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Enfermeira obstetra e os fatores que influenciam o cuidado no processo de parto

RESUMO

Objetivo:

Conhecer os fatores que influenciam a melhoria do cuidado da enfermeira obstetra no processo de parto.

Métodos:

Estudo qualitativo, descritivo exploratório realizado em uma maternidade escola localizada no município de Salvador, Bahia, Brasil com 20 enfermeiras obstetras do Centro Obstétrico. A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas, guiadas por formulário semiestruturado entre os meses de junho e setembro de 2017. Os dados foram submetidos à Análise de Conteúdo Temático-Categorial proposta por Franco.

Resultados:

Emergiram seis categorias, as quais apresentaram fatores que colaboram e dificultam o cuidado da enfermeira obstetra no processo de parto. Estes abordam as relações de poder e gênero entre profissionais de saúde; reconhecimento da enfermeira obstetra; espaço físico e ocupação de leitos; interação entre mulher/acompanhante, dentre outros.

Considerações finais:

Os fatores sinalizados pelas enfermeiras obstetras revelam a necessidade de melhorias nas condições de trabalho por gestores e mudanças de condutas/comportamentos de profissionais.

Palavras-chave:
Enfermeiras obstetras; Enfermagem obstétrica; Cuidados de enfermagem; Carga de trabalho

ABSTRACT

Objective:

To identify the factors that influence the improvement of obstetric nurse care in the delivery process.

Methods:

Descriptive exploratory study with a qualitative approach conducted at a teaching maternity hospital located in the city of Salvador, Bahia, Brazil with 20 obstetric nurses from the Obstetric Center. Data was collected through semi-structured interviews between June and September 2017 and was then subjected to the Thematic-Categorical Content Analysis proposed by Franco.

Results:

Six categories emerged from the analysis, which presented factors that favor the improvement of obstetric care in the delivery process and factors unfavorable to this care. These factors address power and gender relations among health professionals; recognition of obstetric nurses; physical space and bed occupation; interaction between woman/ companion, among others.

Final considerations:

The factors indicated by obstetric nurses reveal the need for improvements in the working conditions by managers and changes of behavior and codes of conduct of health professionals.

Keywords:
Nurses midwives; Obstetric nursing; Nursing care; Workload

RESUMEN

Objetivo:

Conocer los factores que influyen en la mejora de la atención de la enfermera obstetra en el proceso de parto.

Métodos:

Estudio exploratorio cualitativo y descriptivo realizado en una escuela de maternidad ubicada en la ciudad de Salvador, Bahía, Brasil, con 20 enfermeras obstetras del Centro de Obstetricia. La recopilación de datos se realizó a través de entrevistas, guiadas por una forma semiestructurada entre los meses de junio y septiembre de 2017. Los datos se presentaron al análisis de contenido temático categórico propuesto por Franco.

Resultados:

Surgieron seis categorías, que presentaban factores que colaboran y dificultan el cuidado de la enfermera obstétrica en el proceso de parto. Estos abordan el poder y las relaciones de género entre los profesionales de la salud; reconocimiento de la enfermera obstétrica; espacio físico y ocupación de la cama; interacción entre mujer / acompañante, entre otros.

Consideraciones finales:

Los factores indicados por las enfermeras obstétricas revelan la necesidad de mejoras en las condiciones laborales por parte de los gerentes y los cambios en la conducta / comportamiento de los profesionales.

Palabras clave:
Enfermeras obstetrices; Enfermería obstétrica; Atención de enfermería; Carga de trabajo

INTRODUÇÃO

A valorização do cuidado da enfermeira obstetra está ancorada na utilização das boas práticas na atenção obstétrica fundamentadas nas relações de encontro com o outro (a mulher) e suporte técnico, o que contribui para a participação das mulheres e redução das intervenções desnecessárias. Esta característica do cuidado qualificada pela enfermeira obstetra perpassa por melhorias nas condições de trabalho, a fim de que mais enfermeiras possam ser inseridas nas instituições de saúde.

O cuidado da enfermeira obstetra à mulher em processo de parto encontra-se respaldado nas relações interpessoais, ao valorizar as linguagens não verbais, a escuta, o diálogo, a empatia, e o conhecimento técnico-científico. Estudo realizado com 104 puérperas em um hospital universitário no estado de Mato Grosso, Brasil analisou a prática da enfermeira obstetra e o bem estar materno resultante dessa assistência. Concluiu-se que esta profissional, ao prestar uma assistência pautada em evidências científicas e no cuidado humanizado, proporciona segurança e conforto às parturientes, contribuindo dessa forma para o bem-estar materno, além de favorecer o empoderamento dessas mulheres durante a parturição1Alvares AS, Corrêa ACP, Nakagawa JTT, Teixeira RC, Nicolini AB, Medeiros RMK. Humanized practices of obstetric nurses: contributions in maternal welfare. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl. 6):2620-7. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0290
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Esse cuidado auxilia na participação da mulher, na valorização do acompanhante, na redução de intervenções desnecessárias, no aumento do número de partos por via vaginal e no uso das tecnologias não invasivas de cuidado. Desta forma, os cuidados liderados por enfermeiras obstetras asseguram uma atenção humanizada com adoção das boas práticas no parto e nascimento, trazendo menores chances de ocorrências com procedimentos invasivos e partos instrumentais, além de apresentarem mais probabilidades por partos vaginais espontâneos2Amorim T, Araújo ACM, Guimarães EMP, Diniz SCF, Gandra HM, Cândido MCRM. Perception of obstetrical nurses on the care model and practice in a philanthropic maternity hospital. Rev Enferm UFSM. 2019;9:e30. doi: https://doi.org/10.5902/2179769234868
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-3Sandall J, Soltani H, Gates S, Shennan AH, Devane D. Midwife-led continuity models versus other models of care for childbearing women. Cochrane Database Syst Rev. 2016;4:CD004667. doi: https://doi.org/10.1002/14651858.CD004667.pub5
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.

Em razão disso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estimula a atuação das enfermeiras obstetras, pois estas profissionais de saúde impactam diretamente na melhoria dos indicadores obstétricos no cuidado à mulher no trabalho de parto e parto. A enfermagem obstétrica tem se destacado no cenário de parto, como categoria profissional indispensável na redução das taxas de morbimortalidade materna e neonatal, pois garante mais respeito a fisiologia do parto e a participação da mulher no processo parturitivo1Alvares AS, Corrêa ACP, Nakagawa JTT, Teixeira RC, Nicolini AB, Medeiros RMK. Humanized practices of obstetric nurses: contributions in maternal welfare. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl. 6):2620-7. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0290
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,4Amaral RCS, Alves VH, Pereira AV, Rodrigues DP, Silva LA, Marchiori GRS. The insertion of the nurse midwife in delivery and birth: obstacles in a teaching hospital in the Rio de Janeiro state. Esc Anna Nery. 2019;23(1):e20180218. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0218
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. Diante disso, iniciativas lançadas pela OMS e pelo Ministério da Saúde têm estimulado à inserção da enfermeira obstetra no cuidado ao parto e nascimento1Alvares AS, Corrêa ACP, Nakagawa JTT, Teixeira RC, Nicolini AB, Medeiros RMK. Humanized practices of obstetric nurses: contributions in maternal welfare. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl. 6):2620-7. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0290
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Recentemente, a OMS publicou a Campanha “Nursing Now” juntamente com o Conselho Internacional de Enfermeiras e a Confederação Internacional de Parteiras, designando 2020 como ano das enfermeiras obstetras e parteiras. O objetivo dessa campanha é valorizar a contribuição de profissionais de enfermagem na melhoria das condições de saúde, e na ampliação ao acesso aos serviços de qualidade para as mulheres. Essa iniciativa favorece a visibilidade da enfermagem obstétrica mundialmente, bem como apoia o trabalho em conjunto das enfermeiras obstetras com outras profissões da saúde para o cuidado5Bayliss-Pratt L, Daley M, Bhattacharya-Craven A. Nursing Now 2020: the Nightingale challenge perspectives. Int Nurs Rev. 2020;67(1):7-10. doi: https://doi.org/10.1111/inr.12579
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No Brasil, a enfermagem obstétrica tem se destacado nos últimos anos, pois o movimento pela humanização do parto tem sido incentivado por mulheres, gestores e profissionais de saúde. Isso se fortaleceu com a criação da estratégia da Rede Cegonha, em 2011, a qual sinalizou para a importância da inserção da enfermeira obstetra no contexto do parto e nascimento. Além disso, reforçou a necessidade por um ambiente confortável e acolhedor nas instituições de saúde destinadas ao cuidado à mulher no período gravídico-puerperal6Ferreira MC, Monteschio LVC, Teston EF, Oliveira L, Serafim D, Marcon SS. Perceptions of nursing professionals about humanization of childbirth in a hospital environment. Rev Rene. 2019;20:e41409. doi: https://doi.org/10.15253/2175-6783.20192041409
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Todavia para desempenhar um cuidado de qualidade, a enfermeira necessita de melhorias nas condições de trabalho, as quais impactam diretamente na qualidade do cuidado prestado à mulher no processo parturitivo. Tais condições estão relacionadas a infraestrutura, leitos individualizados, disponibilidade de recursos materiais e humanos, além das questões de gênero, e das relações interpessoais que vão diferir conforme o perfil apresentado nas maternidades7Dodou HD, Sousa AAS, Barbosa EMG, Rodrigues DP. Sala de parto: condições de trabalho e humanização da assistência. Cad Saúde Colet. 2017;25(3):332-8. doi: https://doi.org/10.1590/1414-462x201700030082
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-9Pieszak GM, Gomes GC, Rodrigues AP, Wilhelm LA. As relações de poder na atenção obstétrica e neonatal: perspectivas para o parto e o nascimento humanizados. Rev Eletrôn Acervo Saúde. 2019;(26):e756. doi: https://doi.org/10.25248/reas.e756.2019
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Diante desta realidade, entende-se a relevância da inserção da enfermeira obstetra e de melhorias das condições de trabalho no cuidado à mulher em processo parturitivo. Assim, emergiu a seguinte questão norteadora: quais os fatores que influenciam a melhoria do cuidado da enfermeira obstetra no processo de parto? Para tanto, o objetivo desta pesquisa é conhecer os fatores que influenciam a melhoria do cuidado da enfermeira obstetra no processo de parto.

MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa descritiva exploratória, com abordagem qualitativa realizada em uma maternidade escola, localizada no município de Salvador, Bahia. Esta instituição foi pioneira no atendimento obstétrico-ginecológico do país, sendo atualmente referência para a docência-assistencial em Obstetrícia, Neonatologia e Saúde Perinatal. Este estudo é parte dos resultados da dissertação intitulada “Cuidado às mulheres no processo de parto: concepções de enfermeiras obstétricas”.

Participaram do estudo 20 enfermeiras obstetras pertencentes ao Centro Obstétrico da referida maternidade. Neste setor existiam 33 enfermeiras, sendo 23 especialistas em Obstetrícia e 10 em Saúde da Mulher. Consideramos os seguintes critérios de inclusão: ser enfermeira obstetra atuante no cuidado no processo de parto no centro obstétrico, ter no mínimo um ano de atuação profissional e ter seis meses de vínculo na maternidade da pesquisa. Foram excluídas as enfermeiras obstetras que exerciam apenas cargos administrativos e/ou afastadas da função, por quaisquer motivos. Sendo assim, três enfermeiras não participaram da pesquisa, duas devido ao tempo de experiência menor que 12 meses e uma por afastamento médico.

A coleta de dados ocorreu entre os meses de junho e setembro de 2017. Utilizou-se a técnica da entrevista guiada por meio de um formulário semiestruturado composto pelas seguintes questões fechadas: identificação das participantes com iniciais do nome, sexo, idade, raça/cor, tempo de formação profissional e experiência na assistência obstétrica na maternidade em anos. Este formulário teve como eixo norteador da entrevista a pergunta aberta: fale-me sobre o cuidado às mulheres no processo de parto.

As enfermeiras foram convidadas a participarem da pesquisa por meio do contato telefônico. Ofertou-se horários flexíveis para agendamento das entrevistas com as participantes. Cada entrevista foi realizada individualmente em sala reservada disponibilizada pela instituição da pesquisa. As entrevistas tiveram como entrevistadora a pesquisadora mestranda desta pesquisa, sendo gravadas com auxílio de gravador eletrônico com duração média de 60 minutos. Realizou-se a transcrição na íntegra das entrevistas, as quais receberam código de identificação com a letra “E” referente a “Enfermeira” seguido de números arábicos, a fim de preservar a identidade das participantes, exemplo: E1, E2, E3.

Os dados obtidos foram tratados conforme a Análise de Conteúdo Temático-Categorial, apresentando como ponto de partida a mensagem expressada pelos sentidos e significados atribuídos sobre o objeto de estudo (10Franco MLPB. Análise de conteúdo. 3. ed. Brasília, DF: Líber Livro; 2008.. Em seguida, adotou-se inferências diante das mensagens atribuídas ao eixo norteador da pesquisa. Posteriormente, as falas foram submetidas ao processo de unitarização, momento que requer uma releitura das mensagens atribuídas ao objeto de estudo, a fim de identificar e definir as unidades de análise (conceitos frases, temas ou palavras), tais unidades podem ser divididas em: Unidades de Registro e Unidades de Contexto10Franco MLPB. Análise de conteúdo. 3. ed. Brasília, DF: Líber Livro; 2008..

Após a aplicação das inferências, foi possível estabelecer o conteúdo analisado das Unidades de Registro e/ou Unidade de Contexto para fundamentar o processo de categorização. Deste modo, emergiram seis categorias em torno dos fatores que influenciam a melhoria do cuidado da enfermeira obstetra no processo de parto que fundamentaram a descrição dos resultados.

Esta pesquisa encontra-se vinculada ao projeto matriz “Atores sociais e fatores envolvidos no processo de parto” e foi avaliada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da maternidade em estudo, obtendo parecer favorável consubstanciado sob número 2026663/2017 e CAAE: 65019717.90000.5543. Foi disponibilizado o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) e o anonimato das participantes esteve preservado, conforme adoção de códigos para as entrevistas. A pesquisa respeitou os aspectos éticos e legais apontados nas Resoluções 466/12 e 510/16 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que regulamenta pesquisas envolvendo seres humanos.

RESULTADOS

As participantes da pesquisa corresponderam a 20 enfermeiras obstetras, sendo 18 mulheres e dois homens atuantes no Centro Obstétrico. A maioria das participantes apresentaram uma idade entre 30-36 anos e com tempo atuação prática na área da enfermagem obstétrica de cinco anos.

As falas obtidas sobre os fatores relacionados a melhoria do cuidado da enfermeira obstetra contribuíram para elencar seis categorias descritas a seguir:

Fatores que colaboram para o cuidado da enfermeira obstetra no processo de parto relacionados a(o) profissional

De acordo com a descrição das falas, os fatores que colaboraram para o cuidado da enfermeira obstetra no processo de parto estão relacionados a(o) profissional na medida que enfatiza o reconhecimento sobre a importância do saber técnico, comprometimento e satisfação da enfermeira obstetra, bem como o suporte da equipe multiprofissional. Assim, esta categoria apresentou quatro subcategorias:

O cuidado diante o reconhecimento sobre a importância do conhecimento técnico

As enfermeiras revelaram a importância do conhecimento técnico na prática diária no ambiente de trabalho, isso orienta o cuidado da enfermagem obstétrica baseado na fisiologia do parto.

Eu preciso do conhecimento técnico para intervir em situações necessárias. Eu tenho sido respeitada no ambiente de trabalho quando faço a parte técnica. Alguns profissionais não entendem como consigo conversar com a mulher e colocá-la para parir. A mulher me respeita porque eu consegui ouvir o que ela quer. Eu queria que a equipe entendesse isso. (E1)

Eu uso muito da técnica, tomo muito cuidado para que o parto não tenha um desfecho negativo [...] isso pesa muito para mim e a enfermagem obstétrica. (E6)

A técnica ajuda, impulsiona e orienta a nossa ação na fisiologia do parto [...]. (E10)

O cuidado diante o comprometimento da enfermeira obstetra

As entrevistas apontaram para o comprometimento em valorizar a dignidade humana da mulher em processo de parto por meio da aproximação, olhar no olho e escuta.

Sinto a necessidade de manter a dignidade da mulher como pessoa humana. [...] hoje a mulher lembra do meu cuidado, e não de quem pegou o bebê. No processo de parto, ela precisa de alguém que esteja por ela dentro da instituição que queira partejar [...]. (E1)

Coloco-me diante da mulher em trabalho de parto para ajudar ter um contato mais próximo. Olhar no olho para que a mulher confie [...]. Isso facilita o desenvolvimento do cuidado e da assistência mais humanizada e qualificada. (E3)

[...] nos plantões caóticos tento oferecer o mínimo de dignidade para as mulheres utilizando os recursos que tenho para atendê-las, escutá-las. (E4)

O cuidado diante da satisfação da enfermeira obstetra

O cuidado da enfermeira obstetra esteve permeado pela satisfação, a qual pode ser identificada pelo conhecimento, responsabilidade, desejo em trabalhar na área devido afinidade e humanidade.

Para o processo do cuidado, o primordial é gostar do que está fazendo assumindo a responsabilidade porque existem momentos difíceis, complicações no parto, óbito, temos de estar preparadas. É aliar o conhecimento com o desejo de trabalhar [...]. (E12)

[...] quem está na enfermagem obstétrica é porque ama e quer desenvolver um cuidado especializado [...]. (E3)

[...] quando você faz o que gosta da forma que acha que é correto o faz com muito mais amor [...] é estar entregue às suas atividades plenamente. (E5)

[...] eu adoro a enfermagem obstétrica, me considero humana, gosto de criar vínculos com as mulheres e os acompanhantes [...]. (E13)

O cuidado diante o suporte multiprofissional

A equipe multiprofissional foi vista como um suporte pelas enfermeiras obstetras, as quais reconheceram o cuidado multiprofissional à mulher em processo de parto no trabalho diário.

É muito bom trabalhar com uma equipe multiprofissional que esteja interagindo, onde cada um vai dar o suporte dentro da sua área. A gente tenta criar vínculo, se a mulher não quiser chamamos outro profissional para dar uma assistência [...]. (E12)

[...] o cuidado é multiprofissional, porém quem fica mais atuante são as enfermeiras. Todo mundo trabalha, o exercício diário de trabalho é voltado para a mulher, tentamos dialogar ao mesmo tempo [...]. (E18)

[...] existe toda uma equipe trabalhando para colher informações e direcionar diferentes olhares técnicos. (E2)

Fatores que colaboram para o cuidado da enfermeira obstetra no processo de parto relacionados à instituição

As participantes da pesquisa relataram fatores institucionais que contribuíram para o cuidado da enfermeira obstetra, tais como a ocupação e espaço físico adequado descritas duas subcategorias a seguir:

O cuidado diante à ocupação da capacidade adequada

O trabalho da enfermeira obstetra esteve facilitado quando a instituição não se encontra lotada e há possibilidade de ampliação de leitos, assim percebeu-se nas falas o desempenho por um cuidado favorável ao partejar.

Quando a maternidade não está lotada nós conseguimos respeitar as escolhas da mulher e prestar uma assistência qualificada. Eu tenho condição de desenvolver o meu trabalho como enfermeira obstetra de partejar essas mulheres de informar sobre as posições verticalizadas como o agachamento e a posição de Gaskin, e apresento os instrumentos que temos como a bola e o cavalinho. (E3)

[...] devido ao atendimento restrito hoje está bom para partejar, pois não está superlotando. (E8)

Vamos passar por uma reforma e talvez melhore a qualidade, ampliando o número de leitos [...]. (E4)

O cuidado diante o espaço físico adequado

As participantes da pesquisa anunciaram a importância por um espaço físico que permitisse disponibilidade de tempo da enfermeira para dar atenção às condições apresentadas pela mulher durante o processo do parto.

Quando estamos no espaço resguardado, onde estou sozinha com a mulher fico mais atenta porque eu tenho mais tempo para observar a linguagem não verbal, quando a mulher está retraída, a dor que incomoda. Isso depende do ambiente e condições de trabalho [...]. (E15)

[...] temos um espaço mais tranquilo, com liberdade para a mulher se movimentar e parir. Neste espaço, a enfermeira assiste mais ao parto [...]. (E13)

Fatores que colaboram para o cuidado da enfermeira obstetra no processo de parto relacionados à mulher/acompanhante

Os fatores colaboradores referidos pelas enfermeiras foram norteados pela interação entre profissional e mulher/acompanhante, bem como pelo conhecimento sobre o processo de parto destes atores sociais apontados nas duas subcategorias:

O cuidado diante à interação da mulher/acompanhante com o profissional

As enfermeiras referiram ao seu cuidado a sintonia, tranquilidade, prazer. Estes foram identificados no momento da aproximação entre profissionais e mulher/acompanhante caracterizando a interação.

Quando estão profissionais, mulher e acompanhante em sintonia, é mais tranquilo. Quando isso acontece todo o processo de parto fica mais prazeroso, mas quando não acontece é frustrante. (E2)

[...] eu procuro sempre interagir com o acompanhante para trazê-lo para o processo do parto [...]. (E11)

As mulheres que já tiveram experiência anteriores com partos e/ou relatos exitosos, aceitam mais fácil o nosso cuidado [...] tentamos fazer com que a mulher perceba que estamos ali para dar todo o suporte; interagir com ela, família e/ou acompanhante integrando-os ao ambiente. (E12)

O cuidado diante o conhecimento da mulher/acompanhante sobre o processo de parto

As falas sinalizaram para a importância das informações prévias das mulheres/acompanhantes em relação ao trabalho de parto e parto, pois a partir do conhecimento as pessoas encontraram-se mais preparadas para lidar com os acontecimentos do parto natural.

O perfil dessa mulher delineia o nosso cuidado. As mulheres de hoje buscam e estão mais informadas sobre o cuidado humanizado; sabem que tem direito de estar com acompanhante no momento do parto e se alimentar; exigem isso. (E3)

O parto vai bem quando as pessoas estão preparadas para deixar fluir. Procuro identificar o que a mulher e acompanhante/família trazem de informação[...] manter um diálogo; não adianta você fazer partograma, mandar deambular e respirar se você não envolve a mulher e acompanhante/família no processo de parto. (E6)

Tem mulheres que vêm preparadas para o trabalho de parto porque teve um pré-natal bem feito e querem parir normal. Ela procura entender como é esse parto natural e as fontes de redes sociais ou de seu próprio pré-natalistas. (E7)

Fatores que dificultam o cuidado da enfermeira obstetra no processo de parto relacionados à instituição de saúde

As enfermeiras obstetras relataram como fatores institucionais que dificultam o seu cuidado à mulher no processo de parto, o modelo hospitalar, a superlotação, espaço físico inadequado, demandas assistenciais e administrativas, e os recursos indisponíveis. Estes fatores são apresentados nas seis subcategorias seguintes:

O cuidado diante o modelo hospitalar

As falas das participantes apontaram para aspectos referentes ao modelo hospitalar, o qual se apresentou permeado por rotinas hospitalares, retira a privacidade da mulher ao permitir muita(o)s profissionais/estudantes no cenário do parto e promove intervenções.

O serviço formata a mulher retira seus pertences, direciona para o banho, veste a roupa da unidade a ponto de desconstruir a personalidade dela. (E1)

A mulher entra na maternidade, tira sua roupa para usar da instituição, tem que obedecer aos horários e às vezes fica sem acompanhante por conta da superlotação. A instituição hospitalar manda muito no corpo da mulher [...] em algumas situações a privacidade da mulher não é atendida porque fica no momento do parto um médico, um estudante, a equipe [...]. (E18)

Por ser uma maternidade escola tem enfermeiro, médico, residente e estudante de medicina. É como se houvesse uma disputa por quem assistirá o parto. Falta uma especificação daquelas gestantes de risco habitual para a enfermeira obstetra. (E3)

São muitas intervenções com a mulher e não conseguimos dar à mulher a privacidade ideal, um ambiente favorável [...]. (E11)

O cuidado diante à superlotação

A superlotação gerou dificuldades no desempenho do cuidado das enfermeiras obstetras. Estas sinalizaram para a ausência de alcance das demandas e de privacidade da mulher, além da acomodação das parturientes em poltronas e macas.

Por conta da superlotação, é muito difícil alcançar o cuidado individualizado. A gente não consegue ter esse olhar atento, sensibilidade e cuidado para perceber as demandas da mulher. (E5)

A superlotação interfere muito na nossa assistência e cuidado [...] dentro das adversidades e limitações com a mulher em trabalho de parto numa poltrona sem acompanhante, tento realizar uma assistência de qualidade. (E18)

[...] às vezes com a superlotação não conseguimos atuar enquanto enfermeiras obstetras. Realmente é um caos. [...] Precisamos de sala e profissionais para dar assistência a essas mulheres. (E13)

Quando a maternidade está superlotada usamos poltronas extras. As mulheres ficam sem privacidade, pois ficam de frente para cadeiras com mulheres em medicação, e eu não tenho como fazer uma manobra, se precisar. Além disso, também internamos as mulheres em macas (E3).

O cuidado frente ao espaço físico inadequado

As falas das enfermeiras obstetras evidenciaram a necessidade por estrutura física adequada que permita um cuidado individualizado para as mulheres com acesso aos leitos separados e presença da(o) acompanhante.

[...] as estruturas onde trabalhamos, não são boas, mas nós tentamos adequar [...]. Os leitos não são separados, são todos conjuntos, tendo outras famílias. (E10)

[...] o ideal seria que tivesse leitos PPP (Pré-parto, Parto e Pós-Parto) individualizado [...] a falta de estrutura da unidade nem sempre permite que coloquemos em prática o conhecimento sobre o manejo não invasivo da dor [...] temos poucos banheiros para todas as mulheres. (E11)

[...] Não tem como oferecer acompanhante para essas mulheres e trabalhar com elas, o espaço físico não permite. Internamos mulheres em maca, a rotatividade é grande. O respeito às escolhas da mulher fica condicionado a esse cenário caótico. Já aconteceu de ter mulher internada no cavalinho. (E3)

O cuidado frente às demandas assistenciais

A pesquisa mostrou o direcionamento de enfermeiras obstetras para outras demandas assistenciais que não são específicas para o acompanhamento da mulher no trabalho de parto e parto.

[...] tem as cirurgias eletivas que terminam demandando profissional para estar atuando, tirando a enfermeira da assistência ao parto. (E11)

[...] a gente sempre cobre a escala em dias que não tem enfermeira assistencial para assumir a sala de procedimento. Tenho os meus conhecimentos, mas eles não estão sendo utilizados da forma que deveria ser e eu não consigo atuar enquanto enfermeira obstetra. (E13)

Nem sempre conseguimos nos conectar porque temos muitas interrupções, é alguém que te chama, além de precisar resolver outras coisas. [...] é um pouco difícil! (E5)

O cuidado frente às demandas administrativas

O excesso de demandas administrativas e ausência da divisão destas no trabalho auxiliou a falta de priorização do cuidado individualizado à parturiente.

Nós temos muitas demandas administrativas: escala, funcionários que dobram o plantão. A gente acaba focando nessas coisas e deixando um pouco de lado esse cuidado mais individualizado. (E5)

A não divisão das demandas interfere na nossa assistência [...] nós não conseguimos acompanhar um trabalho de parto com tanta demanda, exceto quando estamos no PPP2. Eu me sinto decepcionada e impotente. (E3)

[...] quando colocam uma enfermeira assistencial e uma obstetra, dá para você partejar, mas diante da quantidade de demandas além do cuidado com as parturientes fazemos as atribuições da enfermeira assistencial. (E9)

O cuidado frente aos recursos indisponíveis

As enfermeiras obstetras destacaram, em suas falas, a falta de recursos para a oferta da aromaterapia e musicoterapia no serviço público.

[...] não tinha aromas na instituição, tive que comprar com meus próprios recursos [...] no SUS não temos condições de oferecer uma analgesia peridural. (E4)

[...] não temos condições de fazer uma musicoterapia, aromaterapia e alguns profissionais trazem esses recursos. Se tivesse mais materiais para trabalharmos seria o ideal. (E11)

Fatores que dificultam o cuidado da enfermeira obstetra no processo de parto relacionados à mulher

Nesta pesquisa, as participantes revelaram as dificuldades para o cuidado no processo de parto, o qual apresentou-se mediado por relações de poder e desigualdade de gênero, além do desconhecimento da mulher. Tais fatores podem ser observados em duas subcategorias:

Relações de poder e desigualdade de gênero no processo de cuidado

Quanto às relações de poder, observou-se nas falas a necessidade de profissionais de saúde estarem no controle do cenário do parto. A figura masculina dos enfermeiros obstetras viabilizou estranhamento e desconforto para a mulher no momento do parto. Todavia, as mulheres podem sentir a vontade com a presença do enfermeiro por lembrar o médico.

Nós profissionais de saúde, nos consideramos detentores do conhecimento e queremos ditar o que vai acontecer, quando e como. No processo de parto isso é mais forte! Há necessidade de controlar, se fugir do controle, a gente intervém. (E5)

A figura masculina para muitas mulheres é estranha no momento do parto. Também percebo isso com os técnicos, obstetras e residentes. Quando é uma enfermeira, a mulher interage de uma forma diferente. (E2)

[...] existe realmente uma resistência das mulheres em serem assistidas por enfermeiros homens [...] acho que faz parte da nossa construção profissional. Elas se sentem à vontade com o médico obstetra. Isso perpassa por relações de poder [...] sou chamado de médico [...] não sei se por essa relação de associar homem a médico e mulher à enfermeira [...]. (E4)

Desconhecimento das mulheres sobre o processo de parto

Outra dificuldade relacionada às mulheres no processo de parto foi o desconhecimento das mulheres sobre o processo de parto, as enfermeiras destacaram a falta de preparo para o parto normal, para a dor e falta de informação sobre as técnicas como bola e cavalinho.

As mulheres acham que parir normal é sofrer. Elas não chegam preparadas para o parto seja normal ou cesariana. Então, elas não sabem lidar com a sua própria dor, não tem uma compreensão familiar sobre tudo que está acontecendo, e não sabem sobre os métodos para alívio da dor. (E2)

[...] vejo é que as mulheres não são muito esclarecidas em relação ao processo do trabalho de parto. Chegam achando que vão ter cesariana, porque a vizinha teve [...]. (E9)

Muitas vezes o desafio do cuidado no momento do parto é que temos que resgatar coisas que são deficiências desde o pré-natal. Isso é uma falha no cuidado (E4).

O cuidado para as mulheres que não estudaram ou não foram informadas ou não desejaram a criança é um pouco diferente. Precisamos explicar, reforçar sobre o trabalho de parto que pode ser demorado [...] bem como dar o suporte com as técnicas como a bola, cavalinho, mas tem mulher que não quer nada disso. (E12)

Fatores que dificultam o cuidado da enfermeira obstetra no processo de parto relacionados a(o) profissional

Nesta categoria, as enfermeiras obstetras mostraram as dificuldades relacionadas a(o) profissional que atrela seu cuidado na técnica, quando existe despreparo profissional e desvalorização do cuidado da enfermagem obstétrica, conforme exposto em três categorias:

O cuidado focado nas técnicas

Nas falas das enfermeiras obstetras evidenciaram a tendência do(a) profissional ser tecnicista, a falta de interesse pelo cuidado e a invasão ao usar o corpo da mulher para apreender a técnica.

Acabamos nos perdendo nesse processo e focando em procedimentos técnicos. [...] esquecemos de fazer algo simples como se comunicar e explicar tudo sobre o parto. (E2)

Na enfermagem temos uma tendência muito forte de ser tecnicista. O cuidado não é só chegar e evoluir à mulher no prontuário ou fazer um toque vaginal. [...] é difícil encontrar alguém que escute sobre o cuidado. (E1)

[...] onde está o cuidado à mulher quando se faz uma técnica não recomendada, só para ensinar outro profissional de saúde? [...] onde está o direito da mulher? Invadem e usam o corpo da mulher para apreender algo desnecessário. (E18)

Despreparo profissional para o cuidado

Quanto ao despreparo profissional, as participantes referiram a falta de conhecimento técnico de profissionais de saúde para assistirem às mulheres no processo de parto, e ainda apontaram a necessidade por treinamento do pessoal sem experiência.

É necessário pensar o cuidado dentro do sistema que ainda é ruim. Tem profissionais que não prestam um cuidado por conta de conhecimento técnico deficiente ou eles chegam despreparados para assistir à mulher de forma coerente [...]. (E4)

A dificuldade do profissional em identificar e perceber o que a mulher precisa é uma das situações que dificulta o diálogo na relação do cuidado. (E2)

[...] falta um suporte institucional para o treinamento de pessoal novo sem experiência. (E12).

Desvalorização do cuidado da enfermeira obstetra

As enfermeiras obstetras apontaram para desvalorização quando não há reconhecimento do seu cuidado pela equipe de trabalho, a instituição e a mulher.

A dificuldade está no valor social que é dado para o cuidado. A própria equipe tem uma concepção relacionada a identidade da enfermagem obstétrica de que não temos técnica. O cuidado da enfermeira obstetra não é reconhecido/valorizado pela equipe de enfermagem. A enfermeira precisa desconstruir isso. (E1)

[...] a atuação da enfermeira obstetra não é valorizada na instituição. Temos algumas dificuldades como, por exemplo, o desrespeito de alguns profissionais. (E13)

Para as mulheres, as enfermeiras insistem na fisiologia do parto, entretanto todo o meu cuidado é desvalorizado quando o médico indica a cesariana; para as mulheres ele foi o salvador, pois ele fez o cuidado melhor. (E4)

DISCUSSÃO

O cuidado da enfermeira obstetra no processo de parto envolve fatores relacionados ao comprometimento profissional, o qual está vinculado ao empenho pela manutenção da dignidade humana mesmo que existam situações caóticas nas rotinas do plantão. Este empenho da enfermeira obstetra por prestar o cuidado mais digno propicia envolvimento entre a profissional e a mulher7Dodou HD, Sousa AAS, Barbosa EMG, Rodrigues DP. Sala de parto: condições de trabalho e humanização da assistência. Cad Saúde Colet. 2017;25(3):332-8. doi: https://doi.org/10.1590/1414-462x201700030082
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. A dignidade é inerente à essência das relações humanas, e encontra-se associada a humanização das práticas obstétricas11Bourguignon AM, Grisotti M. Concepções sobre humanização do parto e nascimento nas teses e dissertações brasileiras. Saúde Soc. 2018;27(4):1230-45. doi: https://doi.org/10.1590/s0104-12902018170489
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. Assim, a relação de disposição para o outro facilita o desenvolvimento do cuidado humanizado, a partir da interação, a qual permite que o cuidado se modele diante das adversidades entre os sujeitos e o meio em que se estabelece a relação12Ayres JRCM. Care: work, interaction and knowing health practices. Rev Baiana Enferm. 2017 [cited 2020 May 27];31(1):e21847. Available from: https://periodicos.ufba.br/index.php/enfermagem/article/view/21847
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Essa interação se faz necessária tão quanto o conhecimento técnico, uma vez que este orienta e impulsiona a ação da enfermagem obstétrica. A enfermeira obstetra, por sua vez ao desempenhar o seu cuidado, considera a singularidade de cada mulher e acompanhante/família e atrela os seus saberes técnicos-científicos. Essas características de cuidado da enfermeira obstetra favorece a disposição para sua autonomia e atitude clínica, promovendo dessa forma uma assistência qualificada que culminará no seu reconhecimento profissional4Amaral RCS, Alves VH, Pereira AV, Rodrigues DP, Silva LA, Marchiori GRS. The insertion of the nurse midwife in delivery and birth: obstacles in a teaching hospital in the Rio de Janeiro state. Esc Anna Nery. 2019;23(1):e20180218. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0218
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. Estudo realizado com 10 enfermeiras em um hospital localizado em um estado mexicano, no ano de 2020, demonstrou que essas profissionais reconhecem que o conhecimento técnico-científico é fundamental para embasar o desenvolvimento do seu trabalho, contribuindo efetivamente na prática profissional de enfermagem13Torres DG, Alcántara KSG, Miranda MC, Bernardino E. Del conocimiento a la práctica: integración de equipos de trabajo por supervisora de enfermería. Enferm Actual Costa Rica. 2020;38. doi: https://doi.org/10.15517/revenf.v0i38.38385
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O reconhecimento da enfermeira obstetra dentro do cuidado favorece a sua satisfação. Isso acontece quando profissionais da instituição e pacientes contribuem para a valorização e motivação da enfermeira obstetra no ambiente de trabalho14Lage CEB, Alves MS. (Des)valorização da Enfermagem: implicações no cotidiano do enfermeiro. Enferm Foco 2016;7(3/4):12-6. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2016.v7.n3/4.908
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. Pesquisas nacionais apontam para a importância da inserção da enfermeira obstetra em maternidade, a fim de viabilizar um cuidado humanizado ao parto e nascimento, redução do número de intervenções desnecessárias, além de promoverem informações sobre o processo de parto, favorecerem a autonomia e protagonismo das mulheres1Alvares AS, Corrêa ACP, Nakagawa JTT, Teixeira RC, Nicolini AB, Medeiros RMK. Humanized practices of obstetric nurses: contributions in maternal welfare. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl. 6):2620-7. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0290
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,4Amaral RCS, Alves VH, Pereira AV, Rodrigues DP, Silva LA, Marchiori GRS. The insertion of the nurse midwife in delivery and birth: obstacles in a teaching hospital in the Rio de Janeiro state. Esc Anna Nery. 2019;23(1):e20180218. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0218
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Corroborando com este achado, uma revisão sistemática envolvendo mais de 17 mil mulheres que receberam cuidado por enfermeiras obstetras e obstetrizes revelou o aumento do número de partos normais, diminuição de intervenções, maior sensação de domínio sobre o parto experienciado e satisfação pelos cuidados recebidos3Sandall J, Soltani H, Gates S, Shennan AH, Devane D. Midwife-led continuity models versus other models of care for childbearing women. Cochrane Database Syst Rev. 2016;4:CD004667. doi: https://doi.org/10.1002/14651858.CD004667.pub5
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. Para alcance desses benefícios, as enfermeiras desta pesquisa relataram a necessidade de treinamentos, principalmente do pessoal sem experiência. É fundamental o apoio da gestão e assistência para o desenvolvimento de treinamentos voltados ao aprimoramento das enfermeiras obstetras em evidências científicas atuais4Amaral RCS, Alves VH, Pereira AV, Rodrigues DP, Silva LA, Marchiori GRS. The insertion of the nurse midwife in delivery and birth: obstacles in a teaching hospital in the Rio de Janeiro state. Esc Anna Nery. 2019;23(1):e20180218. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0218
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Para mobilizar a inserção de mais enfermeiras obstetras, a Campanha Global “Nursing Now” promovida pela Organização Mundial de Saúde visa beneficiar mais investimentos na força de trabalho da enfermagem, como também garantir participações em formulações de políticas de saúde e empoderamento das enfermeiras5Bayliss-Pratt L, Daley M, Bhattacharya-Craven A. Nursing Now 2020: the Nightingale challenge perspectives. Int Nurs Rev. 2020;67(1):7-10. doi: https://doi.org/10.1111/inr.12579
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. Ao mesmo tempo que as enfermeiras querem ser reconhecidas, elas sinalizam para a necessidade de valorização do cuidado multiprofissional no processo de parto. O trabalho em saúde promove o reconhecimento de cada profissional da equipe e requer a existência de uma relação entre os envolvidos para manutenção de uma assistência sistematizada e em consonância com as pessoas envolvidas no serviço. Assim, o trabalho em conjunto entre profissionais das diversas áreas da saúde beneficia o cuidado à mulher no trabalho de parto e parto ao embasar-se nas práticas humanizadas2Amorim T, Araújo ACM, Guimarães EMP, Diniz SCF, Gandra HM, Cândido MCRM. Perception of obstetrical nurses on the care model and practice in a philanthropic maternity hospital. Rev Enferm UFSM. 2019;9:e30. doi: https://doi.org/10.5902/2179769234868
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Apesar desse engajamento para o cuidado humanístico pela equipe multiprofissional, as mulheres inseridas em maternidades têm que lidar, muitas vezes, com as rotinas institucionais, as quais despersonalizam e formatam a mulher para atender aos seus modelos/padrões. Essa situação é comum, pois as instituições hospitalares remetem a constante padronização das pessoas devido a sujeição às rotinas impostas contribuindo para a modelagem do sujeito. Neste sentido, o corpo da parturiente fica suscetível ao domínio e vulnerável às intervenções9Pieszak GM, Gomes GC, Rodrigues AP, Wilhelm LA. As relações de poder na atenção obstétrica e neonatal: perspectivas para o parto e o nascimento humanizados. Rev Eletrôn Acervo Saúde. 2019;(26):e756. doi: https://doi.org/10.25248/reas.e756.2019
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Desta forma, os moldes predefinidos tendem a colaborar para o aumento das intervenções sobre o corpo da mulher diminuindo a sua privacidade. O processo de hospitalização do parto favoreceu a objetificação da mulher, e consequentemente, a aplicação de técnicas sobre o corpo feminino em prol do aprendizado de muito(a)s profissionais de saúde15Silva EO, Sanches METL, Santos AAP, Barros LA. Experience of professional autonomy in the assistance to home birth by obstetric nurses. Rev Baiana Enferm. 2019;33:e32732. doi: https://doi.org/10.18471/rbe.v33.32732
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. Esse aprendizado viabiliza a presença de diversas pessoas (profissionais de saúde, residentes, estudantes, acompanhante) na cena do parto, o que contribui para a redução/perda da privacidade da mulher durante o trabalho de parto, parto e nascimento. Pesquisa qualitativa realizada em um hospital universitário na região noroeste do Paraná, Brasil, com 20 profissionais de enfermagem evidenciou a inviabilidade da privacidade na sala de parto em uma instituição de ensino6Ferreira MC, Monteschio LVC, Teston EF, Oliveira L, Serafim D, Marcon SS. Perceptions of nursing professionals about humanization of childbirth in a hospital environment. Rev Rene. 2019;20:e41409. doi: https://doi.org/10.15253/2175-6783.20192041409
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Ademais, as enfermeiras obstetras enfrentam situações como a superlotação dos serviços, espaços inadequados e a indisponibilidade de alguns recursos, os quais impactam no cuidado prestado à mulher. Acerca disso, estudo desenvolvido em uma maternidade, referência para gestação de alto risco, revelou que a superlotação interfere na continuidade da assistência e dificulta o processo de trabalho da equipe. Essa situação mostrou uma realidade constante encontrada pelas usuárias e trabalhadores dos serviços que assistem aos partos8Pereira MHM, Pena PGL, Fernandes RCP. Conflitos e estratégias dos trabalhadores de enfermagem na emergência de uma maternidade pública. In: Lima MAG, Freitas MCS, Pena PGL, Trad S, organizadores. Estudos de saúde, ambiente e trabalho: aspectos socioculturais. Salvador: EDUFBA; 2017. p. 79-107. doi: https://doi.org/10.7476/9788523218645.0005
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. A escassez de material, a inadequação da estrutura e do quantitativo de profissionais também é uma problemática continua nos serviços de saúde, os quais interferem na qualidade e na segurança do cuidado prestado. Como consequência, essas dificuldades podem suscitar a precarização do trabalho reverberando a violação dos direitos do(a)s profissionais de saúde e das mulheres16Pérez Júnior EF, David HMSL. Trabalho de enfermagem e precarização: uma revisão integrativa. Enferm Foco. 2018;9(4):71-6. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2018.v9.n4.1325
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A categoria de enfermagem, sob o regime da precarização, convive rotineiramente com condições de trabalho degradantes, comprometendo a execução de suas atividades profissionais com segurança e qualidade16Pérez Júnior EF, David HMSL. Trabalho de enfermagem e precarização: uma revisão integrativa. Enferm Foco. 2018;9(4):71-6. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2018.v9.n4.1325
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. Isso revela a necessidade de se repensar as condições de trabalho da(o)s profissionais de enfermagem, sobretudo das enfermeiras obstetras, por participarem no cuidado direto às mulheres no trabalho de parto e parto9Pieszak GM, Gomes GC, Rodrigues AP, Wilhelm LA. As relações de poder na atenção obstétrica e neonatal: perspectivas para o parto e o nascimento humanizados. Rev Eletrôn Acervo Saúde. 2019;(26):e756. doi: https://doi.org/10.25248/reas.e756.2019
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Diante deste cenário, fatores como demandas assistenciais e administrativas excessivas tem dificultado o cuidado da enfermeira obstetra. Este ambiente limita o cuidado individualizado e a qualidade da assistência. Nesse contexto, pesquisa desenvolvida em uma maternidade no estado de Minas Gerais, Brasil, apontou que a sobrecarga de trabalho resultante da extensa demanda de atividades, interferiu e prejudicou a qualidade do trabalho realizado pelas enfermeiras obstetras. Tal situação pode levar ao esgotamento físico, estresse e as cobranças pessoais, o que repercutiria na desmotivação e insatisfação no exercício da profissão, visto que as enfermeiras não conseguem desenvolver o cuidado da forma que gostariam2Amorim T, Araújo ACM, Guimarães EMP, Diniz SCF, Gandra HM, Cândido MCRM. Perception of obstetrical nurses on the care model and practice in a philanthropic maternity hospital. Rev Enferm UFSM. 2019;9:e30. doi: https://doi.org/10.5902/2179769234868
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Ratificando com este achado, pesquisa desenvolvida em uma maternidade pública em Salvador, Bahia, Brasil mostrou que as enfermeiras relataram mais estresse ocupacional em relação às demais profissionais de enfermagem em virtude do excesso de atribuições correspondentes aos setores de trabalho e outros serviços da maternidade, bem como atendendo mais demandas por falta de pessoal de enfermagem. Isso limitou o desenvolvimento do trabalho diário pelas enfermeiras8Pereira MHM, Pena PGL, Fernandes RCP. Conflitos e estratégias dos trabalhadores de enfermagem na emergência de uma maternidade pública. In: Lima MAG, Freitas MCS, Pena PGL, Trad S, organizadores. Estudos de saúde, ambiente e trabalho: aspectos socioculturais. Salvador: EDUFBA; 2017. p. 79-107. doi: https://doi.org/10.7476/9788523218645.0005
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Diante deste contexto, melhorias das condições de trabalho das enfermeiras e na estrutura/ocupação das maternidades auxiliam na qualidade do cuidado prestado à mulher em processo de parto. Assim, sabe-se que o cuidado praticado nas instituições de saúde com estrutura e ocupação adequada auxilia a liberdade de posição, respeito às escolhas e maior atenção às necessidades específicas de cada mulher. Sobre isso, estudo realizado em hospital público no estado do Rio Grande do Norte, Brasil evidenciou que a infraestrutura dos serviços se configurou como fator imprescindível para o desenvolvimento de um cuidado humanizado que respeita as escolhas e autonomia das mulheres17Cassiano AN, Araujo MG, Holanda CSM, Costa RKS. Perception of nurses on humanization in nursing care in immediate puerperium. J Res Fundam Care Online. 2015;7(1):2051-60. doi: https://doi.org/10.9789/2175-5361.2015.v7i1.2051-2060
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. Nesse sentido, o estudo corrobora com dados de outra pesquisa desenvolvida em uma maternidade pública na cidade de Fortaleza, Ceará, Brasil ao demonstrar que a falta de estrutura física adequada, além de gerar insatisfação nos profissionais, interferem negativamente na prestação de uma assistência qualificada e humanizada à parturiente7Dodou HD, Sousa AAS, Barbosa EMG, Rodrigues DP. Sala de parto: condições de trabalho e humanização da assistência. Cad Saúde Colet. 2017;25(3):332-8. doi: https://doi.org/10.1590/1414-462x201700030082
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Quando a mulher e acompanhante se apresentam aos serviços mais informados e amparados em seus direitos a interação destes com o profissional colabora com o cuidado da enfermeira obstetra. Além da presença do(a) acompanhante, como figura conhecida da mulher dentro da instituição hospitalar e que, consequentemente promove segurança para a mesma, esse/essa, quando imbuído(a) de conhecimento popular, midiático e/ou científico, tende a participar de maneira ativa, transmite segurança e auxilia no processo de parto. Consequentemente se constitui em um fator facilitador do processo de cuidado da enfermeira obstetra em todos os seus locais de atuação, principalmente no campo institucionalizado como a maternidade18Souza MAR, Wall ML, Thuler ACMC, Freire MHS, Santos EKA. Experience of the parturient's assistant in the delivery process. Rev Enferm UFPE on line. 2018;12(3):626-34. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i3a230979p626-634-2018
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Ainda que os fatores mencionados anteriormente colaborem para o cuidado da enfermeira obstetra, existem outros fatores que dificultam, a exemplo das relações de poder. Nessa perspectiva o cuidado geralmente está atrelado ao exercício do poder de quem o promove sobre quem o necessita. Essa relação de poder sustenta-se na perspectiva de que o cuidado é estritamente pautado no saber técnico-científico. Desta forma os profissionais de saúde, detentores desse saber acabam por prestar o cuidado pautado apenas na realização de procedimentos técnicos, em detrimento da singularidade de cada mulher, impedindo a criação de vínculos e a realização de um cuidado integral e qualificado para as mesmas4Amaral RCS, Alves VH, Pereira AV, Rodrigues DP, Silva LA, Marchiori GRS. The insertion of the nurse midwife in delivery and birth: obstacles in a teaching hospital in the Rio de Janeiro state. Esc Anna Nery. 2019;23(1):e20180218. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0218
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Estas relações de poder podem ser construídas no âmbito da hierarquia, onde o profissional é reconhecido como o detentor do conhecimento e a relação de cuidado torna-se um processo de controle sobre o corpo da mulher. Nesse sentido, o corpo feminino é controlado pelos profissionais de saúde, que sob a perspectiva de um modelo biomédico e tecnocrático, dominam e manipulam o corpo da mulher, favorecendo que o cuidado seja desenvolvido unilateralmente, culminando com a desqualificação das mulheres quanto ao conhecimento sobre o seu corpo e exclusão destas do seu processo de cuidado. Isso favorece a redução do protagonismo das mulheres no processo parturitivo9Pieszak GM, Gomes GC, Rodrigues AP, Wilhelm LA. As relações de poder na atenção obstétrica e neonatal: perspectivas para o parto e o nascimento humanizados. Rev Eletrôn Acervo Saúde. 2019;(26):e756. doi: https://doi.org/10.25248/reas.e756.2019
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Essa situação revela uma desigualdade de gênero apoiada nas relações de poder entre as mulheres e profissionais de saúde. Para tanto, observa-se nas falas dos enfermeiros obstetras, desta pesquisa, como a presença da figura masculina gera estranhamento e desconforto para as mulheres no cenário do parto. O que pode fazer relação com as sensações de vergonha e incômodo geradas no imaginário feminino ao se despir na frente dos enfermeiros19Nogueira LF, Evangelista RL, Araújo CRC, Teixeira SES. Desafios da inserção do enfermeiro na assistência à saúde da mulher. SANARE, 2017 [cited 2020 May 17];16(1):32-8. Available from: https://sanare.emnuvens.com.br/sanare/article/view/1091
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Por outro lado, as mulheres no processo parturitivo podem, ainda, associar ao enfermeiro obstetra a imagem do médico, por uma questão histórica da inserção deste profissional no parto hospitalar. Esse imaginário social criado remete a ideia de conhecimento, inteligência, respeito ético-profissional, bem como a valorização técnica, social e financeira do trabalho do médico em detrimento ao cuidado das enfermeiras obstetras representadas pelo gênero feminino. Isso pode resultar em uma segurança por parte das mulheres quando assistidas pelo médico ou pelo enfermeiro, os quais estão representados pelo gênero masculino5Bayliss-Pratt L, Daley M, Bhattacharya-Craven A. Nursing Now 2020: the Nightingale challenge perspectives. Int Nurs Rev. 2020;67(1):7-10. doi: https://doi.org/10.1111/inr.12579
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,15Silva EO, Sanches METL, Santos AAP, Barros LA. Experience of professional autonomy in the assistance to home birth by obstetric nurses. Rev Baiana Enferm. 2019;33:e32732. doi: https://doi.org/10.18471/rbe.v33.32732
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,20Andrade CB, Monteiro MI, Professores (as) de enfermagem: gênero, trajetórias de trabalho e de formação. Pro-Posições. 2018 [cited 2020 May 30];29(2):210-34. Available from: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/proposic/article/view/8656343
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,).

O contrário disso observa-se quando uma médica ao assistir à mulher em processo de parto é considerada como enfermeira pelas pacientes. Essa situação pode ser justificada devido a formação histórica da profissão da enfermagem ser composta majoritariamente por mulheres, as quais foram influenciadas por atributos de docilidade, paciência, do instinto materno e da submissão ao trabalho médico, o que leva a categoria das enfermeiras em posição de inferioridade20Andrade CB, Monteiro MI, Professores (as) de enfermagem: gênero, trajetórias de trabalho e de formação. Pro-Posições. 2018 [cited 2020 May 30];29(2):210-34. Available from: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/proposic/article/view/8656343
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Essas assimetrias podem contribuir para a desvalorização do cuidado da enfermeira obstetra tanto pela mulher quanto pela instituição/profissionais. As enfermeiras são, por vezes, ofuscadas devido sua trajetória histórica sustentada pelo paradigma hegemônico norteado por valores biomédicos, enfrentam a falta de reconhecimento e valorização de suas atividades, o que pode interferir diretamente no seu empenho, contribuindo para uma visão deturpada, por parte das pacientes sobre seu trabalho9Pieszak GM, Gomes GC, Rodrigues AP, Wilhelm LA. As relações de poder na atenção obstétrica e neonatal: perspectivas para o parto e o nascimento humanizados. Rev Eletrôn Acervo Saúde. 2019;(26):e756. doi: https://doi.org/10.25248/reas.e756.2019
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,14Lage CEB, Alves MS. (Des)valorização da Enfermagem: implicações no cotidiano do enfermeiro. Enferm Foco 2016;7(3/4):12-6. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2016.v7.n3/4.908
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa possibilitou conhecer os fatores que colaboram e dificultam a melhoria do cuidado da enfermeira obstetra no processo de parto. Para tanto, a respeito das questões profissionais, as enfermeiras indicaram como fatores colaborativos a importância do suporte da equipe multiprofissional e o reconhecimento técnico da enfermeira obstetra que encontra-se munida de comprometimento profissional e mostra satisfação por ser enfermeira obstetra.

Sobre os fatores institucionais, as enfermeiras mostram o impacto do cuidado atrelado a ocupação e espaço físico adequado, isso permite que a relação entre profissional e mulher possa acontecer com fluidez sem interferências externas. Os fatores relacionados à mulher/acompanhante apontam o quanto as informações prévias são essenciais para proporcionar preparação física/emocional das mulheres e seus/suas acompanhantes, bem com a importância da interação entre esses atores sociais auxiliam na melhoria do acompanhamento obstétrico.

As enfermeiras obstetras alertam para fatores relacionados ao cuidado, como dificuldades associadas ao modelo hospitalar que padroniza as mulheres, cuidado centrado nas técnicas, excesso de demandas assistenciais e administrativas, falta de recursos, desvalorização da enfermeira obstetra, assimetrias nas relações de poder e de gênero, e o despreparo das mulheres/acompanhantes sobre o processo parturitivo.

Esses fatores são relevantes para publicização do conhecimento entre gestores e profissionais no auxílio na tomada de decisão para reorientação de normas, protocolos, rotinas e condutas institucionais dos serviços de saúde, a fim de valorizar a enfermeira obstetra, garantindo melhorias nas condições de trabalho destas para desenvolverem um cuidado embasado nas boas práticas obstétricas preconizadas e incentivadas pela OMS. Esse reconhecimento do trabalho é importante para que governos e gestores possam inserir mais enfermeiras obstetras nos serviços de saúde e oportunizar treinamentos/capacitações que contribuam para o cuidado seguro e humanizado à mulher.

Ademais, os achados da pesquisa permitem que diversas categorias profissionais compreendam que o cuidado da enfermeira obstetra não se limita as responsabilidades individualizadas. Observa-se que trabalho em saúde deve ser compartilhado em benefício da qualidade do cuidado à mulher. Essa premissa sugere mudanças nas abordagens sobre o papel da enfermeira obstetra no cenário do parto nos espaços de ensino (universidades, cursos de especialização/capacitação) para acadêmico(a)s/profissionais da área da saúde, colaborando para o seu reconhecimento. Além disso, mudanças nas relações interpessoais entre profissionais da equipe multiprofissional; profissional e mulher/acompanhante precisam ocorrer para que o comprometimento com cuidado obstétrico fundamentado nas boas práticas no parto e nascimento possa se estender para as diversas áreas da saúde.

Como limitações menciona-se o fato desta pesquisa ter sido realizada em uma maternidade escola pertencente ao serviço público de saúde. Assim, as melhorias do cuidado às mulheres em processo de parto, referidas por enfermeiras obstetras, estão relacionadas com aspectos da instituição desta pesquisa, o que pode não retratar a realidade das demais maternidades no Brasil.

REFERENCES

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Editado por

Editor associado:

Dagmar Elaine Kaiser

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    24 Jun 2020
  • Aceito
    28 Abr 2021
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