Acessibilidade / Reportar erro

Sondagem enteral: concordância entre teste de ausculta e raio-x na determinação do posicionamento da sonda

Resumos

Objetivo:

Avaliar a concordância entre o teste de ausculta e o raio-X na detecção do posicionamento da sonda enteral.

Métodos:

Estudo transversal realizado

em um Centro de Terapia Intensiva do sul do Brasil, em 2011. Enfermeira assistencial e enfermeira pesquisadora realizaram teste de ausculta registrando suas impressões quanto ao posicionamento da sonda enteral em 80 pacientes. Uma médica avaliou o raio-X. Coeficiente Kappa e PABAK avaliaram as concordâncias.

Resultados:

O raio-X mostrou 70% das sondas enterais no estômago, 27,4% no duodeno, 1,3% no esôfago e 1,3% no pulmão direito. Houve fraca concordância entre enfermeira assistencial e enfermeira pesquisadora (PABAK =0,054; P=0,103), enfermeira assistencial e raio-X (PABAK=0,188; P=0,111) e enfermeira pesquisadora e raio-X (PABAK =0,128; P=0,107). O teste de ausculta não detectou duas condições de risco, sonda enteral no esôfago e no brônquio.

Conclusão:

O teste de ausculta mostrou-se pouco concordante com o raio-X na localização da sonda enteral.

Auscultação; Intubação gastrointestinal; Enfermagem


Objective:

to evaluate the correlation between the auscultation test and X-ray when detecting the position of an enteral feeding tube.

Methods:

cross-sectional study in an intensive care unit in southern Brazil, in 2011. Clinical nurse and nurse researcher performed auscultation test recording the impressions regarding the placement of an enteral feeding tube in 80 patients. A doctor evaluated the X-ray. Kappa coefficient and PABAK reviewed the agreements.

Results:

The X-ray showed that 70% of the enteral tubes were in the stomach, 27.4% in the duodenum, 1.3% in the esophagus, and 1.3% in the right lung. There was a weak correlation between clinical nurses and nurse researchers (PABAK = 0.054; P = 0.103), clinical nurses and X-rays (PABAK = 0.188; P = 0.111) and nurse researchers and X-rays (PABAK = 0.128; P = 0.107) . The auscultation test did not detect two risk conditions, enteral feeding tube in the esophagus and the bronchus.

Conclusion:

the auscultation test showed little agreement with the X-ray on the enteral feeding tube location.

Auscultation; Gastrointestinal intubation; Nursing


Objetivo:

evaluar la concordancia entre test de ausculta y Rayo-X en la detección del posicionamiento de la sonda enteral.

Métodos:

estudio transversal en un Centro de Terapia Intensiva del sur de Brasil (2011). Enfermero asistencial y enfermero investigadora realizaron teste de ausculta y registraron sus impresiones en 80 pacientes. Una médica evaluó el Rayo-X. Coeficiente Kappa y PABAK evaluaron las concordancias.

Resultados:

Rayo-X mostro 70% de las sondas enterales en el estómago, 27,6% en el duodeno, 1,3% en el esófago y 1,3% en el pulmón derecho. Hubo débil concordancia entre enfermero asistencial y enfermero investigadora (PABAK =0,054; P=0,103), enfermero asistencial y Rayo-X (PABAK=0,188; P=0,111) y enfermero investigador y Rayo-X (PABAK =0,128; P=0,107). El teste de ausculta no ha detectado dos condiciones de riesgo, sonda enteral en el esófago y en el bronquio.

Conclusión:

teste de ausculta se ha mostrado poco concordante con el Rayo-X en la posición de la sonda enteral.

Auscultación; Intubación gastrointestinal; Enfermería


INTRODUÇÃO

A sonda enteral (SE) é o dispositivo utilizado para fornecer aporte calórico a pacientes impossibilitados total ou parcialmente de ingeri-lo por via oral(11. Kattelmann K, Hise M, Russell M, Charney P, Stokes M, Compher C. Preliminary evidence for a medical nutrition therapy protocol: enteral feedings for critically ill patients. J Am Diet Assoc. 2006;106:1226-41.). A inserção da sonda não é um procedimento isento de complicações. A despeito da frequência na qual ocorrem, por seu potencial de dano, as complicações relacionadas ao mau posicionamento da ponta distal da sonda, com consequente administração de dieta no trato respiratório, são as de maior risco(22. Agha R, Siddiqui MRS. Pneumotorax after nasogastric tube insertion. JRSM Rep. 2011;2(4):28.

3. Takwoingi YM. Inadvertent insertion of a nasogastric tube into both main bronchi of an awake patient: a case report. Cases J. 2009;2:6914.
-44. Stayner JL, Bhatnagar A, McGinn AN, Fang JC. Feeding tube placement: errors and complications. Nutr Clin Pract. 2012;27(6):738-48.).

Em pacientes críticos, frequentes usuários destes dispositivos, ainda maior atenção deve ser dada, já que fatores comuns como a adoção de posição supina, presença de resíduo gástrico, vômitos e uso de ventilação mecânica podem contribuir para aspiração de conteúdo gástrico(55. Sparks DA, Chase DM, Coughlin LM, Perry E. Pulmonary complications of 9931 narrow-bore nasoenteric tubes during blind placement: a critical review. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2011;35(5):625-9.). Também, o risco de aspiração aumenta quando a sonda é posicionada próxima à transição esofagogástrica, estimulando refluxo gastroesofágico, ou quando ocorre deslocamento após tosse, náusea ou vômito(66. Malta MA, Carvalho-Junior AF, Andreollo NA, Freitas MIP. Medidas antropométricas na introdução da sonda nasogástrica para nutrição enteral empregando esofagogastroduodenoscopia. Arq Bras Cir Dig. 2013;26(2):107-11.).

Existem poucos estudos sobre a técnica de inserção e confirmação do posicionamento da SE(77. Leães MD, Mello E, Beghetto M, de Silva Assis MC. Enteral feeding tubes: are insertion techniques and positioning based on anatomical evidence? Nutr Health. 2012;21(3)193-200.). De fato, na prática, a sondagem enteral é descrita de diferentes formas. Apesar de a recomendação comum ser de inserção às cegas (ou seja, sem que o enfermeiro veja o trajeto que a sonda percorre) não há, por exemplo, um único padrão de comprimento de sonda que deva ser introduzida a fim de que a ponta distal atinja o estômago(44. Stayner JL, Bhatnagar A, McGinn AN, Fang JC. Feeding tube placement: errors and complications. Nutr Clin Pract. 2012;27(6):738-48.,66. Malta MA, Carvalho-Junior AF, Andreollo NA, Freitas MIP. Medidas antropométricas na introdução da sonda nasogástrica para nutrição enteral empregando esofagogastroduodenoscopia. Arq Bras Cir Dig. 2013;26(2):107-11.

7. Leães MD, Mello E, Beghetto M, de Silva Assis MC. Enteral feeding tubes: are insertion techniques and positioning based on anatomical evidence? Nutr Health. 2012;21(3)193-200.
-88. Chen YC, Wang LY, Chang YJ, Yang CP, Wu TJ, Lin FR, et al. Potential risk of malposition of nasogastric tube using nose-ear-xiphoid measurement. PLoS One. 2014;9(2):1-7.).

Na tentativa de minimizar complicações relacionadas ao posicionamento inadequado da sonda, após a inserção e antes da administração de dieta são adotados testes clínicos, a beira do leito, para estimar se a ponta distal da sonda encontra-se, efetivamente, no estômago ou intestino. O teste de ausculta é o método de verificação mais empregado por enfermeiros na prática clínica(77. Leães MD, Mello E, Beghetto M, de Silva Assis MC. Enteral feeding tubes: are insertion techniques and positioning based on anatomical evidence? Nutr Health. 2012;21(3)193-200.). Outro teste utilizado é a medida do pH (potencial de Hidrogênio) do resíduo aspirado através da SE(99. Stock A, Gilbertson HR, Babi FE. Confirming nasogastric tube position in the emergency department: pH testing is reliable. Pediatr Emerg Care. 2008;24(12):805-9.-1010. Simons SR, Abdallah LM. Bedside assessment of enteral tube placement: aligning practice with evidence. AJN. 2012;112(2):40-6.). O resultado isolado de um destes testes, ou combinação entre eles, apoia o enfermeiro para emitir sua impressão sobre a localização anatômica da ponta distal da sonda. No entanto, não há estudos que documentem a validação e acurácia diagnóstica destes testes em predizer adequadamente a localização anatômica da ponta distal da sonda. Sendo assim, o raio-x ainda é o método diagnóstico de referência para essa finalidade(1010. Simons SR, Abdallah LM. Bedside assessment of enteral tube placement: aligning practice with evidence. AJN. 2012;112(2):40-6.).

Considerando o grande número de pacientes submetidos ao procedimento de sondagem enteral e os potenciais danos relacionados à administração de dieta e medicamentos fora do estômago ou intestino, bem como a escassez de literatura sobre a confiabilidade dos meios adotados pelos enfermeiros para estabelecer a localização anatômica da SE, o presente estudo, derivado de dissertação(1111. Leães DM. Avaliação do procedimento de inserção de sonda enteral [dissertação]. Porto Alegre (RS): Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2012.), objetivou avaliar a concordância entre o teste de ausculta e o raio-x na detecção do posicionamento da sonda enteral.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal realizado no Centro de Terapia Intensiva (CTI) Adulto de um hospital universitário de Porto Alegre/RS. A coleta dos dados deu-se no ano de 2011.

De modo consecutivo, incluíram-se adultos (≥ 18 anos), de ambos os sexos, com indicação de sondagem enteral. Foram excluídos pacientes submetidos à cirurgia de cabeça e pescoço, com diagnóstico de câncer de esôfago e/ou estômago ou com outra alteração anatômica que pudesse interferir o procedimento de inserção da SE.

Após o médico assistente prescrever a sondagem enteral, o enfermeiro assistencial (EA), seguindo a recomendação institucional padrão para o procedimento de inserção da sonda, instalou a sonda, realizou teste de ausculta a beira do leito e emitiu um parecer por escrito sobre sua impressão quanto à localização anatômica da SE, em um formulário próprio. A enfermeira pesquisadora (EP) acompanhou todas as inserções de SE. De modo cego para o parecer da EA, também procedeu ao teste de ausculta e registrou seu parecer em formulário independente do utilizado pela EA. Todos os pacientes foram submetidos, na sequência, ao raio-x para a confirmação da localização da sonda, uma vez que este teste é o padrão de referência para a identificação do posicionamento da ponta distal da SE. De modo independente, sem ter informações sobre os pacientes e cega para a impressão dos enfermeiros, uma médica analisou cada raio-x e, em formulário específico, registrou o local anatômico de posicionamento da sonda (padrão de referência). Todos os pacientes utilizaram o mesmo tipo de sonda radiopaca, com ponteira distal de tungstênio e fio guia em aço, 10Fr, (MEDICONER(r), Brasil).

Para avaliar a concordância entre a impressão dos enfermeiros e a localização anatômica da sonda, evidenciada pelo raio-X, foi mensurado o coeficiente de concordância Kappa e PABAK (Prevalence and Bias Adjusted Kappa).

O cálculo amostral foi baseado nos dados obtidos em estudo realizado com cadáveres(1212. Hanson RL. Predictive criteria for length of nasogastric tube insertion for tube feeding. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 1979;3(3):160-3.) que encontrou 72% de sucesso de inserções das SE em porção gástrica utilizando a mesma técnica padronizada na instituição sede do estudo. Para obter o Kappa de 0,8 com intervalo de confiança de 0,3, nível de significância de 5% e poder de 80%, foi estimada a necessidade de inclusão de 79 pacientes (158 pares de observações). A amostra final foi composta por 80 pacientes.

A pesquisa recebeu prévia aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (Protocolo nº 100314/2010) quanto aos seus aspectos éticos e metodológicos. O termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi assinado pelas enfermeiras assistênciais que participaram da pesquisa. Para os pacientes foi dispensado o TCLE por não serem esperados riscos adicionais, além daqueles inerentes ao procedimento de inserção de sonda enteral, que ocorreram de modo independente da realização do presente estudo. O termo de consentimento para utilização dos dados foi assinado pelos pesquisadores junto à instituição sede do estudo.

RESULTADOS

Foram avaliados 80 procedimentos, em 80 pacientes, cuja idade foi 55,8±18,1 anos, sendo predominantemente homens (61,3%), em uso de ventilação mecânica (61,3%).

O raio-X de controle mostrou que 70% (n=56) das sondas tiveram a ponta distal localizada no estômago, 27,4% (n=22) no duodeno, 1,3% (n=1) na terceira porção do esôfago e 1,3% (n=1) no pulmão direito. Houve muito fraca concordância entre a impressão da enfermeira assistencial e a localização da ponta distal da sonda, evidenciada pelo raio-X (PABAK=0,188; P=0,111), entre a impressão da enfermeira pesquisadora e a posição da sonda confirmada pelo raio-X (PABAK =0,128; P=0,107) e entre a enfermeira assistencial e a enfermeira pesquisadora (PABAK =0,054; P=0,103), conforme demonstrado no Quadro 1.

Quadro 1
- Concordância entre os pareceres emitidos pelos observadores: (a) Médica (colunas) vs Enfermeira assistencial (linhas), (b) Médica (colunas) vs Enfermeira Pesquisadora (linhas) e (c) Enfermeira Pesquisadora (colunas) vs Enfermeira assistencial (linhas) quanto a localização anatômica da ponta distal da sonda enteral. Porto Alegre/RS, Brasil, 2011

Em uma das sondagens enterais, embasada nos testes a beira do leito, a EA afirmou não saber onde se localizava a sonda, o que não ocorreu com a pesquisadora. Ambas não identificaram duas condições de elevado risco para os pacientes: inserção da sonda no esôfago distal (n=1) e no brônquio direito (n=1). Enquanto a pesquisadora identificou maior número de sondas posicionadas no estômago (n=50), as enfermeiras assistenciais discordaram menos quando a ponta localizou-se no intestino (n=10).

Com vistas a identificar se o teste empregado à beira do leito pelos enfermeiros e, repetido pela pesquisadora, foi capaz de estimar o segmento do trato digestório no qual a ponta distal da sonda foi posicionada, analisamos exclusivamente aqueles resultados que determinavam que a ponta distal da sonda estava no estômago ou intestino, excluindo-se a localização no esôfago, pulmão, ou "não sei". Igualmente foi identificada baixa concordância entre médica e EA (Kappa=0,215; P=0,118), médica e pesquisadora (Kappa=0,142; P=0,114) e entre pesquisadora e EA (Kappa=0,052; P=0,107) (Quadro 2).

Quadro 2
- Concordância entre os pareceres emitidos pelos observadores: (a) Médica (colunas) vs Enfermeira assistencial (linhas), (b) Médica (colunas) vs Pesquisadora (linhas) e (c) Pesquisadora (colunas) vs Enfermeira assistencial (linhas) quanto a localização anatômica da ponta distal da sonda enteral no estômago ou intestino. Porto Alegre/RS, Brasil, 2011

DISCUSSÃO

No presente estudo verificamos que o teste de ausculta empregado a beira do leito mostrou-se pouco concordante com a imagem (raio-X) na identificação da localização anatômica da ponta distal da sonda enteral. Em dois dos 80 pacientes, inclusive, o uso da sonda sem a confirmação radiológica do seu posicionamento poderia ter causado danos críticos aos pacientes, tais como, aspiração de dieta ou infusão de dieta no trato respiratório, o que não ocorreu.

Embora a utilização de sondas enterais seja comum no meio hospitalar, poucos são os estudos que descrevem as taxas de complicações relacionadas ao mau posicionamento e a administração de dieta e/ou medicações através deste dispositivo. Um estudo(1313. Sorokin R, Gottlieb JE. Enhancing patient safety during feeding-tube insertion: a review of more than 2000 insertions. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2006;30(5):135-42.) realizado em diferentes unidades de um hospital terciário nos Estados Unidos, revisou laudos radiográficos avaliando o posicionamento de sondas enterais. Em 3.789 sondagens enterais realizadas no período de 2001 a 2004, em 1,3% (n=50) a ponta distal da SE estava em sítios traqueopulmonares. As semelhanças com nossos achados não estão somente na proporção de maus posicionamentos, também a maioria dos pacientes estava em ventilação mecânica (n=26) e, a ponta distal da sonda estava localizada no brônquio direito (n=34).

Outros estudos(1414. Metheny NA, Stewart BJ, McClave SA. Relationship between feeding tube site and respiratory outcomes. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2011;35(3):346-55.-1515. Marco J, Barba R, Lazaro M, Matía P, Plaza S, Canora J, et al. Bronchopulmonary complications associated to enteral nutrition devices in patients admitted to internal medicine departments. Rev Clin Esp. 2013;213(5):223-8.) demonstram a associação entre o uso de SE e a ocorrência de pneumonia aspirativa. Em análises retrospectivas, um destes estudos(1414. Metheny NA, Stewart BJ, McClave SA. Relationship between feeding tube site and respiratory outcomes. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2011;35(3):346-55.) encontrou que um a cada três pacientes que utilizavam SE apresentaram complicações pulmonares, além de um aumento de 59% na probabilidade de morrer durante a internação, quando comparados com pacientes que utilizavam gastrostomias ou jejunostomias. Ainda que a temática seja relevante, a produção científica, principalmente de estudos prospectivos, é escassa. Encontra-se, em maior proporção na literatura, estudos de caso e séries de caso relatando pneumotórax hipertensivo, síndrome da angústia respiratória aguda, pneumonia aspirativa, fístula traqueoesofágica, entre outras complicações relacionadas ao uso de SE(22. Agha R, Siddiqui MRS. Pneumotorax after nasogastric tube insertion. JRSM Rep. 2011;2(4):28.

3. Takwoingi YM. Inadvertent insertion of a nasogastric tube into both main bronchi of an awake patient: a case report. Cases J. 2009;2:6914.
-44. Stayner JL, Bhatnagar A, McGinn AN, Fang JC. Feeding tube placement: errors and complications. Nutr Clin Pract. 2012;27(6):738-48.,1616. Freeberg SY, Carrigan TP, Culver DA, Guzman JA. Case series: tension pneumothorax complicating narrow-bore enteral feeding tube placement. J Intensive Care Med. 2010;25(5):281-5.) contudo, essas publicações ainda geram baixo nível de evidência.

Considerando este cenário e a ampla utilização do teste de ausculta para confirmação da localização anatômica da SE(1010. Simons SR, Abdallah LM. Bedside assessment of enteral tube placement: aligning practice with evidence. AJN. 2012;112(2):40-6.) na prática clínica, o presente estudo alinha-se com publicações recentes(1717. Turgay AS, Khorshid L. Effectiveness of the auscultatory and pH methods in predicting feeding tube placement. J Clin Nurs. 2010;19(11/12):1553-9.-1818. Boeykens K, Steeman E, Duysburgh I. Reliability of pH measurement and the auscultatory method to confirm the position of a nasogastric tube. Int J Nurs Stud. 2014;51(11):1427-33.) que compararam a utilização do testes a beira do leito (teste de ausculta e do pH) ao raio-X (padrão de referência). O primeiro estudo(1717. Turgay AS, Khorshid L. Effectiveness of the auscultatory and pH methods in predicting feeding tube placement. J Clin Nurs. 2010;19(11/12):1553-9.) avaliou 44 pacientes internados em um Centro de Terapia Intensiva (CTI), submetidos a sondagem enteral por enfermeiras, que também realizaram o teste de ausculta e emitiram seu parecer. Os autores encontraram dados concordantes com os apresentados no presente estudo. De todos os procedimentos, as enfermeiras afirmaram que a ponta da SE estava no estômago em 40 casos (90,9%), quando o raio-X evidenciou 39 (88,6%) sondas nesta localização, resultando em uma concordância fraca (K = 0,112, p = 0,453). Os autores destacam que das cinco SEs que não estavam no estômago (três no piloro e duas no esôfago), quatro foram confirmadas pelas enfermeiras como localizadas no estômago.

Em outra publicação(1818. Boeykens K, Steeman E, Duysburgh I. Reliability of pH measurement and the auscultatory method to confirm the position of a nasogastric tube. Int J Nurs Stud. 2014;51(11):1427-33.), que também avaliou os testes de ausculta e do pH, 331 sondagens enterais foram realizadas em 314 pacientes, sendo que 24,2% (n=76) estavam internados em CTI. O teste de ausculta foi realizado em todos os procedimentos, ao passo que o raio-X em 301. Identificou-se sensibilidade de 79% e especificidade de 61% do teste de ausculta em identificar corretamente a posição gástrica da SE. É interessante destacar que os autores relacionam a clareza da ausculta (volume do ruído) com a probabilidade de acertos em localizar a posição da sonda. Relatam que nos casos em que baixo som ou nenhum som foi auscultado a ponta distal da SE se localizava no esôfago (n=9), no pulmão (n=3); no duodeno (n=2) e na traqueia (n=5). Os autores destes dois últimos estudos(1717. Turgay AS, Khorshid L. Effectiveness of the auscultatory and pH methods in predicting feeding tube placement. J Clin Nurs. 2010;19(11/12):1553-9.-1818. Boeykens K, Steeman E, Duysburgh I. Reliability of pH measurement and the auscultatory method to confirm the position of a nasogastric tube. Int J Nurs Stud. 2014;51(11):1427-33.) desencorajam a utilização do teste de ausculta, sugerindo a adoção da mensuração do pH do resíduo gástrico como uma alternativa mais confiável para testar, a beira do leito, a localização da ponta distal da SE.

Neste último estudo(1818. Boeykens K, Steeman E, Duysburgh I. Reliability of pH measurement and the auscultatory method to confirm the position of a nasogastric tube. Int J Nurs Stud. 2014;51(11):1427-33.) os autores sugerem que testes de pH de resíduo gástrico com valores ≤5,5 são preditores de que a SE esteja localizada no estômago. No entanto, admitem que este valor de pH pode ser encontrado quando a SE está em posição esofágica. No trabalho anteriormente mencionado(1717. Turgay AS, Khorshid L. Effectiveness of the auscultatory and pH methods in predicting feeding tube placement. J Clin Nurs. 2010;19(11/12):1553-9.) os autores foram categóricos em recomendar o emprego do teste de pH, ainda que o estudo conduzido por eles tenha incluído um pequeno número de pacientes e que o papel de covariáveis intervenientes nos valores do pH do resíduo não tenham sido avaliadas. Nesse sentido, é importante ressaltar que, apesar destes estudos clínicos sugerirem boa acurácia do teste de pH, na prática, ele pode ser de afetado por várias condições como alcalose ou acidose metabólica, uso de antiácidos (inibidores da bomba de prótons e antagonistas de receptores H2), ou volume do resíduo gástrico, o que não foi ajustado ou isolado nestes últimos estudos.

Em uma revisão sistemática(1919. Fernandez RS, Chau JPC, Thompson DR. Accuracy of biochemical markers for predicting nasogastric tube placement in adults: a systematic review of diagnostic studies. Int J Nurs Stud. 2010;47(8):1037-46.) sobre a acurácia do pH e outros marcadores bioquímicos como preditores da localização da SE, as evidências foram consideradas limitadas, principalmente por não existir estudos com robustez metodológica, nem consenso com relação ao ponto de corte para o valor do pH.

Na prática, inserir, identificar e manter a sonda no sítio anatômico apropriado pode ser um desafio. Uma tecnologia, mais acessível em meio hospitalar, é a ultrassonografia. Ainda não foram publicados estudos suficientemente consistentes para determinar a acurácia deste teste diagnóstico na confirmação do posicionamento da SE. Ainda assim, os trabalhos disponíveis(2020. Kim HM, So BH, Jeong WJ, Choi SM, Park KN. The effectiveness of ultrasonography in verifying the placement of a nasogastric tube in patients with low consciousness at an emergency center. Scand J Trauma Resusc Emerg Med. 2012;38(20):1-6.-2121. Chenaitia H, Brun PM, Querellou E, Leyral J, Bessereau J, Aimé C, et al. Ultrasound to confirm gastric tube placement in prehospital management. Resuscitation. 2012;83(4):447-51.) sugerem que essa tecnologia é promissora para a prática clínica (sensibilidade próxima a 100% e especificidade entre 67% e 100%).

Em um destes estudos(2020. Kim HM, So BH, Jeong WJ, Choi SM, Park KN. The effectiveness of ultrasonography in verifying the placement of a nasogastric tube in patients with low consciousness at an emergency center. Scand J Trauma Resusc Emerg Med. 2012;38(20):1-6.) foram comparados o teste de ausculta e a ultrassonografia com o padrão de referência (raio-X). É interessante ressaltar que os autores encontraram concordância superior ao nosso estudo quando comparado teste de ausculta vs raio-X (K=0,484). Nesse estudo, a ultrassonografia foi considerada pelos autores como um método eficiente para confirmar os resultados da ausculta na inserção de SE em pacientes com rebaixamento do sensório. Como vantagem a ultrassonografia realizada a beira do leito reduziria a exposição à radiação, o tempo entre inserção e confirmação do posicionamento da sonda, além de permitir a verificação diária da localização da ponta distal da SE, acrescendo segurança ao paciente.

Por tratar-se da avaliação de concordância entre profissionais, as limitações deste estudo podem estar relacionadas à experiência, tanto dos enfermeiros assistências, quanto da enfermeira pesquisadora em detectar o posicionamento da sonda enteral através do teste de ausculta. Pode ser necessário conduzir estudos que permitam isolar o efeito de variáveis como anos de experiência profissional ou número de inserções de sondas enterais em determinado período de tempo, que não foram objetos nesta pesquisa.

Novos estudos clínicos, com inclusão de maior número de pacientes e adotando metodologias que promovam maiores níveis de evidência, devem ser conduzidos com vistas a descrever e testar outras tecnologias para identificação da posição da SE. Faz-se necessário o estabelecimento de padrões de execução de atividades rotineiras do enfermeiro, visando melhoria na segurança do paciente, atendendo a políticas de qualidade. Neste sentido, os achados do presente estudo contribuem para subsidiar a formação do enfermeiro, no que se refere à segurança no procedimento de inserção da sonda enteral, ampliando a perspectiva de pesquisa nesta área.

CONCLUSÃO

No presente estudo verificamos que a impressão da enfermeira assistencial e da pesquisadora para o teste clínico de ausculta, empregado a beira do leito, mostrou-se pouco concordante com a imagem (raio-X) na identificação da localização anatômica da ponta distal da sonda enteral. Embora o teste de ausculta seja amplamente utilizado na prática clínica e ensinado na formação de enfermeiros, ele não deve ser utilizado isoladamente, o que mantém o raio-X como exame padrão nessa condição.

REFERENCES

  • 1
    Kattelmann K, Hise M, Russell M, Charney P, Stokes M, Compher C. Preliminary evidence for a medical nutrition therapy protocol: enteral feedings for critically ill patients. J Am Diet Assoc. 2006;106:1226-41.
  • 2
    Agha R, Siddiqui MRS. Pneumotorax after nasogastric tube insertion. JRSM Rep. 2011;2(4):28.
  • 3
    Takwoingi YM. Inadvertent insertion of a nasogastric tube into both main bronchi of an awake patient: a case report. Cases J. 2009;2:6914.
  • 4
    Stayner JL, Bhatnagar A, McGinn AN, Fang JC. Feeding tube placement: errors and complications. Nutr Clin Pract. 2012;27(6):738-48.
  • 5
    Sparks DA, Chase DM, Coughlin LM, Perry E. Pulmonary complications of 9931 narrow-bore nasoenteric tubes during blind placement: a critical review. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2011;35(5):625-9.
  • 6
    Malta MA, Carvalho-Junior AF, Andreollo NA, Freitas MIP. Medidas antropométricas na introdução da sonda nasogástrica para nutrição enteral empregando esofagogastroduodenoscopia. Arq Bras Cir Dig. 2013;26(2):107-11.
  • 7
    Leães MD, Mello E, Beghetto M, de Silva Assis MC. Enteral feeding tubes: are insertion techniques and positioning based on anatomical evidence? Nutr Health. 2012;21(3)193-200.
  • 8
    Chen YC, Wang LY, Chang YJ, Yang CP, Wu TJ, Lin FR, et al. Potential risk of malposition of nasogastric tube using nose-ear-xiphoid measurement. PLoS One. 2014;9(2):1-7.
  • 9
    Stock A, Gilbertson HR, Babi FE. Confirming nasogastric tube position in the emergency department: pH testing is reliable. Pediatr Emerg Care. 2008;24(12):805-9.
  • 10
    Simons SR, Abdallah LM. Bedside assessment of enteral tube placement: aligning practice with evidence. AJN. 2012;112(2):40-6.
  • 11
    Leães DM. Avaliação do procedimento de inserção de sonda enteral [dissertação]. Porto Alegre (RS): Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2012.
  • 12
    Hanson RL. Predictive criteria for length of nasogastric tube insertion for tube feeding. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 1979;3(3):160-3.
  • 13
    Sorokin R, Gottlieb JE. Enhancing patient safety during feeding-tube insertion: a review of more than 2000 insertions. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2006;30(5):135-42.
  • 14
    Metheny NA, Stewart BJ, McClave SA. Relationship between feeding tube site and respiratory outcomes. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2011;35(3):346-55.
  • 15
    Marco J, Barba R, Lazaro M, Matía P, Plaza S, Canora J, et al. Bronchopulmonary complications associated to enteral nutrition devices in patients admitted to internal medicine departments. Rev Clin Esp. 2013;213(5):223-8.
  • 16
    Freeberg SY, Carrigan TP, Culver DA, Guzman JA. Case series: tension pneumothorax complicating narrow-bore enteral feeding tube placement. J Intensive Care Med. 2010;25(5):281-5.
  • 17
    Turgay AS, Khorshid L. Effectiveness of the auscultatory and pH methods in predicting feeding tube placement. J Clin Nurs. 2010;19(11/12):1553-9.
  • 18
    Boeykens K, Steeman E, Duysburgh I. Reliability of pH measurement and the auscultatory method to confirm the position of a nasogastric tube. Int J Nurs Stud. 2014;51(11):1427-33.
  • 19
    Fernandez RS, Chau JPC, Thompson DR. Accuracy of biochemical markers for predicting nasogastric tube placement in adults: a systematic review of diagnostic studies. Int J Nurs Stud. 2010;47(8):1037-46.
  • 20
    Kim HM, So BH, Jeong WJ, Choi SM, Park KN. The effectiveness of ultrasonography in verifying the placement of a nasogastric tube in patients with low consciousness at an emergency center. Scand J Trauma Resusc Emerg Med. 2012;38(20):1-6.
  • 21
    Chenaitia H, Brun PM, Querellou E, Leyral J, Bessereau J, Aimé C, et al. Ultrasound to confirm gastric tube placement in prehospital management. Resuscitation. 2012;83(4):447-51.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    03 Jun 2015
  • Aceito
    31 Ago 2015
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revista@enf.ufrgs.br