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O percurso da suspeição ao diagnóstico de pessoas com Covid-19

RESUMO

Objetivo:

Conhecer o itinerário terapêutico de pessoas diagnosticadas com a Covid-19 da suspeição ao diagnóstico.

Método:

Pesquisa qualitativa. Participaram 65 pessoas diagnosticadas com Covid-19 residentes no Rio de Janeiro. Dados coletados por meio de formulário semiestruturado enviado via mídias sociais e processados no software Interface de R pour Analyses Multidimensionnelles de Textes Et de Questionnaires pela Classificação Hierárquica Descendente e Análise Fatorial de Correspondência.

Resultados:

Foram obtidas três classes de segmentos de texto que revelaram o itinerário terapêutico, com destaque para a busca de atendimento; escassez de testes; necessidade de retornos às unidades para o diagnóstico e acompanhamento; e, caminhos para realização do teste confirmatórios.

Conclusão:

O itinerário terapêutico dos pacientes com a Covid-19 demonstrou fragilidades perante dificuldades relacionadas ao acesso aos testes diagnósticos e à organização do sistema para atendimento da demanda da população frente à pandemia.

Palavras-chave:
Infecções por coronavírus; Pandemias; Acesso aos serviços de saúde; Pacientes

ABSTRACT

Objective:

To know the therapeutic itinerary of people diagnosed with Covid-19 from suspicion to the diagnosis.

Method:

Qualitative research. 65 people diagnosed with Covid-19 residing in Rio de Janeiro participated. Data collected using a semi-structured form sent via social media and processed in the software Interface de R pour Analyses Multidimensionnelles de Textes Et de Questionnaires by Descending Hierarchical Classification and Correspondence Factor Analysis.

Results:

Three classes of text segments were obtained that revealed the therapeutic itinerary, with emphasis on the search for care; shortage of tests; need to return to the units for diagnosis and follow-up; and the path to confirmatory test.

Conclusion:

The therapeutic itinerary of patients with Covid-19 showed weaknesses in the face of difficulties related to access to diagnostic tests and the organization of the system to meet the population’s demand in the face of the pandemic.

Keywords:
Coronavirus infections; Pandemics; Health services accessibility; Patients

RESUMEN

Objetivo:

Conocer el itinerario terapéutico de las personas diagnosticadas con Covid-19 desde la sospecha hasta el diagnóstico.

Método:

Investigación cualitativa. Participaron 65 personas diagnosticadas con Covid-19 que residen en Río de Janeiro. Datos recopilados mediante un formulario semiestructurado enviado a través de las redes sociales y procesados en el software Interface de R pour Analyses Multidimensionnelles de Textes Et de Questionnaires mediante clasificación jerárquico descendente y análisis de factores de correspondencia.

Resultados:

Se obtuvieron tres clases de segmentos de texto que revelaron el itinerario terapéutico, con énfasis en la búsqueda de atención; escasez de pruebas; necesidad de regresar a las unidades para diagnóstico y monitoreo; y, rutas de prueba confirmatorias.

Conclusión:

El itinerario terapéutico de los pacientes con Covid-19 mostró debilidades frente a las dificultades relacionadas con el acceso a las pruebas de diagnóstico y la organización del sistema para satisfacer la demanda de la población frente a la pandemia.

Palabras clave:
Infecciones por coronavirus; Pandemias; Accesibilidad a los servicios de salud; Pacientes

INTRODUÇÃO

Em de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) em razão da disseminação do severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2), o novo coronavírus, causador da Coronavirus Disease 2019 (Covid-19). Naquele momento, 7.7 mil eram os casos confirmados com 170 óbitos na China, local inicial de disseminação do vírus, e 98 casos eram de outros 18 países1World Health Organization (CH) [Internet]. Geneva: WHO; c2020 [cited 2020 Jul 07]. Coronavirus disease (COVID-19); [about 1 screen]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019
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Desde então, a disseminação mundial do novo coronavírus é crescente, com registro de 14.765.256 casos e 612.054 mortes até 22 de julho de 2020 no planeta. No Brasil, o primeiro caso foi notificado em 26 de fevereiro de 2020 e, atualmente, já foram registrados 2.118.646 casos confirmados e 80.210 mortes até 22 de julho deste ano2World Health Organization (CH). Geneva: WHO; c2020 [cited 2020 Jul 07]. Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard; [about 1 screen]. Available from: https://covid19.who.int/
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No Rio de Janeiro, o primeiro caso notificado foi em 05 de março de 2020 e após a detecção da circulação e contaminação comunitária do vírus no estado, houve o decreto do governo estadual que determinou medidas de isolamento3Governo do Estado do Rio de Janeiro (BR). Decreto nº 46.973 de 16 de março de 2020. Reconhece a situação de emergência na saúde pública do estado do Rio de Janeiro em razão do contágio e adota medidas enfrentamento da propagação decorrente do novo coronavírus (COVID-19), e dá outras providências. Rio de Janeiro; 2020 [cited 2020 Jul 07]. Available from: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=391123
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) na tentativa de desacelerar a transmissão do vírus. Apesar das medidas, em 22 de julho de 2020, havia 145.121 casos notificados, com 12.293 óbitos registrados, sendo um dos epicentros da doença no cenário nacional4Conselho Nacional de Secretários de Saúde (BR) [Internet]. Brasília, DF: CONASS; c2020 [citado 2020 jul 07]. Painel CONASS COVID-19; [about 1 screen]. Available from: http://www.conass.org.br/painelconasscovid19/
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O quadro clínico inicial da doença é caracterizado como Síndrome Gripal (SG), cujo diagnóstico sindrômico depende da investigação clínico-epidemiológica e do exame físico. Os principais sinais e sintomas são amplos e podem variar como os de um simples resfriado até os de pneumonia severa. As pessoas podem apresentar febre, tosse e dificuldade para respirar. Dentre as complicações mais comuns destacam-se: síndrome respiratória aguda grave (SRAG), lesão cardíaca aguda e infecção secundária. A letalidade entre os pacientes hospitalizados varia entre 11% e 15%5Chen N, Zhou M, Dong X, Qu J, Gang F, Han Y, et al. Epidemiological and clinical characteristics of 99 cases of 2019 novel coronavirus pneumonia in Wuhan, China: a descriptive study. The Lancet. 2020;395(10223):507-13. doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30211-7
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Diante da impossibilidade de confirmação se a SG é causada pelo SARS-CoV-2 ou por outro vírus, recomenda-se conduta uniforme para todos os casos de SG no contexto da Atenção Primária de Saúde (APS) e da Estratégia Saúde da Família (ESF). Nesse contexto, o manejo diagnóstico e terapêutico de pessoas com SG deve seguir as seguintes etapas: 1. Identificação de caso suspeito de SG e de Covid-19; 2. Medidas para evitar contágio nos diversos cenários da atenção à saúde; 3. Estratificação da gravidade da SG; 4. Casos leves: manejo terapêutico e isolamento domiciliar; 5. Casos graves: estabilização e encaminhamento a serviços de urgência/emergência ou hospitalares; 6. Notificação imediata; 7. Monitoramento clínico; 8. Medidas de prevenção comunitária e apoio à vigilância ativa6Ministério da Saúde (BR). Protocolo de manejo clínico para novo coronavírus (2019-nCoV). Brasília, DF : Ministério da Saúde; 2020 [cited 2020 Jul 07]. Available from: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2020/fevereiro/11/protocolo-manejo-coronavirus.pdf
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O reconhecimento imediato da doença é fundamental para garantir o tratamento oportuno7Lima CMAO. Information about the coronavirus disease (COVID-19) [editorial]. Radiol Bras. 2020;53(2):5-6. doi: https://doi.org/10.1590/0100-3984.2020.53.2e1
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. Portanto, é recomendado que as pessoas que apresentarem sintomas mais graves, especialmente relacionados à dificuldade respiratória, se dirijam aos hospitais para tratamento direcionado ao atendimento de complicações, fato que tem intensificado a demanda de atendimentos e resulta em um fluxo aumentado de internações em unidades hospitalares7Lima CMAO. Information about the coronavirus disease (COVID-19) [editorial]. Radiol Bras. 2020;53(2):5-6. doi: https://doi.org/10.1590/0100-3984.2020.53.2e1
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Diante dessas considerações, destaca-se que a partir do surgimento dos primeiros sinais e sintomas de adoecimento até a confirmação diagnóstica, existe uma trajetória a ser percorrida pela pessoa em busca de atendimento denominado itinerário terapêutico8Lima BC, Silva LF, Góes FGB, Ribeiro MTS, Alves LL. The therapeutic pathway of families of children with cancer: difficulties faced in this journey. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:e20180004. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.20180004
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-9Oliveira AH, Pinto AGA, Lopes MSV, Figueiredo TMRM, Cavalcante EGR. Therapeutic itinerary of people with tuberculosis in face with their health needs. Esc Anna Nery. 2019;23(3):e20190034. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0034
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Estudos sobre itinerários terapêuticos auxiliam na compreensão do comportamento frente ao cuidado e no modo como funcionam e são utilizados os serviços de saúde. O trajeto realizado e suas múltiplas repercussões, se não acontecerem de maneira adequada pode resultar em diagnóstico tardio8Lima BC, Silva LF, Góes FGB, Ribeiro MTS, Alves LL. The therapeutic pathway of families of children with cancer: difficulties faced in this journey. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:e20180004. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.20180004
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-9Oliveira AH, Pinto AGA, Lopes MSV, Figueiredo TMRM, Cavalcante EGR. Therapeutic itinerary of people with tuberculosis in face with their health needs. Esc Anna Nery. 2019;23(3):e20190034. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0034
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, o que é especialmente preocupante quando se trata de um adoecimento por vírus com alto poder de transmissão e com potencial de gravidade, como o novo coronavírus.

É válida toda iniciativa que busque compreender o caminho que os indivíduos estão percorrendo para obter a confirmação diagnóstica de Covid-19, de modo a dar clareza se esse itinerário terapêutico é compatível com o fluxo indicado pelas autoridades em saúde. Estudos nessa vertente justificam-se especialmente por se tratar de uma doença pouco conhecida, para a qual políticas públicas e estratégias assistenciais ainda precisam ser adequadamente delineadas visando, inclusive, a redução da mortalidade por esta causa. Logo, o objetivo do estudo foi conhecer o itinerário terapêutico de pessoas diagnosticadas com Covid-19 da suspeição ao diagnóstico.

MÉTODO

Pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória, desenvolvida com uso de formulário online. Os participantes foram pessoas diagnosticadas com Covid-19, maiores de 18 anos de idade e residentes no Rio de Janeiro, sendo estes os critérios de inclusão do estudo. Foram excluídos os profissionais de saúde, pois esses podem ter acesso aos serviços de saúde distintos da população em geral.

Os dados foram coletados entre 12 de maio e 11 de junho de 2020. As pessoas foram convidadas para participarem do estudo por mídias sociais como Facebook, Instagram e Whatsapp. Para tal, pesquisa foi divulgada no feed e stories do Facebook e Instagram dos pesquisadores responsáveis e dos grupos de pesquisa. Já no Whatsapp, foi compartilhada entre grupos de pesquisa e/ou contatos próximos. Essas estratégias foram utilizadas para um maior alcance quanto à divulgação e participação no estudo.

Assim, ao aceitarem o convite, os participantes clicaram em um link, receberam maiores informações da pesquisa, tiveram acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e ao formulário semiestruturado.

O formulário continha perguntas fechadas para caracterização dos participantes, relacionadas à: caracterização demográfica, clínica e do itinerário terapêutico, incluindo, sexo, idade, presença de comorbidade, sinais de sintomas identificados no início da doença, tempo em dias do início dos sintomas até a busca por atendimento em um serviço de saúde, tipo de serviço de saúde buscado para primeiro atendimento, necessidade ou não de hospitalização, local de moradia, e presença ou não de outros membros da família com diagnóstico confirmado. A segunda parte do formulário foi composta pelas perguntas abertas: como foi o caminho feito para ter o diagnóstico de Covid-19? Quais foram as facilidades e dificuldades encontradas nesse caminho?

As respostas oriundas dos formulários foram submetidas à análise lexicográfica, através do software Interface de R pour Analyses Multidimensionnelles de Textes Et de Questionnaires (IRAMUTEQ)10Camargo BV, Justo AM. Tutorial para uso do software de análise textual IRAMUTEQ [Internet]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2013 [cited 2020 Jul 22]. Available from: http://www.iramuteq.org/documentation/fichiers/tutoriel-en-portugais
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) pela Classificação Hierárquica Descendente (CHD) e Análise Fatorial de Correspondência (AFC), para compreender os distintos mundos lexicais das respostas dos participantes e assim alcançar o objetivo proposto.

O IRAMUTEQ é um software de uso gratuito, que possibilita processamento de dados qualitativos, por meio de estatísticas de textos, produzidas, por exemplo, a partir de entrevistas e documentos. Na CHD segmentos de texto são agrupados em função da presença ou ausência de vocábulos, constituindo diferentes contextos semânticos, portanto, é estabelecida uma classificação estável e definitiva, através de classes (clusters) que, simultaneamente, apresentam termos semelhantes entre si, bem como diferentes dos segmentos de texto das outras classes, a partir de testes de qui-quadrado (χ2World Health Organization (CH). Geneva: WHO; c2020 [cited 2020 Jul 07]. Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard; [about 1 screen]. Available from: https://covid19.who.int/
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). Enquanto, a AFC apresenta num plano cartesiano os diferentes vocábulos e o posicionamento das classes, a partir das frequências e dos valores de correlação (χ2World Health Organization (CH). Geneva: WHO; c2020 [cited 2020 Jul 07]. Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard; [about 1 screen]. Available from: https://covid19.who.int/
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) de cada palavra do corpus textual10Camargo BV, Justo AM. Tutorial para uso do software de análise textual IRAMUTEQ [Internet]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2013 [cited 2020 Jul 22]. Available from: http://www.iramuteq.org/documentation/fichiers/tutoriel-en-portugais
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-11Souza MAR, Wall ML, Thuler ACMC, Lowen IMV, Peres AM. The use of IRAMUTEQ software for data analysis in qualitative research. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03353. doi: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2017015003353
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Na preparação do corpus textual, foram utilizadas variáveis que representavam características dos participantes, a saber: Sex - 1 (masculino) e 2 (feminino); Id - idade 1 (até 19 anos), 2 (20 a 29), 3 (30 a 39), 4 (40 a 49), 5 (50 a 59), 6 (60 a 69) e 7 (70 a 79); DPE - doença pré-existente, 1 (sim) e 2 (não); Tes - realização de teste específico para Covid-19, 1 (sim) e 2 (não); Red - rede de atendimento, 1 (pública) e 2 (privada); UT - Unidade de primeiro atendimento, 1 (UBS), 2 (hospital), 3 (atendimento telefônico) e 4 (consultório); NUT - número de locais que precisou ir para atendimento; e, Mor - região administrativa de moradia no Estado do Rio de Janeiro, 1 (Metropolitana), 2 (Costa Verde), 3 (Baixada Litorânea) e 4 (Norte Fluminense). Assim, segue um exemplo da linha de comando baseada nas características de um dos participantes: **** *P_2 *Sex_2 *Id_4 *DPE_2 *Tes_1 *Red_1 *UT_2 *NUT_1 *Mor_3.

Na análise e interpretação dos dados, foram resgatadas as formas ativas de cada classe de segmentos de texto, incluindo substantivos, advérbios, adjetivos e formas não reconhecidas, como por exemplo, as siglas, com destaque para as que obtiveram no teste qui-quadrado (χ2) um valor≥3,84, logo, p<0,05, que indica a força associativa entre as palavras na sua respectiva classe.

Quanto aos aspectos éticos, o estudo foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), CAAE: 31201420.6.0000.5243 e Parecer: 4.012.631.

Os participantes foram assegurados acerca do sigilo, anonimato e confidencialidade das informações. O TCLE que foi disponibilizado online e, por meio da seleção da opção “Li e concordo participar da pesquisa”, possibilitava seu consentimento. Para identificação do participante foi utilizado um código alfanumérico com a letra P seguida de um número mediante ordem de participação na pesquisa.

RESULTADOS

Participaram do estudo 65 pessoas, entre esses eram 49 mulheres e 26 homens, com idade entre 18 e 79 anos, sendo que até 19 anos (2); de 20 a 29 (10); de 30 a 39 (24); de 40 a 49 (17); de 50 a 59 (6); de 60 a 69 (4); de 70 a 79 (2). Quanto à presença de doença pré-existente, 49 negaram e 16 afirmaram. Entre os participantes 45 pessoas realizaram testagem para Covid-19 e 20 não realizaram. Quanto à rede de atendimento, 38 buscaram atendimento na rede privada e 27 na pública. O primeiro local de atendimento em 29 casos foi o hospital, 21 buscaram inicialmente atendimento telefônico para as primeiras orientações, nove buscaram UBS e em seis casos o consultório. Quanto ao número de locais que foram em busca do diagnóstico, 49 foram a um lugar, 11 a dois lugares, cinco a três lugares. Quanto às regiões administrativas de moradia no Rio de Janeiro, 58 pessoas residem na Metropolitana, quatro na Costa Verde, duas na Baixada Litorânea e uma no Norte Fluminense.

Pelo processamento do IRAMUTEQ, mediante estatística básica, o corpus textual foi composto por 65 textos, que equivalem ao número de participantes. Além disso, foram identificadas 2189 palavras, dentre as quais, 493 formas distintas e 268 hápax (única ocorrência), com uma média por texto de 33,68 vocábulos. Com a CHD houve distinção do corpus textual em classes, mediante classificação de 80 segmentos de texto, dentre 83 encontrados, logo, com 96,39% de aproveitamento.

Nessa diretiva, o agrupamento em clusters de segmentos de texto com vocabulários semelhantes e associados entre si, e distintos de outros, levou à formação de três classes estáveis, ilustradas no Dendrograma (Figura 1), que apresenta as relações entre essas classes e o percentual de cada uma em relação ao total do corpus analisado.

Figura 1 -
Dendograma da Classificação Hierárquica Descendente. Rio de Janeiro, Brasil, 2020

No Dendograma, inicialmente, o corpus textual foi separado em dois subcorpus, dos quais, um foi formado pela Classe 3 em azul (26,25%), e o outro por uma nova subdivisão abarcando a Classe 1 em vermelho (47,5%) e a Classe 2 em verde (26,25%), estas duas interligadas entre si. A partir dessa classificação, os segmentos de textos foram analisados exaustivamente com objetivo de compreender suas associações e denominar cada uma das classes.

Classe 1 - Dos sintomas à busca de atendimento e o diagnóstico clínico da Covid-19

Essa classe abarcou o maior quantitativo de segmentos de textos e nela as formas ativas que apresentaram significância estatística em ordem decrescente foram: médico, sintoma, sentir, Covid-19 e facilidade. Além disso, a variável que teve maior significância na classe foi relativa a não realização de teste específico para Covid-19 (*Tes_2), seguida do intervalo de idade entre 40 e 49 anos (*Id_4); o que coaduna com os seus conteúdos semânticos que apontaram para a confirmação clínica da doença.

Os primeiros termos elencados (médico, sintoma, sentir) indicaram o movimento inicial dos participantes no itinerário terapêutico, na medida em que buscaram assistência com base nos seus sintomas. Assim, diante da sintomatologia sugestiva e do atendimento médico, obtiveram o diagnóstico baseado no quadro clínico ou em exames de imagem.

Tive muita fraqueza, febre, tosse e já percebi que eram sintomas da Covid-19, então fui a UPA. (P42)

Quando comecei a ter sintomas pensei ser sinusite, mas depois de 3 dias percebi que estava com sintomas totalmente diferentes, enjoos, vômito, diarreia, muita dor de cabeça e nas costas e falta de ar. Fui à emergência, lá fiz raio-x e exame de sangue, não foi feito teste específico. (P30)

Após os sintomas persistirem, os médicos que antes tinham somente a suspeita, me deram certeza que era Covid-19, foram muitos dias de prostração e após uma aparente melhora iniciei uma pneumonia e a mancha do Covid-19 apareceu no meu pulmão. (P39)

A médica olhou o raio-x pulmonar. (P7)

Nesse contexto, os participantes apontaram algumas barreiras para realização de teste específico para a doença, deixando evidente a escassez de testes confirmatórios nas unidades de atendimento:

Fui ao médico ele me passou um exame de sangue, mas para minha surpresa não era o de Covid-19. Ele alegou que para poder fazer um teste desses era muita burocracia, muitas papeladas para preencher, pois estava escasso o teste para Covid-19. (P32)

O médico disse que pelos sintomas que havia sentido tudo indicava Covid-19, não há facilidade para fazer esse teste. (P33)

Não fiz o teste, nem posto de saúde e nem hospital, estava em falta. (P16)

Para ter acesso ao teste confirmatório um participante acionou uma pessoa de seu contato e outra relatou ter pressionado o médico para que ele fizesse a solicitação:

Tive que através de conhecimento de uma pessoa solicitar teste após 20 dias de sintomas, o mesmo positivando para IgG e IgM. (P46)

Tive de exigir ao médico que fizesse exames, que me atestasse o sintoma em fazer exames e o teste para comprovar. (P56)

Classe 2 - Os retornos às unidades de atendimento para o diagnóstico e acompanhamento da Covid-19

Nessa classe as formas ativas que apresentaram Qui2 ≥3,84 em ordem decrescente foram: hospital, tomografia, exame, retornar, ficar, demorar, caso, isolamento, pulmão, febre. Além disso, a variável que teve maior significância na classe foi o número de locais que a pessoa foi para ter o diagnóstico, com destaque para dois locais (*NUT_2).

Entre as palavras de maior evidência nesta classe estão hospital, tomografia, exame e retornar. O verbo retornar tem aproximação com a variável de destaque da classe, que demonstrou a necessidade de ir a mais de um local, no itinerário percorrido, para obter o diagnóstico da Covid-19.

Primeiro o hospital particular não diagnosticou, depois de duas transferências, aí sim consegui o diagnóstico. Essa demora que fez com que eu ficasse indo várias vezes aos hospitais. (P8)

Fui ao posto de saúde me medicaram e voltei para casa, depois fui ao hospital aí fiz raio-x e tomografia e diagnosticaram. (P16)

Primeiro me diagnosticaram com amigdalite, mas minha amígdala não estava inflamada. Dois dias depois a febre não baixava, fui a um hospital me fizeram um exame de sangue e viram que era infecção viral, depois disso, no quinto dia fui a outro hospital onde pelos sintomas me diagnosticaram com o Covid-19. (P34)

No curso do itinerário alguns participantes sinalizaram que tiveram piora do quadro clínico e assim necessitaram retornar à unidade de saúde para acompanhamento da evolução:

A partir daí só piorei e no quinto dia retornei à unidade hospitalar, na qual foram repetidos os exames iniciais e a tomografia de tórax, que mostrou comprometimento dos pulmões de 25 a 50 %. (P19)

Fui e fiz tomografia e vários exames de sangue. A tomografia acusou comprometimento de 25% do pulmão que não era caso de internação, a médica mandou continuar com os remédios para tosse em casa e se eu não melhorasse para retornar. (P30)

Após dois dias com febre alta fui ao hospital, então foi trocada a medicação. Dois dias após retornei, pois ela continuava persistente neste momento foram realizados outros exames, entre eles a tomografia. (P59)

Os participantes destacaram ainda algumas observações quanto às dificuldades nas unidades de atendimento, como filas; demora por atendimento e realização de exames; e, sobrecarga dos serviços.

Fila de espera demora nos exames, confusão no hospital, pois estavam sobrecarregados de trabalho. (P17)

Mediram pressão e saturação. O atendimento demora, pois cheguei às 10 horas e sai às 19 horas sem comer nada. (P27)

Embora no hospital houvesse um setor separado para atendimento de pessoas com suspeita, havia grande número de pacientes para atendimento, podendo fazer com que a atenção dos profissionais ficasse focada nos casos mais graves. (P59)

Outros destacaram as orientações recebidas, seja em atendimento presencial ou telefônico, quanto ao isolamento domiciliar e observação da evolução do quadro:

Após 48 horas do aparecimento dos primeiros sintomas procurei o hospital os exames não deram alterados e fui orientada a fazer isolamento domiciliar e retornar ao hospital caso houvesse piora em cinco dias. (P19)

Depois de quatro dias liguei para 136, e de acordo com meus sintomas a atendente disse ser Covid-19. Ela me orientou a manter isolamento de 14 dias e só procurar um hospital em caso de falta de ar ou febre acima de 38. (P30)

Classe 3 - Os caminhos para realização do teste diagnóstico da Covid-19

Nessa classe as formas ativas estatisticamente significantes em ordem decrescente foram: laboratório, particular, pagar, próprio, dificuldade, conseguir, teste, empresa, bom, teste PCR, atender, plano. Ao contrário da classe 1, aqui a variável que teve maior significância foi a relativa a realização de teste específico para Covid-19 (*Tes_1), seguida do intervalo de idade entre 20 e 29 anos (*Id_2).

Os participantes sinalizaram os distintos caminhos que fizeram para conseguirem acesso o teste confirmatório da Covid-19, mesmo tendo plano de saúde. Assim, frente à dificuldade de oferecimento do exame específico na rede de saúde, as pessoas recorreram aos laboratórios privados.

Fui em um laboratório particular e fiz o exame de sangue por conta própria, na verdade não tive muita facilidade, ter que pagar um exame que deveria ser feito de graça a todos com suspeita. (P15)

Laboratório particular veio à minha casa colher swab para teste-PCR, dificuldade em ser testado. (P13)

Após um mês de ter passado mal fiz o exame de sangue em laboratório particular. (P64)

Após tentativas em hospitais e laboratórios conveniados pelo plano de saúde, que não atendiam por falta de teste, consegui um laboratório particular que atendeu, quis fazer tendo em vista que minha nora tinha atestado positivo pelo método teste-PCR. (P12)

Precisei pagar 295 reais na rede privada por também não conseguir em rede pública. (P54)

Mesmo em laboratórios privados, alguns participantes relataram a dificuldade de agendamento para realização do exame.

Consultei meu médico particular por telefone e ele pediu o teste de confirmação. Depois de muito tentar conseguir fazer o teste-PCR em casa pelo laboratório particular, tive que pagar 410 reais para cada pessoa da família fazer o teste. (P5)

Foi realizada a coleta para teste em casa, não conseguimos data para realizar o teste a tempo da janela de efetividade do teste-PCR. Só fizemos porque temos condições financeiras, se não tivéssemos não teríamos feito. Preço alto e pouca disponibilidade de exame. (P21)

Nas primeiras tentativas, hospitais e laboratórios não atendiam, mesmo particulares, por falta de materiais. (P12)

Fui ao médico que solicitou exames, mas achar um laboratório que atendesse prontamente foi muito difícil. A maioria deles tinha um protocolo que dificultava o acesso e a data disponível era sempre muito para frente. (P38)

Houve participantes que sinalizaram facilidades pelo fato de terem testes pagos e agendados pelas empresas que trabalham, destacando que nos hospitais só estavam sendo testadas as pessoas com maior gravidade:

Liguei para a empresa que trabalho e eles marcaram o teste no meu domicílio. Poder fazer teste em casa sem pagar nada tudo custeado pela empresa, então não tive dificuldades. (P6)

A empresa que eu trabalho pagou pelo teste no particular e o resultado chegou em dois dias por e-mail. Na emergência na qual fui só realizava teste em casos de sintomas mais graves. (P61)

Fiz um teste-PCR embarcado, estar prestando serviço para empresa que fez o teste me facilitou.(P23)

Após a CHD, a formação das classes foi confirmada através da Análise Fatorial de Correspondência (AFC), que recuperou os diferentes vocábulos e posicionou as classes num plano cartesiano, conforme figura 2.

Figura 2 -
Análise Fatorial de Correspondência. Rio de Janeiro, Brasil, 2020

Pela AFC, confirmou-se que as classes possuem vocábulos associados internamente e distintos das outras duas classes, visto que poucas palavras de cada grupo se dispersaram para outros quadrantes. Verifica-se ainda que as palavras mais importantes das classes, com χ2 maiores, aparecem maiores nos seus respectivos quadrantes.

Assim, na classe 1 (vermelha), os termos “sintoma” e “médico” estão em destaque e alocadas com certa proximidade entre si, reafirmando como seu deu o início do itinerário para a confirmação do diagnóstico de Covid-19, porém, muitas das vezes, sem o teste específico, e sim mediante a clínica e exames de imagens, revelando um caminho diferenciado e próprio de 20 participantes.

Na classe 2 (verde), na interpretação dos segmentos de texto associados aos vocábulos presentes na classe, chama atenção a necessidade de buscar diferentes lugares para a confirmação diagnóstica, entre 16 participantes, o que garantiu um contexto semântico muito particular para a formação dessa classe. Vale ressaltar que os termos “ficar”, “demorar” e “retornar” permaneceram mais distantes dos outros no plano cartesiano, sem aproximação com termos de outras classes, indicando sua presença específica nesse contexto semântico, cujos segmentos textuais referiam-se essencialmente às demoras e às idas e vindas nesse percurso.

Por fim, na classe 3 (azul) as palavras “laboratório” e “particular” também estão em destaque no plano cartesiano, o que corrobora com os achados referentes no que tange a realização de teste específico para Covid-19, entre 45 indivíduos. Contudo ressalta-se que, em muitas situações, a realização do exame foi por meios próprios, resultando na criação de uma classe específica e distinta das outras, e demonstrando um itinerário diferenciado de outras pessoas.

DISCUSSÃO

Os resultados evidenciaram que os primeiros sinais e sintomas da Covid-19, bem como a persistência destes, determinaram a busca por atendimento médico, nos serviços de saúde, para a confirmação diagnóstica da doença, sendo este, o início do itinerário terapêutico.

Alguns participantes relataram que o diagnóstico da Covid-19 foi baseado no quadro clínico ou em exames de imagem como radiografia ou Tomografia Computadorizada (TC). Neste contexto, estudos apontam que a radiografia de tórax não tem sido recomendada como modalidade de imagem de primeira linha diante da suspeita de Covid-19. Sobre a TC de tórax, ainda não está bem definido seu papel na triagem, mas tem função relevante na detecção e gerenciamento precoces das manifestações pulmonares. Assim, uma análise integrada dos aspectos clínicos, laboratoriais e radiológicos deve ser preconizada, objetivando o diagnóstico precoce da doença12Araujo-Filho JAB, Sawamura MVY, Costa AN, Cerri GG, Nomura CH. COVID-19 pneumonia: what is the role of imaging in diagnosis? [letter]. J Bras Pneumol. 2020;46(2):e20200114. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20200114
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, o que não foi evidenciado nos conteúdos lexicais analisados.

Os resultados da pesquisa destacaram ainda que alguns participantes não tiveram acesso ao teste específico diagnóstico, pois muitos referiram que não havia facilidade ou estava em falta. Este achado difere do recomendado pela literatura científica que afirma que o teste reverse-transcriptase polimerase Chain Reaction(RT-PCR - reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa) é o teste padrão de referência para o diagnóstico definitivo da infecção por Covid-1913Xie X, Zhong Z, Zhao W, Zheng C, Wang F, Liu J. Chest CT for Typical 2019-nCoV pneumonia: relationship to negative RT-PCR testing. Radiology. 2020;296(2):E41-E45. doi: https://doi.org/10.1148/radiol.2020200343
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.

A baixa testagem dos casos suspeitos da Covid-19 no Brasil dificulta a análise do número real dos infectados, logo, a evolução da doença nos diferentes estados no país. A subnotificação pode acarretar aumento da disseminação do vírus, o que limita ações efetivas de combate e manejo dos casos14Prado M, Bastos L, Batista A, Antunes B, Baião F, Maçaira P, et al. Análise de subnotificação do número de casos confirmados da COVID-19 no Brasil. Nota Técnica 7 - 11/04/2020 [Internet]. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio De Janeiro, Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde; 2020 [cited 2020 Jul 07]. Available from: http://www.supersuporte.com/myRpubs/NT7_Subnotificacao_notaDia11-abr-2020.pdf
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. Destaca-se que 21 participantes buscaram primeiro atendimento telefônico e assim podem ter recebido informações relativas à importância do isolamento social por 14 dias, quando sintomáticos mesmo sem serem testados, fator que auxilia na diminuição da transmissão da doença.

No começo da Pandemia, o Ministério da Saúde (MS) preconizava testagem somente nos casos graves, ou seja, nos indivíduos que apresentavam quadro de SG com dispneia ou sinais de gravidade, como saturação de oxigênio<95% em ar ambiente, desconforto respiratório ou aumento da frequência respiratória, piora nas condições clínicas de doença de base e Hipotensão6Ministério da Saúde (BR). Protocolo de manejo clínico para novo coronavírus (2019-nCoV). Brasília, DF : Ministério da Saúde; 2020 [cited 2020 Jul 07]. Available from: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2020/fevereiro/11/protocolo-manejo-coronavirus.pdf
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.

Porém, no dia 24 de junho, posteriormente ao término da coleta de dados deste estudo, foi publicada uma nota no site oficial do MS, destacando que os casos leves deveriam ser testados com teste RT-PCR. Medida decorrente do aumento de casos nas regiões interioranas do país, o que culminou em uma busca por maior vigilância da doença no território nacional15Ministério da Saúde (BR) [Internet]. Brasília; Ministério da Saúde; c2020 [cited 2020 Jul 08]. Saúde passa a testar casos leves de Covid-19; [about 1 screen]. Available from: https://antigo.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/47113-saude-passa-a-testar-100-dos-casos-leves-de-covid-19
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.

Destaca-se que nesta ação, há priorização dos grupos para testagem na seguinte ordem: profissionais de saúde e de segurança; idosos, cardiopatas, renais crônicos, imunodeprimidos, doenças respiratórias, diabéticos e gestantes de alto risco; crianças menores de dois anos, indígenas, gestantes e puérperas; idosos em instituições de longa permanência; e, população privada de liberdade15Ministério da Saúde (BR) [Internet]. Brasília; Ministério da Saúde; c2020 [cited 2020 Jul 08]. Saúde passa a testar casos leves de Covid-19; [about 1 screen]. Available from: https://antigo.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/47113-saude-passa-a-testar-100-dos-casos-leves-de-covid-19
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. Neste sentido, os indivíduos que apresentam sintomas leves da Covid-19, não se enquadrando nestes critérios, ainda podem continuar apresentado dificuldades na busca por respostas quanto ao seu diagnóstico.

Contudo, estudos apontam piora do quadro com o aparecimento das complicações, a partir do 10º dia após o início dos sintomas, e nestes casos é recomendado o retorno ao serviço de saúde para tratamento adequado6Ministério da Saúde (BR). Protocolo de manejo clínico para novo coronavírus (2019-nCoV). Brasília, DF : Ministério da Saúde; 2020 [cited 2020 Jul 07]. Available from: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2020/fevereiro/11/protocolo-manejo-coronavirus.pdf
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-7Lima CMAO. Information about the coronavirus disease (COVID-19) [editorial]. Radiol Bras. 2020;53(2):5-6. doi: https://doi.org/10.1590/0100-3984.2020.53.2e1
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, o que condiz com o relato de alguns participantes.

Pela falta de acesso ao teste confirmatório da Covid-19, alguns participantes precisaram recorrer a recursos próprios para a realização do exame. Em contrapartida, para outros, o acesso foi facilitado pelo vínculo empregatício, ou seja, algumas empresas disponibilizam testes para os funcionários com suspeita da doença.

A dificuldade de acesso aos serviços de saúde, a falta de insumos materiais e recursos humanos, caracteriza falha no cuidado em saúde e infringe os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) da universalidade de acesso, equidade e integralidade da assistência. Infelizmente esta não é uma realidade exclusiva da pandemia causada pelo coronavírus, pois outros estudos apontam a dificuldade de acesso aos serviços do SUS em diversas situações16Melo WS, Silva MJN, Oliveira VDF, Mariano SPS, Ferreira PJO, Monteiro FPM. Compreensão de uma comunidade rural acerca dos princípios do SUS: estudo sociopoético. Rev Enferm Atual In Derme.2019 [cited 2020 Jul 08];88(26). Available from: https://revistaenfermagematual.com.br/index.php/revista/article/view/43
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-17Lemos AL, Galvão EFC. A formação acadêmica do enfermeiro e os princípios organizacionais do SUS no âmbito da saúde integral a população negra. Rev Eletrôn Acervo Saúde. 2020;(45)e2943. doi: https://doi.org/10.25248/reas.e2943.2020
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.

Sobre a necessidade de ir a mais de um local para buscar o diagnóstico da Covid-19, essa situação também não é uma exclusividade das pessoas com esta doença. Estudos sobre itinerários terapêuticos, sobre tuberculose e câncer, revelam que a procura por atendimento é caracterizada por idas e vindas entre os diversos serviços de saúde, além de dificuldades na obtenção de resultados de exames confirmatórios e diagnóstico. Todas essas dificuldades fazem com que os pacientes busquem o serviço privado e custeiem todos os procedimentos por conta própria na tentativa de encurtar o tempo para estabelecer o diagnóstico8Lima BC, Silva LF, Góes FGB, Ribeiro MTS, Alves LL. The therapeutic pathway of families of children with cancer: difficulties faced in this journey. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:e20180004. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.20180004
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-9Oliveira AH, Pinto AGA, Lopes MSV, Figueiredo TMRM, Cavalcante EGR. Therapeutic itinerary of people with tuberculosis in face with their health needs. Esc Anna Nery. 2019;23(3):e20190034. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0034
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,18Souza KA, Souza SR, Tocantins FR, Freitas TF, Pacheco PQC. The therapeutic itinerary of patient in oncological treatment: implications for nursing practice. Ciênc Cuid Saúde. 2016;15(2):259-67. doi: https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v15i2.29896
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, de forma similar ao encontrado no presente estudo.

Assim, vê-se que o itinerário terapêutico dos pacientes com a Covid-19 foi permeado por dificuldades nesse caminhar, tanto dos que buscaram atendimento em instituições públicas quanto privadas. Isso demonstra a fragilidade nos sistemas de saúde no atendimento das necessidades da população, em especial nesse contexto pandêmico, na qual o diagnóstico oportuno auxilia no manejo dos casos e diminuição da disseminação do vírus entre a população.

Neste sentido, vê-se que apesar das condições de saúde serem diferentes, os relatos quanto aos itinerários terapêuticos dos pacientes que convivem com as doenças se assemelham, demonstrando a não integralidade do cuidado. Assim, no que tange a Covid-19 no Brasil, a Atenção Primária em Saúde junto aos demais níveis de atenção, seja no âmbito público ou privado, é essencial no enfrentamento e implementação de estratégias eficientes no combate à pandemia19Soeiro RE, Bedrikow R, Ramalho BDS, Niederauer AJS, Souza CV, Previato CS, et al. Atenção Primária à Saúde e a pandemia de COVID-19: reflexão para a prática. Inter Am J Med Health 2020;3:e202003010. doi: https://doi.org/10.31005/iajmh.v3i0.83
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, o que poderia contribuir significativamente para um percurso menos tortuoso.

Ademais, mesmo custeando o teste diagnóstico, houve relato de dificuldades para se fazê-lo na rede privada, seja o RT-PCR ou o exame de sorologia, além do custo bastante elevado e a não cobertura pelos planos de saúde.

Sobre isso, importa mencionar que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) publicou nota em 29 de junho de 2020 quanto à cobertura obrigatória para testes sorológicos da Covid-19 pelos planos de saúde, no seguimento ambulatorial e hospitalar20Agência Nacional de Saúde Suplementar (BR) [Internet]. Rio de Janeiro: ANS; 2020 [citado 2020 jul 01]. ANS inclui teste sorológico para Covid-19 no rol de coberturas obrigatórias 2020; [about 1 screen]. Available from: http://www.ans.gov.br/aans/noticias-ans/coronavirus-covid-19/coronavirus-todas-as-noticias/5648-ans-inclui-teste-sorologico-para-covid-19-no-rol-de-coberturas-obrigatorias
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.Tal ação foi aprovada por meio da Resolução nº 458, de 26 de junho de 2020, o que pode ser um facilitador do itinerário terapêutico, de um grupo da população, na busca pelo diagnóstico da doença.

Destaca-se que a maioria dos participantes deste estudo utilizou a rede privada de saúde, sendo essa uma limitação da pesquisa, o que demonstra a necessidade de outros estudos direcionados às instituições públicas de saúde, visando o fortalecimento do SUS e melhora no enfrentamento e combate a esta pandemia.

CONCLUSÃO

O itinerário terapêutico dos pacientes com a Covid-19 demonstrou fragilidades perante as dificuldades relacionadas ao acesso aos testes confirmatórios. Tal fato levou ao diagnóstico clínico e por imagem, entre vários participantes, sem a utilização do teste confirmatório (PCR-RT) que é o teste padrão de referência para o diagnóstico. Ademais, o percurso de alguns participantes foi caracterizado por idas e vindas até a confirmação do diagnóstico, o que em algumas vezes, só foi conseguido por custeio do próprio participante ou pelo vínculo empregatício.

As dificuldades encontradas na busca por atendimento em instituições públicas e privadas demonstram a fragilidade nos sistemas de saúde no atendimento das necessidades da população, em especial no contexto inicial da pandemia no cenário brasileiro, na qual o diagnóstico oportuno auxiliaria no manejo dos casos e diminuição da disseminação do vírus entre a população. Como a implementação de novas medidas tanto no âmbito público, quanto privado, modificou condutas em relação aos testes e a cobertura dos mesmos pelos planos de saúde ao término da coleta de dados, sugere-se a continuidade de estudos que avaliem o itinerário terapêutico diante dessas importantes medidas.

Neste sentido, conhecer o itinerário terapêutico dos pacientes com a Covid-19 auxilia na elaboração de políticas públicas e estratégias institucionais que atendam às reais necessidades da população, seja no combate a essa pandemia e de outros agravos infecciosos. Além disso, também é capaz de subsidiar a produção de tecnologias informativas que indiquem o fluxo a ser percorrido pela pessoa com suspeição da Covid-19, produto importante para promover uma reorganização dos processos de cuidado relacionados a agravo e de outras síndromes respiratórias agudas graves tanto no Rio de Janeiro quanto em outros estados brasileiros.

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Editado por

Editor associado:

Dagmar Elaine Kaiser

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    23 Jul 2020
  • Aceito
    28 Abr 2021
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