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Avaliação das ações em saúde mental na estratégia de saúde da família: necessidades e potencialidades

Evaluación de las acciones en salud mental en la estrategia de salud de la familia: necesidades y potencialidades

Evaluation of actions in mental health at the family health strategy: needs and potentialities

Resumos

O artigo tem como objetivo apontar necessidades e potencialidades das ações em saúde mental na Estratégia Saúde da Família, avaliadas por atores sociais engajados a um Conselho Local de Saúde. Os métodos utilizados foram Avaliação de Quarta Geração e Método Comparativo Constante. Foram realizadas observações e entrevistas com oito participantes. As informações que emergiram do estudo convergiram no núcleo temático avaliação participativa das ações em saúde mental, salientando necessidades e potencialidades. As ações de saúde mental têm como necessidades o acolhimento orientador-sensível, o benefício da Previdência Social e o Programa Bolsa Família e como potencialidades, o apoio matricial e o controle social. A avaliação das ações em saúde mental fortalece a cidadania e a participação nos espaços decisórios, reconhecendo os usuários-atores e as redes de solidariedade no território.

Participação comunitária; Saúde mental; Programa Saúde da Família


Este artículo pretende mostrar necesidades y potencialidades de las acciones de salud mental en la Estrategia de Salud de la Familia, evaluadas con los actores sociales comprometidos en un Consejo Local de Salud. Los métodos fueran Evaluación de Cuarta Generación y método comparativo constante con observaciones y entrevistas con ocho participantes. La información que surgió del estudio de convergencia en el núcleo temático de evaluación participativa de las acciones en salud mental, haciendo hincapié en las necesidades y posibilidades. Las acciones de salud mental como el anfitrión asesor sensible, el beneficio del Seguro Social y la Familia Programa de Subsidios y como potencialidades el soport matricial y el control social. La evaluación de las intervenciones de salud mental fortalece la ciudadanía y la participación en espacios de decisión, reconociendo que el usuario-agentes y las redes de solidaridad en el territorio.

Participación comunitaria; Salud mental; Programa de Salud Familiar


This article aims to show the needs and potentialities of mental health actions in the Family Health Strategy progran, as evaluated by social actors members of Local Health Board. The methods used were Fourth Generation Evaluation and Constant Comparative Method. Observations and interviews were undertaken with eight participants. The information that emerged from the study converged on the core thematic "participatory appraisal of actions in mental health", emphasizing needs and potentialities. Mental health actions have as needs guiding-sensitive welcome, Social Security benefits and the Family Grant Program (Bolsa Família), and, as potentialities, matrix support and social control. The evaluation of mental health interventions strengthens citizenship and participation in decision-making spaces, acknowledging user-agents and the solidarity networks in the territory.

Consumer participation; Mental health; Family Health Program


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação das ações em saúde mental na estratégia de saúde da família: necessidades e potencialidades1 Endereço da autora: Andiara Cossetin Rua Marechal Frota, 71, Cristo Redentor 92350-030, Porto Alegre, RS E-mail: andiara@ghc.com.br

Evaluación de las acciones en salud mental en la estrategia de salud de la familia: necesidades y potencialidades

Evaluation of actions in mental health at the family health strategy: needs and potentialities

Andiara CossetinI; Agnes OlschowskyII

IMestre em Enfermagem, Enfermeira do Grupo Hospitalar Conceição, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

IIDoutora em Enfermagem Psiquiátrica, Professora Associada da Escola de Enfermagem da UFRGS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço da autora Endereço da autora: Andiara Cossetin Rua Marechal Frota, 71, Cristo Redentor 92350-030, Porto Alegre, RS E-mail: andiara@ghc.com.br

RESUMO

O artigo tem como objetivo apontar necessidades e potencialidades das ações em saúde mental na Estratégia Saúde da Família, avaliadas por atores sociais engajados a um Conselho Local de Saúde. Os métodos utilizados foram Avaliação de Quarta Geração e Método Comparativo Constante. Foram realizadas observações e entrevistas com oito participantes. As informações que emergiram do estudo convergiram no núcleo temático avaliação participativa das ações em saúde mental, salientando necessidades e potencialidades. As ações de saúde mental têm como necessidades o acolhimento orientador-sensível, o benefício da Previdência Social e o Programa Bolsa Família e como potencialidades, o apoio matricial e o controle social. A avaliação das ações em saúde mental fortalece a cidadania e a participação nos espaços decisórios, reconhecendo os usuários-atores e as redes de solidariedade no território.

Descritores: Participação comunitária. Saúde mental. Programa Saúde da Família.

RESUMEN

Este artículo pretende mostrar necesidades y potencialidades de las acciones de salud mental en la Estrategia de Salud de la Familia, evaluadas con los actores sociales comprometidos en un Consejo Local de Salud. Los métodos fueran Evaluación de Cuarta Generación y método comparativo constante con observaciones y entrevistas con ocho participantes. La información que surgió del estudio de convergencia en el núcleo temático de evaluación participativa de las acciones en salud mental, haciendo hincapié en las necesidades y posibilidades. Las acciones de salud mental como el anfitrión asesor sensible, el beneficio del Seguro Social y la Familia Programa de Subsidios y como potencialidades el soport matricial y el control social. La evaluación de las intervenciones de salud mental fortalece la ciudadanía y la participación en espacios de decisión, reconociendo que el usuario-agentes y las redes de solidaridad en el territorio.

Descriptores: Participación comunitaria. Salud mental. Programa de Salud Familiar.

ABSTRACT

This article aims to show the needs and potentialities of mental health actions in the Family Health Strategy progran, as evaluated by social actors members of Local Health Board. The methods used were Fourth Generation Evaluation and Constant Comparative Method. Observations and interviews were undertaken with eight participants. The information that emerged from the study converged on the core thematic "participatory appraisal of actions in mental health", emphasizing needs and potentialities. Mental health actions have as needs guiding-sensitive welcome, Social Security benefits and the Family Grant Program (Bolsa Família), and, as potentialities, matrix support and social control. The evaluation of mental health interventions strengthens citizenship and participation in decision-making spaces, acknowledging user-agents and the solidarity networks in the territory.

Descriptors: Consumer participation. Mental health. Family Health Program.

INTRODUÇÃO

A Estratégia Saúde da Família (ESF) reorganiza a produção de cuidados com qualificação da prática assistencial e reorienta o modelo de atenção das equipes, considerando aspectos sociais e culturais que envolvem as ações em saúde(1). A partir da construção de vínculo, possibilita a compreensão das particularidades da rede de atenção e suporte junto às famílias da área de abrangência da ESF(2). Nesse contexto, os Conselhos Locais de Saúde (CLS) emergem enquanto dispositivos de participação, mobilizando os atores sociais para atuarem na formulação de propostas para a fiscalização da execução das políticas públicas na saúde. No leque de atuação dos conselheiros, encontra-se o acompanhamento das políticas que embasam as ações em saúde mental, considerando o Sistema Único de Saúde (SUS) e as diretrizes da Reforma Psiquiátrica.

O controle social começa com a crítica dos lugares onde usuários-atores produzem saúde, debatendo formas de tratamento, dinâmica de funcionamento das instituições e legitimação de políticas. A importância do controle social como dispositivo de avaliação das ações em saúde mental, enfatiza participação social e valorização dos princípios da Reforma Psiquiátrica em toda e qualquer ação em saúde. No campo da saúde mental, a avaliação também se faz presente nos âmbitos do controle social, já que os serviços da rede substitutiva tem necessidade de serem avaliados no que refere a qualidade do cuidado. Enquanto movimento político e social a Reforma Psiquiátrica se opôs à segregação e exclusão social do modelo manicomial, com a luta pela implementação da atenção psicossocial para que usuários e familiares fossem protagonistas no reconhecimento de seus direitos, recursos e rede de apoio social no território(3).

Neste estudo, foram avaliadas as ações em saúde mental na ESF por integrantes do CLS, propiciando construção do conhecimento e articulação de atores nos espaços de cidadania, participação e controle social. A partir desses pressupostos, questiona-se: como atores sociais engajados a um conselho local avaliam ações em saúde mental na ESF quanto às necessidades e potencialidades? A partir das ações em saúde mental na ESF espera-se que as pessoas sejam respeitadas e que os serviços sejam espaços sociais que considerem a escuta, o acolhimento, o afeto e a liberdade no que se refere às vivências dos usuários em sofrimento psíquico(3).

METODOLOGIA

A pesquisa teve abordagem qualitativa, do tipo estudo de caso, a partir da Avaliação de Quarta Geração. Esse referencial teórico-metodológico incluiu avaliação construtivista e responsiva com base hermenêutico-dialética, possibilitando uma etapa de negociação das informações da coleta de dados com os participantes do estudo(4). A coleta de dados incluiu entrevistas semi estruturadas registradas em gravadores de voz e observações-participantes descritas em diários de campo, sendo que as transcrições das gravações de cada entrevista foram feitas concomitantemente à realização das mesmas, emergindo novas questões para serem introduzidas nas entrevistas subseqüentes constituindo o círculo hermenêutico-dialético da Avaliação de Quarta Geração. Foram entrevistados um número total de oito participantes, sendo cinco conselheiros(as) participantes das reuniões do CLS e três lideranças comunitárias ex-conselheiros(as) que estão articulados aos atores deste espaço de participação pertencente à Gerência Distrital Lomba do Pinheiro-Partenon do bairro Partenon de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Esse conselho está localizado na área da ESF Pitoresca, onde são construídas ações em saúde mental com a inclusão de pesquisadores e estudantes da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O conselho tem encontros mensais e conta com cinco usuários e um trabalhador que representa o segmento dos profissionais de saúde da ESF Pitoresca. Ainda foram incluídos no estudo dois participantes do segmento dos usuários a pedido do CLS pela importância dos mesmos na história da comunidade da Pitoresca.

Durante os anos 2009 e 2010, os participantes do estudo fortaleceram os espaços locais de cidadania e formação para o controle social junto a ESF realizando dois seminários: o primeiro, em 2009, sobre participação social, cidadania e controle social; e o segundo, em 2010, sobre meio ambiente e cidadania. Esses espaços de formação e as discussões sobre SUS e controle social nas reuniões mensais do CLS, foram convergentes com a característica formativa da metodologia. Com foco maior no processo do que nos resultados, a metodologia propicia que os atores envolvidos no estudo partilhem decisões, que possam exercer "controle sobre o processo de avaliação, se apropriem dos diferentes passos da avaliação e que tenham honradas suas participações por intermédio da interpretação hermenêutica e da compreensão dialética que busca trabalhar os conflitos e gerar os consensos possíveis"(5).

Para a análise de dados foi utilizado o Método Comparativo Constante, permitindo a análise concomitantemente à coleta dos dados. Esse método foi criado por sociólogos para o desenvolvimento de teorias e utilizado para o processamento de dados(6). O método apresenta duas etapas, a identificação das unidades de informação e a construção de núcleos temáticos, sendo que a primeira foi utilizada para definir a segunda. As unidades de informação foram encontradas no material empírico coletado, sendo desenvolvidas na discussão dos resultados. Cada unidade foi codificada a partir da fonte de onde foi retirada, sendo nesta pesquisa as entrevistas e os registros das observações participantes. As considerações éticas da pesquisa contemplam a Resolução nº 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde(7), com registro nº 408 e processo n.° 001.049374.09.5 no Comitê de Ética e Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, Carta de aprovação do Comitê de Pesquisa em Enfermagem da UFRGS e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinados por entrevistados e pesquisadora. Este artigo originou-se da dissertação "Controle Social na ESF: avaliação participativa das ações em saúde mental"(8).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As ações em saúde mental na cidade de Porto Alegre articulam-se na rede de atenção em saúde mental, priorizando a qualificação da atenção básica, a ampliação da rede de serviços especializados e a promoção e desenvolvimento da intersetorialidade. A política municipal de saúde mental busca qualificar, expandir e fortalecer os serviços extra-hospitalares, reestruturar e implantar Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e Serviços Residenciais Terapêuticos, além de ampliar as ações em saúde mental na atenção básica, implementar a política de atenção integral a usuários de álcool e outras drogas e regular os leitos psiquiátricos em hospitais gerais. O cenário atual constitui-se na reorganização das equipes de saúde mental e criação de CAPS infantil, CAPS II e CAPS ad com encaminhamento de processos de credenciamento de cinco CAPS nas regiões leste-nordeste, noroeste-navegantes-ilhas, cruzeiro, restinga e partenon-lomba do pinheiro com readequação conforme requisitos da vigilância sanitária. Ainda, conveniamento da Comunidade Terapêutica PACTO para internação de longa permanência de usuários de substâncias psicoativas, ampliação e regionalização do Programa Redução de Danos(9).

Entre as necessidades avaliadas pelo CLS relacionadas às ações em saúde mental na ESF estão atendimentos de saúde mental e o matriciamento, favorecendo a continuidade do cuidado. Isso, na lógica de trabalho da ESF e território, descentralizando as ações em saúde mental para os espaços geográficos e subjetivos das relações, interesses e conflitos.

[...] Eu acho que teria que ter uma coisa a mais, um profissional, porque lá é o atendimento da enfermeira, do médico, não é direcionado. Não tem um médico psiquiatra, um psicólogo, um profissional que te dê um apoio técnico [...] (E1).

O atendimento realizado na ESF Pitoresca é avaliado como importante, mas há necessidade de apoio técnico em saúde mental para suporte ao atendimento às crises, considerando apoio matricial como um arranjo na organização do trabalho e retaguarda para trabalhadores da atenção básica. A política municipal de saúde mental não prevê apoio matricial em seus eixos de direcionamento, constituindo equipes de saúde mental nas gerências distritais de saúde na lógica da referência e contrarreferência com interconsultas como dispositivos de intervenção na atenção básica. Essa prática é diferente do matriciamento, pois não constrói institucionalmente a corresponsabilização dos casos. As ações tornam-se pontuais e falta comunicação com as equipes da atenção básica, no sentido de compartilhar o cuidado em saúde mental na perspectiva da integralidade(10).

Do ponto de vista da legislação e das políticas de saúde mental, a atuação dos trabalhadores da ESF no campo da saúde mental, compreende a inclusão das ações em saúde mental na atenção básica. Essas ações constituem-se no modelo de redes de cuidado, na atuação de base comunitária transversal com outras políticas e no estabelecimento de vínculos e acolhimento. Essas ações devem estar embasadas nos princípios do SUS (Lei nº 8080/1990 e 8242/1990) e da Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10216/2001), como noção de território, atenção à saúde mental organizada em rede, intersetorialidade, reabilitação psicossocial, multiprofissionalidade/interdisciplinaridade, desinstitucionalização, promoção da cidadania e autonomia(11-13). As ações em saúde mental são assumidas no cotidiano, emergindo com sensibilidade, responsabilidade, acolhimento e escuta qualificada. Os trabalhadores sentem necessidade de maior preparo/qualificação para estabelecer a relação terapêutica com os usuários.

[...] pela terceira vez que ele vem no posto para consultar comigo e faz terapia comigo. Passo para os médicos também, mas escuto, consigo encaminhar, mas eu não tenho uma capacitação para isso. Não é que a gente seja incapaz, mas precisaria algo mais específico para estar atendendo melhor [...] (E3).

Os participantes do estudo avaliaram que o acolhimento é necessário, já que a prática possibilita que todas as pessoas envolvidas na crise psíquica sejam escutadas, contribuindo na reorientação das ações em saúde mental na ESF com sensibilidade, solidariedade, humanização e integração nos serviços.

[...] tem um caso de uma mulher, que precisaria de mais coisas que uma escuta. Então teria que ter mais profissionais, acolhendo melhor e formando grupos. Mas não grupo assim de saúde mental, um grupo de terapia ocupacional, para as pessoas trocarem idéias e vendo essa questão da saúde mental [...] (E3).

[...] Eles poderiam dar mais acolhida para as pessoas e seus problemas [...] Acho que meus problemas são psicológicos. Envolve a saúde mental, pois são muitos problemas, mas poucas soluções [...] (E6).

O fazer saúde mental pressupõe práticas interprofissionais com uma escuta qualificada para a identificação das necessidades e vulnerabilidades dos usuários, considerando o acolhimento como ação com "influência direta em pelo menos quatro princípios básicos que regem o SUS, quais sejam: universalidade, eqüidade, integralidade e participação popular através do controle social"(14). Os conselheiros posicionaram-se desfavoráveis ao encaminhamento dos usuários para internação em manicômios como única modalidade de tratamento, sem terem acompanhamento no território.

[...] antes de serem encaminhadas para um lugar como o Hospital Psiquiátrico São Pedro, as pessoas deveriam ter um atendimento em casa. Como esse posto é PSF é tratamento da família. É isso que está faltando de repente [...] (E7).

Os entrevistados também avaliaram, como necessidades, o benefício da Previdência Social, o Programa Bolsa Família, e a informação em saúde, sendo importantes na construção de práticas psicossociais e redes de apoio.

[...]Parece que conseguiram encaminhá-la, pois já que ela tem problema mental teve direito a um salário. Eu sei que depois ela começou a receber um benefício. Percebemos que ela engordou [...] tinha dinheiro para comprar comida e tudo mais (E2).

[...] Eu gostaria de reunir as pessoas carentes ali no posto, procurando dar um atendimento melhor [...] A ajuda que o governo dá, a bolsa família, é uma ajuda social não é? Eu gostaria muito de trabalhar em algo desse tipo (E7).

As condições sociais dos sujeitos em sofrimento psíquico pressupõem um acompanhamento e acolhimento permanente pela equipe. O benefício de prestação continuada afirma que a assistência social é prestada a quem necessita, independentemente de contribuição à seguridade social. Para a população mais vulnerável à fome, o Programa Bolsa Família (PBF), prevê o cumprimento de condicionalidades na saúde e na educação por parte dos que se beneficiam, possibilitando o acesso e inserção nos serviços sociais básicos. Os documentos oficiais deixam explícita a expectativa que a população menos favorecida economicamente interrompa a reprodução da pobreza em ciclos de tempo como se fosse uma espécie de porta de saída do Programa. Em 2003, o PBF foi instituído pelo governo federal com o objetivo de consolidar uma estratégia de transferência condicionada à renda, agregando o Bolsa Escola, Auxílio Gás, Bolsa Alimentação e Cartão Alimentação em uma gestão unificada de programas de transferência de renda anteriores(15).

Um dos desafios é articular controle social e ESF para acompanhamento das famílias beneficiadas com o Programa e para o Bolsa Família ser recurso ou apoio na rede funcionando como mola impulsionadora dos usuários para autonomia e busca de melhores condições de vida. Os Centros de Referência em Assistência Social estão entre os diversos recursos da rede que fortalecem a intersetorialidade, ofertando serviços de proteção social em áreas de vulnerabilidade e risco social e têm função de gestão territorial da assistência social básica, além de organizar e articular as unidades a ele referenciadas(16).

A informação e a comunicação em saúde promovem avanços significativos nas novas relações de poder propostas em espaços participativos e com práticas de saúde que dêem ênfase a um acolhimento orientador-sensível. Deve ser sensível para as necessidades dos usuários com disponibilidade dos trabalhadores para a escuta e orientador, incluindo informação e comunicação, que são duas áreas que "devem priorizar suas definições e suas ações com iniciativas que atendam aos usuários do SUS"(17). Os(as) entrevistados(as) avaliaram como necessidades o acesso ao serviço especializado e a continuidade do cuidado com apoio técnico em saúde mental, evidenciando as lacunas na rede. A ESF prevê compartilhamento das ações em redes psicossociais, articulando acompanhamento e responsabilidades. Dessa forma, a política municipal de saúde mental inclui ampliação e regionalização da atenção em saúde mental, principalmente para crianças, adolescentes e dependência química ao álcool e outras drogas. Com retaguarda e capacitação permanente dos trabalhadores da atenção básica para as ações em saúde mental a política aparece como um desafio(9).

[...] tem que ter um acompanhamento especializado [...] os médicos comunitários fazem a parte deles, mas deveria ter um suporte de especialista [...] Eu acho que seria ótimo se tivesse terapia no posto. Imagina que bom não precisar sair daqui e continuar o tratamento com as consultas [...] (E2).

A metodologia Avaliação de Quarta Geração prevê o momento de negociação dos dados. Reuniram-se as pesquisadoras e os(as) entrevistados(as) para discutirem sobre as informações e foram avaliadas diferentes configurações da saúde mental junto à ESF Pitoresca. A primeira configuração enfatiza a necessidade de mudança no processo de trabalho, pois os trabalhadores da ESF não têm condições de atender situações de crise e o tratamento restringe-se a prescrição e distribuição de medicamentos. O que está preconizado pelo município é que o acesso aos serviços seja pela rede básica, exceto no plantão. Também prevê qualificação dos trabalhadores da rede básica em saúde mental(9).

[...] Tem um que já tentou agredir o pessoal. Deu alta do Hospital Psiquiátrico São Pedro e foi pegar medicamento. Mas ali no posto não existe ninguém preparado para isso. Naquela equipe não tem condições [...] Se chamarem a equipe ali no posto e falarem que tem um quebrando a casa, eles não podem fazer nada [...] O posto não faz tratamento. Dá remédio e pronto [...] (E5).

A segunda ressalta a necessidade da atuação de outros núcleos profissionais como apoio para questões que a equipe mínima da ESF possa não estar preparada para resolver. Uma alternativa é o Núcleo de Atenção à Saúde da Família (NASF), criado pelo Ministério da Saúde, no ano 2008, para apoiar a inserção da ESF na rede de serviços e ampliar a abrangência e o escopo das ações. Também apóia a territorialização e regionalização com equipes de profissionais de diferentes áreas, para atuarem e compartilharem práticas com os profissionais da ESF no qual o NASF está cadastrado(18).

[...] se tivesse psicóloga na equipe, terapeuta ocupacional [...] Mas daí tem gente que diz: "lá no posto a gente também não tem, mas nós fizemos". Eu acho que dá para fazer, mas chega um momento que complica, pois podem ter questões para a gente resolver e talvez não tenhamos preparo para isso [...] (E3).

A terceira envolve questões como a necessidade do apoio matricial como suporte técnico para as ações em saúde mental e as mudanças relacionadas com a discussão dos casos com a implantação do apoio matricial na ESF Pitoresca.

[...] o que o posto dá é muito pouco. Eu acho que daí é mais uma coisa para eles fazerem e eles têm muito trabalho. Eles se desdobram muito [...] mas tinha que ter um suporte [...] desafogaria um pouco as redes maiores [...] (E2).

[...] teve uma equipe de matriciamento que ficou dois meses, mas trocou essa equipe agora e trocou também a modalidade de atendimento [...] Os casos não são mais discutidos em reunião de equipe, pois essa equipe de matriciamento ficou de discutir com o profissional [...] (E3).

A necessidade de mudança no processo de trabalho, de atuação de trabalhadores de outros núcleos profissionais além da equipe mínima da ESF e de apoio matricial foram as três configurações da saúde mental avaliadas como complementares às ações no território. Uma não se opõe a outra, já que todas dão dinamicidade na construção da atenção psicossocial. Dá-se ênfase ao apoio matricial como um suporte especializado de saberes e ações para trabalhadores. Considera-se apoiador matricial um especialista de núcleo de conhecimento diferente dos profissionais de referência que agrega saberes e contribui com intervenções para maior resolutividade dos problemas trazidos pela equipe responsável pelo caso(19). Entre as potencialidades das ações em saúde mental na ESF estão apoio matricial, controle social como dispositivo de desinstitucionalização e apropriação de saberes pelos usuários nos espaços participativos. A expressão apoio matricial é composta por dois termos, sendo matricial a possibilidade de sugerir que técnicos de referência e especialistas rompam com a lógica clássica de funcionamento dos sistemas de saúde, baseada na hierarquização. Apoio é um termo que sugere a maneira de operar relações horizontais, construindo linhas de transversalidade com uma metodologia que ordene a relação entre profissional de referência e especialista com base em procedimentos dialógicos e não em autoridade(19). Ainda entre as potencialidades, o controle social fortalece e pressiona a desinstitucionalização, estimulando a apropriação de saberes pelos usuários no contexto das ações em saúde mental na atenção básica, tornando-se um processo social complexo que tende a mobilizar atores na transformação das relações de poder entre pacientes e instituições.

[...] Pelo que eu entendi a equipe de matriciamento é pra filtrar algumas coisas, encaminhando somente aqueles que não podem ser atendidos aqui [...] apesar de que a maioria das coisas elas conseguem dar conta [...] (E3).

[...] Era a decadência do ser humano, um amontoado de pessoas doentes. Agora eles fizeram a Vila São Pedro e os que tinham condições, eles colocaram em umas casinhas para morar. Os que têm famílias com condições de cuidá-los, foram levados pra casa [..] (E6).

A avaliação das ações em saúde mental produz encontros, possibilitando a construção de ações em saúde mental com base na subjetividade, no vínculo, na escuta, na saída dos usuários de espaços de tratamento para a vida de cuidados com familiares em passeios, parques, festas e viagens.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a avaliação das necessidades e potencialidades das ações em saúde mental, vislumbrou-se o controle social como a construção da cidadania no campo da saúde mental, desde que decisões sejam descentralizadas em debates locais com usuários. Conselheiros e líderes comunitários defenderam as ações em saúde mental no território junto a ESF Pitoresca, avaliando que vão além da atenção em saúde e apontam como necessidades o benefício da Previdência Social, a informação em saúde e o Bolsa Família. Consideram a intersetorialidade fundamental na construção redes de apoio e cuidado, enquanto componente da política municipal de saúde mental de Porto Alegre. O apoio matricial foi considerado complementar às demais ações, fortalecendo a continuidade do cuidado, a qual foi avaliada como necessidade, juntamente com a qualificação dos trabalhadores da ESF em saúde mental e o acesso à rede especializada. Acolhimento, escuta e tecnologias leves foram avaliadas como ações a serem realizadas em espaços que ultrapassam os serviços de saúde. O acolhimento orientador-sensível foi salientado como prática "orientadora" fortalecida nos espaços do controle social com potencialidade política pela informação e comunicação em saúde que produz. Quem o desempenha se coloca no lugar do outro, dando acolhida para pessoas, necessidades, potencialidades, situações e problemas.

As ações em saúde mental foram avaliadas como expressão da solidariedade, humanização, compreensão das necessidades, além da atitude ética de mediar conflitos e fortalecer as responsabilidades compartilhadas. A avaliação foi feita por conselheiros que atuam na formulação de estratégias e controlam a execução da política de saúde, possibilitando que as ações em saúde mental sejam realizadas como descreve a Lei nº. 8142/90.

A articulação entre controle social e tecnologias relacionais fortalecedoras da atenção psicossocial como escuta, acolhimento e sensibilidade produzem confiança. Assim, a prática pode se aproximar mais das necessidades dos usuários que buscam o posto de saúde de referência e daqueles que por algum motivo não podem ou não conseguem acesso às ações em saúde mental. Do mesmo modo, a população deve se apropriar e defender a política SUS nos espaços de participação.

Recebido em: 27/01/2011

Aprovado em: 31/08/2011

1 Este artigo originou-se da dissertação de Mestrado apresentada em 2010 ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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  • Endereço da autora:
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    92350-030, Porto Alegre, RS
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Recebido
      27 Jan 2011
    • Aceito
      31 Ago 2011
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