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Fortalecimento de enfermeiras no cuidado pré-natal através da reflexão-ação

RESUMO

Objetivo

Descrever o processo de reflexão-ação para o desenvolvimento de competência de enfermeiras no cuidado pré-natal.

Método

Pesquisa-ação com 30 enfermeiras da atenção primária à saúde de um município da região sul do país, mediante oficinas realizadas entre junho e agosto de 2019, analisadas segundo Creswell.

Resultados

As enfermeiras identificam a consulta de enfermagem como um diferencial no cuidado pré-natal; apontam o desconhecimento dos processos de trabalho como óbice ao protagonismo no cuidado pré-natal; e destacam o registro das atividades e divulgação do papel da enfermeira junto a equipe e a população como aspectos que fortalecem e valorizam a profissão.

Conclusão

As oficinas possibilitaram a reflexão para identificação e superação dos óbices ao desenvolvimento de uma prática com competência, mediante o fortalecimento das enfermeiras quanto ao próprio processo de trabalho para discutirem e implementarem transformações a fim de aprimorar e valorizar o cuidado prestado.

Palavras-chave
Educação em enfermagem; Capacitação profissional; Empoderamento; Enfermagem de atenção primária; Cuidado pré-natal; Pesquisa qualitativa

ABSTRACT

Objective

To describe the reflection-action process for the development of nurses' competence in prenatal care.

Method

Action research with 30 nurses from primary health care in a municipality in the south of the country, through workshops held between June and August 2019, analyzed according to Creswell.

Results

Nurses identify nursing consultation as a differential in prenatal care; point out the ignorance of work processes as an obstacle to the protagonism in prenatal care; and they highlight the registration of activities and the dissemination of the nurse's role with the team and the population as aspects that strengthen and value the profession.

Conclusion

The workshops enabled reflection to identify and overcome obstacles to the development of a competent practice, by strengthening nurses regarding the work process itself to discuss and implement changes in order to improve and enhance the care provided.

Keywords
Education nursing; Professional training; Empowerment; Primary care nursing; Prenatal care; Qualitative research

RESUMEN

Objetivo

Describir el proceso de reflexión-acción para el desarrollo de competencia de enfermeras en la atención prenatal.

Método

Investigación-acción con 30 enfermeras de atención primaria de salud en un municipio del sur del país, a través de talleres entre junio y agosto de 2019, analizados según Creswell.

Resultados

Las enfermeras identifican la consulta de enfermería como un diferencial en la atención prenatal; señalan la ignorancia de los procesos de trabajo como obstáculo al protagonismo; y destacan el registro de actividades y la difusión del papel de la enfermera junto al equipo y la población como fortalecedores y valoradores a la profesión.

Conclusión

Los talleres permitieron reflexinar para identificar y superar los obstáculos al desarrollo de una práctica competente, al fortalecer las enfermeras con respecto a su proceso de trabajo para discutir e implementar cambios con el fin de mejorar y valorar la atención brindada.

Palabras clave
Educación en enfermería; Capacitación profesional; Empoderamiento; Enfermería de atención primaria; Atención prenatal; Investigación cualitativa

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas tem-se incrementado o número de ações voltadas a atenção pré-natal, com a justificativa de que o maior contato com profissionais da saúde durante a gestação contribui para redução das taxas de morbimortalidade materno-infantil11. World Health Organization (CH). Global strategic directions for strengthening nursing and midwifery 2016-2020. Geneva: WHO; 2016 [cited 2020 May 12]. Available from: Available from: https://www.who.int/hrh/nursing_midwifery/global-strategic-midwifery2016-2020.pdf
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Entretanto, as taxas de morte materna (TMM) evitáveis permanecem elevadas, principalmente em países em desenvolvimento como o Brasil, sendo repactuadas pelos países signatários, nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), novas metas para melhorar a saúde materna, com expectativa de redução da TMM mundial para menos de 70 casos a cada 100.000 nascidos vivos até o ano de 203011. World Health Organization (CH). Global strategic directions for strengthening nursing and midwifery 2016-2020. Geneva: WHO; 2016 [cited 2020 May 12]. Available from: Available from: https://www.who.int/hrh/nursing_midwifery/global-strategic-midwifery2016-2020.pdf
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Para lograr o alcance dos ODS, diante do maior enfoque no papel dos profissionais da saúde, com destaque à Enfermagem, que representa a maior força de trabalhadores na área da saúde em nosso país, há necessidade desse profissional estar preparado para desenvolver um cuidado com competência. Nessa perspectiva, o relatório Triple Impact apontou o desenvolvimento da Enfermagem como essencial para melhorar a saúde, promover a igualdade de gênero, uma vez que a maior parte da categoria é formada por mulheres, e fortalecer a economia22. Crisp N, Iro E. Nursing now campaign: raising the status of nurses. Lancet. 2018;391(10124):920-1. doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)30494-X
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O relatório da OMS sobre a situação da Enfermagem no mundo aponta a profissão como essencial para o avanço no cumprimento dos ODS, não apenas àqueles relacionados a condições específicas de saúde, mas com papel relevante nos âmbitos da educação, equidade de gênero e desenvolvimento econômico33. World Health Organization (CH). State of the world's nursing 2020: investing in education, jobs and leadership. Geneva: WHO ; 2020 [cited May 12]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/331677/9789240003279-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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Com vistas ao fortalecimento das enfermeiras enquanto protagonistas na saúde, a fim de que possam desenvolver a prática com pleno potencial e contribuir para o acesso universal à saúde das populações, a Organização Mundial da Saúde e o Conselho Internacional de Enfermagem, pactuaram a campanha global Nursing Now, com duração prevista de três anos, de 2018 a 202022. Crisp N, Iro E. Nursing now campaign: raising the status of nurses. Lancet. 2018;391(10124):920-1. doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)30494-X
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-44. All-Party Parliamentary Group on Global Health (UK). Triple Impact: how developing nursing will improve health, promote gender equality and support economic growth. London: APPG; 2016 [cited 2020 Apr 30]. Available from: Available from: https://www.who.int/hrh/com-heeg/digital-APPG_triple-impact.pdf
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Na especificidade da atenção pré-natal, diante da variabilidade, de 4,5 a 66,1%, dos índices de inadequação do cuidado pré-natal no Brasil55. Nunes JT, Gomes KRO, Rodrigues MTP, Mascarenhas MDM. Quality of prenatal care in Brazil: review of published papers from 2005 to 2015. Cad Saude Colet. 2016 Jun 20;24(2):252-61. doi: https://doi.org/10.1590/1414-462X201600020171
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, faz-se necessário atentar à efetividade da atenção prestada. Visto que, a prestação de cuidado baseado em evidências, individualizado para responder as necessidades da gestante e com enfoque na continuidade do cuidado66. Kennedy HP, Cheyney M, Dahlen HG, Downe S, Foureur MJ, Homer KSE, et al. Asking different questions: a call to action for research to improve the quality of care for every woman, every child. Birth. 2018;45(3):222-31. doi: https://doi.org/10.1111/birt.12361
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são essenciais para uma experiência positiva durante a gestação77. Downe S, Finlayson K, Tunçalp Ö, Gülmezoglu AM. What matters to women: a systematic scoping review to identify the processes and outcomes of antenatal care provision that are important to healthy pregnant women. BJOG. 2016;123(4):529-39. doi: https://doi.org/10.1111/1471-0528.13819
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Para identificar as necessidades das gestantes e desenvolver um cuidado que incida sobre essas, é mister que os profissionais envolvidos nessa ação tenham competência77. Downe S, Finlayson K, Tunçalp Ö, Gülmezoglu AM. What matters to women: a systematic scoping review to identify the processes and outcomes of antenatal care provision that are important to healthy pregnant women. BJOG. 2016;123(4):529-39. doi: https://doi.org/10.1111/1471-0528.13819
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, que corresponde a maneira como o sujeito mobiliza e emprega racional e reflexivamente os recursos internos que dispõe enquanto saberes e habilidades, para resolver eficazmente um determinado problema ou situação88. Perrenoud P. Desenvolver competências ou ensinar saberes? a escola que prepara para a vida. Porto Alegre: Penso; 2013..

A partir do exposto, alinhado à movimentação global para elevação do perfil da Enfermagem, com vistas ao fortalecimento e valorização da profissão22. Crisp N, Iro E. Nursing now campaign: raising the status of nurses. Lancet. 2018;391(10124):920-1. doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)30494-X
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,44. All-Party Parliamentary Group on Global Health (UK). Triple Impact: how developing nursing will improve health, promote gender equality and support economic growth. London: APPG; 2016 [cited 2020 Apr 30]. Available from: Available from: https://www.who.int/hrh/com-heeg/digital-APPG_triple-impact.pdf
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, com subsídio no documento da International Confederation of Midwives (ICM) atualizado quanto as competências na atenção obstétrica99. International Confederation of Midwives (ICM). Essential Competencies for Midwifery Practice: 2018 update. Den Haag: ICM; 2019 [cited 2020 Apr 30]. Available from: Available from: https://www.internationalmidwives.org/assets/files/general-files/2019/02/icm-competencies_english_final_jan-2019-update_final-web_v1.0.pdf
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, suscitou-se a seguinte questão de pesquisa “como promover reflexão-ação para o desenvolvimento de competência no cuidado pré-natal?”. O presente estudo teve como objetivo descrever o processo de reflexão-ação para o desenvolvimento de competência de enfermeiras no cuidado pré-natal.

MÉTODO

Pesquisa de abordagem qualitativa com base no método da Pesquisa-Ação (P-A), cujo potencial para desnudar problemas complexos é caracterizado pela estreita composição entre objetivos de conhecimento - atinentes à pesquisa -, e práticos - relativos à uma ação -, mediante a participação e cooperação entre pesquisadores e participantes representativos da condição investigada, com vistas a elevar o conhecimento ou “nível de consciência” de todos os envolvidos, não limitando-se a mera ação1010. Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18. ed. São Paulo: Cortez; 2011..

Esse método desenvolve-se em 12 fases flexíveis e concomitantes, iniciando-se com o diagnóstico situacional do fenômeno investigado na fase exploratória, perpassando o tema da pesquisa; colocação dos problemas; lugar da teoria; hipóteses; seminário; campo de observação, amostragem e representatividade qualitativa; coleta de dados; aprendizagem; saber formal/saber informal; plano de ação, finalizando com a divulgação externa dos resultados, numa circularidade entre pesquisa e ação1010. Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18. ed. São Paulo: Cortez; 2011..

Para viabilizar a fase de seminários, que corresponde ao momento em que ocorre a centralização de todas as informações e possibilita suas interpretações pelos participantes juntamente com a mediação teórica do pesquisador que fundamenta e auxilia a reflexão dos envolvidos no processo1010. Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18. ed. São Paulo: Cortez; 2011., esses foram estruturados em formato de oficinas1111. Afonso MLM, organizadora. Oficinas em dinâmica de grupo na área da saúde. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2013. .

A sequência de desenvolvimento do estudo se deu conforme o protocolo Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Studies (COREQ)1212. Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. doi: https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042
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Fizeram parte da pesquisa enfermeiras de serviços da atenção primária de um município da região metropolitana de uma capital da região sul do Brasil, provisionado com 11 Unidades de Saúde da Família (USF) e uma Unidade de Saúde da Mulher e da Criança (USMC), todas coordenadas por enfermeiras e com pelo menos mais uma enfermeira assistencial no serviço.

Diante da concepção da P-A, em que todos os sujeitos envolvidos no processo são considerados participantes, utilizou-se da amostragem intencional1010. Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18. ed. São Paulo: Cortez; 2011. e julgou-se importante oportunizar a participação de todos os enfermeiros relacionados na prestação de cuidados durante o pré-natal. Com critério de inclusão delimitou-se no mínimo seis meses de trabalho no município, e foram excluídos profissionais em férias ou licença no período da coleta dos dados, totalizando 30 participantes, enfermeiras e enfermeiros das USF e USM, sendo dois que no momento das oficinas ocupavam cargo administrativo junto ao Departamento de Atenção Primária à Saúde.

As oficinas foram idealizadas inicialmente em três momentos, no primeiro encontro procedeu-se com sensibilização das participantes quanto ao cuidado realizado. E a partir disso, como na P-A a problemática a ser abordada é definida junto aos participantes para que faça sentido e viabilize as transformações almejadas1010. Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18. ed. São Paulo: Cortez; 2011., os temas geradores suscitados ao final de cada oficina embasaram as oficinas seguintes quanto a necessidade de discussões e aproximações teórico-práticas.

As oficinas foram realizadas nos meses de junho, julho e agosto de 2019, conduzidas pela pesquisadora principal, com apoio de graduandas do curso de Enfermagem da instituição proponente, que também colaboraram em outras fases da pesquisa. Cada oficina teve duração de três horas e 30 minutos e foi conduzida em dois turnos distintos, para oportunizar que as enfermeiras do serviço pudessem participar durante a jornada de trabalho sem que houvesse prejuízos ao serviço.

Cada encontro foi gravado em áudio e vídeo, para posterior transcrição, que resultou em 943 minutos de gravações. Contou-se ainda com Diários de Campo, que consistem em instrumentos de registro com anotações da realidade para auxiliar na análise e interpretação do objeto estudado1313. Tonin L, Lacerda MR, Favero L, Nascimento JD, Zagonel IPS. Diário de campo na pesquisa qualitativa de enfermagem: da teoria à prática. In: Lacerda MR, Ribeiro RP, Costenaro RGS, organizadoras. Metodologias da pesquisa para a enfermagem em saúde: da teoria à prática. Porto Alegre: Moriá, 2018. v. 2, p. 373-98., organizados após cada oficina pela pesquisadora principal em Notas quanto a descrição puramente da oficina; quanto as reflexões desencadeadas e concernente a aspectos metodológicos a serem aprimorados para uma maior profundidade e qualidade das informações. Além disso, eventuais anotações de aspectos relevantes foram realizadas por graduanda colaboradora.

Mediante parceria firmada previamente com a diretoria do Departamento de Atenção Primária à Saúde do município participante da pesquisa, as oficinas foram realizadas no auditório da Secretaria Municipal de Saúde em datas e horários acordados entre a gestão, enfermeiras das unidades de saúde e pesquisadora.

Ao final de cada oficina realizava-se uma avaliação do encontro, utilizando-se como estratégia três sulfites de diferentes cores para que as participantes descrevessem o que haviam trazido para a oficina, o que deixavam de contribuição e o que levavam. Como forma de agradecimento e para fomentar a continuidade da reflexão das enfermeiras sobre os temas discutidos eram distribuídos brindes relacionados com a temática abordada e com frases motivacionais.

Os materiais provenientes das oficinas foram analisados conforme os seis passos recomendados por Creswell. Primeiramente procedeu-se com organização e preparação dos dados para a análise, prosseguiu-se com a leitura com posterior detalhamento para codificação; em seguida os dados foram descritos, para a representação da análise; finalizando com a interpretação dos achados1414. Creswell JW. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2010..

Como os temas geradores de cada oficina eram os norteadores do encontro seguinte, uma análise prévia se deu concomitantemente a coleta dos dados. A codificação final resultou em três categorias temáticas, cujos excertos representativos das falas das participantes, para garantia do sigilo e anonimato, estão representados nos resultados por um código alfanumérico composto pela letra “E”, seguida pelo numeral correspondente à sequência coletada.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição de Ensino Superior proponente sob parecer no 2.616.148, com registro na Plataforma Brasil sob no CAAE 83070218.0.0000.0102, e autorizado pela Secretaria Municipal de Saúde do município participante. Os preceitos éticos da pesquisa com seres humanos foram seguidos e todos os participantes assinaram duas vias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

A média de idade das participantes foi 46,4 anos, com variação de 30 a 58 anos, com predominância do sexo feminino, casadas ou com companheiro fixo e com filhos. Quanto a formação, majoritariamente realizada em universidades privadas, variando de oito a 30 anos, com média de 17 anos de formadas. O tempo médio de atuação na atenção pré-natal foi de nove anos, com variação de seis meses a 27 anos.

A especialização em áreas relacionadas a atenção primária foi prevalente como a maior titulação, sendo quatro na área obstétrica, e uma participante com mestrado acadêmico. A atualização na atenção pré-natal ocorre preponderantemente em cursos e capacitações ofertados pelo próprio município.

Os temas que emergiram, a partir da codificação dos dados foram: A consulta de enfermagem como um diferencial no cuidado pré-natal; Óbices ao protagonismo no cuidado pré-natal e Aspectos que fortalecem e valorizam a enfermeira no cuidado pré-natal.

A consulta de enfermagem como um diferencial no cuidado pré-natal

As enfermeiras identificam como diferenciais da consulta de enfermagem no pré-natal a criação e fortalecimento do vínculo com a gestante e família; realização de orientações/educação em saúde; proporcionar a escuta às necessidades da gestante e sanar dúvidas, de forma a tranquilizá-la e transmitir segurança. Destacam a importância da parte clínica realizada, mas apontam que o cuidado de Enfermagem amplia para outros aspectos.

Atender a gestante pensando num todo (saúde, moradia, alimentação, trabalho, etc...). Fazer as consultas periódicas abrangendo toda a anamnese, exame físico, prescrevendo vitaminas, solicitando exames, orientando todos os sinais e sintomas. [...] as necessidades não são só físicas, depende. Gestante que tem necessidade de uma segurança, de saber o que está acontecendo com ela, o que é aquilo que ela está sentindo. [...] Se outro profissional só fala "ah, faz parte, isso é normal", ela não vai entender.(E07)

É oferecer um olhar diferenciado ao paciente, voltado para compreensão dos seus anseios e transmitindo conhecimento e segurança. (E10)

É acolhimento, é saber avaliar para tomada de decisão correta. Cuidado de Enfermagem é estar disponível para o outro, pode ser através de um procedimento ou de uma palavra, ou ambos. (E12)

Os dados evidenciam a compreensão das enfermeiras quanto a competência no cuidado pré-natal para realização de uma consulta que identifique e responda as necessidades da gestante, buscando atendê-la em sua individualidade e integralidade. Entretanto, conforme exposto no tema seguinte, destacam-se dificuldades à efetivação desse cuidado descrito.

Óbices ao protagonismo no cuidado pré-natal

As participantes tiveram dificuldade em delimitar o que é exclusivo da profissão, esse desconhecimento, associado a alta demanda dos serviços incorre em “desvirtuação” do cuidado próprio da Enfermagem, revelando uma insegurança quanto ao seu efetivo papel na equipe. Essa situação, combinada a centralidade da enfermeira na figura de coordenação da equipe, acarreta por vezes em acúmulo de atividades:

Isso é difícil até pra gente [saber qual é o trabalho próprio da enfermeira] (E01)

A gente faz o que é dos outros e não faz o que é nosso (E22)

A gente precisa deixar de trazer essa responsabilidade muito pra nós. Porque a gente fica fazendo o papel de recepção, [...] de triagem, de tudo. (E23)

As enfermeiras apontaram principalmente a necessidade de maior número de profissionais no serviço como motivo pela alta demanda, potencializada pela falta de senso de equipe entre os trabalhadores, incorrendo em ansiedade e culpabilização por se delongarem em uma consulta, além da falta de foco e atenção durante o cuidado, repercutindo em uma consulta de menor qualidade.

[...] Quando é para o meu interesse eu vou atrás e vou fazer. Agora quando não me beneficia, quando eu não tenho um benefício concreto [...] não tem aquele senso de equipe enquanto não tem o benefício próprio [...] (E14)

[...] a gente quer sentar e fazer uma consulta de enfermagem, mas a acaba sendo prejudicado e as vezes acaba entregando um resultado para a paciente que não é de qualidade [...] eu me sentia culpada de ficar uma hora na sala, que a impressão que eu estava passando para os outros é que eu não estou fazendo nada. (E24)

A dificuldade que eu vejo [...] é ser plena para aquele paciente, porque você é interrompida, porque você tem que ver as coisas da Unidade e ver o paciente, daí você perde o fio da meada, e tem que perguntar de novo pro paciente, fica até chato, “onde a gente estava”? (E26)

Essa perspectiva distorce o real papel de cuidado a ser desenvolvido na consulta de enfermagem, implicando em um exaustivo trabalho que por vezes fica invisível aos olhos da gestão, da equipe, dos usuários do serviço e muitas vezes, do próprio profissional que o executa, que não toma consciência de seu papel e da prática realizada devido as demandas da rotina diária.

A falta de clareza quanto a organização do processo de trabalho e reconhecimento do que é próprio da profissão gera insegurança e enfraquece a categoria diante de outras classes profissionais da área da saúde. Há necessidade de organização dos processos de trabalho e das atividades do serviço:

Por mais que você se posicione, ainda é muito cultural no Brasil essa coisa da Enfermagem [...] determinado profissional já sai com uma coisa assim “eu serei respeitado porque eu tenho essa profissão”, isso já está garantido (E12)

A todo momento o profissional enfermeiro tem que estar mostrando qual que é a sua função, porque que ele veio [...] tivemos que sentar com as médicas especialistas porque elas estavam questionando porque o enfermeiro estava fazendo consulta [subsequente de pré-natal]. (E13)

Outro aspecto que dificulta o reconhecimento da consulta realizada pela enfermeira é o reforço ao modelo médico centrado e não valorização do trabalho realizado como profissional:

Uma coisa que a gente tem assim, de atender no corredor, das pessoas pegarem a gente e querer resolver, isso é terrível! Porque desprofissionaliza o que nós fazemos. (E23)

Às vezes é o discurso que têm, a gente usa as palavras, a equipe diz “ah então eu vou passar você para conversar com o enfermeiro, tá?”. Aí ele tá no sistema e tal, mas ele entende que tá “falando” com a enfermeira. (E12)

Os excertos quanto aos óbices para o desenvolvimento do cuidado com competência evidenciam a tomada de consciência quanto ao processo de trabalho, possibilitando conjecturar ações para superar as dificuldades e promover o fortalecimento das profissionais.

Aspectos que fortalecem e valorizam a enfermeira no cuidado pré-natal

A partir das reflexões e provocações realizadas durante as oficinas as enfermeiras implementaram estratégias para aprimorar o cuidado prestado à gestante durante as consultas de pré-natal, como a realização e registro do exame físico e incorporação de roteiro para nortear a anotação no prontuário eletrônico da gestante, expressando o registro como uma forma de ter maior visibilidade.

[o que não fazia e comecei a fazer de diferente] foi a caderneta, a parte do exame físico, que eu não fazia, só preenchia peso, estatura e tal, só o básico, pressão, ficava nisso. Deixava de fazer, perguntar, de olhar, de verificar...(E02)

Eu tinha um roteirinho aí eu acrescentei algumas perguntas [...] para o próximo profissional que for olhar o prontuário já ter acesso àquilo. (E08)

Eu fiz um modelinho do SOAP [...] e passei para algumas colegas, com todos os dados trabalhados até hoje. Facilita porque fica padrão. E já apliquei, ficou bom! (E11)

A gente só vai ter visibilidade se registrar (E15)

Outro aspecto referido pelas participantes foi a reflexão quanto a própria prática profissional e a delegação de procedimentos que não são exclusivos da enfermeira, para possibilitar maior enfoque na consulta de enfermagem.

Essa autocrítica que a gente tem que fazer, a gente não tá acostumado a fazer! A gente faz mecanicamente o trabalho, não tem aquela reflexão, o que eu fiz tá certo e pronto [...] será que estava 100% certo? Será que era a técnica correta? Será que eu dei atenção ao paciente devidamente como ele necessitava? (E14)

[...] a gente precisa delegar, muitas coisas são feitas na consulta de vinculação, pra que a gente possa realmente fazer uma consulta de enfermagem. Eu tirei os testes rápidos da consulta de gestante. [...] (E23)

Estar com aquele paciente, dar o máximo de atenção àquele paciente e atender uma coisa de cada vez. (E15)

Durante as discussões as enfermeiras foram elencando estratégias que poderiam ser implementadas, tanto em relação a organização com a equipe para otimização e valorização do trabalho, bem como ações com apoio da gestão. A possibilidade de elaboração de material de vídeo para reprodução nas salas de espera, conscientizando tanto a população sobre o papel da enfermeira bem como os demais membros da equipe de saúde. Ampla divulgação pela gestão de capacitações e conquistas legais que proporcionam maior respaldo ao trabalho da enfermeira.

Você tinha que focar em organizar o processo de trabalho, sabe? Porque se não você fica fazendo as coisas tudo na hora que está acontecendo, não fica planejado. Não pode misturar as coisas, cada um tem o seu papel! [...] tem que se garantir os espaços dos profissionais dentro das suas atribuições! (E12)

A televisão, a gente vai conseguir colocar algumas orientações no painel. Colocar lá, consulta de enfermagem, o que é consulta de enfermagem. (E23)

Essa visibilidade, esse empoderamento foi dado, agora acho que tem que ser divulgado. [...] deixar muito claro o que a gente pode e não pode (E12)

As enfermeiras reforçam a necessidade de divulgação de suas atribuições pois culturalmente no país não há um entendimento do papel do enfermeiro, estando a atenção a saúde centrada na figura do médico.

Na dinâmica de avaliação final realizada a cada encontro as palavras mais descritas quanto ao que haviam trazido foram “expectativas, dúvidas, ansiedade, curiosidade”; o que haviam deixado “experiências, dúvidas, anseios e inseguranças” e levavam “conhecimento, reflexões, motivação, vontade”.

Alinhados a essas considerações quanto a participação das oficinas, observou-se que as enfermeiras valorizam capacitações como estratégia de educação permanente, destacando que é preciso maior relação teoria e prática, bem como a inclusão de discussões como importantes abordagens para o desenvolvimento de competência. Evidenciam a necessidade de reflexão para que seja identificado a temática a partir da demanda dos profissionais, não de maneira verticalizada.

Hoje em dia tem sempre bastante coisa em relação a educação em saúde, mas parte-se sempre do pressuposto que "tal e tal" você já sabe, então só vamos daqui para frente, mas às vezes tem que resgatar o “bê a ba” mesmo. De proporcionar atividades práticas (E12)

[...] Quando falaram de ter a oficina eu pensei “ah então vem alguém lá do mundo acadêmico dizendo aqui pra nós que estamos tomando o chumbo grosso”, mas foi bem diferente, em momento algum você chegou impondo, foi muito legal, foi muito bom de refletir mesmo (E08)

Há um impasse entre a realização de capacitações e a criação de condições para efetiva implementação de mudanças na prática profissional, e a realização das oficinas possibilitou o compartilhamento dos impasses vividos e estimular a troca de saberes entre os profissionais.

DISCUSSÃO

A Enfermagem enquanto prática social, incorpora uma filosofia e educação holísticas, centradas na pessoa, dando continuidade ao cuidado, estando lá quando outros profissionais não estão55. Nunes JT, Gomes KRO, Rodrigues MTP, Mascarenhas MDM. Quality of prenatal care in Brazil: review of published papers from 2005 to 2015. Cad Saude Colet. 2016 Jun 20;24(2):252-61. doi: https://doi.org/10.1590/1414-462X201600020171
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. O modelo de atenção primária liderado por enfermeiras tem se mostrado efetivo, repercutindo resultados semelhantes ou até melhores à saúde e maior satisfação dos usuários do que outros modelos de prestação de cuidados33. World Health Organization (CH). State of the world's nursing 2020: investing in education, jobs and leadership. Geneva: WHO ; 2020 [cited May 12]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/331677/9789240003279-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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Esse modelo tem se apresentado satisfatório para prestação de cuidado pré-natal de boa qualidade quando as profissionais recebem treinamentos, monitoramento e avaliação da prática realizada, associado a um serviço também de qualidade1515. Pricilla RA, David KV, Siva R, Vimala TJ, Rahman SP, Angeline N. Quality of antenatal care provided by nurse midwives in an urban health centre with regard to low-risk antenatal mothers. Indian J Community Med. 2017;42(1):37-42. doi: https://doi.org/10.4103/0970-0218.199796
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. Para isso, é preciso profissionais habilitados e com competência que atuem fundamentados em três domínios: práticas clínicas; informações relevantes e oportunas; e apoio psicossocial e emocional77. Downe S, Finlayson K, Tunçalp Ö, Gülmezoglu AM. What matters to women: a systematic scoping review to identify the processes and outcomes of antenatal care provision that are important to healthy pregnant women. BJOG. 2016;123(4):529-39. doi: https://doi.org/10.1111/1471-0528.13819
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Enfermeiras correspondem a uma das profissionais apontadas como fundamentais para a prestação de serviços essenciais de saúde e desenvolvem um trabalho importante para o fortalecimento do sistema de saúde11. World Health Organization (CH). Global strategic directions for strengthening nursing and midwifery 2016-2020. Geneva: WHO; 2016 [cited 2020 May 12]. Available from: Available from: https://www.who.int/hrh/nursing_midwifery/global-strategic-midwifery2016-2020.pdf
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. Apresentam relevante papel na transformação do modelo medicalizado e no resgate ao cuidado, atuando principalmente na consulta de enfermagem, com orientações de saúde ao indivíduo e famílias1616. Azevedo AR, Duque KSD. [The caring versus the medicalization of health in the view of nurses from Primary Health Care]. Rev APS. 2016 [cited 2020 Apr 24];19(3):403-11. Portuguese. Available from: Available from: https://periodicos.ufjf.br/index.php/aps/article/view/15638
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Apesar das participantes do presente estudo expressarem ter essa percepção da própria prática, identificam obstáculos relativos a melhoria das condições de trabalho dos profissionais de Enfermagem para que possam desenvolver a o cuidado com competência, e a necessidade de fortalecimento da educação para elevar o nível de apropriação do próprio processo de trabalho junto a equipe e população assistida.

A cultura da medicalização fortemente sedimentada tanto na população como entre alguns profissionais da equipe de saúde, a burocracia e determinações verticalizadas da gestão coadunam a reprodução desse modelo na medida em que desfavorecem o acolhimento, escuta qualificada e atendimento humanizado no cotidiano da prática em saúde1616. Azevedo AR, Duque KSD. [The caring versus the medicalization of health in the view of nurses from Primary Health Care]. Rev APS. 2016 [cited 2020 Apr 24];19(3):403-11. Portuguese. Available from: Available from: https://periodicos.ufjf.br/index.php/aps/article/view/15638
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, aspectos apontados como potencialidades ao cuidado pré-natal com competência. Em contrapartida, a falta de conhecimento e habilidade das profissionais, alta rotatividade nos serviços dificultando a formação de vínculo com a população e entrosamento com a equipe, avaliação da produção baseada em metas quantitativas e excesso de trabalho burocrático englobam dificuldades para prestação de um cuidado pré-natal com competência1717. Benedet DCF, Wall ML, Lacerda MR, Thuler ACMC, Szpin CC, Piler AA. Nursing competence in prenatal care: potentialities, barriers and possibilities. Rev Enferm Cent-Oeste Min. 2019;9:e3470. doi: https://doi.org/10.19175/recom.v9i0.3544
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Da mesma forma como expressado pelas enfermeiras do presente estudo quanto a finalidade do pré-natal e dos aspectos que caracterizam o diferencial da consulta de enfermagem, gestantes apresentam percepções positivas do cuidado recebido durante o pré-natal quanto esse contempla o acolhimento humanizado, com atenção e consideração a sua subjetividade, e o fornecimento de informações que proporcionem tranquilidade1818. Livramento DVP, Backes MTS, Damiani PR, Castillo LDR, Backes DS, Simão MAS. Perceptions of pregnant women about prenatal care in primary health care. Rev Gaucha Enferm. 2019;40:e20180211. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2019.20180211
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A competência pode ser compreendida como produto de um processo de aprendizagem, mas também como alicerce da ação humana99. International Confederation of Midwives (ICM). Essential Competencies for Midwifery Practice: 2018 update. Den Haag: ICM; 2019 [cited 2020 Apr 30]. Available from: Available from: https://www.internationalmidwives.org/assets/files/general-files/2019/02/icm-competencies_english_final_jan-2019-update_final-web_v1.0.pdf
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. Na especificidade da atenção obstétrica, as competências gerais que se aplicam aos diversos aspectos da prática, abrangendo as responsabilidades enquanto profissional da saúde, sua relação com a mulher e a equipe, precisam ser tomadas como base para o fortalecimento do cuidado prestado, especialmente no que tange a competência para ações que favoreçam a autonomia da mulher e do próprio profissional, a ética e o fomento ao autodesenvolvimento na profissão1010. Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18. ed. São Paulo: Cortez; 2011..

Dessa forma, é essencial que o sujeito desenvolva a capacidade de aprender a aprender para absorver o máximo de cada situação vivenciada, uma vez que, é preciso tempo para adquirir os saberes e para treinar o seu uso99. International Confederation of Midwives (ICM). Essential Competencies for Midwifery Practice: 2018 update. Den Haag: ICM; 2019 [cited 2020 Apr 30]. Available from: Available from: https://www.internationalmidwives.org/assets/files/general-files/2019/02/icm-competencies_english_final_jan-2019-update_final-web_v1.0.pdf
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. Alinhado a isso, há uma necessidade contínua de educação de qualidade e profissionais competentes11. World Health Organization (CH). Global strategic directions for strengthening nursing and midwifery 2016-2020. Geneva: WHO; 2016 [cited 2020 May 12]. Available from: Available from: https://www.who.int/hrh/nursing_midwifery/global-strategic-midwifery2016-2020.pdf
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, uma vez que, o desenvolvimento de competência é influenciado por uma tríade de fatores, em que convergem o interesse do profissional por aprender; um ambiente de trabalho que incentive a aprendizagem; e um sistema de formação disponível99. International Confederation of Midwives (ICM). Essential Competencies for Midwifery Practice: 2018 update. Den Haag: ICM; 2019 [cited 2020 Apr 30]. Available from: Available from: https://www.internationalmidwives.org/assets/files/general-files/2019/02/icm-competencies_english_final_jan-2019-update_final-web_v1.0.pdf
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Nesse sentido, ações como educação permanente, acolhimento ao feedback da população quanto ao serviço prestado e maior articulação serviço, ensino e associações de classe correspondem a potencialidades para o desenvolvimento de competência no cuidado pré-natal1717. Benedet DCF, Wall ML, Lacerda MR, Thuler ACMC, Szpin CC, Piler AA. Nursing competence in prenatal care: potentialities, barriers and possibilities. Rev Enferm Cent-Oeste Min. 2019;9:e3470. doi: https://doi.org/10.19175/recom.v9i0.3544
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Há necessidade de estratégias de educação permanente em saúde que promovam a manutenção da qualidade e atualização da prática profissional para um cuidado com competência. Da mesma forma, faz-se necessário que a gestão incorpore ações educativas em seu planejamento e busque formar parcerias para o desenvolvimento de projetos de educação permanente que superem o enfoque compartimentado, descontinuado e com base tecnicista, e que estejam atreladas às necessidades dos profissionais de saúde e usuários, para alcançar a produção transformações de revitalização dos processo de trabalho tanto da assistência como da gestão1919. Silva LAA, Soder RM, Petry L, Oliveira IC. Permanent education in primary health care: perception of local health managers. Rev Gaucha Enferm. 2017 Mar;38(1):e58779. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.01.58779
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Para a implementação de mudanças efetivas é necessário apoio e diálogo entre os governos e as instituições reguladoras da profissão, de maneira a facilitar a tomada de decisões de investimento em Enfermagem, a fim de fortalecer a atenção primária à saúde, alcançar a cobertura universal de saúde e avançar em direção aos ODS11. World Health Organization (CH). Global strategic directions for strengthening nursing and midwifery 2016-2020. Geneva: WHO; 2016 [cited 2020 May 12]. Available from: Available from: https://www.who.int/hrh/nursing_midwifery/global-strategic-midwifery2016-2020.pdf
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,33. World Health Organization (CH). State of the world's nursing 2020: investing in education, jobs and leadership. Geneva: WHO ; 2020 [cited May 12]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/331677/9789240003279-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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Como estratégia para fortalecer a Enfermagem com o desenvolvimento de competência e trazer a enfermeira como protagonista da saúde, destaca-se que haja o envolvimento local, no sentido de trabalhar para fortalecer a articulação entre as instituições de ensino e os serviços de saúde, investir na força de trabalho e na valorização do profissional, melhorar a formação e, principalmente, trabalhando coletiva e participativamente dentro das organizações e entre essas, para lograr os avanços almejados para a profissão(5,17).

As enfermeiras devem ser capazes de trabalhar com todo o seu potencial, mas sozinhos não podem atingir esse objetivo. A gestão e lideranças políticas da saúde devem estar envolvidos para fortalecê-las enquanto protagonistas e contribuir para transformação das percepções limitantes existentes da profissão55. Nunes JT, Gomes KRO, Rodrigues MTP, Mascarenhas MDM. Quality of prenatal care in Brazil: review of published papers from 2005 to 2015. Cad Saude Colet. 2016 Jun 20;24(2):252-61. doi: https://doi.org/10.1590/1414-462X201600020171
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Para alcançar a valorização e visibilidade profissional, faz-se necessário que a enfermeira se aproprie efetivamente de suas competências para o cuidar, mas também tenha capacidade de articulação politica, para posicionar-se diante de situações da prática quanto demandas de saúde da sociedade2020. Lacerda MR. Valuation and visibility of nursing [editorial]. Cogitare Enferm. 2018;23(2). doi: https://doi.org/10.5380/ce.v23i2.60363
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. E como apontado pelas enfermeiras do presente estudo, é mister a divulgação das ações realizadas em todos os canais que possibilitem situar o cuidado de Enfermagem como pratica social2020. Lacerda MR. Valuation and visibility of nursing [editorial]. Cogitare Enferm. 2018;23(2). doi: https://doi.org/10.5380/ce.v23i2.60363
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Como limitação do presente estudo, aponta-se a realidade circunscrita a um município, dificultando generalizações. Entretanto, destaca-se a possibilidade dos achados em subsidiar reflexões de gestores, com vistas a implementação de estratégias de educação permanente em saúde que promovam a autorreflexão profissional quanto a prática de cuidado, a fim de definir ações que partam da realidade dos serviços de saúde, para que as transformações almejadas façam sentido ao trabalhador e possam assim, refletir em um melhor cuidado ao usuário.

Neste sentido, contribui para a valorização e fortalecimento da Enfermagem, estreitando a articulação ensino-serviço para lograr o protagonismo da profissão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As provocações e reflexões durante as oficinas motivaram as enfermeiras a identificar possibilidades para o fortalecimento profissional, resgatar a potencialidade da própria prática profissional e vislumbrar e implementar alternativas de reorganizar o próprio processo de trabalho mediante soluções alcançáveis, além de reavaliar seus comportamentos.

Compreende-se competência das enfermeiras na atenção pré-natal como a capacidade de acompanhar as consultas com conhecimento profundo sobre gestação, parto e puerpério e o cuidado centrado nas necessidades da mulher.

Com isso, enfermeiras que desenvolvem o cuidado pré-natal com competência contribuem para a valorização e fortalecimento da Enfermagem como profissão, colaborando para a transformação do modelo de atenção à saúde com reflexos na redução das taxas de morbimortalidade materna e infantil e na efetiva participação da mulher durante o processo gestacional.

Destaca-se o papel da gestão dos serviços e órgãos de classe para promover ações que favoreçam a superação dos óbices que dificultam a valorização da Enfermeira como protagonista nos cuidados à saúde, e o incentivo à educação, pesquisa e treinamento voltado à Enfermagem, alinhados aos preceitos da campanha Nursing Now, de modo a promover a conscientização pública e governamental sobre a importância da profissão.

Agradecimentos

À Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná, pela aprovação no Edital 04/2019 - Apoio a atividades de pesquisa; à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pela bolsa Demanda Social.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    03 Jun 2020
  • Aceito
    17 Nov 2020
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