RESUMO
Objetivo Descrever como a transgeneridade é estudada em pesquisas sobre a saúde do idoso.
Métodos Trata-se de revisão sistemática da literatura, com busca realizada em setembro de 2022, nas bases de dados Lilacs, Medline/Pubmed, Embase, Web Of Science e Scopus. Os artigos foram selecionados por pares, independentemente. O risco de viés se guiou pelo JBI Critical Appraisal Tools e a síntese de dados pelos protocolos Entreq e Swim.
Resultado Foram incluídos 15 estudos, oito qualitativos e sete quantitativos, de 2014 a 2023. A maioria deles analisou especificamente a população transgênero. Os estudos qualitativos focaram as percepções e vivências dos indivíduos e o planejamento de cuidados em saúde e rede de apoio. Os estudos quantitativos focaram a caracterização do gênero dos sujeitos, situação de saúde (incluindo a saúde mental) e associações com determinantes sociais.
Conclusão Apesar dos enfoques diferentes, os estudos abordaram a temática a partir do acúmulo de estigmas e discriminações dessa população.
Contribuições do estudo
Principais resultados A velhice de pessoas transgênero é marcada por transfobia, idadismo, solidão, medo de sofrer discriminação por parte de cuidadores, preocupações relativas às políticas públicas e ao impacto do preconceito e exclusão social na saúde mental.
Implicações para os serviços As pluralidades relativas aos gêneros e às sexualidades também fazem parte da realidade da população idosa. Profissionais de saúde devem estar preparados para realizar o atendimento cuidadoso, responsável, integral e equânime.
Perspectivas Há lacuna analítica do tema em produções latino-americanas. Investigações futuras podem contribuir no debate científico e nos sistemas de saúde, no âmbito da assistência e gestão, buscando promover políticas públicas.
ABSTRACT
Objective To describe how transgenderism is studied in research on the health of older adults.
Methods This was a systematic literature review, with searches conducted in September 2022 across the LILACS, MEDLINE/ PubMed, Embase, Web of Science and Scopus databases. The articles were selected independently by two reviewers. The risk of bias was assessed using the JBI Critical Appraisal Tools and data synthesis followed the Entreq and Swim protocols.
Results A total of 15 studies were included, eight qualitative and seven quantitative, from 2014 to 2023. Most of them specifically analyzed the transgender population. The qualitative studies focused on individuals’ perceptions and experiences, health care planning and support networks. The quantitative studies addressed gender characterization, health status (including mental health), and associations with social determinants.
Conclusion Despite the different approaches, the studies addressed the subject in the context of accumulated stigmas and discrimination faced this population.
Keywords
Older adults; Older Adults aged 80 years or older; Transvestism; Transgender People; Health
Study contributions
Main results The aging experience of transgender people is shaped by transphobia, ageism, loneliness, fear of discrimination by caregivers, concerns about public policies, and the impact of prejudice and social exclusion on mental health.
Implications for services The diversity of gender identities and sexualities is also present among the elderly population. Healthcare professionals must be prepared to provide careful, responsible, comprehensive, and equitable care.
Perspectives There is an analytical gap on the topic in Latin American studies. Future research can contribute to the scientific debate and health systems, particularly in service provision and management, aiming to promote public policies.
RESUMEN
Objetivo Descrever como a transgeneridade é estudada em pesquisas sobre a saúde do idoso.
Métodos Trata-se de revisão sistemática da literatura, com busca realizada em setembro de 2022, nas bases de dados Lilacs, Medline/Pubmed, Embase, Web Of Science e Scopus. Os artigos foram selecionados por pares, independentemente. O risco de viés se guiou pelo JBI Critical Appraisal Tools e a síntese de dados pelos protocolos Entreq e Swim.
Resultado Foram incluídos 15 estudos, oito qualitativos e sete quantitativos, de 2014 a 2023. A maioria deles analisou especificamente a população transgênero. Os estudos qualitativos focaram as percepções e vivências dos indivíduos e o planejamento de cuidados em saúde e rede de apoio. Os estudos quantitativos focaram a caracterização do gênero dos sujeitos, situação de saúde (incluindo a saúde mental) e associações com determinantes sociais. Conclusão: Apesar dos enfoques diferentes, os estudos abordaram a temática a partir do acúmulo de estigmas e discriminações dessa população.
Palabras clave
Personas mayores; Personas de 80 años o más; Travestismo; Personas transgénero; Salud
INTRODUÇÃO
O envelhecimento populacional é uma realidade mundial, apesar de ocorrer de forma desigual, resultado das iniquidades socioeconômicas. O grupo de idosos é constituído por indivíduos com 60 anos de idade ou mais. Tal grupo cresce mais rápido do que as demais faixas etárias, correlacionando-se às transições demográfica e epidemiológica.1,2
A velhice ocupa lugar paradoxal: destaca-se como fase de maior sabedoria e experiências, refletindo a multiplicidade de velhices,3 mas também é objeto de rejeição e intervenções à medida que o aprimoramento tecnológico visa deter as mudanças naturais do corpo nesse processo.4 O envelhecimento é historicamente carregado de simbologias preconceituosas, em particular os aspectos relativos à sexualidade. Estes são socialmente invalidados e, por muito tempo, foram objeto de poucos estudos e reflexões em meio acadêmico.5
Em contraposição à compreensão cisheteronormativa da velhice, a gerontologia LGBTQIAPN+ surge mais recentemente enquanto campo de saberes e discursos que centra suas análises nas multiplicidades de experiências do envelhecimento. Essa gerontologia compreende-se como contra-hegemônica das velhices.6
A academia possui visão biologicista quanto à sexualidade na velhice, pois associa essa fase da vida unicamente ao declínio funcional. Tal distorção é mais presente ao tratar-se das velhices LGBTQIAPN+, já que a compreensão da sexualidade historicamente limita-se à reprodução.8 Idosos LGBTQIAPN+ sofrem grande carga de estigma: o da velhice, o das minorias sexuais e o de gênero.9 Ao interrelacioná-los, vulnerabilidades políticas, sociais e econômicas são potencializadas.10
Transgênero é um termo guarda-chuva usado para pessoas que se identificam com o gênero destoante daquele conferido ao nascimento, cuja expressão de gênero não está em conformidade com as expectativas sociais.11 As violências contra as pessoas LGBTQIAPN+ são frequentemente intencionais e caracterizadas por agressões moral e física ou por ameaças. Motivam-se pela homofobia, que, embora compreendida como a aversão a homossexualidade e homossexuais, alcança bissexuais e transgêneros, ocupando espaços privados e públicos, desde a família às comunidades.12
Cabe enfatizar que idosos transgêneros são desproporcionalmente afetados por determinantes sociais nos níveis pessoal e comunitário, desenhando-se quadros de profundas desigualdades em saúde. Estudos sobre o envelhecimento de pessoas transgêneros costumam estar nas análises generalizadas das minorias sexuais e de gênero, ocasionando vácuo analítico sobre as especificidades da transgeneridade na velhice.13
O estigma acerca de pessoas transgênero também é reproduzido nos trabalhos acadêmicos, pois é frequente a produção de artigos que associam transexualidade às temáticas sexuais, uso de drogas e HIV.14 As especificidades da velhice de pessoas transexuais englobam preocupações particulares, quando comparada à de pessoas heterossexuais, como medo de rejeição por parte da família e filhos adultos, transfobia, marginalização por parte de gays e lésbicas, além da discriminação por prestadores de serviço cisgênero.15
Diante da relevância que possui a temática das minorias sexuais e de gênero e as interlocuções possíveis entre transgeneridade, envelhecimento e saúde, esta revisão foi desenvolvida com o objetivo de caracterizar como a transgeneridade é abordada em pesquisas sobre a saúde de idosos.
MÉTODO
Trata-se de revisão sistemática da literatura, guiada pelo PRISMA 2020 Checklist. Esta revisão foi registrada junto à PROSPERO, sob o número CRD42022360075. A pergunta de pesquisa foi: Como a temática transgênero é estudada em pesquisas sobre a saúde da pessoa idosa?, estruturando-se conforme a seguir.
População: idosos
Desfecho: transgeneridade
Contexto: saúde
Em setembro de 2022, realizou-se a busca em bases eletrônicas de dados previamente selecionadas: Lilacs, Medline/Pubmed, Embase, Scopus e Web of Science.
A seguinte chave, formulada com descritores do Mesh, foi aplicada em cada uma das bases. Lilacs: (mh:(aged)) OR (mh:(aged, 80 and over)) AND (mh:(health)) AND (mh:(sexual and gender minorities)) OR (mh:(gay)) OR (mh:(lesbian)) OR (mh:(bisexual)) OR (mh:(transgender persons)) OR (mh:(transsexualism)) OR (mh:(homosexuality)) OR (mh:(lesbianism)) OR (mh:(queer)) Medline/Pubmed: (((aged[MeSH Terms]) OR (aged, 80 and over[MeSH Terms])) AND (health[MeSH Terms])) AND (((((((((sexual and gender minorities[MeSH Terms]) OR (gay[MeSH Terms])) OR (lesbian[MeSH Terms])) OR (bisexual[MeSH Terms])) OR (transgender persons[MeSH Terms])) OR (transsexualism[MeSH Terms])) OR (homosexuality[MeSH Terms])) OR (lesbianism[MeSH Terms])) OR (queer[MeSH Terms])). Embase: aged OR (aged, 80 and over) AND (health) AND (sexual and gender minorities) OR (gay) OR (lesbian) OR (bisexual) OR (transgender persons) OR (transsexualism) OR (homosexuality) OR (lesbianism) OR (queer). Scopus: (KEY (aged) OR KEY (aged, 80 AND over) AND KEY (health) AND KEY (sexual AND gender AND minorities) OR KEY (gay) OR KEY (lesbian) OR KEY (bisexual) OR KEY (transgender AND persons) OR KEY (transsexualism) OR KEY (homosexuality) OR KEY (lesbianism) OR KEY (queer)). Web Of Science: AK=(aged OR aged, 80 and over AND health AND sexual and gender minorities OR gay OR lesbian OR bisexual OR transgender persons OR transsexualism OR homosexuality OR lesbianism OR queer). Não foram utilizados filtros ou limites na busca de artigos.
Os arquivos obtidos a partir de cada uma das bases foram inseridos, por meio de upload, no Rayyan. Esta é uma plataforma virtual colaborativa para revisões de literatura, local de realização da exclusão de duplicidade de estudos. A seleção de estudos foi realizada em duas fases: leitura de resumos e leitura de artigos na íntegra, de forma independente cega por dois leitores (JLA e PF). As divergências foram resolvidas por um terceiro leitor (CS) em reunião de consenso. A síntese dos dados dos artigos selecionados foi realizada em planilha de Excel. No protocolo da revisão, havia previsão de somente incluir estudos com a idade mínima de 60 anos. Esse critério de inclusão foi modificado para aumentar o número de estudos disponíveis, proporcionando base de dados mais rica e representativa para a análise.
Os critérios de inclusão adotados para a análise dos textos foram: o artigo científico tinha que ser original, a população do estudo necessariamente deveria conter pessoas a partir dos 50 anos de idade, o objeto do estudo deveria ser a saúde e a temática transgênero deveria ser abordada. Os artigos cujo objeto de estudo não fosse voltado ao processo de envelhecimento ou à realidade de idosos não foram considerados para a análise. A fim de reduzir o risco de viés, não foram adotados, enquanto elegibilidade, critérios relativos ao idioma da publicação, ano, país ou instituição de origem.
Uma seleção piloto foi realizada com vistas à confirmação dos critérios de inclusão e exclusão. Nessa seleção, havia os resumos dos 100 primeiros artigos, organizados em ordem alfabética do título. Após a reunião de consenso desse estudo piloto, deu-se continuidade à seleção de resumos e à seleção de artigos na íntegra.
Os dados dos artigos incluídos na revisão foram extraídos de protocolo de extração de dados, organizado em tabela no software Microsoft Excel, com a descrição dos seguintes tópicos: identificação do artigo (título do artigo, autores, ano de publicação, idioma e país de origem), objetivo, população de estudo (população de estudo e idade estudada), método (desenho do estudo, instrumento de coleta, período do estudo, tamanho da amostra e local do estudo) e resultados (objeto do estudo, abordagem da saúde, abordagem da temática transgênero e resultado do estudo) e conclusão.
A análise do risco de viés foi realizada por um pesquisador por meio do JBI Critical Appraisal Tools para os desenhos de estudo qualitativos e quantitativos seccionais.16,17 A síntese dos dados foi feita a partir do agrupamento segundo o desenho de estudo. Utilizaram-se o Entreq Statment18 para os estudos qualitativos e as Diretrizes Swim19 para os estudos quantitativos. Os resultados foram expressos em quadros e tabela.
RESULTADOS
Foram obtidos 3.165 resumos na busca em bases de dados, dos quais 484 foram oriundos da Embase, 1.803 da Scopus, 736 da Web Of Science e 142 da Pubmed/Medline. A Lilacs foi a única base consultada a não retornar artigos. Após a exclusão de 468 duplicatas, 2.697 arquivos prosseguiram na seleção. Foram excluídos 2.510 estudos na fase de leitura de resumos, por não se enquadrarem nos critérios de inclusão, entre os quais: 1.583 cuja população do estudo não envolveu idosos, 228 não eram artigos originais e 699 incluíam público com doença preexistente. Foram selecionados 187 arquivos para a leitura de artigos completos, dos quais 172 foram excluídos. Não houve artigos não recuperados durante a seleção. Entre os motivos das exclusões, 166 artigos não apresentaram análises específicas sobre idosos transgêneros e 6 não eram artigos originais. Ao final, 15 artigos foram selecionados para esta revisão sistemática (Figura 1).
A análise do risco de viés dos estudos qualitativos apontou que todos os artigos atenderam aos critérios propostos nos itens avaliados, o que representou baixo risco de viés. Tal padrão foi identificado nos estudos quantitativos do tipo seccional, assinalando o baixo risco de viés (Quadro 1).
Dos 15 estudos que integraram esta revisão, 13 foram desenvolvidos nos Estados Unidos, 1 no Canadá e 1 em países europeus (Bélgica, Espanha e Reino Unido). Os anos das publicações variam de 2014 a 2023. Do total de artigos, 9 utilizaram como ponto de corte para o público estudado a idade igual ou superior a 50 anos. Os demais artigos adotaram as idades igual ou superior a 55, 60, 61 e 65 anos como ponto de corte. Um artigo trabalhou com o público cujas idades variaram de 21 a 70 anos de idade ou mais. Oito artigos tiveram nomes femininos citados como primeiro autor (Tabela 1).
As temáticas abordadas nos estudos qualitativos voltaram-se, em sua maioria, às experiências de vida e percepções de saúde e ao planejamento de cuidados de idosos transgêneros. Foram abordados os processos de cuidado em saúde e o direcionamento de políticas públicas. Metade dos estudos apresentou vivências da população transgênero enquanto objeto de estudo. A outra metade tratou de realidades da população LGBTQIAPN+ e diversidade de gênero (Quadro 2).
Entre os estudos qualitativos incluídos, destacam-se: a relação entre usuários não cisheteronormativos e profissionais de serviços responsáveis pela atenção à saúde e as implicações de valores culturais, religiosos e morais no planejamento e execuções dos cuidados em saúde; as particularidades da população LGBTQIAPN+ no planejamento financeiro da velhice; a importância da rede social de suporte; e as particularidades do envelhecimento transgênero diante da transfobia e do idadismo (Quadro 2).
Os estudos abordaram direcionamento de ações específicas para a otimização do processo de envelhecimento da pessoa transgênero. Essas ações foram a oferta de habitações amigáveis, a necessidade de treinamento dos profissionais de saúde sobre a diversidade de gênero, o planejamento de cuidados para o idoso transgênero, incluindo formas de apoio não humanas e o direcionamento de ações públicas, tais como padronização de cuidados e processos de apoio.
A maioria dos estudos quantitativos abordou a temática transgênero enquanto forma de caracterizar o gênero dos sujeitos. Os estudos apresentaram abordagens relativas à situação de saúde do idoso transgênero, com enfoque na saúde mental. Os estudos sobre saúde mental abordaram relações com o estigma da identidade de gênero e a correlação entre o uso hormonal e a saúde mental (Quadro 3).
Estudaram-se a influência dos determinantes sociais na saúde de idosos transgêneros, as investigações acerca do estado de saúde, o impacto da discriminação e da hormonização na saúde mental, a violência conjugal e a relevância de políticas públicas no combate à transfobia (Quadro 3). Não foram identificados dados ausentes ou pouco claro nos estudos incluídos nesta revisão.
DISCUSSÃO
A produção científica sobre a saúde de idosos transgêneros apresentou notável predominância de estudos norte-americanos. Elencaram-se fatores para justificar as disparidades de produções científicas de países capitalistas desenvolvidos em detrimento de países de média e baixa renda. Tais fatores foram: as desigualdades no investimento em ciência, a presença mais forte da lógica produtivista acadêmica em países ricos, a baixa captação de produções com enfoque nacional por bases de dados internacionais e a possibilidade de discriminação editorial.20
Uma pessoa idosa é todo e qualquer indivíduo com 60 anos de idade ou mais.21 Há dissenso entre os autores ao estudar o fenômeno das velhices das minorias sexuais e de gênero. A maioria dos estudos elege 50 anos ou mais como ponto de corte, portanto dez anos a menos que o previsto pela Organização Mundial de Saúde. A velhice, permeada pela demarcação cronológica, é uma construção social, e a problematização acerca da demarcação do início deve levar em conta fatores localmente relevantes de cada nação.22 A existência marcada pela exclusão social e pela discriminação, especialmente entre pessoas transgênero, tem impactos diretos na qualidade de vida e, consequentemente, na velhice. As particularidades da velhice das minorias sexuais e de gênero são atravessadas pela discriminação e invisibilidade.23
Um dos estudos usou por base o diagnóstico de transtorno de gênero, delimitado a partir do código relativo à condição na Classificação Internacional de Doenças, constante no cadastro de saúde do público-alvo. A transexualidade, em um reflexo de hierarquia dos saberes-poderes, reafirmando normas hegemônicas de gênero, tem sido abordada historicamente enquanto desvio, ora de ordem mental, ora de ordem sexual, como demonstra o itinerário das mudanças de categoria no Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais e na Classificação Internacional de Doenças. Os saberes médico, jurídico, psiquiátrico e psicológico incorrem na escolha consciente de patologizar pessoas transgênero, a fim de classificar, diagnosticar e intervir em seus corpos.24
A sociedade ocidental é historicamente construída e rotineiramente reforça a ordem cis-heterossexual-patriarcal, que permeia as relações sociais, caracterizadas por uma série de violências, estigmas e discriminações à população transgênero. A reprodução incessante do modelo de performar e viver o sexo e o gênero ocasionam comportamentos trans excludentes.25 Os achados desta revisão reiteram que a ordem cisheterossexual de performar gênero e sexualidade atravessa a história de pessoas transgênero. Isso reflete em dificuldades de manutenção de redes sociais de apoio e de acesso ao cuidado qualificado acerca das especificidades de suas velhices. Os comportamentos transfóbicos permanecem ao longo da vida adulta. Na velhice, são acrescidos de elementos que caracterizam o contexto de vida da população idosa, como a exclusão familiar e o receio de comportamentos discriminatórios por parte de cuidadores e demais moradores de instituições de longa permanência.
Destaca-se a heterogeneidade dos estudos incluídos, com desenhos diversos, o que dificultou a generalização dos resultados, como fator limitante desta revisão.
A temática transgênero nas pesquisas sobre a saúde do idoso tem sido estudada a partir da perspectiva do acúmulo de estigmas e da continuidade de discriminações e exclusões durante a velhice. Destaca-se o receio da solidão, da continuidade da transfobia e da baixa oferta espaços abertos e acolhedores a idosos transgêneros, culminando em uma rede social de apoio frequentemente mais fragilizada.
A importância desta revisão se justifica pela relevância social do tema, dado o atual cenário de envelhecimento populacional. As velhices que se contrapõem à cisheteronormatividade exigirão de profissionais e sistemas de saúde o conhecimento das particularidades e vivências de idosos LGBTQIAPN+, em especial, idosos transgêneros. A ausência de estudos que correlacionem o envelhecimento às minorias sexuais e de gênero na América Latina e no Caribe oportuniza a análise contextualizada das vivências de idosos transgêneros no continente.
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Editado por
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Editor associado:
Letícia Xander Russo
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
10 Jan 2025 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
28 Fev 2024 -
Aceito
18 Out 2024