Unidas, 2015Organização das Nações Unidas - ONU. (2015). Recuperado em 17 de julho de 2020, de https://nacoesunidas.org/wp content/uploads/2015/10/agenda2030-pt-br.pdf
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), já que o cenário de fome e de insegurança alimentar foi agravado devido a esse fenômeno.

Posteriormente, como critérios para a análise de segurança alimentar, considera-se quatro pilares propostos pela literatura (Charlton, 2016Charlton, K. E. (2016). Food security, food systems and food sovereignty in the 21st century: A new paradigma required to meet sustainable development goals. Nutrition & Dietetics, 73(1), 3-12.; Gregory et al., 2005Gregory, P. J., Ingram, J. S. I., & Brklacich, M. (2005). Climate change and food security. Philosophical Transactions of the Royal Society of London. Series B, Biological Sciences, 360(1463), 2139-2148.): Disponibilidade de alimentos; Acesso aos alimentos; Estabilidade Alimentar e Utilização Alimentar. Segundo os dados analisados, o agricultor das cooperativas da RedeCoop possui uma boa disponibilidade de alimentos, porque a produção é alta, justamente, por ser sua atividade econômica central. Já o acesso aos alimentos é impactado positivamente pela ação intercooperativa, pois a rede proporciona uma maior renda para as cooperativas, e, consequentemente, para seus agricultores, além de proporcionar uma distribuição de alimentos, entre as cooperativas, mais qualificada, diversificada e com preços diferenciados. E, esses aspectos são chaves no acesso aos alimentos. Outro pilar que a RedeCoop tem efeito benéfico é a estabilidade alimentar. Considerando que as ações da rede têm impacto nos fatores econômicos (geração de renda) e políticos (por meio da representatividade nos espaços de reivindicação) (E1), pode-se afirmar que a ação intercooperativa auxilia na estabilidade alimentar dos agricultores. Por último, a utilização alimentar, que diz respeito à qualidade dos alimentos consumidos, não pode ser abordada com base nos dados coletados já que não houve entrevistas diretas com os agricultores, e os presidentes não possuíam tal informação. Para eles (E2; E3; E4; E7; E10; E12), os agricultores têm acesso a um alimento diversificado, porém não sabem afirmar sobre o nível de higiene e segurança nutricional.

Assim, buscando fortalecer o papel da rede nesse tema, há ainda uma necessidade de ampliar o debate sobre o nível de qualidade nutricional dos agricultores familiares. Mas, a RedeCoop, por participar de diferentes espaços de diálogo, poderá ser um agente incentivador e integrador das múltiplas áreas do conhecimento que estudam o tema.

4.1.2 A produção agrícola alimentar nas cooperativas da RedeCoop

Ainda considerando a produção de alimentos nas cooperativas da RedeCoop, o primeiro fator abordado diz respeito ao acesso ao crédito rural. Inicialmente, percebeu-se que as cooperativas da rede têm acesso a crédito para financiar diretamente sua produção. O principal programa de crédito citado é o Pronaf, que é acessado, principalmente, através dos bancos cooperativos (Cresol e Sicredi). Mas o entrevistado E10 mencionou que a RedeCoop está buscando editais específicos de crédito (principalmente em bancos estatais, como o Banco do Brasil, e cooperativos, como a Cresol) para financiar a estrutura das cooperativas. As linhas de financiamento, tanto do Pronaf quanto dos editais específicos, não foram descritas pelos entrevistados. No entanto, salienta-se que o crédito é utilizado, principalmente, para custear a produção e o investimento em maquinário rural (trator, refrigerador, gerador, entre outros)

Ao analisar as publicações da RedeCoop no Facebook, nota-se uma parceria com a cooperativa de crédito Cresol que, segundo a publicação do dia 22 de outubro de 2020, “envolve assistência técnica, rastreamento de alimentos e acesso ao Pronaf de forma planejada”. Essa articulação da RedeCoop é importante uma vez que, de acordo com o relato do entrevistado E12, já está faltando crédito rural nos bancos cooperativos para alguns agricultores da região de Erechim, e a previsão, para o ano de 2022, é de cortes drásticos no Pronaf. Isso é preocupante, já que o programa é primordial para agricultura familiar, pois é o principal responsável por financiar, e assim viabilizar, a produção desse setor (Mattei, 2005Mattei, L. (2005). Impactos do PRONAF: Análise de indicadores. Brasília: IICA.).

Outro assunto relacionado à produção e observado nos dados coletados foi o desperdício alimentar. As cooperativas associadas à RedeCoop (Nossa Terra e ECONATIVA) destinam os excedentes de produção a entidades sociais, como o Mesa Brasil. No mais, a Nossa Terra, em sua feira permanente, realiza campanhas educativas sobre desperdício tanto para os feirantes quanto para os consumidores. No entanto, na opinião do entrevistado E9, muitos alimentos ainda são jogados fora porque o mercado não possui uma consciência sobre o aproveitamento de alimentos. Com relação às ações da RedeCoop, observou-se que ela pertence ao Comitê Gaúcho de Emergência no Combate à Fome. Além disso, a rede conseguiu implementar um sistema de gestão e de entrega que otimiza a produção, evitando, assim, o desperdício de alimentos (E1). Essa ação reportada é importante para o combate do desperdício, uma vez que, segundo Franzoni (2015)Franzoni, G. B. (2015). Inovação social e tecnologia social: O caso da cadeia curta de agricultores familiares e a alimentação escolar em Porto Alegre/RS (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre., é nos processos de transporte e distribuição em que há uma perda maior de alimentos. Fora isso, destaca-se que a cadeia curta de comercialização (encabeçada pela cooperativa de consumo GiraSol) possui, também, um papel fundamental no combate ao desperdício alimentar (Wakeland et al., 2012Wakeland, W., Cholette, S., & Venkat, K. (2012). Food transportation issues and reducing carbon footprint. In: J. I. Boye & Y. Arcand (Eds.), Green technologies in food production and processing (pp. 211-236). Boston: Springer.).

Já na diversificação dos alimentos produzidos pelas cooperativas associadas à RedeCoop, destaca-se o papel das políticas públicas. Segundo a coordenadora da COOTAP, em live realizada na página oficial da RedeCoop (3 de dezembro de 2020), o PNAE e PAA permitiram a diversificação na produção uma vez que os agricultores, e suas respectivas entidades representativas, possuem a liberdade (dentro dos mercados institucionais) - para apresentar a sua própria oferta de alimentos. Assim, o trabalho da RedeCoop, diante do mercado institucional, afeta diretamente a diversidade rural da agricultura familiar. Dessa forma, pode se dizer, também, que a ação intercooperativa auxilia no alcance do ODS 12 - Consumo e Produção Sustentáveis (Organização das Nações Unidas, 2015Organização das Nações Unidas - ONU. (2015). Recuperado em 17 de julho de 2020, de https://nacoesunidas.org/wp content/uploads/2015/10/agenda2030-pt-br.pdf
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), e do pilar 7 proposto pela UNDFF, que busca fortalecer a multidimensionalidade da agricultura familiar (Food and Agriculture Organization of the United Nations, 2020Food and Agriculture Organization of the United Nations - FAO. (2020). Recuperado em 10 de agosto de 2020, de http://www.fao.org/family-farming-decade/pillars/en/
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).

Outra questão, também comentada na live do dia 3 de dezembro de 2020 pela coordenadora da COOTAP, foi o planejamento de produção. De acordo com ela, com a inserção das cooperativas nos mercados institucionais, o planejamento de produção ficou mais organizado. A própria COOTAP, com advento do PNAE e PAA, conseguiu aumentar sua produção devido ao planejamento e à renda gerada por meio dessas políticas públicas. Assim, o acesso aos mercados institucionais (uma das ações principais proposta pela rede, segundo o entrevistado E1) garante, para o agricultor familiar, a venda dos seus alimentos antes mesmo da plantação, o que auxilia no planejamento. Isso contribui, também, para o combate ao desperdício alimentar já que, segundo Lipinski et al. (2013), aLipinski, B., Hanson, C., Lomax, J., Kitinoja, L , Waite, R., & Searchinger, T. (2013). Reducing food loss and waste. Washington, DC: World Resources Institute. falta de planejamento na produção é uma das principais causas de desperdício no processo de produção.

Outro fator relevante para a agricultura familiar é assistência técnica e, nas cooperativas entrevistadas, a maioria (E4; E5; E6; E10; E12) possui assistência própria de profissionais contratados. Mesmo assim, todos diretores entrevistados afirmaram que recebem assistência pública da Emater/RS-Ascar. No entanto, para os entrevistados E4 e E5, a atuação da entidade é tímida devido, principalmente, ao quadro reduzido de profissionais. Por outro lado, o entrevistado E10 afirmou que a RedeCoop fortaleceu a aproximação com a Emater/RS-Ascar, através do Departamento de Cooperativismo dessa instituição.

Adicionalmente, uma das questões relevantes, e que está presente no ODS 5 (Organização das Nações Unidas, 2015Organização das Nações Unidas - ONU. (2015). Recuperado em 17 de julho de 2020, de https://nacoesunidas.org/wp content/uploads/2015/10/agenda2030-pt-br.pdf
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), é a equidade de gênero. Sendo assim, buscou-se observar a participação feminina nas cooperativas e em suas ações intercooperativas. Destaca-se que, embora a maioria dos entrevistados sejam homens, duas cooperativas entrevistadas (UNICENTRAL e COOMAFITT) relataram que, a partir do segundo semestre de 2021, quem irá assumir o cargo de direção será uma mulher - fato que realmente ocorreu após essa coleta dos dados. Ao observar as publicações no perfil oficial da RedeCoop, nota-se que a COOMAFITT (através das suas mídias sociais próprias e participações em seminários e em reportagens jornalísticas) valoriza e incentiva a participação feminina. Além da COOMAFITT, ressalta-se a presença da cooperativa GiraSol, que é liderada por uma mulher e tem parcerias com entidades de representatividade feminina como a ONU Mulheres. E, ao analisar os dados, percebeu-se que a presença ativa de mulheres nas cooperativas é maior naquelas voltadas à agroecologia (E10; E12) e as causas políticas (E11). Embora a representatividade feminina tenha melhorado nos últimos tempos, o meio rural ainda apresenta barreiras estruturais à participação das mulheres, principalmente, no que diz respeito à produção agrícola (E5; E10; E11).

Por fim, o último tema desse tópico diz respeito à produção agroecológica. Apesar da maioria das cooperativas da rede comercializam produtos convencionais, salienta-se que as cooperativas em transição e agroecológica associadas à RedeCoop são representativas tanto na questão de número de associados (CECAFES e COOTAP) quanto na questão comercial (COOMAFITT e GiraSol). Cada uma delas possui ações específicas que incentivam a produção agroecológica, como assistência técnica própria para a produção e certificação orgânica (CECAFES e Nossa Terra) e incentivo financeiro para aqueles produtores que desejem realizar a transição (COOMAFITT). Contudo, o entrevistado E2 afirmou que, no âmbito da UNICAFES, a discussão agroecológica já esteve melhor, pois o produtor perdeu a confiança, uma vez que os mercados institucionais não estão pagando um valor a mais pelo alimento orgânico. Além disso, o entrevistado E5 ressaltou que já há falta de mão de obra no campo, e a produção agroecológicas demandaria ainda mais gente. Segundo o Censo de 2017 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2017Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (2017). Recuperado em 24 de setembro de 2020, de https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/21814-2017-censo-agropecuario.html?=&t=resultados
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), na última década, a agricultura familiar perdeu cerca de 17,6% da força de trabalho devido a fatores como envelhecimento e êxodo rural dos jovens. Assim, a preservação dos jovens no campo é fator essencial para a transição agroecológica. A COOMAFITT, por exemplo, possui um grupo denominado Corpo da Juventude Rural.

A entrevistada E11, da cooperativa GiraSol, comentou que mapeia, juntamente com a RedeCoop, as cooperativas orgânicas gaúchas. E, a GiraSol, por ser uma cooperativa de consumo com comercialização orgânica 100% no e-commerce, escoa parte dos produtos agroecológicos da rede. Além disso, quatro entrevistados (E4; E6; E7; E10) relataram que conheceram cooperativas agroecológicas na RedeCoop e que, devido a isso, conseguiram trocar conhecimento sobre o tema e fechar parcerias comerciais. Assim, a RedeCoop incentiva, nos espaços de discussão pública, a necessidade de valorizar mais a produção agroecológica, que por sua vez acaba valorizando a agricultura familiar (Araújo, 2019Araújo, D. A. P. S. (2019). Feira & sustentabilidade: O caso da I Feira da Agricultura Familiar e Economia Solidária em Macaé (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Macaé.). No entanto, ressalta-se que nenhum dos entrevistados comentou alguma forma de promoção mais formal por parte da rede como eventos, cursos e treinamentos. Mas, segundo o entrevistado E7, isso virá quando a RedeCoop der “um passo a mais na organização” a partir do próximo planejamento estratégico

4.2 ELEMENTO ENERGIA NA REDECOOP

Essa categoria está dividida em duas subcategorias segurança energética e energia na produção rural.

4.2.1 Segurança Energética

Segundo os entrevistados, em termos gerais, existe acesso à energia em toda área rural, isto é, não há nenhuma região que não possua abastecimento de energia. No entanto, alguns diretores das cooperativas (E6; E7; E9; E12) relataram que a qualidade de energia no campo ainda é ruim, principalmente, nas áreas atendidas pelas concessionárias de energia. Todavia, o entrevistado E6 destacou que, na região Norte do estado do Rio Grande do Sul, as cooperativas de eletrificação rural estão fazendo um trabalho “muito diferenciado”, tanto na questão de qualidade energética quanto de atendimento ao consumidor, no que diz respeito às manutenções na rede elétrica. Ainda sobre essa região, o entrevistado E12 comentou que, ao contrário da concessionária, a área que a cooperativa de eletrificação contempla possui 100% de postes de concreto. Contudo, o entrevistado cita que existe um limite de atuação e expansão por parte da cooperativa de eletrificação, já que a organização atua somente nos municípios e regiões em que possui permissão do setor público.

Sobre às fontes renováveis, o investimento dos agricultores, apenas para o uso doméstico, não é atrativo, já que o preço da tarifa rural é menor que o preço da tarifa básica (E4; E5). Sendo assim, a energia renovável seria adequada economicamente, apenas quando atrelada à produção. No mais, no que diz respeito à internet, todos os entrevistados manifestaram-se no sentido de que esse é um dos principais problemas no campo. O entrevistado E2 considera que (no âmbito de atuação da UNICAFES) a falta de internet faz com que jovens saiam do campo. A partir dessa afirmação, nota-se que existe uma relação entre o êxodo de jovens no campo e a falta de acesso à internet. Assim, pode se dizer que o acesso à internet de qualidade é um fator a se considerar no alcance do pilar 2 da UNDFF que se baseia em apoiar à juventude para garantir a sustentabilidade geracional da agricultura familiar (Food and Agriculture Organization of the United Nations, 2020Food and Agriculture Organization of the United Nations - FAO. (2020). Recuperado em 10 de agosto de 2020, de http://www.fao.org/family-farming-decade/pillars/en/
http://www.fao.org/family-farming-decade...
).

Na visão dos entrevistados, não existe ainda uma atuação direta por parte da RedeCoop no que diz respeito ao tema de segurança energética. Ademais, ao analisar as publicações feitas na página oficial da rede, nota-se que não há uma referência clara quanto ao tema de segurança energética. No entanto, observa-se (através da publicação de setembro de 2019) que a rede está iniciando conversas com a COOPERLUZ, cooperativa de eletrificação rural (localizada no município de Santa Rosa), que atua na Mesorregião Noroeste.

4.2.2. Energia na produção agrícola familiar das cooperativas da RedeCoop

A instabilidade energética, citada na subcategoria anterior, também afeta a produção dos agricultores. Nesse caso, o problema mais grave, segundo os entrevistados, está nas atividades agroindustriais. O entrevistado E9, por exemplo, relatou que conhece agricultores que perderam câmara fria, bombas de irrigação, entre outros equipamentos, devido à oscilação energética. Ademais, de acordo com o entrevistado E6, o agricultor que quiser implementar uma agroindústria deverá, obrigatoriamente, investir em geradores de energia privados. Outro assunto que foi colocado para os entrevistados foi a utilização ou não das energias renováveis na produção. Apesar de terem consciência da importância do tema, os diretores das cooperativas relataram que há apenas iniciativas isoladas de energia fotovoltaica. Grande parte deles (E4; E6; E7; E9; E10) disseram que falta crédito para investimento, especificamente, para a energia solar. Os entrevistados E4 e E10 afirmam que participaram de editais de crédito, em bancos públicos (Banco do Brasil) e cooperativos (Sicredi), exclusivos para fontes renováveis. No entanto, não foram contemplados. Além disso, relataram que a energia fotovoltaica é importante por uma questão de custo, principalmente, para as atividades agroindustriais.

Assim, ao se considerar os cinco componentes que constituem o acesso à energia de qualidade (World Energy Council, 2020World Energy Council. (2020). Recuperado em 18 de setembro de 2020, de https://www.worldenergy.org/
https://www.worldenergy.org/...
), nota-se que as cooperativas possuem acesso básico (acesso à energia em todas as propriedades rurais) e acessibilidade (disponibilidade de energia para todos os usos necessários). No entanto, na área rural, na qual essas cooperativas estão localizadas, a energia não apresenta os componentes de confiabilidade (energia estável e sem oscilação e/ou interrupção), escalabilidade (energia ágil para atender as demandas e suas respectivas variações) e sustentabilidade ambiental (acesso à energia e tecnologia limpa/renovável). Dessa forma, as cooperativas da RedeCoop e seus respectivos agricultores associados não possuem energia de qualidade. Além disso, nota-se que a falta de qualidade energética afeta diretamente o pilar 5 da UNDFF, que busca melhorar socioeconomicamente a agricultura familiar através de estruturas resilientes (Food and Agriculture Organization of the United Nations, 2020Food and Agriculture Organization of the United Nations - FAO. (2020). Recuperado em 10 de agosto de 2020, de http://www.fao.org/family-farming-decade/pillars/en/
http://www.fao.org/family-farming-decade...
).

Questionou-se, também, sobre a presença de plataforma de e-commerce nas cooperativas. Conforme já foi mencionado, a cooperativa de consumo GiraSol possui uma plataforma de vendas on-line. Aproveitando essa expertise da GiraSol, a COOMAFITT, durante a pandemia, conseguiu iniciar a estruturação do seu e-commerce próprio. Essa troca de conhecimento, segundo o presidente da própria COOMAFITT, foi feita graças à participação na RedeCoop. Essa iniciativa foi essencial para COOMAFITT realizar a transição do mercado institucional (afetado significativamente durante a pandemia da COVID-19) para o mercado consumidor. Fora isso, é importante ressaltar que o e-commerce da cooperativa, assim como o da GiraSol, também comercializa produtos das cooperativas associadas à RedeCoop, principalmente, durante o período da pandemia da COVID-19 (E5; E7). Assim, pode se dizer que o escoamento de produtos através das plataformas digitais foi essencial para a sobrevivência de grande parte dos agricultores, já que, devido às restrições de mobilidade, muitos deles acabaram não comercializando seus produtos nas feiras e mercados de rua, mercados esses afeitos a esse tipo de produção de alimentos (Preiss, 2020Preiss, P. V. (2020). Challenges facing the COVID-19 pandemic in Brazil: Lessons from short food supply systems. Agriculture and Human Values, 37(3), 571-572.).

Sendo assim, pode-se dizer que a atuação da RedeCoop, na questão envolvendo produção e energia, está presente nas plataformas de e-commerce, já que a organização proporcionou a comercialização digital de produtos das cooperativas associadas à rede. Indiretamente, ressalta-se que, ao otimizar as rotas - através da logística integrada- e encurtando a cadeia agroalimentar por meio da cooperativa de consumo e do mercado institucional local, a ação intercooperativa contribuiu para a diminuição da pegada energética da atividade agrícola familiar, uma vez que o transporte é um dos principais emissores de carbono (Franzoni, 2015Franzoni, G. B. (2015). Inovação social e tecnologia social: O caso da cadeia curta de agricultores familiares e a alimentação escolar em Porto Alegre/RS (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.). Com relação as fontes renováveis, embora não possuam, até o momento, iniciativas formais sobre fontes renováveis, o presidente da RedeCoop (E1) afirmou que já está conversando com bancos cooperativos na busca de viabilizar linhas de crédito para o financiamento de projeto ligados a energia fotovoltaica, o que é importante, porque esse tipo de energia facilita sistemas de irrigação em localizações onde o abastecimento elétrico é instável (Feitosa et al., 2022Feitosa, E.R.M., Nunes, E.M., Andrade, H.D., Schneider, S., & Rocha, A.B. (2022). Nexus: Agricultura familiar, energias renováveis e construção de mercados nos territórios rurais do Rio Grande do Norte. Revista de Economia e Sociologia Rural, 60(3), e238969.).

Após a análise dos fatores energéticos, o último elemento do FEW Nexus abordado nessa pesquisa será a água.

4.3 ELEMENTO ÁGUA NA REDECOOP

A análise do elemento água, assim como nos outros elementos, está divido em duas subcategorias, segurança hídrica e água na produção familiar agrícola das cooperativas da RedeCoop.

4.3.1 Segurança Hídrica

O primeiro aspecto observado nas palavras dos entrevistados foi que não existe um controle ou uma atenção especial em relação à segurança hídrica dos agricultores. Assim, não há dados consolidados de quantos agricultores não tem acesso à saneamento básico e água potável, por exemplo. Nesse sentido, nota-se que, também, não há um controle, por parte das cooperativas, da qualidade da água potável utilizada pelos associados. No entanto, em termos gerais, na opinião dos entrevistados (E5; E6; E7; E12), a qualidade da água, na área rural gaúcha, é boa. Posto esse primeiro ponto, observa-se que a gestão do saneamento e da água potável variam de acordo com a região. Inicialmente, ressalta-se a existência de associações comunitárias de gestão hídrica nas regiões de Santa Cruz do Sul (COOPERSANTA) e do litoral norte (ECONATIVA). Em outras regiões, como a Região Metropolitana de Porto Alegre, a qual os associados da COOTAP estão presentes, grande parte dos agricultores não possuem acesso à água tratada. Sendo assim, segundo o entrevistado E4, a maioria dos produtores têm fossa séptica que são estações de tratamento primário de esgoto (dejetos humanos).

No que diz respeito ao acesso ao saneamento básico, o entrevistado E7 afirmou que, nos últimos 7 ou 8 anos, as cidades do litoral norte gaúcho evoluíram “muito” no que diz respeito à sua estrutura de água encanada. Quanto a Região Norte do Rio Grande do Sul, os entrevistados E6 e E12 relatam que a estrutura de saneamento é boa. E o entrevistado E6 complementou dizendo que uma das metas do município de Erechim, para os próximos anos, é justamente fornecer água encanada e tratada para 100% dos moradores. Além disso, esse mesmo entrevistado afirmou que o pequeno produtor, normalmente, tem um “zelo, cuidado” maior com os recursos naturais. Por fim, ele destacou que a Emater/RS-Ascar tem um papel fundamental com relação a esse tema, principalmente, com projetos de preservação de fontes de água.

Com relação a Emater/RS-Ascar, a entrevistada E3, extensionista rural dessa organização, afirmou que, em termos gerais, todos os agricultores que são atendidos por essa entidade têm acesso a saneamento básico e água potável. Corroborando com a fala do entrevistado E6, a extensionista relatou que a Emater/RS-Ascar tem um papel importante para agricultura familiar na preservação e manejo dos recursos hídricos. Isso pode ser melhor observado na página oficial da Emater/RS-Ascar que trata sobre as práticas orientadas e/ou desenvolvidas pelos técnicos rurais no que diz respeito ao saneamento básico. Entre as principais estão: Proteção de nascentes para o abastecimento de água para as famílias rurais pecuaristas familiares, assentados de reforma agrária e povos e comunidades tradicionais; Implantação de sistemas de abastecimento de água, individuais ou coletivos; Encaminhamento de amostras de água coletadas para análise laboratorial; Instalação, manutenção e limpeza de reservatórios; Instalação e/ou construção de equipamentos sanitários para tratamento e disposição final de esgotos cloacais e águas servidas, gerados nos domicílios rurais; Gestão dos resíduos sólidos nas propriedades rurais: reaproveitamento de resíduos e organização para coleta seletiva; reaproveitamento da matéria orgânica - compostagem (Emater/RS-Ascar, 2021Emater/RS-Ascar. (2021). Recuperado em 24 de junho de 2021, de http://www.emater.tche.br/site/area-tecnica/gestaoambiental/saneamentobasico.php.YNSDn-hKjIV
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).

Tendo em vista essas práticas realizadas pela Emater/RS-Ascar, pode-se dizer que ela é uma organização necessária para o alcance do saneamento básico proposto pelo novo Marco Legal do Saneamento (Brasil, 2020Brasil. (2020, julho 16). Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília.), já que as suas ações auxiliam na contemplação dos itens descritos pelo Marco Legal: a) abastecimento de água potável; b) esgotamento sanitário; c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; d) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas. Além disso, essas ações também contribuem, diretamente, para os ODS 3 (Saúde e Bem-Estar), ODS 6 (Água Potável e Saneamento), ODS 9 (Indústria, Inovação e Infraestrutura) e ODS 11 (Cidades e Comunidades Sustentáveis) (Organização das Nações Unidas, 2015Organização das Nações Unidas - ONU. (2015). Recuperado em 17 de julho de 2020, de https://nacoesunidas.org/wp content/uploads/2015/10/agenda2030-pt-br.pdf
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).

No que diz respeito à RedeCoop, não há ainda uma atuação explícita, por parte dela, na área de segurança hídrica. Por ser um aspecto que, aparentemente, não é considerado como algo preocupante pelas cooperativas associadas, esse tema não consta na pauta da rede. Isso torna-se evidente já que no canal de comunicação da RedeCoop não existe nenhuma menção sobre saneamento básico ou acesso a água potável. No entanto, vale destacar que existe uma proximidade significativa entre a RedeCoop e a Emater/Ascar-RS, que intercooperam entre si. Sendo assim, indiretamente, ao defender o fortalecimento da Emater/Ascar-RS, a ação intercooperativa impacta a segurança hídrica na área rural.

4.3.2 Água na produção agrícola familiar das cooperativas da RedeCoop

A primeira questão percebida na fala dos entrevistados foi o impacto das estiagens que são, cada vez mais, constantes no Rio Grande do Sul. O presidente da UNICAFES (E2) mencionou que esse problema da estiagem é “algo grave” no estado e que há necessidade de elaboração de projetos que captem a água chuva para uso posterior. A representante da Emater/RS-Ascar (E3) acrescentou que, atualmente, existe apenas iniciativas paliativas para essa questão. Além disso, o entrevistado E6 destacou que, gradativamente, as mudanças climáticas estão impactando a disponibilidade de água no campo. Para ele, se “os agricultores não cuidarem desse tema, vão sofrer muito”.

Ressalta-se que a seca impacta diferentes regiões e mesorregiões no Estado. Na região do Litoral, segundo o entrevistado E7, o volume de chuvas é mais constante e o problema de estiagem é menor. Já o entrevistado E12 ressaltou que alimentos produzidos no litoral, como é o caso da banana, não possuem necessidade de água constantemente. Por outro lado, na Região Norte do Estado, já há impactos sérios, principalmente na produção animal. O entrevistado E6 afirmou que o gado de leite sofre com a seca devido à falta de “pastagem boa” e o entrevistado E12 complementou dizendo que existe até mesmo uma dificuldade de abastecimento de água para o próprio consumo animal. Esse efeito da seca na Região Norte é percebido de forma mais clara quando o entrevistado E12 disse que há necessidade, por parte dos agricultores de aves e suínos, da contratação de caminhões pipas. Porém, ao observar-se o regime de chuvas do Rio Grande do Sul (Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul, 2020Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul. (2020). Recuperado em 25 de junho de 2021, de https://atlassocioeconomico.rs.gov.br/midia/imagem/map-2020-precipitacao-media-anual-rs
https://atlassocioeconomico.rs.gov.br/mi...
), nota-se que a Região Norte é a com maior volume de chuvas. Além disso, a análise da estiagem do ano de 2019/2020, realizada pela DDPA (Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária, 2020Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária - DDPA. (2020). Análise da estiagem na safra 2019/2020 e impactos na agropecuária do Rio Grande do Sul. Recuperado em 28 de junho de 2021, de https://www.agricultura.rs.gov.br/upload/arquivos/202011/10163507-14095649-circular-06-cardoso-et-al-para-publicacao.pdf
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), destaca que as regiões menos atingidas pela seca (dezembro de 2019 a fevereiro de 2020) são as localidades da Fronteira Oeste, Missões, Vale do Uruguai e Serra do Nordeste. Já as regiões mais atingidas pela estiagem são as localidades Sul e Centro Sul. Considerando esses estudos, observa-se que a seca, mesmo em regiões menos afetadas como a Noroeste, pode impactar significativamente a produção de alimentos.

Mesmo que seja uma preocupação recorrente, não há iniciativas de reaproveitamento da água. O que existe é referente à conservação e à recuperação de fontes e açudes (E4). As demais ações dizem respeito ao controle de qualidade da água em agroindústrias (E9). Tal falta de movimento é preocupante, já que o estudo de Silva & Vianna (2022)Silva, P. R., & Vianna, J. N. S. (2022). A região de MATOPIBA (Brasil) e o nexus água-energia-alimentos. Desenvolvimento e Meio Ambiente, 59, 338-353. demonstra que a atividade agrícola é um dos principais fatores ameaçadores da disponibilização de água potável e, assim, do equilíbrio ambiental.

Questionados sobre os sistemas de irrigação, por trabalharem com produtos distintos, cada cooperativa trata esse tema de forma diferente. Na COOTAP, pela produção de arroz ser dependente de uma grande quantidade de água, o sistema de irrigação é específico para esse tipo de produção. Entretanto, segundo relato do entrevistado E10, culturas como a da banana orgânica (um dos principais produtos da ECONATIVA), não necessitam de irrigação, já que a frequência de chuva na região da Serra é suficiente. Para o entrevistado E5, na região de atuação da UNICENTRAL, há um crescimento do sistema de gotejamento, processo de irrigação de menor consumo de água. No entanto, em outras cooperativas, como é o caso da COOPERSANTA, ainda há o uso de sistemas de irrigação por aspersão, processo com maior consumo de água em comparação ao gotejamento (Souza, 2020Souza, C. A. N. (2020). Irrigação com água residuária doméstica via aspersão ou gotejamento subsuperficial na grama esmeralda (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Botucatu.). Em termos gerais, a água utilizada nesses sistemas é retirada diretamente de açudes e poços (E5, E6; E8; E9; E12). Fora isso, há relatos, como o do entrevistado E8, que, devido à falta de controle de uso, muitos açudes acabam secando, dificultando, dessa forma, os próprios sistemas de irrigação existentes.

Considerando-se as entrevistas realizadas e o canal de comunicação oficial da RedeCoop (Facebook), ainda não existe, diretamente, uma atuação por parte da rede no tema água na produção. Porém, conforme foi descrito nos parágrafos anteriores, a água na produção já é uma preocupação para os agricultores familiares. Assim, a RedeCoop possui a capacidade de discutir e de mapear as demandas relacionadas ao tema da água, além de representar, politicamente, a pauta diante aos órgãos públicos. Nesse sentido, vale destacar, também, que segundo matéria do Brasil de Fato (2020)Brasil de Fato. (2020). Recuperado em 28 de junho de 2021, de https://www.brasildefato.com.br/2020/11/27/seca-no-sul-movimentos-do-campo-apresentam-pauta-de-reivindicacoes-ao-governo
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, organizações como a FETRAF, UNICAFES e MST (organizações vinculadas à agricultura familiar e parceiros da RedeCoop) assinaram documento reivindicando medidas emergenciais, frente aos órgãos públicos para o combate à estiagem. Sendo assim, as cooperativas, associadas à rede e que pertencem a esses movimentos e associações já estão atuando na temática dos recursos hídricos relacionados à produção.

5. CONCLUSÕES

A partir da análise dos dados, observa-se que a RedeCoop possui ações diretas e indiretas no que tange aos elementos alimento-energia-água. No mais, age, positivamente, nas cooperativas participantes nos elementos alimento e energia; e, ainda, atua indiretamente no que diz respeito ao elemento água. Fora isso, buscando fortalecer a atuação da RedeCoop nos elementos do FEW Nexus, o presente trabalho sugere as seguintes ações baseadas na discussão do Revisão da Literatura e nos campos de atuação da RedeCoop:

  • Elemento alimento: levantar e mapear a qualidade nutricional dos agricultores familiares participantes da rede; reivindicar e fortalecer a participação da Emater/RS-Ascar na assistência técnica aos agricultores; incentivar a participação das mulheres na produção agrícola, principalmente, nas cooperativas que não agroecológicas;

  • Elemento energia: fortalecer a intercooperação com as cooperativas de eletrificação rural e reivindicar, frente ao setor público, a ampliação da área de atuação dessas cooperativas; debater e incentivar, em seus canais de comunicação, a importância da transição para energias renováveis; fortalecer e ampliar parcerias com os sistemas de crédito cooperativos buscando, assim, programas de financiamentos para projetos de energia renovável no campo;

  • Elemento água: levantar dados sobre a segurança hídrica dos agricultores associados às cooperativas participantes; reivindicar, perante os órgãos públicos, o saneamento básico e a água potável para todos; trabalhar conjuntamente com a Emater/RS-Ascar, para preservação de fontes hídricas; reivindicar ações para o combate as estiagens conjuntamente com as organizações representativas ligadas ao setor da agricultura familiar.

Com relação à contribuição teórica, o estudo de caso mostrou que a abordagem FEW Nexus pode colaborar na gestão da produção de alimentos, principalmente no que diz respeito a agricultura familiar sustentável, ao demonstrar que os elementos alimento, energia e água, se geridos e trabalhados de forma conjunta, podem fortalecer as atividades agrícolas familiares e a intercooperação entre cooperativas, consequentemente, a sustentabilidade na área rural. No mais, os pontos destacados no Quadro 2 poderão servir como premissas para estudos acadêmicos, no âmbito agrícola, que terão como base de análise a perspectiva do FEW Nexus. O estudo evidenciou, ainda, que há falta de políticas públicas continuadas para a agricultura. familiar, principalmente no que diz respeito aos elementos do FEW Nexus. Assim, é necessário que se elabore agendas públicas que considerem a sucessão familiar, o êxodo rural, a equidade de gênero na gestão agrícola, a agroecologia no mercado institucional, a qualidade energética rural e os impactos da estiagem na área rural, que são cada vez mais alarmantes devido às mudanças climáticas.

As limitações desse estudo estão no fato de que, devido a pandemia da COVID-19, não foi possível realizar observações de campo e entrevistas com os agricultores familiares (embora eles tenham sido representados pelos presidentes das cooperativas entrevistadas). A pandemia, também, impossibilitou que a RedeCoop avançasse em outras áreas e temas uma vez que a organização canalizou seus esforços para salvar as cooperativas associadas que ficaram vulneráveis, economicamente, devido à falta de seus mercados particulares (feiras, venda direta, supermercados) e institucionais (PNAE e PAA).

Para estudos futuros na área, sugere-se uma pesquisa mais aprofundada com os agricultores familiares, que pertencem às cooperativas associadas, no que diz respeito ao trabalho desenvolvido pela RedeCoop. No mais, considerando-se que a rede ainda está em construção, torna-se interessante avaliar o efeito da RedeCoop e sua contribuição para a intercooperação, em um momento posterior à pandemia.

  • Como citar: Soares, H. M., & Silva, T. N. (2023). Few Nexus (nexo alimento-energia-água) na agricultura familiar: um estudo de caso na RedeCoop/RS. Revista de Economia e Sociologia Rural, 61(4), e263869. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2022.263869
  • JEL Classification: Q1

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2022
  • Aceito
    17 Set 2022
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