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Absenteísmo e fatores associados: estudo com trabalhadores de uma indústria calçadista

RESUMO

Objetivos:

Caracterizar o absenteísmo de trabalhadores de uma indústria do setor calçadista e analisar fatores associados com o tempo de afastamento dos trabalhadores.

Método:

Trata-se de um estudo quantitativo e transversal com 572 trabalhadores calçadistas do Sul do Brasil que tiveram 1902 eventos de afastamento no ano de 2017. As analises foram realizadas tanto por frequências absolutas e relativas, quanto usando o modelo de Regressão de Poisson univariada e multivariada.

Resultados:

Predomínio do sexo feminino; de setor e cargo operacionais; de atestados médicos e de motivos de afastamento por acompanhamento familiar, consultas e exames. Na análise multivariada, mantiveram associação com mais de três dias de afastamento: idade ≥ 50 anos, setor Apoio à Produção e tempo de trabalho na empresa de 16 a 20 anos, além de nove grupos de doenças do CID-10.

Conclusão:

Os achados contribuem na compreensão do perfil de absenteísmo da indústria, favorecendo o planejamento de estratégias assertivas aos impactos econômicos e sociais e adequada assistência à saúde e segurança do trabalhador.

Palavras-chave:
Absenteísmo; Indústrias; Sapatos; Saúde do trabalhador; Enfermagem do trabalho; Prevalência

ABSTRACT

Objectives:

To characterize absenteeism among the workers of a footwear manufacturer and analyze associated factors.

Method:

This quantitative and cross-sectional study addressed 572 workers from a footwear company located in southern Brazil, totaling 1,902 sick leaves in 2017. Analyses considered absolute and relative frequencies, and univariate and multivariate Poisson regression models were performed.

Results:

Most workers taking a leave from work were women with a job position in the operational sector to accompany a family member to attend a medical appointment or take exams. In the multivariate analysis, the following variables appeared associated with leaves longer than three days: being ≥ 50 years older, working in the Production Support sector, working in the company from 16 to 20 years, and nine groups of diseases (ICD-10).

Conclusion:

The findings contribute to understanding this industry’s absenteeism profile, supporting strategies to promote positive economic and social impact, and promote adequate occupational health and safety.

Keywords:
Absenteeism; Industry; Shoes; Occupational health; Occupational health nursing; Prevalence

RESUMEN

Objetivos:

Caracterizar el absentismo de los trabajadores en una industria en el sector del calzado y analizar los factores asociados con el tiempo de ausencia de los trabajadores.

Método:

Se trata de un estudio cuantitativo y transversal realizado con572 trabajadores del calzado en el sur de Brasil que tuvieron 1902 eventos de abandono en 2017. Los análisis se realizaron tanto por frecuencias absolutas como relativas y utilizando el modelo de regresión de Poisson univariado y multivariado.

Resultados:

Predominio femenino; sector operativo y cargo; certificados médicos y motivos de ausencia por seguimiento familiar, consultas y reconocimientos. En el análisis multivariado, mantuvieron asociación con más de tres días de ausencia: edad ≥ 50 años, sector de Apoyo a la Producción y tiempo de trabajo en la empresa de 16 a 20 años, además de nueve grupos de enfermedades de la ICD-10.

Conclusión:

Tales hallazgos contribuyen a la comprensión del perfil de absentismo de la industria, favoreciendo la planificación de estrategias asertivas a los impactos económicos y sociales y la asistencia adecuada a la salud y seguridad de los trabajadores.

Palabras clave:
Absentismo; Industrias; Zapatos; Salud laboral; Enfermería del trabajo; Prevalencia

INTRODUÇÃO

O fenômeno do absenteísmo tem se manifestado como um tema complexo nas organizações, ao passo que impacta de forma negativa na produtividade, em custos com reposição de mão de obra e diminuição da qualidade do trabalho executado11. Andrade RD, Ferrari Junior GJ, Capistrano R, Teixeira CS, Beltrame TS, Felden EPG. Absenteísmo na indústria está associado com o trabalho em turnos e com problemas no sono. Cienc Trab. 2017;19(58):35-41. doi: https://doi.org/10.4067/S0718-24492017000100035
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. Em termos conceituais, tal fenômeno pode ser entendido como a falta ou o atraso do trabalhador ao seu trabalho; é o tempo de trabalho perdido quando o trabalhador não comparece ao trabalho, seja por falta, atraso ou algum motivo interveniente, excluindo ausências oriundas de férias ou qualquer tipo de licença, como a maternidade e paternidade22. Chiavenato I. Gestão de pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas organizações. 4. ed. Barueri: Manole; 2014..

As causas do absenteísmo podem ser variadas: com origem individual, como doença, motivos familiares/pessoais, dificuldades financeiras e de transporte e falta de motivação. Ademais, podem ter origem organizacional, como supervisão de trabalho e direção deficiente, empobrecimento de tarefas, falta de motivação e estímulos, condições inadequadas de trabalho e relações conflituosas entre trabalhador e empresa33. Bohn AC, Gripa S, Hein N, Kroenke A. Análise inter-relacional de indicadores de absenteísmo e turnover: o caso de uma indústria têxtil do litoral norte de Santa Catarina. Visão. 2018;7(1)95-110. doi: https://doi.org/10.33362/visao.v7i1.1461
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.

Nesse contexto, o absenteísmo tem se tornado objeto de estudo nos mais diferentes ambientes laborais, tanto em âmbitos nacional quanto internacional44. Santana LL, Sarquis LMM, Brev C, Miranda FMD, Felli VEA. Absenteeism due to mental disorders in health professionals at a hospital in southern Brazil. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(1):e53485. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.01.53485
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-55. Mekonnen TH, Lamessa SK, Wami SD. Sickness-related absenteeism and risk factors associated among flower farm industry workers in Bishoftu town, Southeast Ethiopia, 2018: a cross-sectional study. BMC Res Notes. 2019;12:181. doi: https://doi.org/10.1186/s13104-019-4223-2
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, demonstrando a importância de sua abordagem científica, visto que a ausência do trabalhador deixou de ser uma questão médica para se converter em um problema mais abrangente. Ademais, representa implicações de saúde e segurança, sociais, legais e econômicas, para si próprio, para sua família, equipe de trabalho, empresa e Estado, gerando, assim, um importante desafio de saúde pública.

Salienta-se, de antemão, que será assumido o absenteísmo-doença proveniente de atestados médicos, odontológicos, de outros profissionais de saúde e declarações de comparecimento por acompanhamento familiar, consultas e exames, entregues pelos trabalhadores da indústria calçadista, cenário deste estudo.

Os dados epidemiológicos igualmente demonstram o impacto do absenteísmo nas organizações e a importância de sua abordagem. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), são gerados 160 milhões de casos de doenças relacionadas ao trabalho a cada ano, e que, somados aos acidentes de trabalho, carregam uma perda anual de 4% do Produto Interno Bruto (PIB), no mundo66. Organización Internacional del Trabajo. La prevención de las enfermidades profesionales [Internet]. Ginebra; 2013 [citado 2020 maio 20]. Disponible en: Disponible en: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/---safework/documents/publication/wcms_209555.pdf
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. As doenças crônicas, os distúrbios osteomusculares e os transtornos mentais e comportamentais estão entre os problemas relacionados ao trabalho mais comuns e dispendiosos em âmbito global77. Pieper C, Schröer S, Eilerts AL. Evidence of work place interventions - a systematic review of systematic reviews. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(19):3553. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph16193553
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.

No Brasil, foram registrados aproximadamente 550 mil acidentes de trabalho no ano de 2017, sendo que 340.229 foram acidentes típicos de trabalho (ocorridos dentro do ambiente de trabalho) e 9.700 doenças do trabalho, ambos com emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). Ainda, no mesmo ano, dos acidentes de trabalho que foram encerrados administrativamente pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), cerca de 313 mil geraram afastamentos com menos de 15 dias e pouco mais de 140 mil geraram com mais de 15 dias. Importante destacar que afastamentos até 15 dias remetem ao empregador a responsabilidade financeira, e a partir do 16º dia ao INSS, uma vez que é direito do trabalhador o recebimento do benefício acidentário88. Ministério da Fazenda (BR), Instituto Nacional do Seguro Social, Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência. Anuário estatístico de acidentes do trabalho 2017 [Internet]. Brasília (DF): 2017 [cited 2020 May 20]. Available from: http://sa.previdencia.gov.br/site/2018/09/AEAT-2017.pdf
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.

O presente estudo adentra o contexto das organizações industriais, em particular, a indústria calçadista. Tal atividade econômica ainda possui como característica um processo de trabalho intensivo em mão de obra, elevado conteúdo artesanal, exigência de esforço físico e empenho individual, sem requisitar maior qualificação profissional. Com isso, gera-se uma intensificação da exploração da força de trabalho, com altas cargas e jornadas intensas, alta rotatividade e simplificação do trabalho99. Santos VHS. Segurança e saúde do trabalhador na indústria calçadista brasileira: um olhar preventivo para Sergipe. MLT. 2018 [cited 2020 May 20];4(2):77-88. Available from: https://periodicos.set.edu.br/index.php/ideiaseinovacao/article/view/5610/2833
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, comprometendo saúde e segurança do trabalhador e, consequentemente, provocando o seu afastamento.

Ainda, este estudo é resultado de uma cooperação interinstitucional entre universidade, indústria e entidade prestadora de serviços sociais, por meio da realização de um Programa de Gestão do Absenteísmo, cujo método é aplicado na maioria dos estados brasileiros. O Programa objetiva analisar o absenteísmo por doença das empresas, por meio de diversas ações de monitoramento e gestão dos eventos de afastamento, análise do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), gerenciamento epidemiológico e dos nexos previdenciários, além de indicação de medidas com relação às doenças e acidentes ocupacionais, rotatividade e legislação.

Assim, compreender o perfil de absenteísmo de uma indústria e seus fatores associados auxilia na identificação de suas causas e no planejamento de estratégias para minimizar seus impactos econômicos, sociais e de saúde. Ademais, torna-se base para uma adequada assistência à saúde do trabalhador, através de ações de prevenção de doenças e acidentes e promoção da saúde, gerenciadas e executadas pela equipe de saúde ocupacional, em especial, a enfermagem do trabalho.

Utilizar-se-ão algumas categorias teórico-metodológicas da concepção de Karl Marx1010. Marx K. O capital: crítica da economia política. 32. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2014. acerca do trabalho capitalista para discutir o processo de trabalho, condições de trabalho e seu reflexo no processo de saúde-doença dos trabalhadores.

Assim sendo, questiona-se como se caracteriza o absenteísmo de trabalhadores em uma indústria do setor calçadista? Quais são os fatores que podem estar associados ao tempo de afastamento destes trabalhadores? Dessa forma, este estudo objetivou caracterizar o absenteísmo de trabalhadores de uma indústria do setor calçadista e analisar fatores associados com o tempo de afastamento dos trabalhadores.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal, analítico com coleta de dados retrospectivos sobre o fenômeno do absenteísmo. Foi desenvolvido a partir de dados secundários de uma indústria calçadista que integra uma companhia multinacional, localizada no Sul do Brasil, cuja unidade se caracteriza pela fabricação de calçados. No ano de 2017 foi constituída por um total de 1394 trabalhadores (entre admissões e demissões), entre 607 mulheres e 787 homens.

A indústria calçadista participou de um projeto piloto sobre gestão do absenteísmo que gerou um banco de dados com eventos de absenteísmo. Estes eventos foram compostos por atestados médicos, odontológicos, de outros profissionais e declarações de comparecimento por acompanhamento familiar, consultas e exames, que foram entregues pelos trabalhadores da unidade, no período de março a dezembro de 2017. Tal banco de dados foi construído pela equipe de enfermagem do trabalho do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT) da empresa, que recebeu diariamente esses documentos, que foram utilizados como fonte de dados para este estudo.

A primeira base de dados possuía 2125 eventos. Utilizaram-se, como critério de inclusão no estudo, todos os trabalhadores que tiveram, pelo menos, um evento de absenteísmo no período de março a dezembro de 2017, por meio da entrega do atestado ou declaração de comparecimento. Como critério de exclusão, o documento apresentado sem registro de CID-10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10ª Revisão)1111. World Health Organization. International Classification of Diseases (ICD) [Internet]. Geneva: 2019 [cited 2020 May 20]. Available from: https://icd.who.int/browse10/2019/en
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ou descrição do motivo do afastamento, questionado pela equipe de saúde no momento do recebimento e registrado no próprio documento. Dessa forma, foram excluídos 223 eventos, permanecendo um total de 1902 eventos entregues por 572 trabalhadores. A disponibilização do banco de dados pelas entidades envolvidas, bem como seu tratamento, ocorreram em setembro de 2019.

Para caracterizar o absenteísmo da indústria calçadista e analisar fatores associados com o tempo de afastamento dos trabalhadores, as variáveis utilizadas do banco de dados foram: sexo, faixa etária, setor, cargo, tempo de trabalho, tipo de documento (atestado ou declaração de comparecimento), local do atendimento (externo ou interno à empresa), tempo de afastamento do trabalho (em dias perdidos), mês e grupo de CID.

A análise dos dados foi realizada no programa Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 21.0, e descrita por frequências absolutas e relativas, além da razão de prevalência. Para a análise comparativa, os eventos foram divididos em dois grupos: os que tiveram o tempo de afastamento do trabalho menor do que três dias e os que tiveram de três até 15 dias perdidos. Essa escolha deu-se considerando uma conduta prática das indústrias, de dar relevância de análise para afastamentos a partir de três dias, pelo entendimento de prevenção de afastamentos longos e incapacidade para o trabalho. Por tal motivo, dar-se-á foco a esse grupo de afastamentos neste manuscrito.

Ainda, a análise de Regressão de Poisson univariada e multivariada foi utilizada. O critério para a entrada da variável no modelo multivariado foi de que a mesma apresentasse um valor p<0,20 na análise univariada e o critério para a permanência da mesma no modelo final foi de que apresentasse um valor p<0,10. O nível de significância adotado foi de 5% (p≤0,05). Importante destacar que o quantitativo de algumas variáveis não totaliza o número de eventos de absenteísmo (n=1902), porém optou-se em mantê-las, uma vez que a diferença é pequena e não acarreta em viés estatístico.

O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande (CEPAS/FURG), com parecer aprovado nº 3.497.585, em 09 de agosto de 2019, e assegurados os cuidados éticos de acordo com a resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Trata-se de uma cooperação interinstitucional entre a Universidade Federal do Rio Grande (FURG), por meio do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, a indústria calçadista e o Serviço Social da Indústria - Departamento Regional do Rio Grande do Sul (SESI/RS), detentor do Programa de Gestão do Absenteísmo e responsável pela aplicação do método na indústria piloto e banco de dados.

RESULTADOS

Foram identificados 1902 eventos de absenteísmo de 572 trabalhadores da indústria calçadista, predominando o sexo feminino, tanto pelo número total de mulheres que tiveram afastamentos no período analisado [feminino n= 329 (57,5%) e masculino n=241 (42,1%)] quanto pela quantidade de eventos de afastamento. A idade variou entre 17 e 68 anos, com predomínio da faixa etária de 40 a 49 anos.

Os três setores que tiveram maior frequência de eventos foram Fábrica de Amostras, Costura e Administrativo, que, juntos, somaram 75,9% de todos os eventos. O cargo mais frequente foi o de operador de amostras, com 67,5% de todos os eventos e o tempo de trabalho na empresa prevaleceu de um a três anos (44,6%). Houve predominância dos atestados médicos (61,8%) e o local de atendimento que mais emitiu o evento foi o externo à empresa (80,1%).

Do total de 1902 eventos de absenteísmo, 175 (9,2%) tiveram três ou mais dias perdidos de trabalho. Por meio da associação das variáveis com o tempo de afastamento do trabalho, foi possível observar que o maior tempo de afastamento (≥ três dias) se apresentou estatisticamente significativo para trabalhadores com menos de 30 anos de idade, do setor de Apoio à Produção, com tempo de trabalho de até um ano e de 16 a 20 anos e que apresentaram atestado médico ou odontológico (Tabela 1).

Tabela 1 -
Caracterização do absenteísmo e associações* das variáveis dos eventos de afastamento dos trabalhadores, Região Sul, Brasil, 2017 (n=1902)

O grupo de fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde (CID Z00-Z99) foi mais prevalente nos motivos de absenteísmo (47,2%). Ainda, os grupos que tiveram associação significativa com o maior tempo de afastamento (≥ a três dias) foram os grupos de neoplasias (CID C00-D49), transtornos mentais e comportamentais (CID F00-F99), doenças do ouvido e da apófise mastóide (CID H60-H95), doenças do aparelho circulatório (CID I00-I99), doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (CID M00-M99), gravidez, parto e puerpério (CID O00-O99) e lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas (CID S00-T98) (Tabela 2).

Tabela 2 -
Grupos de CID e associações* dos eventos de afastamento dos trabalhadores, Região Sul, Brasil, 2017 (n=1902)

Relacionado ao tempo de afastamento do trabalho em número de dias perdidos, a maior parte dos eventos ocorreu com nenhum a um dia de afastamento (81,4%), caracterizado pelas declarações de comparecimento por acompanhamento familiar, realização de consultas e exames. Ainda, as maiores frequências de afastamento ocorreram nos meses de setembro (15%) e novembro (15,6%), ressaltando que o mês de dezembro apresentou quantitativo pequeno de eventos em virtude do término da coleta de dados no projeto piloto e férias coletivas da indústria (Tabela 3).

Tabela 3 -
Frequências de dias perdidos e mês dos eventos de afastamento, Região Sul, Brasil, 2017 (n=1902)

Para o controle de fatores confundidores, o modelo multivariado de Regressão de Poisson foi aplicado. As variáveis que permaneceram significativamente associadas com maior tempo de afastamento do trabalho (≥ a três dias) foram: idade ≥ a 50 anos; setor de Apoio à Produção; tempo de trabalho de 16 a 20 anos e grupos de algumas doenças infecciosas/parasitárias, neoplasias, transtornos mentais/comportamentais, doenças do ouvido e da hipófise mastóide, do aparelho circulatório, do sistema osteomuscular e tecido conjuntivo, gravidez/parto/puerpério, lesões/envenenamentos/outras causas externas e acompanhamento familiar/consultas/exames (Tabela 4).

Tabela 4 -
Análise de Regressão de Poisson multivariada* para fatores independentemente associados com tempo de afastamento ≥ de 3 dias, Região Sul, Brasil, 2017 (n=1902)

Para complementar os resultados, os trabalhadores com 50 anos ou mais apresentaram uma prevalência 64% maior de afastamento por, no mínimo, três dias, quando comparados aos trabalhadores de 40 a 49 anos (RP=1,64; IC 95%=1,03-2,60; p=0,038). Em relação aos setores da indústria, os trabalhadores do Apoio à Produção apresentaram cerca de oito vezes mais tempo de afastamento (≥3 dias) quando comparados aos do setor de Manutenção (RP=7,97; IC95%=1,01-62,8; p=0,049). Ainda, os trabalhadores com tempo de trabalho entre 16 e 20 anos apresentaram uma prevalência 215% maior do desfecho quando comparados com os de 11 a 15 anos de trabalho (RP=3,15; IC 95%= 1,34-7,42; p=0,009), considerando o tempo de menor e maior razão de prevalência (RP), conforme tabela 1.

DISCUSSÃO

Os resultados mostraram que o sexo feminino predominou no perfil de absenteísmo da indústria calçadista estudada, tanto no que se refere ao quantitativo de mulheres trabalhadoras afastadas, que foi maior que a dos homens, quanto no número de eventos de afastamento destas mulheres. Corroborando com esse achado, um estudo realizado com dados secundários de afastamentos de trabalhadores por doença mostrou que o perfil de adoecimento foi de a maioria mulheres, com idade a partir de 41 anos, tempo de trabalho na instituição de 11 a 30 anos, sendo as principais causas de afastamento, as doenças mentais/comportamentais e osteomusculares1212. Fantazia MM, Bernardes JM, Dias A. Profile of illness among workers a university campus in the state of São Paulo: analysis of illness-related absenteeism. Occup Environ Med. 2018;75(2 Suppl.):A318-3. doi: https://doi.org/10.1136/oemed-2018-ICOHabstracts.912
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. Importante ressaltar que a predominância do sexo feminino pode estar relacionada ao fato de que as mulheres procuram mais os serviços de saúde do que os homens, além da influência do período pré-natal que exige ausências no trabalho para consultas e exames.

A idade dos trabalhadores também foi um fator relevante nos resultados deste estudo, ao passo que a faixa etária entre 40 e 49 anos foi a mais predominante. Uma revisão sistemática realizada para identificar fatores para o absenteísmo em países da América Latina identificou que o absenteísmo possui a faixa etária a partir de 45 anos como característica, além de outros fatores, considerando que quanto maior a idade do trabalhador, maior a frequência de afastamentos de médio e longo prazos, pela gravidade das doenças e por suas condições de saúde1313. Tatamuez-Tarapuez RA, Domínguez AM, Matabanchoy-Tulcán SM. Revisión sistemática: factores asociados al ausentismo laboral en países de América Latina. Univ Salud. 2019;21(1):100-12. doi: https://doi.org/10.22267/rus.192101.143
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.

Tal aspecto vai ao encontro também da associação da idade com os eventos de afastamento iguais ou maiores do que três dias, como os resultados deste estudo mostraram, evidenciando que os afastamentos de trabalhadores a partir de 50 anos podem ser influenciados pelo seu processo de saúde-doença, além de que nessa situação é viável ponderar a mudança de função ou profissão e a aposentadoria por doença.

Outro resultado observado no estudo foi sobre o tempo de trabalho, em que o ápice dos afastamentos ocorreu no período de um a três anos de trabalho, declinando com o passar dos anos decorrentes. Um estudo realizado por meio da análise de atestados médicos de 883 trabalhadores de uma indústria mostrou resultado semelhante do absenteísmo por doença, que teve relação com o tempo de trabalho de dois a cinco anos, entre outros fatores1414. Simões MRL, Rocha AM, Souza C. Factors associated with absenteeism-illness in rural workers in a timber company. Rev Latino-Am Enfermagem. 2012;20(4):718-26. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-11692012000400012
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. É possível afirmar, com cautela, que a ausência do trabalhador pode reduzir com o aumento do tempo de trabalho, entendendo que os mais experientes já passaram pelo período de adaptação do organismo ao processo produtivo e suas exigências físicas e mentais.

Todavia, a análise ainda mostrou um resultado diferente, quando a variável tempo de trabalho foi testada com o tempo de afastamento igual ou maior do que três dias. Houve uma associação significativa para os eventos de trabalhadores com 16 a 20 anos de trabalho, isso para mostrar que os trabalhadores experientes, com certo tempo no local de trabalho, tendem a se afastar por mais tempo. É importante considerar que os reflexos do trabalho na saúde dos trabalhadores podem se apresentar em momentos laborais diferentes e não presumíveis facilmente, influenciando, de forma diferenciada, o absenteísmo de uma indústria.

O processo produtivo calçadista é caracterizado, na maior parte, pela fragmentação de tarefas e especialização do trabalhador, obtendo maior produtividade. Porém, em contrapartida, influencia em mais danos à saúde e piora o desempenho laboral do trabalhador1515. Santos M, Almeida A. Indústria do calçado: principais fatores de risco e riscos laborais, doenças profissionais associadas e medidas de proteção recomendadas. RPSO. 2018;5:s76-s85. doi: https://doi.org/10.31252/RPSO.08.01.2018
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. Ao ratificar os autores, os resultados deste estudo mostraram que os dois setores que mais tiveram relação com os eventos de afastamento dos trabalhadores foram os de atividades operacionais, como modelagem, corte, costura e montagem do calçado.

Além disso, o cargo que teve 67,5% dos eventos de afastamento foi o operador de amostras, que possui igualmente tarefas de produção do calçado, como as relacionadas à costura/pré-fabricado, montagem e corte, indicando que o processo produtivo pode influenciar o perfil de absenteísmo da indústria. Importante destacar que o cargo de operador de amostras se apresenta como o mais numeroso na empresa pela sua atividade operacional, motivo pelo qual também influenciou no número elevado de afastamentos.

O processo de fabricação de calçados é sempre acompanhado por fatores que contêm riscos à saúde e à segurança dos trabalhadores, de forma que são muito vulneráveis a riscos biológicos, químicos, físicos e psicológicos1616. Tualeka AR, Pathak Y, Wibrata DA, Ilmi B, Ahsan A, Rahmawati P, et al. Relationship of benzene exposure to trans, trans-muconic acid and blood profile of shoe workers in Romokalisari Surabaya, Indonesia. Open Acess Maced J Med Sci. 2019 [cited 2020 May 20];7(5):816-23. Available from: https://oamjms.eu/index.php/mjms/article/view/oamjms.2019.136/3033
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. Estudo analisou dois tipos de riscos físicos em uma indústria calçadista: conforto térmico e ruído contínuo ou intermitente, verificando que, na maioria dos setores, houve limites superiores à normalidade, indicando ambientes insalubres ao trabalho humano e que influenciam o índice de absenteísmo da indústria1717. Albuquerque DFF, Nóbrega JA, Melo RHF, Pires CA. Gerenciamento de riscos físicos em ambiente fabril de calçados. R Gest Industr. 2018;14(1):19-35. doi: https://doi.org/10.3895/gi.v14n1.5749
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. Os riscos que se apresentam nos ambientes de fabricação de calçados podem se mostrar como fatores potencializadores de problemas de saúde, ocasionando afastamentos da população trabalhadora.

Diante desse cenário, a concepção marxista possibilita uma reflexão mais profunda acerca das categorias teórico-metodológicas inerentes à sociedade capitalista e seu processo de produção, que podem ser analisadas no processo de trabalho do ramo calçadista.

O trabalho é um processo de participação entre o ser humano e a natureza, existindo uma mútua relação, em que o homem põe em movimento as forças naturais de seu corpo com a finalidade de apropriar-se dos recursos naturais, transformando-se e transformando esses recursos na busca de satisfazer suas necessidades e de modificar o contexto em que está inserido1010. Marx K. O capital: crítica da economia política. 32. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2014.. Assim, o trabalhador calçadista se materializa no produto do seu trabalho, o calçado, produzindo uma dimensão histórica deste processo.

A caracterização do processo produtivo calçadista como fragmentado e especializado, vai ao encontro da concepção da divisão manufatureira do trabalho, cuja operação se cristaliza em função exclusiva de um trabalhador. Doravante, o trabalhador torna-se especializado, constituindo um trabalho parcial e sendo para o capitalista uma parcela da força de trabalho coletiva1010. Marx K. O capital: crítica da economia política. 32. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2014..

Ainda, a intensidade do trabalho é outro fator que pode interferir no processo de saúde-doença do trabalhador, como consequência desse perfil de modo de produção, uma vez que a divisão do trabalho calçadista promove uma exigência de qualidade e produtividade do produto, contrapondo com a proteção à saúde dos trabalhadores. Os trabalhadores podem acabar se tornando objetos da ganância e da negligência empresarial, exacerbando o adoecimento e o acidente nos ambientes de trabalho.

Segundo Marx1010. Marx K. O capital: crítica da economia política. 32. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2014., o tempo de trabalho do trabalhador é o tempo durante o qual o capitalista consome a força de trabalho que comprou. Se esse tempo é consumido pelo próprio trabalhador em seu proveito, acaba “furtando” o capitalista. No cenário do absenteísmo, é possível dizer que as ausências do trabalho podem ser visualizadas como o consumo próprio desse tempo, pois, apesar do trabalhador se afastar por motivos relacionados ao trabalho, utiliza-se do tempo de trabalho para procurar assistência à sua saúde.

A análise multivariada de Poisson, entretanto, mostrou que o setor de Apoio à Produção teve mais associação com o fator tempo de afastamento igual ou maior de três dias, evidenciando que atividades de controle de qualidade, expedição e depósito possuem afastamentos de maior tempo. Tal resultado mostra-se distinto de outros estudos que já foram citados, relacionando o absenteísmo às atividades produtoras de calçados e seus riscos ambientais, o que pode levar à suposição de um afastamento de mais dias de um trabalhador em particular que influenciou esse resultado ou que podem ser trabalhadores mais experientes, que já passaram pelos setores operacionais e que carregam consigo problemas relacionados às atividades anteriores, como por exemplo, os osteomusculares.

Outro ponto relevante nos resultados foi concernente ao tipo de documento de afastamento, quando mais de 60% dos eventos foram de atestados médicos. Alguns autores confirmam essa tendência ao afirmar que o absenteísmo médico é o tipo mais abordado de absenteísmo no Brasil, porque é passível de um maior controle documental, atribuído à necessidade de apresentação de licença médica ou atestado. O atestado médico justifica tanto o adoecimento do trabalhador quanto aspectos relacionados à maternidade, acompanhamento de familiar e realização de consultas e exames de rotina1818. Oenning NSX, Carvalho FM, Lima VMC. Indicadores de absenteísmo e diagnósticos associados às licenças médicas de trabalhadores da área de serviços de uma indústria de petróleo. Rev Bras Saúde Ocup. 2012;37(125):150-8. doi: https://doi.org/10.1590/S0303-76572012000100018
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Ainda na mesma relação, os resultados mostram que cerca de 80% dos eventos foram emitidos externamente à empresa, evidenciando mais um fator de ausência do trabalhador, uma vez que, embora a empresa possua ambulatório e uma equipe de saúde ocupacional, o trabalhador procura suporte externo para suas necessidades de saúde.

Essa é uma questão muito atual no âmbito organizacional, ao passo que as indústrias estão debatendo acerca da saúde suplementar no contexto industrial, pois há um custo muito alto agregado aos planos de saúde empresariais coletivos, representando, em média, 13,1% da folha de pagamento das indústrias1919. Confederação Nacional das Indústrias (BR) [Internet]. Grupo de trabalho das indústrias sobre saúde suplementar. Brasília (DF): 2019 [cited 2020 May 20]. Available from: http://www.portaldaindustria.com.br/sesi/canais/gtss/%23anchor-topo
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. Os planos de saúde empresariais facilitam, aos trabalhadores, o acesso aos serviços de saúde, entretanto, promovem momentos de ausência do trabalhador, impactando o absenteísmo.

Nessa vertente, a Atenção Primária em Saúde (APS) nos ambientes organizacionais mostra-se como uma das alternativas para diminuir o absenteísmo causado pela facilidade no acesso do trabalhador aos serviços de saúde, através de planos de saúde empresariais. Por meio de uma assistência integrada, com foco na prevenção e na promoção da saúde, a APS previne casos de complicações, atendimentos emergenciais e doenças crônicas, com menor custo e garantia de maior qualidade no serviço e sustentabilidade financeira1919. Confederação Nacional das Indústrias (BR) [Internet]. Grupo de trabalho das indústrias sobre saúde suplementar. Brasília (DF): 2019 [cited 2020 May 20]. Available from: http://www.portaldaindustria.com.br/sesi/canais/gtss/%23anchor-topo
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, o que impacta, de forma positiva, os índices de adoecimento, acidentes de trabalho e absenteísmo.

Nesse contexto de prestação de atenção primária, insere-se o enfermeiro do trabalho, profissional que compõe a equipe interdisciplinar do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT) nas empresas. Por meio de suas atribuições e competências específicas, é primordial para a prestação de serviços e programas de saúde ocupacional consistentes, contínuos e de qualidade dos ambientes de trabalho, pautados na prevenção de acidentes/doenças e promoção da saúde, influenciando na redução dos riscos à saúde, apoiando a produtividade, melhorando a qualidade de vida dos trabalhadores e sendo rentáveis2020. Roloff DIT, Cezar-Vaz MR, Bonow CA, Lautert L, Sant’Anna CF, Couto AM. Occupational health nurses: interdisciplinary experience in occupational health. Rev Bras Enferm. 2016;69(5):842-55. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0113
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De acordo com os resultados do estudo, quase metade dos eventos de afastamento dos trabalhadores da indústria calçadista teve relação com o grupo de CIDZ00-Z99, de fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde, contemplando ausências no trabalho por acompanhamento familiar, consultas e exames. Resultado que sugere novamente a falta de uma assistência à saúde do trabalhador no ambiente laboral, obrigando o mesmo a se ausentar do trabalho para procurar atendimento externo e satisfazer suas necessidades de saúde. Tal cenário mostra, mais uma vez, a importância de uma política de assistência à saúde do trabalhador, com foco na atenção primária em saúde, cuidando integralmente do mesmo, de forma individual e coletiva.

O segundo grupo de CID que mais teve relação com os afastamentos foi o grupo K00-K93, das doenças do aparelho digestivo, que incluem, entre outros, os atendimentos odontológicos. Nesse sentido, a saúde bucal é considerada um componente essencial da saúde integral do trabalhador e a inserção dos cuidados dessa especialidade no ambiente de trabalho é de grande importância. Diminui a ausência do trabalhador em consultas odontológicas fora da empresa e influencia diretamente seu desempenho profissional, pois a exposição dos trabalhadores a agentes agressores mecânicos, físicos, químicos e biológicos pode manifestar doenças ocupacionais bucais precoces (2121. Marcelino E. Implantação de equipe de saúde do trabalhador nas empresas: um olhar sobre doenças ocupacionais com manifestação bucal. Braz Ap Sci Rev. 2018 [cited 2020 May 15];2(2):568-82. Available from: http://www.brjd.com.br/index.php/BASR/article/view/422/362
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Já o grupo de CID J00-J99, das doenças do aparelho respiratório, foi o terceiro grupo que mais teve eventos de afastamento relacionados no estudo. Pode haver uma relação com doenças sazonais que ocorrem no período de frio, pela localização da empresa em um Estado que possui inverno rigoroso, porém, as doenças respiratórias também se associam com o processo produtivo calçadista por meio da exposição ao risco químico presente em alguns setores.

Nesse sentido, há autores que afirmam que os trabalhadores do setor calçadista estão expostos a riscos químicos, como cola e adesivos para aderência na montagem do calçado e solventes para dissolver a matéria-prima, já que tais produtos emitem vapores que são absorvidos pelo organismo por vias respiratórias e cutâneas99. Santos VHS. Segurança e saúde do trabalhador na indústria calçadista brasileira: um olhar preventivo para Sergipe. MLT. 2018 [cited 2020 May 20];4(2):77-88. Available from: https://periodicos.set.edu.br/index.php/ideiaseinovacao/article/view/5610/2833
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-1515. Santos M, Almeida A. Indústria do calçado: principais fatores de risco e riscos laborais, doenças profissionais associadas e medidas de proteção recomendadas. RPSO. 2018;5:s76-s85. doi: https://doi.org/10.31252/RPSO.08.01.2018
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Por fim, é importante destacar que um dos grupos de CID que teve associação estatisticamente significativa com os afastamentos de maior tempo foi o da gravidez, cujas ausências durante o período pré-natal e a própria condição de mulher gestante são amparados pela legislação brasileira, caracterizando não um problema, mas uma conquista histórica da mulher trabalhadora.

CONCLUSÃO

Este estudo identificou que o absenteísmo de trabalhadores de uma indústria do setor calçadista localizado na região Sul do Brasil foi caracterizado pela predominância do sexo feminino, tanto pelo número de mulheres trabalhadoras que tiveram afastamento, quanto pelo número de eventos, de média idade e de um a três anos de trabalho. Os setores e cargos que mais tiveram frequências de eventos de absenteísmo foram os da área operacional da indústria e os eventos mais emitidos foram os atestados médicos externos à empresa. Ainda, os grupos de CID que tiveram maior predominância com os afastamentos foram os Z (acompanhamentos, consultas e exames), K (digestivo) e J (respiratório).

Já os fatores que se associaram com o tempo de afastamento igual ou maior que três dias, na análise multivariada, foram os trabalhadores com idade a partir dos 50 anos, setor de Apoio à Produção, tempo de trabalho de 16 a 20 anos e grupos de CID A-B (doenças infecciosas e parasitárias), C-D (neoplasias), F (mentais e comportamentais), H (doenças do ouvido), I (aparelho circulatório), M (osteomuscular), O (gravidez, parto e puerpério), S-T (lesões) e Z (acompanhamentos, consultas e exames).

Entende-se que o estudo apresenta limitações no que tange à sua representatividade em relação ao setor produtivo e abrangência geográfica, pois traz o perfil de absenteísmo de somente uma indústria do setor calçadista. Além disso, o corte transversal do estudo é pequeno, com dados coletados de março a dezembro de 2017, período determinado pelas instituições envolvidas no projeto piloto, que não incluíram os meses de janeiro e fevereiro, típicos de férias e verão no Brasil, motivos que podem influenciar no absenteísmo de uma empresa.

Todavia, considera-se que tais limitações não pormenorizam a sua contribuição, uma vez que o modelo de gestão do absenteísmo utilizado no projeto piloto pode ser replicado em outras indústrias, favorecendo o desenvolvimento de ações promotoras de saúde e bem-estar ao trabalhador. Ações estas executadas pelas equipes de saúde e segurança no trabalho, em especial a enfermagem do trabalho, em prol de uma assistência à saúde do trabalhador adequada e de qualidade, com foco na prevenção de afastamentos longos e incapacidade para o trabalho.

O estudo mostra-se relevante, pois ultrapassa uma descrição de características de uma população trabalhadora e analisa fatores associados ao maior tempo de afastamento dos trabalhadores. Adentra os ambientes fabris, o que traz uma perspectiva de fortalecimento da inovação e da produção de conhecimento científico, por meio de parcerias entre universidades, entidades especializadas em segurança e saúde do trabalhador e as próprias indústrias, preenchendo, assim, lacunas no conhecimento da temática e colaborando com evidências científicas na construção e gestão de políticas públicas, sociais e econômicas, em níveis local, regional, nacional e mundial.

Agradecimentos:

Ao Serviço Social da Indústria - Departamento Regional do Rio Grande do Sul (SESI/RS) e à indústria calçadista pelo aceite da cooperação interinstitucional e compartilhamento do banco de dados. Ao Laboratório de Estudo de Processos Socioambientais e Produção Coletiva de Saúde da Universidade Federal do Rio Grande (LAMSA/FURG).

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Editado por

Editor associado:

Luccas Melo de Souza

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2020
  • Aceito
    17 Maio 2021
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