Resumo
Objetivo: Descrever ocorrências e danos humanos e materiais associados aos desastres naturais ocorridos no estado do Rio de Janeiro, 2010-2022, bem como estimar os anos de vida perdidos devido aos óbitos resultantes desses eventos.
Métodos: Trata-se de estudo de coorte prospectivo, com dados do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres e do Sistemas de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde. Realizaram-se análises descritivas de ocorrências e danos humanos e materiais associados aos desastres naturais selecionados e o cálculo dos anos de vida perdidos para os óbitos registrados sob os códigos X36-39, por ano, sexo e faixa etária.
Resultados: Ocorreram 752 eventos naturais extremos, sendo a maior frequência observada para chuvas intensas (37,8%) e movimentos de massa (19,6%), seguidos por inundações (15,3%), enxurradas (15,2%), alagamentos (8,9%) e granizo (3,3%). Como danos humanos, registraram-se 1.523 mortos, 3.379 feridos e 2.157 enfermos. Quanto aos danos materiais, computaram-se mais de R$ 12 bilhões, sendo mais afetadas as unidades habitacionais, instalações de saúde e educação e infraestrutura urbana. A maioria dos óbitos foi do sexo feminino (50,1%). A faixa etária mais acometida foi a de 15 a 59 anos (51,8%). Calcularam-se 49.031,76 anos de vida perdidos, dos quais 54,2% registrados para o sexo feminino.
Conclusão: As ocorrências e os danos humanos e materiais afetaram, de maneira mais intensa, poucos municípios do estado. A maioria dos óbitos e anos de vida perdidos foi registrada para o grupo feminino. Observou-se a existência de áreas e grupo prioritários para a adoção de políticas de prevenção e mitigação.
Palavras-chave:
Mudança Climática; Mortes Prematuras; Expectativa de Vida; Vulnerabilidade a Desastres; Estudos de Coortes.
Abstract
Objective: To describe occurrences, human harm and material damage associated with natural disasters that occurred in the state of Rio de Janeiro, Brazil, 2010-2022, as well as to estimate years of life lost due to deaths resulting from these events.
Methods: This is a prospective cohort study, with data from the Integrated Disaster Information System and the Brazilian National Health System Hospital Information System. Descriptive analyses of occurrences, human harm and material damage associated with the natural disasters selected and calculation of years of life lost due to deaths recorded under codes X36-39, by year, sex and age group.
Results: 752 extreme natural events occurred, with the highest frequency being observed for intense rainfall (37.8%) and mass movements (19.6%), followed by floods (15.3%), flash floods (15.2%), pluvial floods (8.9%) and hail (3.3%). As for human harm, 1,523 deaths, 3,379 injuries and 2,157 illnesses were recorded. Regarding material damage, the cost was calculated to be over BRL 12 billion, with housing units, health and education facilities and urban infrastructure being most affected. The majority of deaths were among females (50.1%). The 15-59 year age group was the most affected (51.8%). A total of 49,031.76 years of life were calculated to have been lost, of which 54.2% related to females.
Conclusion: Natural disaster occurrence, human harm and material damage affected, more intensely, only a few municipalities in the state. The majority of deaths and years of life lost were recorded for females. The existence of priority areas and groups for adoption of prevention and mitigation policies stood out.
Keywords:
Climate Change; Premature Deaths; Life Expectancy; Disaster Vulnerability; Cohort Studies
Resumen
Objetivo: Describir ocurrencias y daños humanos y materiales asociados a desastres naturales ocurridos en el estado de Río de Janeiro, Brasil, 2010-2022, así como estimar los años de vida perdidos por muertes resultantes de estos eventos.
Métodos: Se trata de un estudio de cohorte prospectivo, con datos del Sistema Integrado de Información de Desastres y del Sistema de Información Hospitalarios del Sistema Único de Salud. Se realizaron análisis descriptivos de ocurrencias y daños humanos y materiales asociados a los desastres naturales seleccionados y se calcularon los años de vida perdidos para las muertes registradas bajo los códigos X36-39, por año, sexo y grupo de edad. Resultados: Ocurrieron 752 eventos naturales extremos, siendo la mayor frecuencia observada lluvias intensas (37,8%) y movimientos en masa (19,6%), seguidas de inundaciones (15,3%), inundaciones repentinas (15,2%), anegamiento (8,9%) y granizo. (3,3%). En cuanto a los daños humanos, se registraron 1.523 muertes, 3.379 heridos y 2.157 enfermedades. En cuanto a los daños materiales, se calcularon más de BRL 12 mil millones, siendo las viviendas, los establecimientos de salud y educación y la infraestructura urbana los más afectados. La mayoría de las muertes fueron mujeres (50,1%). El grupo de edad más afectado fue el de 15 a 59 años (51,8%). Se calcularon un total de 49.031,76 años de vida perdidos, de los cuales el 54,2% correspondieron al sexo femenino.
Conclusión: La ocurrencia de desastres naturales y daños humanos y materiales afectaron, con mayor intensidad, sólo a unos pocos municipios del estado. La mayoría de las muertes y años de vida perdidos correspondieron a mujeres. Se destacó la existencia de áreas y grupos prioritarios para la adopción de políticas de prevención y mitigación.
Palabras clave:
Cambio Climático; Muertes Prematuras; Esperanza de Vida; Vulnerabilidad ante Desastres; Estudios de Cohortes
A presente pesquisa respeitou os princípios éticos, obtendo os seguintes dados de aprovação:
Por utilizar dados de domínio público, sem a identificação dos indivíduos, não foi necessária a submissão do estudo a comitê de ética em pesquisa.
Introdução
As mudanças climáticas observadas nas últimas décadas vêm contribuindo para o aumento dos desastres naturais, que se apresentam cada vez mais intensos, causando perdas econômicas, ambientais e sociais 1. Sem a adoção de ações de mitigação, a crise climática ameaça cada vez mais a saúde e os meios de subsistência das pessoas em todo o mundo, bem como a sustentabilidade dos ecossistemas 2.
A Organização das Nações Unidas, em seus objetivos do desenvolvimento sustentável, apontou, no objetivo 13, a necessidade de se adotarem medidas urgentes para o combate das alterações climáticas e seus impactos, por meio, entre outros, da integração de medidas de adaptação das mudanças do clima nas políticas, estratégias e planejamentos nacionais. No objetivo 3, destacou a necessidade de gerenciamento de riscos à saúde, que incluem ações para prevenir ou minimizar os riscos de danos à saúde da população devido aos efeitos adversos causados pela ação de agentes físicos, químicos, biológicos, entre outros 3. Os agentes físicos englobam os desastres naturais, podendo causar doenças ou agravos, óbitos, danos materiais, interrupção de atividade social e econômica e degradação ambiental 4.
No Brasil, registram-se anualmente diversos desastres naturais, acarretando perdas principalmente em regiões onde habitam grupos mais vulneráveis 5. Entre 2013 e 2021, foram registrados 51.184 desastres no país, sendo 50.481 desastres naturais e, em sua maioria, climatológicos 6. Devido às questões históricas de urbanização desordenada e desigualdade social, as populações mais pobres estão mais expostas e vulneráveis aos eventos 7,8.
Os desastres naturais também são conhecidos como eventos ambientais extremos. Estes podem ser causados por fenômenos naturais de origem geológica (terremoto, vulcão, movimento de massa), hidrológica (inundação brusca e gradual, alagamento, movimento de massa/deslizamentos), meteorológica (tempestade, tormenta, ciclone, vendaval), climatológica (temperatura extrema, seca, estiagem, incêndio florestal, geada, granizo), ou biológica, que degradam o ambiente natural e construído das regiões afetadas 8. Tais eventos provocam danos humanos, materiais e ambientais, muitas vezes irreversíveis 1. Observa-se que a vulnerabilidade da população aumentou devido aos desastres naturais 9.
Nos últimos anos, a ocorrência de desastres naturais aumentou no estado do Rio de Janeiro, acarretando muitos danos. Entre 2010 e 2022, registraram-se 1.301 desastres naturais 10. Ressalta-se que foram incluídos nesse total os desastres biológicos associados à pandemia de covid-19, os quais não foram considerados nesta pesquisa.
Indicou-se que 81,5% dos seus municípios encontravam-se suscetíveis à ocorrência de deslizamentos, enxurradas e inundações, atingindo 5,7% da população 11. Além de maior frequência, os números indicavam que os desastres ambientais se intensificaram, sendo mais comuns os de origem hidrológica e geológica. Entre esses eventos, destacaram-se os deslizamentos de terra ocorridos no Morro do Bumba (Niterói) em 2010 12, na região serrana em 2011 13 e em Petrópolis em 2022 14, que apresentaram grandes impactos sociais, econômicos e ambientais.
A adoção de medidas integradas capazes de mitigar tais impactos depende, entre outros fatores, da análise dessas ocorrências e de sua dinâmica e seus impactos 6,15. Tem-se como finalidade embasar a adoção de políticas de mitigação mais efetivas, reduzindo as perdas e preservando, principalmente, a vida humana. As mortes prematuras ocasionadas pelos desastres afetam de diversas maneiras a sociedade, sendo seus impactos sentidos a curto e longo prazos.
O objetivo deste estudo foi descrever as ocorrências e os danos humanos e materiais associados aos desastres naturais ocorridos no estado do Rio de Janeiro entre 2010 e 2022. Estimaram-se também os anos de vida perdidos devido aos óbitos decorrentes de tais eventos.
Métodos
Desenho
Tratou-se de estudo de coorte prospectivo baseado em dados sobre as ocorrências de desastres naturais extremos no estado do Rio de Janeiro, entre 2010 e 2022, e óbitos a eles associados.
Contexo
O estado do Rio de Janeiro possui 92 municípios, ocupa a superfície de 43.797,5 km² e faz fronteira com Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo. Em 2022, a população era de 16.055.174 habitantes 16. A maioria destes residia na área urbana 16. Grande parte de seus municípios encontrava-se em áreas suscetíveis à ocorrência de desastres naturais extremos, tornando sua população mais vulnerável aos seus impactos 11.
Participantes
Foram selecionados os registros dos óbitos atribuíveis aos desastres naturais sob os códigos da 10ª Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10): X36 (casos relativos a avalanche, desabamento de terra e outros movimentos da superfície terrestre), X37 (tempestade cataclísmica), X38 (inundação) e X39 (exposição a outras forças da natureza).
Variáveis
As variáveis utilizadas com relação aos óbitos foram número de óbitos por causas selecionadas (CID-10: X36-39) total e segundo faixa etária (menor que 1 ano, 1-4, 5-9, 10-14, 15-19, 20-24, 25-29, 30-34, 35-39, 40-44, 45-49, 50-54, 55-59, 60-64, 65-69, 70-74, 75-79, 80 anos ou mais), sexo (masculino, feminino), ano (2010-2022) e local de residência (município).
As variáveis utilizadas para as análises dos desastres naturais foram tipos de desastres naturais, por local (município do estado do Rio de Janeiro) e data (dia da ocorrência no período 2010-2022). A seleção dos tipos de desastres obedeceu à Classificação e Codificação Brasileira de Desastres. Devido ao maior risco de exposição e números de eventos históricos, foram considerados os tipos de desastres: movimentos de massa (geológico), alagamentos, enchentes e inundações (hidrológico) e chuvas intensas (climatológico).
As variáveis utilizadas para representar os danos humanos foram os números de mortos, enfermos, feridos, desabrigados, desalojados, desaparecidos e de outros afetados. Considerou-se o valor monetário (em reais) para os danos materiais: dos danos acarretados às unidades habitacionais, instalações de saúde, instalações de ensino, instalações de serviço, instalações comunitárias e obras de infraestrutura.
Coleta de dados
Os dados relativos aos óbitos atribuíveis aos desastres naturais para o período foram extraídos do sítio eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde em junho de 2024 17. Esses dados foram utilizados por permitirem a análise dos óbitos por faixa etária e sexo (masculino e feminino), o que possibilitou que se calculassem os anos de vida perdidos.
Os demais dados, relacionados às ocorrências e aos danos causados no período, foram obtidos no Sistema Integrado de Informações de Desastres da Defesa Civil 18. Esse sistema agregava os dados registrados pelos municípios, que preenchiam o Formulário de Informações de Desastres indicando e quantificando os danos causados pela ocorrência do evento. Nesse formulário foram registrados os valores monetários, em reais, estimados para cada ocorrência.
Considerou-se a expectativa de vida, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística para cada ano considerado na pesquisa, por sexo, para o cálculo da expectativa de vida à época do óbito 19. Como não havia dados que permitissem a análise por idade de cada indivíduo, foi considerada a média de cada faixa etária disponibilizada no banco de dados. Essa média foi subtraída da expectativa de vida por sexo para cada ano de óbito, permitindo que as expectativas de vida utilizadas na pesquisa fossem calculadas.
Análise de dados
Calcularam-se frequências absolutas e relativas para as variáveis relacionadas ao número de desastres naturais e aos danos humanos, por tipo, ano e município. Para os danos humanos, foram calculados a soma, a média e o desvio padrão. O cálculo da média considerou a frequência de danos, por tipo, e o total de eventos no período 2010-2022 (n=752). O número de óbitos foi calculado por ano, município, sexo e faixa etária, permitindo que os dias de vida perdidos fossem calculados.
Para os danos materiais, calculou-se a soma dos valores registrados no Formulário de Informações dos Desastres por cada município, em reais, para cada ocorrência registrada no período 2010-2022. Esses valores consideraram as edificações danificadas ou destruídas e o valor estimado do dano. Posteriormente, foram calculados os totais dos valores por ano. Esses valores foram corrigidos para o ano de 2022 com base no Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna do final do período, permitindo o cálculo do total dos danos registrados, em valores de 2022.
Os anos de vida perdidos foram calculados da seguinte forma (20): anos de vida perdidos (c, i, s) = ∑ N (c, i, s) x E (i, s) 1, em que N é o número de óbitos atribuíveis à causa c, para idade i e sexo s; e E é a expectativa de vida para a idade i e o sexo s, à época do óbito.
Os dados foram coletados nos bancos das fontes citadas, agregados de acordo com os objetivos e tabulados. Após a elaboração das planilhas, os cálculos foram realizados com o auxílio dos softwares Microsoft Excel e SPSS versão 29.0.
Resultados
Entre 2010 e 2022, foram registradas 752 ocorrências de desastres naturais nos municípios do Rio de Janeiro. As chuvas intensas (37,8%) e os movimentos de massa (19,6%) apresentaram maior frequência, seguidos por inundações (15,3%), enxurradas (15,2%), alagamentos (8,9%) e granizo (3,3%). As ocorrências estão relacionadas aos diversos danos humanos, afetando 5.264.287 pessoas (Tabela 1).
Valores mínimos e máximos, soma, média e desvio padrão (DP) pelo número de desastres registrados, segundo tipo de dano e total. Estado do Rio de Janeiro, 2010-2022
Outros danos foram os materiais. Estes afetaram a população no curto, médio e longo prazos e acarretaram prejuízos monetários públicos e privados, que precisaram ser aplicados para recuperação das áreas destruídas (Tabela 2).
Custo dos danos materiais associados aos desastres naturais selecionados em reais (R$) por tipo de edificação. Estado do Rio de Janeiro, 2010-2022
Apesar das 752 ocorrências registradas, os óbitos foram concentrados em determinados eventos ao longo do tempo (Figura 1). O Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde registrou 1.521 óbitos (dois a menos que o total registrado no Sistema Integrado de Informações sobre Desastres) no período 2010-2022, dos quais 50,1% foram mulheres (Figura 2).
Ocorrências de desastres naturais e óbitos por data. Estado do Rio de Janeiro, 2010-2022 (n=1.521)
Óbitos ocasionados por desastres naturais, por sexo. Estado do Rio de Janeiro, 2010-2022 (n=1.521)
Os óbitos ocorreram, em sua maioria, em cinco municípios do estado, destacando-se Nova Friburgo (22,9%), Petrópolis (20,4%), Teresópolis (18,3%), Niterói (11,7%) e Rio de Janeiro (6,0%). Os dados indicaram a necessidade de ajustes na forma de coleta, já que não foi registrado o município de residência da vítima do desastre para 12% dos óbitos.
A faixa etária mais acometida pelos óbitos foi a de 15 a 59 anos, na qual foram registrados 51,8% do total. Os menores de 14 anos corresponderam a 22%, e os idosos (acima de 60 anos), a 15,6% dos óbitos. Dez por cento dos óbitos estavam registrados com idade ignorada, outro ponto que indicou a necessidade de melhoria no processo de coleta e registro das informações.
No total, a partir da metodologia adotada para o período e a área considerados nesta pesquisa, foram calculados 49.031,76 anos de vida perdidos devido aos óbitos precoces, dos quais 54,2% foram registrados para o sexo feminino (Tabela 3).
Anos de vida perdidos em decorrência de desastres ambientais, por ano, sexo e total. Estado do Rio de Janeiro, 2010-2022
Discussão
Os resultados indicaram que ocorreram desastres naturais no estado do Rio de Janeiro entre 2010 e 2022, dos quais resultaram danos humanos e materiais, incluindo óbitos.
Destacou-se que o registro das ocorrências e seus impactos de maneira mais detalhada, com integração entre as informações do Sistema Integrado de Informações de Desastres da Defesa Civil e do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde, contribuiria para resultados mais completos acerca da problemática tratada na pesquisa. A qualidade e a organização dos dados disponíveis permitiram que fossem atendidos os objetivos propostos.
As chuvas intensas, os alagamentos e as enchentes foram registrados entre as ocorrências mais frequentes. Indicaram-se os estados da região Sudeste como mais suscetíveis aos riscos de deslizamentos, inundações e enxurradas 21. Os estados da região Nordeste estavam mais expostos à ocorrência de estiagens e secas 22,23.
As ocorrências consideradas nesta pesquisa geraram impactos de diferentes magnitudes, sendo humanos e materiais. As perdas materiais estão relacionadas aos prejuízos econômicos acarretados pelos danos aos imóveis públicos e privados, tais como os domicílios e as instalações de prestação de serviços de educação e saúde à comunidade, além da infraestrutura municipal.
Os recursos financeiros investidos na reconstrução dessas instalações apresentam-se como um dos impactos que se soma ao prejuízo dos serviços prestados à população, principalmente serviços sensíveis como a educação e a saúde. Em momentos de emergência, como o caso de desastres naturais, a prestação dos serviços de saúde física e mental é fundamental para a manutenção da saúde e do bem-estar da população 24. A capacidade de resposta fica aquém da demanda, trazendo diversos impactos negativos, principalmente aos mais vulneráveis 25. Deterioram-se, assim, espaços, relações afetivas, sonhos, identidade 26.
As populações mais vulneráveis social e economicamente são as mais expostas aos riscos. Isso indica que a magnitude desses impactos depende não apenas de fatores ambientais, mas também econômicos e sociais, ou seja, de questões estruturais 27.
Os danos humanos indicam número de mortos, feridos e enfermos, além de desalojados e desabrigados. Todas essas condições impactam as famílias sob diversos aspectos e espaços de tempo, demandando ação integrada dos serviços públicos e não governamentais de atendimento.
Entre os 1.521 óbitos, a maioria foi de mulheres. Apesar do resultado semelhante em relação ao número de registros por sexo encontrado nesta pesquisa, as mulheres e meninas são as mais vulneráveis em situações de desastres, que são eventos que potencializam as desigualdades de gênero e raça 28,29,30. Devido ao menor poder aquisitivo, ao elevado número de dependentes e ao baixo acesso ao saneamento ambiental, as mulheres acabam sendo expostas aos maiores riscos, sendo histórica e estruturalmente mais vulneráveis 29,30.
Os dados indicaram que o número de óbitos de mulheres foi maior nos municípios de Petrópolis, Teresópolis, Rio de Janeiro e nos outros considerados. A determinação de áreas com maior concentração de pessoas mais vulneráveis quanto a idade e sexo pode contribuir para a definição de prioridades de socorro e evacuação em momento de crises. As faixas etárias de 6 a 14 anos (16,0%) e de 15 a 59 anos de idade (66,4%) ocupavam áreas de risco nos 476 municípios analisados em todo Brasil 21.
Ao levantar a população do país residente em áreas de risco, considerando-se os 16 municípios monitorados no estado do Rio de Janeiro (17% do total de municípios do estado), foram encontradas 2.937 áreas de risco e 865 mil pessoas residentes nessas áreas. A média de habitantes que residem em áreas de risco no estado, segundo os municípios monitorados, foi 9,8%. São João de Meriti, Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo mereceram destaque nesses resultados. Estes três últimos passaram por desastres naturais com grandes impactos nos últimos anos. Nesses municípios, a população residente em áreas de risco era 24,4%, 28,0% e 18,5% 31.
Os fatores de risco contribuem para que determinados grupos sofram maiores impactos que outros, isto porque “a segregação socioespacial afeta as distintas vivências do risco e a magnitude do desastre, mesmo quando essas populações, em lugares diferentes na cidade, estejam suscetíveis aos impactos da mesma ameaça natural e ao mesmo evento hidrológico e/ou geológico” 30.
O cálculo dos anos de vida perdidos indicou maiores resultados para o sexo feminino. O número de dias perdidos para o sexo feminino foi 18% superior ao dado para o sexo masculino. Esse resultado pode ser explicado pelo maior número de óbitos entre as mulheres e pelo fato de essas apresentarem expectativa de vida maior que os homens, de acordo com os dados utilizados na pesquisa.
Os anos de vida perdidos acarretam, entre outros fatores, à perda de produtividade e renda do país. Os indivíduos componentes da população economicamente ativa (pessoas de 10 a 65 anos classificadas como ocupadas ou desocupadas) deixaram de ser conduzidos aos postos de trabalho 32,33.
Os resultados encontrados mostraram que os óbitos e a perda de anos de vida da população apresentaram-se como importantes impactos acarretados pelos desastres naturais considerados na pesquisa. Isso mostrou que os efeitos das mudanças climáticas, em conjunto à estrutura socioeconômica desigual observada no Brasil, pode trazer maior vulnerabilidade à população. Indica-se a necessidade da adoção de políticas não apenas de gestão de riscos e planejamento urbano, mas também daquelas que contribuam para a melhoria da qualidade de vida e do bem-estar da população, como as educacionais, de saúde e de renda.
Agradecimentos
Não se aplica
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Disponibilidade de dados:
Os dados da pesquisa não estão disponíveis.
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Registro do protocolo:
Não se aplica.
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Uso de inteligência artificial generativa:
Não se aplica.
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Financiamento:
Não se aplica.
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Gestora de pareceristas:
Izabela Fulone - https://orcid.org/0000-0002-3211-6951
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Pareceristas:
Oswaldo Villa Campos - https://orcid.org/0000-0003-1037-2249, Elisa Prezotto Giordani - https://orcid.org/0000-0002-5310-1660
- Pareceres:
Editado por
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Editor chefe:
Jorge Otávio Maia Barreto - https://orcid.org/0000-0002-7648-0472
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Editor científico:
Everton Nunes da Silva - https://orcid.org/0000-0001-8747-4185
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Editora associada:
Fernanda Campos de Almeida Carrer - https://orcid.org/0000-0003-3745-2759
Disponibilidade de dados
Os dados da pesquisa não estão disponíveis.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
18 Abr 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
29 Ago 2024 -
Aceito
04 Nov 2024