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Efeitos do picolé de gelo sobre vasopressina, osmolaridade, intensidade e desconforto da sede

RESUMO

Objetivo:

Avaliar efeitos do picolé de gelo sobre perfil hormonal de vasopressina, osmolaridade, intensidade e desconforto da sede.

Método:

Quase-experimental, pré e pós-teste, realizado em laboratório. Nove voluntários saudáveis receberam solução salina endovenosa 2% e um picolé de gelo 20 ml a cada 15 minutos. As variáveis foram coletadas em cinco momentos.

Resultados:

Ingestão do picolé não resultou queda estatisticamente significativa da vasopressina (F = 0,876 e p = 0,428). Houve redução no perfil hormonal da vasopressina de 7,1 pg/ml para 5,8 pg/ml após duas intervenções. Osmolaridade plasmática alterou de 270,65 para 286,51 mOsm/kg, sem diferença estatística (F=2,207; p= 0,09). Houve redução da intensidade (F=10,00 e p= 0,001) e desconforto da sede (F=10,528; p < 0,001).

Conclusão:

Houve redução na intensidade e desconforto da sede. Não houve diferença estatística para vasopressina e osmolaridade. Observou-se redução no perfil fisiológico da vasopressina durante 30 minutos de intervenção.

Palavras-chave:
Arginina vasopressina; Concentração osmolar; Sede; Enfermagem perioperatória

ABSTRACT

Objective:

To analyze the effects of the ice popsicle on vasopressin, osmolality, thirst intensity, and thirst discomfort.

Method:

This is a quasi-experimental, pre- and post-test study conducted in a laboratory. The sample consisted of nine healthy male volunteers, who received 2% hypertonic saline solution.

Results:

Popsicle intake did not result in a statistically significant reduction in vasopressin levels (F=0.876 and p=0.428). However, there was a reduction in the hormonal physiological profile of vasopressin from 7.1 pg/ml to 5.8 pg/ml after the first two interventions. Osmolality concentration changed from 270.65 to 286.51 mOsm/kg, with no statistical difference (F=2.207; p=0.09). Ice popsicles significantly reduced thirst intensity (F=10.00; p=0.001) and thirst discomfort (F=10.528; p <0.001).

Conclusion:

There was a reduction in thirst intensity and discomfort after the use of the 20 ml ice popsicle. There was no statistical difference for vasopressin and osmolality. However, there was a reduction in the hormonal physiological profile of vasopressin during 30 minutes of intervention.

Keywords:
Arginine vasopressin; Osmolar concentration; Thirst; Perioperative nursing

RESUMEN

Objetivo:

Evaluar los efectos del picolé de hielo sobre el perfil hormonal de la vasopresina, la osmolaridad, y la intensidad y el malestar de la sed.

Método:

Estudio casi-experimental pre- y pos-test, realizado en laboratorio. Nueve varones voluntarios sanos recibieron solución salina endovenosa al 2% y un picolé de hielo de 20 ml cada 15 minutos.

Resultados:

Ingerir el picolé no derivó en una caída estadísticamente significativa del nivel de vasopresina (F=0,876 y p=0,428). Entretanto, se registró una reducción en el perfil hormonal de la vasopresina de 7,1 pg/ml a 5,8 pg/ml después de las dos intervenciones. La osmolaridad plasmática se modificó de 270,65 a 286,51 mOsm/kg sin diferencia estadística (F=2,207; p=0,09). Se registraron reducciones en la intensidad (F=10,00 y p= 0,001) y en el malestar de la sed (F= 10,528; p<0,001).

Conclusión:

Se registraron reducciones en la intensidad y el malestar de la sed después de la intervención. No hubo diferencia estadística para la vasopresina y la osmolaridad. De esta manera, se observa la reducción en el perfil fisiológico de la vasopresina durante los 30 minutos de la intervención.

Palabras-clave:
Arginina vasopresina; Concentración osmolar; Sed; Enfermería perioperatoria

INTRODUÇÃO

Em momentos de privação de ingesta hídrica, o desejo e busca por água desencadeiam no organismo uma complexa comunicação neuronal, com a finalidade de equilibrar a homeostasia dos fluidos celulares1Zimmerman CA, Leib DE, Knight ZA. Neural circuits underlying thirst and fluid homeostasis. Nat Rev Neurosci. 2017;18(8):459-69. doi: https://doi.org/10.1038/nrn.2017.71
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. O aumento de 1 a 2% da osmolaridade do plasma, em detrimento da restrição da ingestão de líquidos, é suficiente para estimular a neuro-hipófise a secretar vasopressina (AVP). A AVP, conhecida como hormônio antidiurético, tem papel fundamental para conservar a água do organismo nessas situações e, portanto, atua como mecanismo paralelo da via neural da sede2Aloamaka EO, Amabebe E, Ozoene JO, Obika LFO. Thirst perception, drinking, arginine vasopressin activity and associated neurohumoral factors. J Afr Assoc Physiol Sci. 2018 [cited 2019 Sep 12];6(1):1-13. Available from: https://www.ajol.info/index.php/jaaps/article/view/175955
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-3Arai SR, Butzlaff A, Stotts NA, Puntillo KA. Quench the thirst: lessons from clinical thirst trials. Biol Res Nurs. 2014;16(4):456-66. doi: https://doi.org/10.1177/1099800413505900
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.

Os fluídos celulares do organismo são regulados através da pressão osmótica entre os meios intracelulares (ICF) e extracelulares (ECF). O equilíbrio dos solutos, em especial o Sódio (NA+), entre esses compartimentos determinará o grau de hidratação de um indivíduo. A dosagem da osmolaridade sérica, quantidade de soluto livre presente em um determinado volume de plasma e dosagem da osmolaridade urinária, quantidade de partículas presente em um volume de urina, permitem a mensuração da resposta regulatória hidromineral do corpo2Aloamaka EO, Amabebe E, Ozoene JO, Obika LFO. Thirst perception, drinking, arginine vasopressin activity and associated neurohumoral factors. J Afr Assoc Physiol Sci. 2018 [cited 2019 Sep 12];6(1):1-13. Available from: https://www.ajol.info/index.php/jaaps/article/view/175955
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Esse complexo neuro-hormonal leva à sede que, quando não saciada, torna-se estressante para os pacientes que a experienciam4Silva LCR, Aroni P, Fonseca LF. I am thirsty! Experience of the surgical patient in the perioperative period. Rev SOBECC. 2016;21(2):75-81. doi: https://doi.org/10.5327/Z1414-4425201600020003
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. Paradoxalmente, não é alvo da atenção dos profissionais de saúde, uma vez que pacientes cirúrgicos são mantidos em jejum por até 216 horas5Aguilar-Nascimento JE, Dias ALA, Dock-Nascimento DB, Correia MITD, Campos ACL, Portari-Filho PE, et al. Actual preoperative fasting time in Brazilian hospitals: the BIGFAST multicenter study. Ther Clin Risk Manag. 2014;10:107-12. doi:https://doi.org/10.2147/TCRM.S56255
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.

A sede pode ser saciada por meio de dois mecanismos. A saciedade pós-absortiva ocorre quando o indivíduo ingere grandes volumes de líquidos para correção da osmolaridade do plasma6Saker P, Farrel MJ, Adib FRM, Egan GF, McKinley MJ, Denton DA. Regional brain responses associated with drinking water during thirst and after its satiation. Proc Natl Acad Sci. 2014;111(14):5379-84. doi: https://doi.org/10.1073/pnas.1403382111
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-7Eccles R, Du-Plessis L, Dommels Y, Wilkinson JE. Cold pleasure: why we like ice drinks, ice-lollies and ice cream. Appetite. 2013;71:357-60. doi: https://doi.org/10.1016/j.appet.2013.09.011
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. No entanto, esta ingestão é contraindicada em muitas situações clínicas5Aguilar-Nascimento JE, Dias ALA, Dock-Nascimento DB, Correia MITD, Campos ACL, Portari-Filho PE, et al. Actual preoperative fasting time in Brazilian hospitals: the BIGFAST multicenter study. Ther Clin Risk Manag. 2014;10:107-12. doi:https://doi.org/10.2147/TCRM.S56255
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. Recentes descobertas em fisiologia das sensações apresentam a saciedade pré-absortiva como solução alternativa1Zimmerman CA, Leib DE, Knight ZA. Neural circuits underlying thirst and fluid homeostasis. Nat Rev Neurosci. 2017;18(8):459-69. doi: https://doi.org/10.1038/nrn.2017.71
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-8Gizowski C, Bourque CW. The neural basis of homeostatic and anticipatory thirst. Nature Rev Nephrol. 2018;14(1):11-25. doi: https://doi.org/10.1038/nrneph.2017.149
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. Essa saciedade ocorre independentemente da absorção de água pelo trato gastrintestinal, utilizando mecanismos antecipatórios como deglutição, distensão gástrica, cognição e termorreceptores. Dessa forma, pequenos volumes de líquidos são suficientes para que o indivíduo atinja a saciedade, sem a necessidade de correção plasmática da osmolaridade1Zimmerman CA, Leib DE, Knight ZA. Neural circuits underlying thirst and fluid homeostasis. Nat Rev Neurosci. 2017;18(8):459-69. doi: https://doi.org/10.1038/nrn.2017.71
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-2Aloamaka EO, Amabebe E, Ozoene JO, Obika LFO. Thirst perception, drinking, arginine vasopressin activity and associated neurohumoral factors. J Afr Assoc Physiol Sci. 2018 [cited 2019 Sep 12];6(1):1-13. Available from: https://www.ajol.info/index.php/jaaps/article/view/175955
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,8Gizowski C, Bourque CW. The neural basis of homeostatic and anticipatory thirst. Nature Rev Nephrol. 2018;14(1):11-25. doi: https://doi.org/10.1038/nrneph.2017.149
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Estratégias frias para saciar a sede tem sido desenvolvidas e utilizadas com efetividade tanto no pré como no pós-operatório e com elevada aceitabilidade por parte do pacientes. Não obstante, seu uso ainda se restringe a poucas instituições. Ensaio clínico randomizado evidenciou que a utilização de estratégia fria, como o picolé de gelo, é mais efetivo para aliviar a intensidade da sede, quando comparado aos líquidos em temperatura ambiente9Conchon MF, Fonseca LF. Efficacy of an ice popsicle on thirst management in the immediate postoperative period: a randomized clinical trial. J Perianesth Nurs. 2018;33(2):153-61. doi: https://doi.org/10.1016/j.jopan.2016.03.009
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. No entanto, a avaliação da percepção da intensidade da sede, embora indicativa de alterações na osmolaridade3Arai SR, Butzlaff A, Stotts NA, Puntillo KA. Quench the thirst: lessons from clinical thirst trials. Biol Res Nurs. 2014;16(4):456-66. doi: https://doi.org/10.1177/1099800413505900
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,10Obika LFO, Ozoene JO. Estimation of plasma arginine vasopressin concentration using thirst perception and plasma osmolality values. Niger J Physiol Sci. 2014 [cited Sep 22];29(2):119-24. Available from: https://www.ajol.info/index.php/njps/article/view/122253/111735
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, configura-se como uma mensuração ainda subjetiva, passível de alterações individuais pela interocepção de cada ser humano11Stevenson RJ, Mahmut M, Rooney K. Individual differences in the interoceptive states of hunger, fullness and thirst. Appetite. 2015;95:44-57. doi: https://doi.org/10.1016/j.appet.2015.06.008
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.

Dessa forma, o aspecto das alterações hormonais envolvidos nesse complexo de saciedade ainda não foi suficientemente avaliado. Desconhece-se a influência da utilização do picolé de gelo sobre as alterações neuro-hormonais e osmóticas para o alcance da saciedade pré-absortiva da sede. Questiona-se, portanto, qual o comportamento de cada variável do estudo perante a utilização de estratégia fria com baixo volume. A hipótese que se apresenta é que haverá alteração no perfil hormonal e sobre os aspectos subjetivos como intensidade e desconforto da sede, por ação do picolé de gelo.

Diante desta lacuna, é relevante avaliar os efeitos do picolé de gelo sobre o perfil hormonal de vasopressina, osmolaridade, intensidade e desconforto da sede. Espera-se com este estudo ampliar a compreensão sobre os princípios fisiológicos envolvidos na efetividade do picolé de gelo em aliviar a sede.

MÉTODO

Estudo quantitativo, quase-experimental, laboratorial do tipo pré-teste/pós-teste, realizado um laboratório de análises clínicas, reconhecido nacionalmente no sul do Brasil.

A amostra do estudo constituiu-se de voluntários do sexo masculino, entre 18 e 40 anos que se declararam saudáveis. Foram convidados em sala de aula, alunos de graduação e pós-graduação que pudessem participar do estudo, seguindo-se de convite formal via eletrônica. O tamanho amostral baseou-se em estudos laboratoriais com voluntários, que investigaram a relação do sintoma sede com a osmolaridade sérica e AVP, os quais utilizaram amostras com quatro a 12 participantes3Arai SR, Butzlaff A, Stotts NA, Puntillo KA. Quench the thirst: lessons from clinical thirst trials. Biol Res Nurs. 2014;16(4):456-66. doi: https://doi.org/10.1177/1099800413505900
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. Portanto, optou-se por uma amostra intencional de nove voluntários.

Foram considerados como critérios de exclusão os voluntários fumantes, em uso de bebidas alcoólicas por menos de 24 horas antes da coleta de exames, náuseas, vômitos e diarreia por pelo menos uma semana antes da realização do estudo. O sexo feminino foi considerado critério de exclusão do estudo, devido às mudanças hormonais advindas do ciclo menstrual, bem como o uso de contraceptivos que interferirem na regulação dos fluidos corporais.

Utilizou-se a Escala Verbal Numérica (EVN) para mensurar a intensidade da sede. A escala apresenta pontuação entre zero e dez, representando o zero a ausência de sede e dez a sede mais intensa que o voluntário vivenciou12Gries K, Berry P, Harrington M, Crescioni M, Patel M, Rudell K, et al. Literature review to assemble the evidence for response scales used in patient reported outcome measures. J Patient Rep Outcome.2018;2:41. doi: https://doi.org/10.1186/s41687-018-0056-3
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.

A Escala do Desconforto da Sede Perioperatória (EDESP) foi aplicada para mensurar o desconforto da sede. A escala avalia sete atributos: boca seca, lábios ressecados, língua grossa, saliva grossa, garganta seca, gosto ruim na boca e vontade de beber água. O voluntário refere os atributos descritos em: nada, pouco ou muito incomodado. A pontuação da EDESP varia entre zero a 14, sendo que os valores mais elevados significam maior desconforto. Apresenta índice de validade de conteúdo de 0,98 e consistência interna avaliada pelo alfa de Cronbach de 0,9113Martins PR, Fonseca LF, Rosseto EG, Mai LD. Developing and validating the Perioperative Thirst Discomfort Scale. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03240. doi: https://doi.org/10.1590/s1980-220x2016029003240
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.

O picolé de gelo foi confeccionado em uma forma específica, com volume pré-determinado em 20 ml. Com o objetivo de mimetizar em laboratório o protocolo de manejo da sede, como é realizado na prática clínica em sala de recuperação anestésica (SRA), optou-se por ofertar o picolé ao voluntário por três vezes com uma periodicidade de 15 minutos9Conchon MF, Fonseca LF. Efficacy of an ice popsicle on thirst management in the immediate postoperative period: a randomized clinical trial. J Perianesth Nurs. 2018;33(2):153-61. doi: https://doi.org/10.1016/j.jopan.2016.03.009
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.

Anterior à coleta de dados foi enviado um panfleto com as instruções e preparo pré-coleta de dados ao voluntário. Neste, constavam instruções quanto a estar em jejum de sólidos e líquidos por 12 horas; não escovar os dentes e não enxaguar a boca na manhã da coleta dos exames (para evitar interferência do estímulo orofaríngeo da água e mentol durante a escovação); desprezar a diurese imediatamente após o despertar pela manhã; estar em abstenção de álcool por 24 horas e não realizar exercícios físicos 60 minutos antes da realização do protocolo. Todas essas informações foram reforçadas por mensagens via telefone celular na noite anterior à coleta de dados.

Foram realizados dois testes pilotos para adequação do método proposto. Inicialmente optou-se como método de indução da sede a infusão de solução salina hipertônica a 5%, por ser este, um método relatado em literatura3Arai SR, Butzlaff A, Stotts NA, Puntillo KA. Quench the thirst: lessons from clinical thirst trials. Biol Res Nurs. 2014;16(4):456-66. doi: https://doi.org/10.1177/1099800413505900
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. No entanto, durante a realização do procedimento, o voluntário apresentou grande desconforto no local da punção venosa com sinais flogísticos. Para o segundo teste piloto diminuiu-se a concentração da solução salina hipertônica para 2%, sem a ocorrência de eventos adversos. Os sujeitos que participaram dos testes piloto não compuseram a amostra final do estudo.

O período de coleta de dados ocorreu entre março e maio de 2018. Anteriormente a realização do protocolo os voluntários assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e coletadas as informações referentes a nome, idade e peso corporal.

O jejum de 12 horas e a infusão de solução salina hipertônica tiveram como objetivos, intensificar a elevação da osmolaridade do plasma. O peso corporal foi utilizado para realizar o cálculo prévio do volume de solução salina hipertônica infundido em cada voluntário, considerando o protocolo de 0,06 ml/kg/min. Portanto, o volume total de solução salina infundido foi individualizado, baseando-se no peso de cada voluntário. A concentração da solução e o tempo de infusão endovenosa da solução foram padronizados em 2% e 2 horas, respectivamente. A solução foi prescrita por um médico colaborador do grupo de pesquisa.

No dia agendado para a coleta, às 7h30min, os voluntários eram admitidos no laboratório de análises clínicas, acomodados em poltronas e aferidos pressão arterial (PA) e frequência cardíaca (FC). Foram realizados dois acessos venosos para coleta das amostras e infusão da solução salina. Iniciou-se a mensuração de intensidade e desconforto da sede antes da infusão da solução salina, por um enfermeiro pesquisador previamente treinado, utilizando a EVN e a EDESP. Paralelamente, foram coletadas amostras de AVP e osmolaridade sérica e urinária (Momento 1 - M1).

Iniciou-se a infusão de solução salina hipertônica a 2%, durante duas horas. A cada 15 minutos, foram avaliados os sinais vitais dos voluntários para detecção de possíveis alterações de pressão arterial e frequência cardíaca, que não ocorreram em nenhum dos procedimentos.

Após as duas horas de infusão, foram mensuradas intensidade e desconforto da sede e coletadas amostras sanguíneas de AVP e osmolaridade sérica, pelos técnicos do laboratório (Momento 2 - M2). Imediatamente após o término da coleta de sangue, o voluntário recebeu o primeiro picolé de gelo, sendo repetido o procedimento após 15 minutos (Momento 3 - M3), 30 minutos (Momento 4 - M4) e 45 minutos (Momento 5 - M5) (FIGURA 1). A figura 1 ilustra o protocolo utilizado para o desenvolvimento da pesquisa.

Figura 1 -
Protocolo de seguimento para coleta de dados, Londrina, PR, Brasil, 2018

As amostras sanguíneas de AVP foram armazenadas em tubos de coleta de sangue contendo ácido etilenodiaminotetracético e as amostras de osmolaridade sérica em tubo com gel separador. O tubo foi identificado com os dados pessoais do voluntário, horário da coleta e encaminhado à distribuição laboratorial. As amostras de AVP, posteriormente, foram encaminhadas a um laboratório especializado para análise do hormônio. Os resultados foram acessados no site dos laboratórios.

Para o processamento e análise dos dados foi estruturado um banco em planilha Excel 2010® e as análises estatísticas realizadas com auxílio do software IBM SPSS® versão 20.0. A normalidade dos dados foi verificada por meio do teste de Shapiro-Wilk. A variável osmolaridade urinária foi avaliada utilizando o teste t de Student para amostras dependentes. As variáveis AVP, osmolaridade sérica, intensidade e desconforto da sede foram analisados com análise de variância (ANOVA) para medidas repetidas. Caso detectada diferença estatística, foi realizado o post-hoc LSD de Fischer. A esfericidade dos dados foi avaliada pelo teste de Mauchly, quando esse pressuposto foi violado, foi utilizada a correção de Greenhouse-Geisser. O nível de significância adotado foi p < 0,05.

Em cumprimento à resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, o projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos, da Universidade Estadual de Londrina e recebeu aprovação, sob parecer favorável CAAE 79283417.1.0000.5231.

RESULTADOS

Nove voluntários saudáveis foram submetidos ao protocolo de pesquisa. O jejum absoluto de 12 horas foi bem tolerado pelos participantes, bem como a infusão endovenosa da solução salina hipertônica a 2%. A média de peso dos voluntários foi de 79,7 kg ± 9,58, a média de idade foi de 25,7 ± 5,35 anos.

O gráfico 1 apresenta o comportamento das variáveis osmolaridade e vasopressina.

Gráfico 1 -
Variação da média de osmolaridade sérica e vasopressina plasmática durante os cinco momentos de avaliação do protocolo; Londrina, PR, Brasil, 2018

Não houve diferença significativa entre os momentos para a variável AVP (F = 0,876 e p = 0,428). No entanto, observa-se oscilação nos valores ao longo do tempo (Gráfico 1). A AVP inicial (M1) de 5,90 pg/ml ± 2,90 aumentou após estímulo de indução da sede com solução salina hipertônica a 2% (M2) para 7,12 pg/ml ±3,59, acompanhando paralelamente a elevação da osmolaridade do plasma.

Entre os momentos 2 e 3, os voluntários receberam o primeiro picolé de gelo e após a estratégia houve redução da AVP para 6,41 pg/ml ±2,61 (M3). Isso corresponde a 10% de redução da concentração hormonal de AVP circulante. Observa-se no gráfico 1 que, neste momento as variáveis osmolaridade e AVP apresentaram tendências inversas (osmolaridade eleva-se, enquanto AVP reduz).

A queda da AVP continuou até o M4, reduzindo para 5,80 pg/ml ±2,68, equivalente a 9,51% de redução da concentração de AVP. Isso totaliza uma queda de 19,51% em relação ao M2 pós-infusional. No M5, a AVP voltou a aumentar para 6,63 pg/ml ±3,73 e a osmolaridade sérica apresentou a maior elevação de concentração desde o início do protocolo, 286,51 mOsm/kg.

O jejum de 12 horas (M1) e a infusão da solução salina hipertônica a 2% (M2) aumentaram a osmolaridade sanguínea de 270,65 mOsm/kg (M1) para 286,51 mOsm/kg (M5) (Gráfico 1). No entanto, não houve diferença estatisticamente significativa (F= 2,207 e p= 0,09) entre os momentos. Esta indução elevou a osmolaridade sérica, apresentando variação de 15,86 mOsm/kg. Em relação a osmolaridade média urinária inicial foi de 948,33 mOsm/kg (M1). Após o experimento (M5) houve queda para 819,44 mOsm/kg.

O Gráfico 2 representa o comportamento das variáveis intensidade e desconforto da sede durante todo o protocolo.

Gráfico 2 -
Variação da média de intensidade e desconforto da sede (EDESP) durante os cinco momentos de avaliação do protocolo; Londrina, PR, Brasil, 2018.

Após a indução da sede com jejum de 12 horas (M1) os voluntários apresentaram intensidade média de sede de 5,33 ±3,08 e desconforto 6,22 ±3,34. Após receber a solução salina hipertônica a 2%, houve aumento da média de intensidade da sede para 6,00 ±3,60 e desconforto para 7,00 ±4,03 (M2).

Em seguida, após receber a primeira, segunda e terceira intervenção, a média de intensidade da sede reduziu para 4,00 ±3,04, 2,89 ±1,96 e 2,33 ±1,80 em M3, M4 e M5, respectivamente. Houve diferença estatística na intensidade da sede entre esses momentos (F=10,00 e P= 0,001).

A média de desconforto da sede após M3, M4 e M5 reduziu para 3,78 ±2,68, 3,22 ±3,23 e 2,11 ±2,47, respectivamente. Houve diferença estatística no desconforto da sede entre esses momentos (F = 10,528; P < 0,001).

Para identificar entre quais momentos houve diferença estatística na intensidade e desconforto da sede, aplicou-se o post-hoc LSD de Fisher. Houve diferença significante entre M1 e M4, e M1 e M5. Ao final da infusão da solução, houve diferença entre M2 e M3, M2 e M4 e, M2 e M5.

O estudo apresentou Correlação de Pearson positiva e moderada (r= 0,68 e p=0,04) entre intensidade e desconforto da sede no M1 e correlação positiva e forte para o M2 (r=077 e p=0,01).

No M3, houve início da redução da intensidade e desconforto da sede e correlação positiva e fraca entre as variáveis (r=0,38 e p=0,30). A redução da intensidade e do desconforto da sede permaneceu entre o M4 (r=0,45 e p 0,021) e o M5 (r=0,55 e p=0,124), com correlação positiva e moderada.

DISCUSSÃO

O presente estudo apresenta uma abordagem inovadora, por avaliar o perfil fisiológico da AVP após estímulos orofaríngeos provocados pelo picolé de gelo. Isso indica que a estratégia fria gera inibição antecipatória da AVP e da sede sem a necessidade da absorção de água pelo trato gastrintestinal, uma vez que utilizou-se um volume de apenas 20 ml por picolé. Esses dados são relevantes, pois indicam que uma estratégia simples, possui a propriedade de alterar o hormônio AVP, intrinsecamente relacionado ao mecanismo homeostático dos fluidos celulares assim como a percepção da intensidade e desconforto da sede. A investigação da ação do picolé de gelo não somente na percepção subjetiva, mas também no perfil hormonal da sede, permitirá uma maior confiabilidade na adoção desta estratégia por parte da equipe de saúde que cuida do paciente com sede.

AVP é um hormônio liberado na corrente sanguínea em circunstancias de privação de água2Aloamaka EO, Amabebe E, Ozoene JO, Obika LFO. Thirst perception, drinking, arginine vasopressin activity and associated neurohumoral factors. J Afr Assoc Physiol Sci. 2018 [cited 2019 Sep 12];6(1):1-13. Available from: https://www.ajol.info/index.php/jaaps/article/view/175955
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. O primeiro estímulo da sede utilizado no presente estudo foi o jejum de 12 horas para sólidos e líquidos, o que resultou em uma média de AVP inicial de 5,90 pg/ml (M1). Considerando que a amostra foi composta por voluntários saudáveis, observa-se que o jejum foi suficiente para estimular a secreção da AVP, quando comparado aos níveis basais encontrados como referencia na literatura2Aloamaka EO, Amabebe E, Ozoene JO, Obika LFO. Thirst perception, drinking, arginine vasopressin activity and associated neurohumoral factors. J Afr Assoc Physiol Sci. 2018 [cited 2019 Sep 12];6(1):1-13. Available from: https://www.ajol.info/index.php/jaaps/article/view/175955
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A AVP é um hormônio sintetizado na região hipotalâmica pelos núcleos supra-ópticos (SON) e paraventriculares (PVH). Após sua produção, a AVP é armazenada na neuro-hipófise, para posteriormente, ser secretada na corrente sanguínea sob estímulos osmolares, volumétricos, orofaríngeos, gástricos ou por meio da angiotensina II14Bichet DG. Vasopressin and the regulation of thirst. Ann Nutr Metab. 2018;72(2):3-7. doi: https://doi.org/10.1159/000488233
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O principal estímulo para liberação da AVP é o aumento da osmolaridade plasmática. Cerca de 1 mOsm/kg de aumento na osmolaridade, desencadeia liberação de 0,4 a 0,8 pg/ml de AVP na corrente sanguínea. A concentração plasmática basal de AVP é inferior a 2 pg/ml2Aloamaka EO, Amabebe E, Ozoene JO, Obika LFO. Thirst perception, drinking, arginine vasopressin activity and associated neurohumoral factors. J Afr Assoc Physiol Sci. 2018 [cited 2019 Sep 12];6(1):1-13. Available from: https://www.ajol.info/index.php/jaaps/article/view/175955
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Neste estudo, observamos que a concentração da solução salina hipertônica a 2% elevou a osmolaridade sérica de 270,65 mOsm/kg (M1) para 273,53 mOsm/kg (M2), tendo um aumento de 2,88 mOsm/kg. Este aumento de aproximadamente 2 mOsm/kg estimulou a liberação de 0,4 pg/ml de AVP, resultando em 7,12 pg/ml de AVP circulantes após a infusão de solução salina e, consequente elevação da osmolaridade do plasma (M2). Estes resultados acompanham, portanto, os aspectos fisiológicos de perfil da AVP encontrados na literatura.

As médias de concentração plasmática de AVP, embora estatisticamente não significativas, alteraram-se visualmente após a aplicação do primeiro picolé de gelo. Houve queda da AVP de 7,12 pg/ml para 6,41 pg/ml (M3), e após a segunda intervenção (M4), a queda da AVP chegou a 5,80 pg/ml. Entretanto, observou-se um comportamento atípico da AVP em M5, pois ela volta a aumentar para 6,63 pg/ml, mesmo após receber a última intervenção. Neste momento, a osmolaridade do plasma elevou-se para 285,51 mOsm/kg.

Resultado semelhante foi encontrado em estudo que submeteu quatro voluntários saudáveis à desidratação utilizando alimentos secos e jejum de fluidos por 24 horas antes do início do protocolo do estudo. Após este período, foram ofertadas lascas de gelo durante 30 minutos de teste, com um volume total não excedendo 100 ml. Houve redução da AVP de 2,8 pg/ml para 1,8 pg/ml em apenas 10 minutos do protocolo. O estudo concluiu que os estímulos orofaríngeos provocados pelas lascas de gelo foram suficientes para alterar a AVP. Contudo, quando os voluntários receberam infusão hipertônica os estímulos osmóticos sobrepujaram aos estímulos provocados pelo frio em cavidade oral15Salata RA, Verbalis JG, Robinson AG. Cold water stimulation of oropharyngeal receptors in man inhibits release of vasopressina. J Clin Endocrinol Metabol. 1987;65(3):561-7. doi: https://doi.org/10.1210/jcem-65-3-561
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. Observa-se no presente estudo evento semelhante, pois a contínua elevação da osmolaridade, sem a correção dos fluídos com grandes volumes, elevou a AVP em M5.

A redução no perfil hormonal da AVP pode ser explicada pela presença de receptores orofaríngeos sensíveis a osmolaridade do fluido (osmoreceptores), pressão (mecanorreceptores) e temperatura (termorreceptores) do líquido na cavidade oral. Esses receptores são uns dos principais mecanismos antecipatórios envolvidos para inibição da sede7Eccles R, Du-Plessis L, Dommels Y, Wilkinson JE. Cold pleasure: why we like ice drinks, ice-lollies and ice cream. Appetite. 2013;71:357-60. doi: https://doi.org/10.1016/j.appet.2013.09.011
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,16Gizowski C, Bourque CW. Neurons that drive and quench thirst. Science. 2017;357(6356):1092-3. doi: https://doi.org/10.1126/science.aao5574
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-17Leib DE, Zimmerman CA, Poormoghaddam A, Huey EL, Ahn JS, Lin Y, et al. The forebrain thirst circuit drives drinking through negative reinforcement. Neuron. 2017;96(6):1272-81.e4. doi: https://doi.org/10.1016/j.neuron.2017.11.041
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e transmitem as informações recebidas na cavidade oral para áreas corticais e límbicas, como córtex cingulado, orbitofrontal e hipotálamo6Saker P, Farrel MJ, Adib FRM, Egan GF, McKinley MJ, Denton DA. Regional brain responses associated with drinking water during thirst and after its satiation. Proc Natl Acad Sci. 2014;111(14):5379-84. doi: https://doi.org/10.1073/pnas.1403382111
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,18Armstrong LE, Kavouras SA. Thirst and drinking paradigms: evolution from single factor effects to brainwide dynamic networks. Nutrients. 2019;11(2864). doi: https://doi.org/10.3390/nu11122864
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. É possível, dessa forma, gerar no organismo um processo de saciedade que independe da correção da osmolaridade sérica1Zimmerman CA, Leib DE, Knight ZA. Neural circuits underlying thirst and fluid homeostasis. Nat Rev Neurosci. 2017;18(8):459-69. doi: https://doi.org/10.1038/nrn.2017.71
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,7Eccles R, Du-Plessis L, Dommels Y, Wilkinson JE. Cold pleasure: why we like ice drinks, ice-lollies and ice cream. Appetite. 2013;71:357-60. doi: https://doi.org/10.1016/j.appet.2013.09.011
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,19Denton D, Shade R, Zamarippa F, Egan G, Blair-West J, McKinley M, et al. Neuroimaging of genesis and satiation of thirst and an interoceptor-driven theory of origins of primary consciousness. Proc Natl Acad Sci. 1999;96(9):5304-9. doi: https://doi.org/10.1073/pnas.96.9.5304
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Considerando que as variáveis foram controladas e não sofreram alteração do ambiente, hipotetiza-se que a queda da AVP após M2 ocorreu em virtude dos estímulos orofaríngeos provocados pelo picolé de gelo. Além disso, acredita-se que a estratégia tem efeito temporário de ação na redução da AVP via central, uma vez que a osmolaridade sérica continuou elevando-se durante o desenvolvimento do protocolo.

Ensaios clínicos randomizados conduzidos com pacientes cirúrgicos em sala de recuperação anestésica e período pré-operatório demonstraram uma redução estatisticamente significava na intensidade e desconforto da sede quando utilizado o picolé de gelo9Conchon MF, Fonseca LF. Efficacy of an ice popsicle on thirst management in the immediate postoperative period: a randomized clinical trial. J Perianesth Nurs. 2018;33(2):153-61. doi: https://doi.org/10.1016/j.jopan.2016.03.009
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. Dessa forma, é possível relacionar mensurações subjetivas da sede com concentrações de AVP e osmolaridade do plasma. Isto pode ser discutido, com base no estudo realizado para estimar a AVP plasmática e osmolaridade sérica utilizando a percepção da sede, por meio da escala visual analógica (EVA). Os resultados obtidos demonstram que há uma relação direta entre os valores da percepção da sede e osmolaridade sérica, para calcular a AVP plasmática10Obika LFO, Ozoene JO. Estimation of plasma arginine vasopressin concentration using thirst perception and plasma osmolality values. Niger J Physiol Sci. 2014 [cited Sep 22];29(2):119-24. Available from: https://www.ajol.info/index.php/njps/article/view/122253/111735
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A intensidade e desconforto da sede foram reduzidos significativamente após todas as intervenções. Esse comportamento pode ser justificado, pela efetividade de compostos frios em reduzir a sede9Conchon MF, Fonseca LF. Efficacy of an ice popsicle on thirst management in the immediate postoperative period: a randomized clinical trial. J Perianesth Nurs. 2018;33(2):153-61. doi: https://doi.org/10.1016/j.jopan.2016.03.009
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por envolver mecanismos antecipatórios1Zimmerman CA, Leib DE, Knight ZA. Neural circuits underlying thirst and fluid homeostasis. Nat Rev Neurosci. 2017;18(8):459-69. doi: https://doi.org/10.1038/nrn.2017.71
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O efeito do picolé de gelo sobre a intensidade e desconfortos da sede provocam sensações de refrescância, conferindo, portanto, agradabilidade e prazer. Além disso, a utilização de estratégias frias provoca estimulação salivar e hidratação labial7Eccles R, Du-Plessis L, Dommels Y, Wilkinson JE. Cold pleasure: why we like ice drinks, ice-lollies and ice cream. Appetite. 2013;71:357-60. doi: https://doi.org/10.1016/j.appet.2013.09.011
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, o que permite redução da secreção da AVP em poucos minutos17Leib DE, Zimmerman CA, Poormoghaddam A, Huey EL, Ahn JS, Lin Y, et al. The forebrain thirst circuit drives drinking through negative reinforcement. Neuron. 2017;96(6):1272-81.e4. doi: https://doi.org/10.1016/j.neuron.2017.11.041
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Assim, a gênese da sede apresenta intima relação com a elevação da osmolaridade, porém os mecanismos antecipatórios determinam precocemente a saciedade da sede muito antes da correção total dos níveis séricos da osmolaridade. Estudos observaram que a atividade dos neurônios do órgão subfornical (SFO) presente na lâmina terminal, responsáveis pela detecção da osmolaridade do plasma, foram inibidas em um minuto, apenas com a presença de água fria na cavidade oral20Zimmerman CA, Lin Y-C, Leib DE, Guo L, Huey EL, Daly GE. Thirst neurons antecipate the homeostatic consequences os eating and drinking. Nature. 2016;29;537(7622):680-4. doi: https://doi.org/10.1038/nature18950
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No presente estudo, observa-se que a osmolaridade do plasma ascende, enquanto que a urinaria diminui. Dentre todos os solutos presentes para controlar a pressão osmótica, o sódio (Na+) é o principal. O aumento do Na+ extracelular, mobiliza a água para fora da célula, até que ocorra equilíbrio entre as pressões osmóticas intra e extracelulares. A manutenção da osmolaridade entre os fluidos permite que o ser humano se mantenha hidratado2Aloamaka EO, Amabebe E, Ozoene JO, Obika LFO. Thirst perception, drinking, arginine vasopressin activity and associated neurohumoral factors. J Afr Assoc Physiol Sci. 2018 [cited 2019 Sep 12];6(1):1-13. Available from: https://www.ajol.info/index.php/jaaps/article/view/175955
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Optou-se pela dosagem da osmolaridade urinária para observar o seu comportamento em relação à osmolaridade do plasma, em presença de restrição de líquidos e estímulo para secreção de AVP. Na prática clínica, a presença de AVP pode ser inferida pela concentração urinária dos solutos, e, sua consequente presença no plasma. O achado reforça a hipótese do estudo de que há redução da AVP por estímulos orofaríngeos e não por diminuição da osmolaridade plasmática, uma vez que a queda da osmolaridade urinária acompanhou a queda da AVP.

Em suma hipotetiza-se que o picolé de gelo estimula a cavidade orofaríngea e, portanto, atua nos mecanismos antecipatórios que desencadeiam estímulos à nível central levando à redução tanto da intensidade e desconforto da sede, como à inibição hormonal temporária da vasopressina. Não se pode atribuir a queda da AVP ao mecanismo pós-absortivo, uma vez que não houve a correção da osmolaridade plasmática com a utilização do picolé de gelo devido à seu pequeno volume.

É necessário que novos estudos clínicos laboratoriais sejam desenvolvidos, para elucidar o comportamento hormonal dos indivíduos que experienciam a sede, principalmente pacientes crônicos, cirúrgicos e graves, além de preencher as lacunas existentes no processo de saciedade. Compreender a atividade hormonal do mecanismo da sede possibilita às equipes saúde optar por estratégias efetivas para o alívio deste desconforto.

As limitações do estudo estão relacionadas ao tamanho amostral e a necessidade de comparação do comportamento dessas variáveis com um grupo controle. Recomenda-se, portanto, a realização de novos estudos que comparem o perfil hormonal da AVP, bem como angiotensina II, em indivíduos que receberam o picolé de gelo em relação à manutenção do jejum.

CONCLUSÃO

Houve redução na intensidade e desconforto da sede após a utilização do picolé de gelo. Não houve diferença estatística para a queda da AVP e aumento da osmolaridade entre os momentos. Entretanto, observou-se redução no perfil fisiológico hormonal da AVP ao receber o tratamento, durante os primeiros 30 minutos de intervenção.

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  • Financiamento:

    Fundação Araucária/Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2019
  • Aceito
    05 Maio 2020
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