RESUMO
Objetivo: Analisar o impacto da pandemia da Covid-19 na Razão de Mortalidade Materna, no Brasil, no período de 2018 a 2021.
Método: Estudo ecológico, de séries temporais, que analisou a tendência e a distribuição espacial dos óbitos maternos, nos anos de 2018 a 2021, obtidos a partir da base de dados do Sistema de Informação de Mortalidade e de Nascidos Vivos. Os valores da Razão de Mortalidade Materna foram submetidos à análise de regressão linear de Prais-Winsten, no programa Stata, versão 14.0. A evolução da Razão de Mortalidade Materna nas regiões foi apresentada em mapas elaborados no programa TabWin.
Resultados: Registraram-se 8.229 óbitos maternos no período. O ano de 2021 obteve a maior Razão de Mortalidade Materna (113,1 mortes maternas por 100.000 nascidos vivos). O Brasil apresentou tendência estacionária, a Região Norte apresentou a maior Razão de Mortalidade Materna nos quatros anos, apresentando tendência crescente, juntamente com Nordeste, enquanto Centro-Oeste, Sul e Sudeste apresentaram tendência estacionária.
Conclusão: Mesmo com tendência estacionária na maioria das regiões brasileiras, a Razão de Mortalidade Materna aumentou, especialmente em 2020 e 2021, anos da pandemia da Covid-19, o que demonstra necessidade de vigilância constante das vulnerabilidades das mulheres no ciclo gravídico-puerperal para evitar mortes maternas.
Descritores: Mortalidade materna; Covid-19; Análise espacial
ABSTRACT
Objective: To analyze the impact of the Covid-19 pandemic on the Maternal Mortality Ratio in Brazil from 2018 to 2021.
Method: Ecological time series study, which analyzed the trend and spatial distribution of maternal deaths from 2018 to 2021, with data obtained from the Mortality and Live Birth Information System. The Maternal Mortality Ratio values were subjected to Prais-Winsten linear regression analysis using Stata program, version 14.0. The evolution of the Maternal Mortality Ratio in the regions was presented on maps created using the TabWin software.
Results: A total of 8,229 maternal deaths were recorded in the period. The year 2021 recorded the highest Maternal Mortality Ratio (113.1 maternal deaths per 100,000 live births). Brazil showed a stationary trend, while the North region had a higher Maternal Mortality Ratio across the four years, showing an increasing trend, along with the Northeast, while the Central-West, South and Southeast showed a stationary trend.
Conclusion: Despite the stationary trend in most Brazilian regions, the Maternal Mortality Ratio increased, especially in 2020 and 2021, years of the Covid-19 pandemic, which demonstrates the need for constant monitoring of vulnerabilities among women during the pregnancy-puerperal cycle to prevent maternal deaths.
Descriptors: Maternal Mortality; Covid-19; Spatial Analysis
RESUMEN
Objetivo: Analizar el impacto de la pandemia de Covid-19 en la Razón de Mortalidad Materna en Brasil de 2018 a 2021.
Método: Estudio de serie temporal ecológica, que analizó la tendencia y distribución espacial de las muertes maternas en los años 2018 a 2021, obtenida de la base de datos del Sistema de Información sobre Mortalidad y Nacidos Vivos. Los valores de la Razón de Mortalidad Materna fueron sometidos al análisis de regresión lineal de Prais-Winsten en el programa Stata, versión 14.0. La evolución de la Razón de Mortalidad Materna en las regiones fue presentada en mapas creados con el programa TabWin.
Resultados: En el período se registraron 8.229 muertes maternas. El año 2021 registró la Tasa de Mortalidad Materna más alta (113,1 muertes maternas por cada 100.000 nacidos vivos). Brasil presentó tendencia estacionaria, la región Norte tuvo mayor Tasa de Mortalidad Materna en los cuatro años, mostrando tendencia creciente, junto con el Nordeste, mientras que el Centro-Oeste, Sur y Sudeste presentaron tendencia estacionaria.
Conclusión: Incluso con una tendencia estacionaria en la mayoría de las regiones brasileñas, la Tasa de Mortalidad Materna aumentó, especialmente en 2020 y 2021, años de la pandemia de Covid-19, lo que demuestra la necesidad de una vigilancia constante de las vulnerabilidades de las mujeres en el ciclo embarazo-puerperal para prevenir muertes maternas.
Descriptores: Mortalidad materna; COVID-19; Análisis espacial
INTRODUÇÃO
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define Morte Materna (MM) como a morte de uma mulher ocasionada no período da gestação ou até 42 dias após o término desta, não interessando a duração ou localização da gravidez. Considera, ainda, qualquer causa associada ou agravada pela gestação ou por condutas tomadas em decorrência desse estado, excluindo apenas as causas acidentais ou incidentais, representadas pelas mortes violentas acontecidas durante o período puerperal1.
A ocorrência de MM em um país é um evento alarmante, reflexo da inadequada assistência à saúde da mulher e do desrespeito aos direitos sexuais e reprodutivos. Assim, é necessária a adoção de medidas públicas para redução, já que, no mundo, pode ser evitada em 90,0% dos casos2. Como indicador desse problema de saúde pública e, portanto, da saúde feminina, tem-se a Razão de Mortalidade Materna (RMM), que corresponde à divisão entre o número de mortes maternas e o de nascidos vivos multiplicada por 100.0003.
Em 2020, a RMM, no mundo, foi de 223 por 100.000 nascidos vivos4. Nesse mesmo ano, no Brasil, a RMM foi 71,97 mortes a cada 100.000 nascidos vivos, sendo que, entre 2019 e 2021, este país vivenciou aumento de 77,0% no número total de mortes maternas, o que revela a dimensão do problema de saúde pública a ser enfrentado5.
Esse aumento decorreu majoritariamente da pandemia da Covid-19. Sobre isso, estudo ecológico, com gestantes que realizaram parto hospitalar pelo Sistema Único de Saúde (SUS), evidenciou que, em 2020, houve aumento da mortalidade materna em comparação com a média dos 10 anos anteriores, ou seja, com incremento de 40,0% nas gestações de baixo risco. Ademais, mulheres com gravidez de baixo risco que realizaram parto vaginal tiveram risco 60,0% (RR = 1,6; IC95%: 1,39-1,85) maior de morrer em 2020, e aquelas que realizaram cesárea tiveram risco 18,0% maior de morte (RR = 1,18; IC95%: 1,04 -1,34), em 2020, quando comparado com a média de 2010 a 20192.
Ainda sobre as causas de mortalidade materna, é fundamental pontuar que as mortes maternas decorrentes de causas obstétricas diretas (como hemorragia e hipertensão, por exemplo), não considerando o período da pandemia da Covid-19, são as mais comuns6-8 e que podem ser evitadas mediante acesso a serviços e atenção à saúde de qualidade.
Desse modo, a Agenda 2030, especificamente no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 3 (ODS 3), apresenta como uma das metas assegurar vida saudável e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades, pretendendo até 2030, reduzir a taxa de mortalidade materna global para menos de 70 mortes por 100.000 nascidos vivos. Ao considerar esta meta mundial e o cenário desse problema de saúde pública, o Brasil estabeleceu como meta nacional, até 2030, reduzir a RMM para 30 mortes por 100.000 nascidos vivos9.
Frente ao exposto, é importante conhecer a RMM no cenário nacional, por meio da análise de tendência temporal e de distribuição espacial, o que auxiliará a determinar alguns fatores de risco que contribuem para morbimortalidade materna e, consequentemente, apoiará gestores e profissionais de saúde na elaboração de estratégias de promoção da saúde das mulheres, durante o ciclo gravídico-puerperal, e de prevenção de complicações, de modo a evitar mortes maternas e melhorar os indicadores de saúde, como a RMM.
Assim, teve-se a seguinte questão de pesquisa: qual o impacto da pandemia da Covid-19 na Razão de Mortalidade Materna, no Brasil, no período de 2018 a 2021? Deste modo, objetivou-se analisar o impacto da pandemia da Covid-19 na Razão de Mortalidade Materna, no Brasil, no período de 2018 a 2021.
MÉTODO
Trata-se de estudo ecológico, de séries temporais, sobre a RMM no Brasil, no período de 2018 a 2021, ou seja, dois anos antes e dois anos durante a pandemia da Covid-19, que buscou analisar o comportamento da tendência temporal e a distribuição especial da RMM nesse período. As unidades de análise foram as cinco regiões geográficas brasileiras: Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste.
Analisaram-se o número de mortes maternas e a RMM ocorridos no período de 2018 a 2021, estratificados segundo as variáveis: faixa etária (10 a 14, 15 a 19, 20 a 29, 30 a 39, 40 a 49, 50 a 59 anos), escolaridade (nenhuma, 1 a 3, 4 a 7, 8 a 11, 12 ou mais anos de estudo), cor/raça (branca, preta, amarela, parda, indígena), estado civil (solteira, casa, viúva, separada judicialmente, outro) e tipo de causa obstétrica (direta, indireta ou não especificada) e região geográfica (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste).
Os dados sobre mortes maternas e número de nascidos vivos foram obtidos na base de dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), respectivamente. Ambas as bases se encontram disponíveis no endereço eletrônico do Departamento de Informática do SUS (DATASUS).
A RMM é o indicador utilizado para avaliar a mortalidade materna, bem como para verificar as características de dados, relacionando-os com o período e o local em que os óbitos aconteceram10, e foi calculada, dividindo-se o número total de óbitos maternos pela quantidade de nascidos vivos no mesmo ano e local, multiplicando-se o resultado por 100.000 nascidos vivos (NV).
Inicialmente, os dados foram organizados no programa Microsoft Excel para a análise da distribuição das frequências absolutas e relativas do número de mortes maternas, bem como para o cálculo do indicador RMM. A seguir, os valores da RMM foram submetidos à análise de regressão linear de Prais-Winsten no programa Stata, versão 14.0.
Calculou-se a Variação Percentual Anual (VPA), utilizando-se do modelo de análise linear generalizada de Prais-Winsten, indicado para corrigir a autocorrelação serial em séries temporais, em que um valor negativo da Análise de Principais Componentes (APC) indica tendência decrescente, um valor positivo indica tendência crescente e, se não houver diferença significativa do valor zero, indica tendência estacionária (p<0,05). A variável dependente (Y) foi a RMM, enquanto as variáveis independentes (X) foram: o ano de ocorrência do óbito, a faixa etária, a escolaridade, a cor/raça, o estado civil e o tipo de causas obstétricas11.
A evolução da RMM nas cincos regiões do Brasil, nos anos de 2018 a 2021, foi apresentada em mapas elaborados no programa TabWin.
Não houve necessidade de submissão do projeto ao Comitê de Ética em Pesquisa, pois foram utilizados dados anônimos e de acesso público.
RESULTADOS
No período de 2018 a 2021, no Brasil, identificaram-se 8.229 óbitos maternos e RMM estacionária. A tendência crescente foi observada nas Regiões Norte (IC95%=4,85; 52,89, p<0,05, VPA=26,61) e Nordeste (IC95%=3,94; 49,09, p<0,05, VPA=24,48). O ano de 2021 foi o que apresentou o maior número de óbitos (n=3.030) e a maior RMM (113,1 mortes maternas por 100.000 nascidos vivos) (Tabela 1).
Ainda na Tabela 1, observa-se que a Região Norte foi a que obteve maior RMM em todos os anos estudados. A Região Sul foi a que apresentou os menores valores de RMM nos anos de 2018 (36,8), 2019 (38,0) e 2020 (43,2). Em 2021, a Região Sudeste apresentou a menor RMM (104,4).
Ao considerar o exposto na Tabela 1 e a fim de permitir melhor visualização da RMM aos longo dos anos investigados, segundo as regiões geográficas brasileiras, exibem-se os mapas de distribuição deste indicador (Figura 1), nos quais se observa que a Região Norte apresentou, de 2018 a 2021, RMM sempre acima da meta mundial proposta no ODS 39, seguida da Região Nordeste (2020 e 2021). Em 2021, todas as regiões estiveram acima da meta mundial definida nos ODS. E nenhuma delas, durante os quatros anos analisados, apresentou RMM que atendeu a essa meta.
Distribuição da razão de mortalidade materna, segundo regiões geográficas. Brasil, 2018-2021. Teresina, Piauí, Brasil, 2023.
Na Tabela 2, observa-se que a RMM demonstrou tendência crescente nas faixas de 30 a 39 anos (IC95%=4,35; 75,84, p<0,05, VPA=6,16) e de 40 a 49 anos (IC95%=2,33; 51,59, p<0,05, VPA=24,55); entre mulheres com nenhuma (IC95%=15,42; 15,43, p<0,05, VPA=15,42) e 12 ou mais anos de escolarização (IC95%=15,26; 89,09, p<0,05, VPA=47,63); pretas (IC95%=5,37; 60,69, p<0,05, VPA=29,25); e que estavam separadas judicialmente (IC95%=1,11; 104,48, p<0,05, VPA=46,79). Ademais, nota-se falha no preenchimento das declarações de óbitos, visto que a RMM obteve tendência crescente também entre mulheres com escolaridade (IC95%=2,40; 57,75, p<0,05, VPA=27,10), cor/raça (IC95%=15,56; 33,79, p<0,05, VPA=24,34) e estado civil (IC95%=12,56; 70,03, p<0,05, VPA=38,34) ignorados.
A RMM, mesmo com tendência estacionária, foi maior durante os quatro anos investigados entre mulheres com oito e 11 anos de estudo, mulheres pardas e autodeclaradas solteiras (Tabela 2).
Quanto à causa obstétrica, a RMM obteve tendência crescente entre as causas indireta ((IC95%=4,01; 166,83, p<0,05, VPA=66,59) e não especificada ((IC95%=21,80; 21,80, p<0,05, VPA=21,80). A RMM, mesmo com tendência estacionária, foi maior durante os quatro anos investigados no tipo de causa direta (Tabela 2).
DISCUSSÃO
Apesar da tendência estacionária da RMM no Brasil, algumas regiões apresentam tendência crescente desse indicador, o que configura importante problema de saúde pública no país, visto tratar-se, na grande maioria de casos, de morte evitável. Este achado se evidencia, visto que, na realidade brasileira, há disparidades entre as diversas regiões, com elevada RMM, em regiões como Norte e Nordeste, as quais possuem muitos municípios com menos recursos e maiores dificuldades de acesso aos serviços de saúde12,13. Essa situação ainda foi ampliada pela pandemia da Covid-19, a qual aumentou os desafios de enfrentamento desse problema. Muitas mulheres deixaram de realizar a consulta rotineira de pré-natal, imunização, exames de imagem e laboratoriais, por medo de contágio, o que dificultou a assistência qualificada a esse público14.
Mesmo que os setores público e privado da saúde enfrentem muitos desafios para garantir acesso e cuidados adequados para todas as mulheres grávidas e puérperas, o aumento da mortalidade materna, nos anos de 2020 e 2021, representou retrocesso, que precisa ser melhor esclarecido e enfrentado. A pandemia da Covid-19 afetou muitas mulheres gestantes e puérperas, sendo que aquelas com maior vulnerabilidade socioeconômica foram as mais afetadas, ou seja, a pandemia agravou as desigualdades sociais e injustiças existentes no Brasil, assim como as condições de vida e saúde de uma população/comunidade13.
A morte materna foi, portanto, em termos percentuais, condição que acometeu mulheres adultas, com baixa escolaridade, pardas e solteiras. E, quanto à causa obstétrica, as mortes maternas por causas obstétricas diretas prevaleceram nos anos 2018, 2019 e 2020, e, em 2021, foram aquelas por causas obstétricas indiretas, nas quais se incluem a Covid-19. Achados semelhantes foram identificados em outras pesquisas, no que se relaciona à faixa etária/idade15, à escolaridade10,16,17, à cor/raça6,16,18,19, ao estado civil6,10,16,18,19 e à classificação do tipo de causa do óbito obstétrico17.
A faixa etária com maior registro de mortes maternas identificada neste estudo está relacionada ao fato de que, a partir dos 35 anos, há a existência de fator de risco gestacional, do tipo intermediário, de modo a exigir atenção especial durante a realização do pré-natal6. Este risco se deve à suscetibilidade de mulheres nesta faixa etária à ocorrência de algumas doenças, como síndromes hipertensivas ou hemorrágicas10.
O analfabetismo e a baixa escolaridade são considerados também fatores de risco gestacional6. Sobre isto, pesquisa realizada no sul da Etiópia identificou que o risco de morte materna foi 4,4 vezes maior entre mães sem escolaridade do que naquelas com alguma escolaridade (IC95%=1,7-11,0)17, o que pode estar relacionada ao pouco acesso das mulheres às informações adequadas, assim como à insuficiente compreensão acerca das informações fornecidas pelos profissionais de saúde no decorrer das consultas de pré-natal e, consequentemente, à dificuldade na adesão dos cuidados em saúde, o que refletirá na atenção delas com a gestação e a própria saúde e do bebê10.
Ademais, há que se destacar que a presente investigação revelou ainda uma RMM com tendência crescente entre mulheres com mais anos de estudo, mas isto se deve, especificamente, à grande quantidade de óbitos em território brasileiro decorrentes da Covid-19. No período pandêmico, especialmente no início, as políticas nacionais de combate e controle desse agravo às mulheres grávidas eram muitos incipientes. Estas não foram, por exemplo, incluídas entre os grupos prioritários quando a vacina contra a Covid-19 começou a ser distribuída no país. Após muitas discussões e intensa repercussão nacional, foram incluídas entre os grupos de comorbidades11.
A cor da pele/raça deve ser também um dos aspectos investigados durante a consulta de pré-natal, pois a cor negra, que inclui pardas (maioria neste estudo) e pretas, é um dos critérios para estratificação de risco gestacional, que classifica essas gestantes com risco intermediário17, o que se relaciona à posição socioeconômica e à iniquidade racial em saúde6.
Embora seja evidenciado que a categoria raça é um construto social, que reúne inúmeros aspectos da história da pessoa e das gerações delas, estudos de recorte étnico-racial refletem as desigualdades abrangentes da sociedade, como posição socioeconômica e iniquidade no acesso aos serviços de saúde e reduzida qualidade de assistência prestada20.
É fundamental destacar que a RMM entre as mulheres pretas obteve tendência crescente ao longo dos períodos investigados. Neste ínterim, pesquisa desenvolvida no Mato Grosso do Sul revelou que o risco de óbito de mulheres pretas (RR=4,3; IC95%=2,088,71) foi aproximadamente quatro vezes maior, quando comparadas às brancas20. Além das condições socioeconômicas e à iniquidade racial mencionada, as mulheres pretas têm ainda maior predisposição genética às doenças, especialmente síndromes hipertensivas18, o que revela a necessidade de atenção em saúde acolhedora a essas mulheres, valendo-se do princípio da equidade.
Ainda na análise do perfil sociodemográfico das mulheres que morreram durante o ciclo grávido-puerperal, percebe-se a importância da investigação do estado civil. A situação conjugal insegura e insuficiência de apoio familiar são, portanto, critérios também adotados na estratificação do risco gestacional (no caso, intermediário)20. Frente a isso, as gestantes solteiras, assim como as divorciadas, tendem a constituir grupo vulnerável18, pois a presença do companheiro pode configurar como fator de proteção para a mulher, durante o período gravídico-puerperal21, quando se compartilham os cuidados e há estímulo ao autocuidado, assim como suporte emocional, social, afetivo e financeiro22.
Pelo exposto, percebe-se que a morte materna tem relação estreita com questões que envolvem a iniquidade racial e os determinantes sociais de saúde das mulheres brasileiras18. Assim, para promover um pré-natal de qualidade e reduzir os óbitos maternos, é primordial que exista atenção em saúde que seja capaz de assistir as mulheres na integralidade delas.
No que concerne ao tipo de causas obstétricas dos óbitos, dentre as causas diretas, as mais comuns são aquelas diretamente relacionadas ao ciclo gravídico-puerperal e, em maioria, evitáveis21, por meio de atenção à saúde de qualidade e integral. Por outro lado, há que se destacar que, em 2021, houve a maior ocorrência de óbitos por causas obstétricas indiretas, entre as quais se destaca a Covid-19.
A pandemia da Covid-19 enfraqueceu os sistemas de saúde dos países em desenvolvimento em diferentes regiões do mundo, em razão da carência de pessoal de saúde qualificado, de equipamentos, de infraestrutura23, de suporte econômico para enfrentamento de uma crise, entre outros, o que repercutiu especialmente na saúde dos grupos vulneráveis, como as gestantes.
A gravidez apresenta fator de risco para o desenvolvimento da Covid-19 grave em mulheres não vacinadas24 e, por outro lado, gestantes com Covid-19 tem risco elevado de morbimortalidade. Isto se deve às alterações fisiológicas presentes no ciclo gravídico-puerperal, em especial alterações nos sistemas imunológico e respiratório25. É importante ressaltar que, durante a pandemia, o pré-natal foi altamente afetado pelo medo das mulheres de engravidar e procurar assistência, pelas barreiras impostas pelas unidades de atendimento em saúde para mulheres26. O foco no atendimento foi para indivíduos sintomáticos de Covid-19 em serviços de Atenção Primária. Portanto, reforça-se a importância de que gestantes e puérperas tenham atenção prioritária nas diferentes estratégias de promoção da saúde e prevenção de agravos2.
Para que o Brasil e as respectivas regiões reduzam a RMM e, com isso, alcancem uma das metas do ODS 3, é necessária a correção destas desigualdades internas, por meio da implementação de políticas públicas que considerem as especificidades das diferentes regiões brasileiras e as necessidades sanitárias das mulheres, conforme a localidade as quais habitam25. Deste modo, é primordial a realização de diferentes estudos por regiões do Brasil que permitam analisar a situação de saúde e os determinantes sociais de saúde das mulheres durante o ciclo gravídico-puerperal. Essas pesquisas são fundamentais na elaboração de estratégias que permitam a implementação de atenção em saúde de qualidade e integral, que ultrapasse barreira geográficas e de vulnerabilidades e assegure os direitos dessas mulheres, independente de idade, escolaridade, cor/raça, estado civil, entre outros.
Considera-se limitação do estudo a utilização de dados secundários, mesmo que os Sistemas de Informação disponíveis no Sistema Único de Saúde sejam confiáveis, pois se observa a ocorrência de sub-registro no preenchimento da Declaração de Óbito, visto que, em algumas categorias, muitos dados obtidos receberam o status de ignorados, o que gerou análise incompleta dos dados.
CONCLUSÃO
O estudo evidenciou aumento da RMM, especialmente entre os dois primeiros anos, 2020 e 2021, da pandemia da Covid-19, com tendência crescente nas Regiões Norte e Nordeste e estacionária nas demais regiões. A maior RMM entre foi identificada em mulheres de 30 a 39 anos, com oito a 11 anos de estudos, autodeclaras pardas e solteiras. Frente a isso, reforça-se a necessidade de implementação de políticas públicas efetivas que visem investimentos e recursos necessários à mudança deste cenário, a fim de garantir melhor qualidade de vida às mulheres, por meio da melhoria do acesso e da assistência aos serviços destinados à mulher, de modo a reduzir a quantidade de óbitos maternos no país, e traçar, assim, o caminho para atingir a meta estabelecida pelo ODS 3.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Nov 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
20 Dez 2023 -
Aceito
26 Abr 2024