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Competências da enfermeira de ligação na alta hospitalar

RESUMO

Objetivo:

Identificar as competências da enfermeira de ligação na alta hospitalar à luz do referencial teórico Cuidar de Enfermagem Baseado nas Forças.

Método:

Estudo descritivo, qualitativo, desenvolvido na província do Québec- Canadá, com 23 enfermeiras de ligação. Os dados foram coletados de março a julho de 2016, por meio de um questionário semiestruturado via plataforma eletrônica Survey Monkey® e analisados pela análise de conteúdo com apoio do software Qualitativa Data Analysis Miner.

Resultados:

As categorias que emergiram foram: competências relacionadas ao cuidado com o paciente, competências relacionadas às características pessoais da enfermeira de ligação e competências gerenciais.

Considerações finais:

As enfermeiras de ligação detêm um conjunto de competências de diferentes dimensões, o que proporciona o cuidado centrado na pessoa, em suas potencialidades e assegura a continuidade do cuidado para o paciente com alta hospitalar.

Palavras-chave:
Enfermagem; Competência profissional; Alta do paciente; Cuidado transicional; Continuidade da assistência ao paciente; Teoria de enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To identify the liaison nurse competences at hospital discharge in the light of Strengths-Based Nursing Care theoretical reference.

Method:

Descriptive and qualitative study, developed at the province of Quebéc-Canada, with 23 liaison nurses. The data were collected from March to July 2016, by a semi-structured questionnaire via Survey Monkey® electronic platform and analyzed through the content analysis, supported by software Qualitativa Data Analysis Miner.

Results:

The categories that has emerged were: competences related to patient care, competences related to personal characteristics of the liaison nurse and managerial competences.

Final considerations:

Liaison nurses hold a set of competences from different dimensions, which provide the care centered in the person, in its potentialities, and assure the continuity of patient care with hospital discharge.

Keywords:
Nursing; Professional competence; Patient discharge; Transitional care; Continuity of patient care; Nursing theory

RESUMEN

Objetivo:

Identificar las competencias de la enfermera de enlace en el alta hospitalaria a luz del referencial teórico Cuidar de Enfermería Basada en las Fuezas.

Método:

Estudio descriptivo, cualitativo, desarrollado en la provincia de Québec - Canadá, con 23 enferemeras de enlace. Los datos fueron recolectados, de marzo a julio de 2016, por medio de un cuestionario semiestructurado vía plataforma electrónica Survey Monkey® y analizados mediante el análisis de contenido con apoyo del software Qualitativa Data Analysis Miner.

Resultados:

Las categorías que surgieron fueron: competencias relacionadas con la atención al paciente, competencias relacionadas a las características personales de la enfermera de enlace y competencias gerenciales.

Consideraciones finales:

Las enfermeras de enlace tienen un conjunto de competencias de diferentes dimensiones lo que proporciona el cuidado centrado en la persona, en su potencial y asegura la continuidad del cuidado para el paciente con alta hospitalaria.

Palabras clave:
Enfermería; Competencia profesional; Alta del paciente; Cuidado de transición; Continuidad de la atencion al paciente; Teoría de enfermería

INTRODUÇÃO

A competência em enfermagem é uma complexa integração de conhecimentos. Trata-se da capacidade que o enfermeiro tem em demonstrar um conjunto de atributos, como características pessoais, atitudes profissionais, valores, conhecimentos e habilidades, que aplicados juntos refletem a sua responsabilidade profissional por meio da prática. Uma pessoa competente deve possuir esses atributos, ter a motivação e a capacidade de utilizá-los efetivamente para prestar cuidados seguros e eficazes ao paciente e seus familiares1Fukada M. Nursing competency: definition, structure and development. Yonago Acta Med. 2018;61(1):1-7. doi: https://doi.org/10.33160/yam.2018.03.001
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.

Os enfermeiros estão sempre sendo desafiados em como podem contribuir com os problemas de saúde da sociedade. Atualmente, diante dos desafios da transição demográfica e epidemiológica que repercutem no aumento do número de idosos e das pessoas com doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), os enfermeiros precisam fornecer um atendimento que atenda às necessidades complexas e diversas dos pacientes1Fukada M. Nursing competency: definition, structure and development. Yonago Acta Med. 2018;61(1):1-7. doi: https://doi.org/10.33160/yam.2018.03.001
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. Assim, ampliar o conhecimento acerca das competências dos enfermeiros é fundamental.

Pacientes com doenças crônicas necessitam de acompanhamento contínuo2Teston EF, Silva JP, Garanhani ML, Marcon SS. Early hospital readmission in the perspective of chronically ill patients. Rev Rene. 2016;17(3):330-3. doi: https://doi.org/10.15253/2175-6783.2016000300005
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, pois comumente são dependentes de tecnologias e dispositivos para a continuidade do cuidado em seu domicílio ou outros ambientes de cuidado, de profissionais de saúde capacitados e recursos de apoio na alta hospital3Lima MADS, Magalhães AMM, Oelke ND, Marques GQ, Lorenzini E, Weber LAF, et al. Care transition strategies in Latin American countries: an integrative review. Rev Gaucha Enferm. 2018;39:e20180119. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.20180119
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. Além disso, a alta hospitalar do paciente pode ser um momento frágil para a segurança desse, pois é comum o aparecimento de eventos adversos após a alta hospitalar, como por exemplo, erros de medicação, uso de serviços de emergência e reinternações hospitalares4Acosta AM, Câmara CE, Weber LAF, Fontenele RM. Nurse’s activities in care transition: realities and challenges. Rev Enferm UFPE on line. 2018;12(12):3190-7. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i12a231432p3190-3197-2018
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, sendo essencial assegurar uma adequada continuidade do cuidado, sobretudo para pacientes idosos e/ou com DCNT.

A transição dos cuidados é definida como um conjunto de ações destinadas a assegurar a continuidade e a coordenação do cuidado a pacientes, transferidos entre diferentes serviços ou níveis de atenção à saúde5Coleman EA, Boult C. Improving the quality of transitional care for persons with complex care needs. J Am Geriatr Soc. 2003;51(4):556-7. doi: https://doi.org/10.1046/j.1532-5415.2003.51186.x
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. Dentre as estratégias de transição do cuidado têm-se: planejamento da alta, planejamento antecipado do cuidado, educação do paciente e promoção do autogerenciamento, segurança no uso de medicações, comunicação completa de informações e acompanhamento ambulatorial do paciente, sendo essencial para pacientes com várias necessidades de saúde e comorbidades múltiplas, como os idosos e aqueles com DCNT3Lima MADS, Magalhães AMM, Oelke ND, Marques GQ, Lorenzini E, Weber LAF, et al. Care transition strategies in Latin American countries: an integrative review. Rev Gaucha Enferm. 2018;39:e20180119. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.20180119
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.

No Brasil ainda se verifica um incipiente planejamento da alta hospitalar6Nunes ECDA, Menezes Filho NAM. Systemization of nursing discharge: an analysis based on Roy. Cogitare Enferm. 2016;21(2):01-09. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v21i2.45875
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, fragilidade no processo de referência e contrarreferência de saúde7Brondani JE, Leal FZ, Potter C, Silva RM, Noal HC, Perrando MS. Challenges of referral and counter-referral in health care in the workers’ perspective. Cogitare Enferm. 2016;21(1):01-08. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v21i1.43350
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e escassos estudos voltados à transição do cuidado8Weber LAF, Lima MADS, Acosta AM, Maques GQ. Care transition from hospital to home: integrative review. Cogitare Enferm. 2017;22(3):e47615. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v22i3.47615
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. Estudo brasileiro que analisou as atividades realizadas pelos enfermeiros na transição do cuidado ao paciente com alta hospitalar apontou que a maioria dessas atividades compreendeu as orientações de alta do paciente. Atividades como o planejamento da alta pela equipe multiprofissional, plano de alta por escrito, articulação entre os serviços e contrarreferência do paciente poderiam ser mais desenvolvidos pelos profissionais4Acosta AM, Câmara CE, Weber LAF, Fontenele RM. Nurse’s activities in care transition: realities and challenges. Rev Enferm UFPE on line. 2018;12(12):3190-7. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i12a231432p3190-3197-2018
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. A transição dos cuidados é processo que se encontra em construção e adaptação e necessita de investigação, sobretudo, no Brasil8Weber LAF, Lima MADS, Acosta AM, Maques GQ. Care transition from hospital to home: integrative review. Cogitare Enferm. 2017;22(3):e47615. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v22i3.47615
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.

Entretanto, países como Canadá, Portugal e Espanha avançaram em relação às investigações acerca das estratégias de transição do cuidado da enfermeira que atua na transição do cuidado por meio de pesquisas multicêntricas9Aued GK, Bernardino E, Lapierre J, Dallaire C. Liaison nurse activities at hospital discharge: a strategy for continuity of care. Rev Latino-Am Enfermagem. 2019;27:e3162. doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.3069.3162
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Na província do Quebec, no Canadá, a transição do cuidado na alta hospitalar é realizada pela enfermeira de ligação que tem o papel de identificar os pacientes que necessitam dos seus serviços, realizar o planejamento da alta em conjunto com os demais profissionais da equipe multidisciplinar e transferir, eletronicamente, as informações do paciente para uma central de regulação para que o tratamento seja continuado pelos serviços extrahospitalares após a alta do hospital do paciente9Aued GK, Bernardino E, Lapierre J, Dallaire C. Liaison nurse activities at hospital discharge: a strategy for continuity of care. Rev Latino-Am Enfermagem. 2019;27:e3162. doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.3069.3162
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No contexto Português, a transição do cuidado na alta hospitalar acontece pela equipe de gestão de alta, que possui dentre os seus membros a profissional enfermeira. A equipe de gestão de alta tem a função de identificar e avaliar os pacientes que necessitam da continuidade do cuidado após a alta hospitalar, realizar o plano de alta e a transferência das informações do paciente, sendo o elo entre os serviços hospitalares e a comunidade/família10Martins MM, Aued GK, Ribeiro OMPL, Santos MJ, Lacerda MR, Bernardino E. Discharge management to ensure continuity of care: experience of Portuguese liaison nurses. Cogitare Enferm. 2018;23(3):e58449. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v23i3.58449
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Na Espanha, a transição do cuidado é realizada pela enfermeira de enlace que é responsável pela identificação dos pacientes que necessitam continuar seus cuidados após a alta hospitalar, realizar o contato com os profissionais do Programa PREALTA, para agendar uma visita ao paciente pela atenção primária até as próximas 48 horas da alta hospitalar do paciente. Esta visita pode ser realizada pelo médico ou pela enfermeira11Costa MFBNA, Andrade SR, Soares CF, Ballesteros Pérez EI, Capilla Tomás S, Bernardino E. The continuity of hospital nursing care for Primary Health Care in Spain. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03477. doi: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2018017803477
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Como o cargo da enfermeira de ligação não existe no Brasil e se apresenta como uma importante estratégia para assegurar a continuidade do cuidado ao paciente com alta hospitalar, sobretudo pacientes idosos, com DCNT e, ainda, a fim de subsidiar os serviços hospitalares na implementação deste cargo, questionou-se: Quais são as competências da enfermeira de ligação para atuar na alta hospitalar? O objetivo foi identificar as competências da enfermeira de ligação na alta hospitalar à luz do referencial teórico Cuidar de Enfermagem Baseado nas Forças.

O Cuidar de Enfermagem Baseado nas Forças representa um ressignificado do conceito de cuidar. Conduz os enfermeiros as suas raízes do cuidado ao ser humano, foca-se na pessoa, é capaz de olhar o paciente além da sua doença e de seus problemas, encontrar no paciente e na sua família as forças, ou seja, as competências, as atitudes, os recursos que podem contribuir para a recuperação e cura do paciente12Gottlieb LN. O cuidar de enfermagem baseado nas forças: saúde e cura para a pessoa e família. Sintra: Lusodidacta; 2016. .

Esta abordagem desafia os enfermeiros a trabalharem com os pacientes e familiares de forma que a decisão sobre o cuidado de saúde seja a que melhor responda às suas necessidades e objetivos em saúde. Direciona os profissionais a atuarem em favor dos interesses do paciente, demanda ações que coloquem o paciente na centralidade do cuidado e, consequentemente, demanda dos enfermeiros novas competências para atuarem nos sistemas de saúde12Gottlieb LN. O cuidar de enfermagem baseado nas forças: saúde e cura para a pessoa e família. Sintra: Lusodidacta; 2016. .

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo, de abordagem qualitativa, com a participação de 23 enfermeiras de ligação de dois centros hospitalares da província de Québec, no Canadá, sendo eles: Centro Hospitalar Universitário de Montreal (CHUM) e Centro Hospitalar Universitário de Québec (CHU).

O CHUM situa-se na cidade de Montreal é afiliado a Universidade de Montréal e considerado um dos mais importantes centros hospitalares da América do Norte. Até março de 2020 possuía 14.004 funcionários. Anualmente, atende cerca de meio milhão de pessoas. É composto pelos seguintes hospitais: Hôtel-Dieu; Notre-Dame; Saint-Luc. A missão do CHUM é tratar e curar pessoas em parceria com a rede de saúde e a Universidade de Montreal por meio das seguintes atividades: prestar o melhor atendimento especializado e subespecializado; desenvolver soluções inovadoras por meio da pesquisa; participar ativamente do desenvolvimento dos profissionais, promover saúde e bem-estar, avaliar e melhorar as intervenções em saúde13Centre Hospitalier de L’Université de Montréal. Rapport annuel de gestion 2019-2020. Montreal: CHUM; 2020 [cited 2021 Jan 22]. Available from: https://www.chumontreal.qc.ca/sites/default/files/2020-10/201006_rag_chum_2019-2020_lr_vf_web.pdf
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O CHU, afiliado a Universidade Laval, localiza-se na cidade do Quebec. É composto pelos seguintes serviços: Centro Hospitalar da Universidade Laval, os hospitais: l’enfant-Jésus; Saint-Sacrement; Saint-Françoisd’Assise; L’Hôtel-Dieu de Québec. Anualmente, tem a capacidade de atender dois milhões de pessoas, possui 11.893 funcionários e 1.260 leitos. A missão do CHU é oferecer cuidados gerais, especializados e subespecializados, ser campo de ensino e de pesquisas14Centre Hospitalier Universitaire de Québec - Univeristé Laval (CA). Rapport annuel de gestion 2019-2020. Quebec: CHU; 2020 [cited 2021 Jan 22]. Available from: https://www.chudequebec.ca/chudequebec.ca/files/9b/9b43d7bc-ac03-46bc-8940-784f706e0316.pdf
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O recrutamento das participantes da pesquisa ocorreu por intermédio de duas pesquisadoras canadenses. As participantes foram informadas sobre a pesquisa e os seus objetivos por meio de uma reunião realizada no seu próprio ambiente de trabalho. Na sequência, foi enviado para as enfermeiras de ligação o convite para participar da pesquisa e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), via plataforma eletrônica Survey Monkey ®. Após ler e assentir com o TCLE, a participante era direcionada para o questionário da pesquisa.

O questionário semiestruturado foi elaborado com base no objetivo da pesquisa e foi composto pela caracterização das participantes e pela seguinte pergunta: Quais são as competências essenciais para atuar como enfermeira de ligação? O questionário foi traduzido do português para o francês de forma independente por duas pessoas que se enquadraram nos seguintes critérios: ser enfermeira, ter conhecimento no tema da pesquisa, ser fluente em português e em francês. Foi realizado o teste piloto do instrumento por correio eletrônico com duas enfermeiras de ligação canadenses que não fizeram parte da amostra da pesquisa. Após as devidas adequações, o instrumento foi enviado a uma terceira enfermeira para um último teste piloto.

A coleta de dados ocorreu de março a julho de 2016, preferencialmente, via plataforma eletrônica Survey Monkey ® ou impresso em papel, caso a participante desejasse. Para a participante que preferisse responder o questionário no papel, foi enviada uma cópia do questionário por correio eletrônico e após respondê-lo, a participante o escaneava e enviava para o endereço eletrônico elaborado exclusivamente para esta pesquisa.

Todas as 36 enfermeiras de ligação que atuavam no CHUM e no CHU foram convidadas a participar da pesquisa, 24 aceitaram, e enviaram o questionário dentro do prazo estipulado. Um questionário foi excluído, pois estava incompleto. Desse modo, a população foi de 36 e a amostra totalizou 23. Não houve critérios de inclusão e exclusão. O tempo para preenchimento do questionário foi de aproximadamente 15 minutos.

Antes de iniciar a análise, os dados foram traduzidos do francês para o português por duas pessoas fluentes nessas duas línguas, sendo que uma delas é enfermeira e pesquisadora. As traduções foram realizadas de forma independente por cada tradutora. A metodologia empregada para a análise dos dados foi a análise de conteúdo, com apoio do software Qualitativa Data Analysis (QDO) Miner. A análise de conteúdo compreende o “conjunto de técnicas da análise das comunicações” e envolve três etapas: pré-análise exploração do material; tratamento dos dados e interpretação15Bardin, L. Análise de conteúdo. 1. ed. São Paulo: Edições 70; 2011..

Na pré-análise, os dados foram transportados para o Microsoft Word ® e foram realizadas as leituras flutuantes. Também, os dados foram organizados no software QDO Miner. Na exploração do material foi realizada a codificação e a condensação das unidades de registro para a formação das categorias. As unidades de registro foram escolhidas com base no significado geral, as que se aproximaram mais de como as enfermeiras percebiam cada competência. Desta forma, foi possível elaborar as subcategorias e, por fim, as três categorias principais relacionadas às competências. A interpretação dos dados foi fundamentada no referencial teórico Cuidar em Enfermagem Baseado nas Forças12Gottlieb LN. O cuidar de enfermagem baseado nas forças: saúde e cura para a pessoa e família. Sintra: Lusodidacta; 2016. .

Foram respeitados os aspectos éticos e as recomendações da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. No Brasil, o projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) sob o nº 1.426.575, teve como Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE), nº 36975914.5.0000.0102. Foi aprovado pelo CEP do CHUM, sob o nº 888. 681, e, no CHU, sob o nº 2015-2016-9012. A coleta de dados ocorreu após a aprovação dos CEPs, da concordância dos participantes mediante a assinatura do TCLE. Para assegurar o anonimato, as participantes foram identificadas pelas letras EL seguidas de um número cardinal em ordem crescente à medida que questionários eram recebidos.

RESULTADOS

Inicialmente, apresenta-se a caracterização das participantes e, em seguida, as competências para atuar como enfermeira de ligação na alta hospitalar.

Caracterização das enfermeiras de ligação

Nove (39,14%) enfermeiras de ligação possuíam de 35 a 44 anos, sete (30,43%) de 25 a 34 anos e sete (30,43%) de 45 a 54 anos. A maioria era do sexo feminino, 17 (73,91%). Quanto ao tempo de exercício como enfermeira, 15 (65,22%) trabalhavam onze ou mais anos. Já no cargo de enfermeira de ligação, onze (47,82%), atuavam de 06 a 10 anos, oito (34,78%) de 01 a 05 anos, duas (8,70%) de 11 a 15 anos e outras duas (8,70%) há mais de 21 anos.

Competências para atuar como enfermeira de ligação

O Quadro 1, apresenta as categorias e as subcategorias que representam as competências das enfermeiras de ligação.

Quadro1-
Competências das Enfermeiras de Ligação, Quebec, Canadá, ano 2016

Quanto as competências relacionadas ao cuidado com o paciente verificou-se que as enfermeiras de ligação apontaram o julgamento clínico, visão holística e advogar pelo paciente como competências essências para a sua atuação. A enfermeira de ligação como a responsável pela identificação do paciente que necessita de cuidados após a alta, planejamento da alta hospitalar precisa realizar uma adequada avaliação biopsicossocial do paciente a fim prover as condições necessárias para atender as necessidades de cuidados de cada pessoa.

Assim, sustenta-se que a competência de julgamento clínico possibilita que a enfermeira de ligação seja capaz de identificar os cuidados conforme o quadro clínico do paciente coordenar o planejamento da alta de pessoas com condições complexas, de prevenir eventos que possam prejudicar o quadro clínico do paciente. A visão holística é uma das competências centrais da enfermeira de ligação. É essa competência que a permite avaliar o paciente para além da sua doença, como uma pessoa que têm necessidades físicas, emocionais, sociais, espirituais e que precisam ser consideradas no planejamento da alta hospitalar.

Por meio da competência advocacia é que a enfermeira de ligação protege os direitos dos pacientes e familiares, defende os cuidados que vão ao encontro das necessidades individuais de cada paciente, intercede por recursos necessários e, em tempo hábil e, assim, assegura condições para a continuidade do cuidado após a alta hospitalar.

Em relação as competências relacionadas às características pessoais da profissional as enfermeiras destacaram a necessidade de desenvolver competências: gestão do estresse; gestão de prioridades e criatividade. Sustenta-se as enfermeiras de ligação como a coordenadora do planejamento da alta hospitalar do paciente e o elo entre diferentes profissionais e serviços depara-se com diferentes obstáculos o que pode gerar estresse a essas profissionais. Porém, o reconhecimento das enfermeiras de ligação quanto a necessidade de gerir esse estresse é fundamental para a elaboração de estratégias que minimizem o estresse.

A competência gestão de prioridades reflete na necessidade de que a alta hospitalar de um paciente pode ser mais urgente do que a de outro, seja por motivos do paciente, institucionais, entre outros. Ademais, há pacientes que necessitam recursos, tais como: equipamentos médicos hospitalares, cuidador e adaptações no domicílio para receber alta hospitalar. Dependendo da disponibilidade desses recursos a alta hospitalar do paciente pode ser prejudicada. Estima-se que a prática da gestão de prioridades na alta hospitalar influencie na fluidez das altas hospitalares, na gestão dos leitos hospitalares e na qualidade da continuidade do cuidado.

A competência criatividade pode conceber soluções inovadoras para problemas relacionados a alta hospitalar e, ainda, contribuir para novas abordagens frente as dificuldades das enfermeiras de ligação com os profissionais da equipe multiprofissional, paciente e familiares. Acredita-se que a criativa é uma estratégia importante para as enfermeiras que atuam na transição do cuidado, pois cada alta hospitalar é singular.

As competências gerenciais apontadas pelas enfermeiras de ligação abarcam liderança, comunicação e flexibilidade. Acredita-se que a liderança é primordial para essas enfermeiras já uma das suas atividades é a coordenação do planejamento da alta. Nesse sentido, as enfermeiras de ligação precisam desenvolver o papel de líder, estimulando os demais profissionais da equipe de saúde na elaboração de um planejamento de alta qualificado e em tempo oportuno.

As enfermeiras de ligação, sendo o elo entre os profissionais da equipe multiprofissional do hospital, a responsável por transferir as informações dos pacientes ao serviço extrahospitalar e por orientar os pacientes e familiares e/ou cuidadores sobre os cuidados após a alta é imprescindível ter uma comunicação assertiva para que a alta seja qualificada, segura e promova a continuidade do cuidado.

A atuação das enfermeiras de ligação frente ao planejamento da alta hospitalar envolve diferentes dimensões, como as condições clínicas do paciente, organização de recursos externos, comunicação entre os diferentes profissionais de saúde e com os familiares e/ou cuidadores o que demanda a competência de flexibilidade para a tomada de decisões assertivas frente aos desafios encontradas na prática.

DISCUSSÃO

Para exercer o papel de enfermeira de ligação espera-se o desenvolvimento de competências de diferentes dimensões, como: competências relacionadas ao cuidado com o paciente; competências relacionadas aos traços de personalidade do profissional e; competências gerenciais. Apesar da prática da enfermeira de ligação não estar relacionada com a assistência direta ao paciente, envolve a identificação das necessidades, o planejamento da alta e a transferência das informações do paciente para os serviços que darão continuidade do cuidado após a alta hospitalar9Aued GK, Bernardino E, Lapierre J, Dallaire C. Liaison nurse activities at hospital discharge: a strategy for continuity of care. Rev Latino-Am Enfermagem. 2019;27:e3162. doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.3069.3162
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. Assim, o rol de competências deste enfermeiro implica na integração de conhecimentos clínicos, de gestão e características pessoais peculiares, tais como gestão do estresse, criatividade e censo de priorização.

Atualmente, existe uma expectativa crescente de que os enfermeiros sejam capazes de combinar várias fontes de informação e incorporá-las à tomada de decisão e à prática de enfermagem, demonstrando a sua competência enquanto profissionais de saúde. O desenvolvimento de competências necessita de uma complexa integração de conhecimentos, os quais englobam julgamento, habilidades, valores e atitudes, combinam distintos fatores e questões específicas para cada situação1Fukada M. Nursing competency: definition, structure and development. Yonago Acta Med. 2018;61(1):1-7. doi: https://doi.org/10.33160/yam.2018.03.001
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.

Dentre as competências relacionadas ao cuidado com o paciente, o julgamento clínico e a visão holística do paciente emergiram como competências essenciais para o exercício do cargo de enfermeira de ligação. Em estudo espanhol acerca das competências das enfermeiras de enlace que realizam papel semelhante a das enfermeiras de ligação apontou que é essencial que as enfermeiras tenham experiência de atuar com pacientes complexos, de difícil manejo do cuidado o que vai ao encontro da competência de julgamento clínico11Costa MFBNA, Andrade SR, Soares CF, Ballesteros Pérez EI, Capilla Tomás S, Bernardino E. The continuity of hospital nursing care for Primary Health Care in Spain. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03477. doi: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2018017803477
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) , pois esses pacientes demandam um adequado julgamento clínico para uma construção de um plano de alta eficaz.

O julgamento clínico e a visão holística do paciente coadunam com os valores da abordagem do cuidado de enfermagem baseado nas forças. Para este referencial, o julgamento clínico e a tomada de decisão compreendem a etapa final do processo de raciocínio clínico. O julgamento clínico é a avaliação das alternativas para a solução de um determinado problema, já a decisão clínica é a escolha entre as opções12Gottlieb LN. O cuidar de enfermagem baseado nas forças: saúde e cura para a pessoa e família. Sintra: Lusodidacta; 2016. .

Para um adequado julgamento clínico é importante que a enfermeira tenha uma visão holística do paciente. O holismo pauta-se na premissa de que a pessoa é um todo unificado e indivisível. Refere-se à compreensão da pessoa, da sua família, da sua comunidade e das suas forças, definindo a singularidade da pessoa respeitando as suas características e qualidades únicas. Isso significa conhecer a pessoa, sua história, seus desejos, seus objetivos, suas esperanças, sua situação clínica, seu tratamento, bem como as respostas físicas e emocionais12Gottlieb LN. O cuidar de enfermagem baseado nas forças: saúde e cura para a pessoa e família. Sintra: Lusodidacta; 2016. .

Cuidar de maneira holística significa atender o paciente em seus aspectos biológicos, psicológicos, sociais, espirituais, culturais, e a sua relação com o meio ambiente. Trata-se de compreender que o problema de saúde de cada indivíduo deve ser enfrentado pela promoção, prevenção e tratamento, considerando a pessoa como ator principal neste processo de cuidado da sua saúde. Implica conhecimento multidimensional que envolve não apenas os aspectos biológicos, mas também as cognições, ideias, crenças e visões da vida16Veliz-Rojas L, Saavedra AB. Acompañamiento y cuidado holístico de enfermería en personas con enfermedades crónicas no adherentes al tratamiento. Enfermería Actual Costa Rica. 2017 [cited 2020 Apr 15];(32):186-96. Available from: https://www.scielo.sa.cr/pdf/enfermeria/n32/1409-4568-enfermeria-32-00186.pdf
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O profissional de enfermagem, por meio do acompanhamento e cuidado holístico, está atento aos sentidos e sentimentos da pessoa, rompendo preconceitos, aceitando a existência de fé e esperança e estabelecendo um relacionamento de ajuda e confiança, para que a pessoa possa enfrentar o seu processo de saúde e doença, aderindo aos tratamentos e implementando mudanças na sua vida cotidiana16Veliz-Rojas L, Saavedra AB. Acompañamiento y cuidado holístico de enfermería en personas con enfermedades crónicas no adherentes al tratamiento. Enfermería Actual Costa Rica. 2017 [cited 2020 Apr 15];(32):186-96. Available from: https://www.scielo.sa.cr/pdf/enfermeria/n32/1409-4568-enfermeria-32-00186.pdf
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Ser um enfermeiro competente, implica em ser holístico, integrado e construído a partir de atividades complexas. Para tanto, torna-se necessário desenvolver alguns componentes essenciais, tais como: capacidade de entender as pessoas; capacidade de prestar assistência centrada nas pessoas e a capacidade de melhorar a qualidade da enfermagem por meio da ampliação da sua capacidade profissional e a garantia da prestação de cuidados de enfermagem de alta qualidade1Fukada M. Nursing competency: definition, structure and development. Yonago Acta Med. 2018;61(1):1-7. doi: https://doi.org/10.33160/yam.2018.03.001
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Advogar pelo paciente foi outra competência relacionada ao cuidado para com o paciente e elencada pelas enfermeiras de ligação como essencial para a sua atuação. Esta competência é atribuída pelo referencial teórico Cuidar de Enfermagem Baseados nas Forças como uma qualidade essencial dos enfermeiros, considerada como uma força de defesa desenvolvida por estes profissionais. As pessoas e suas famílias precisam contar com os enfermeiros para os protegerem e auxiliarem a percorrerem o sistema de saúde. Advogar pelos pacientes e suas famílias exige que o enfermeiro argumente, dê suporte e os defenda, buscando garantir a assistência adequada e em momento oportuno12Gottlieb LN. O cuidar de enfermagem baseado nas forças: saúde e cura para a pessoa e família. Sintra: Lusodidacta; 2016. .

Quando as enfermeiras protegem, defendem e prestam auxílio aos pacientes e seus familiares, estão exercendo o papel de advogadas. Elas tendem a exercer esse papel quando entendem que o direito de decisão de um paciente foi desrespeitado ou quando as sugestões dos pacientes foram desconsideradas12Gottlieb LN. O cuidar de enfermagem baseado nas forças: saúde e cura para a pessoa e família. Sintra: Lusodidacta; 2016. . Na alta hospitalar as enfermeiras podem advogar pelos pacientes por meio da garantia de consultas médicas e de enfermagem, visita domiciliar ou insumos necessários para manutenção da saúde do paciente.

A advocacia em saúde ainda é definida como função complementar do profissional de Enfermagem para promover e defender os interesses e o bem-estar dos usuários, garantindo sempre que eles possuam conhecimento dos seus direitos e que disponham do acesso às informações para a tomada de decisão, melhorando sua saúde e adesão terapêutica17Tomaschewski-Barlem JG, Lunardi VL, Barlem ELD, Silveira RS, Dalmolin GL, Ramos AM. Cross-cultural adaptation and validation of the protective nursing advocacy scale for Brazilian nurses. Rev Latino-Am Enfermagem. 2015;23(4):669-76. doi: https://doi.org/10.1590/0104-1169.0214.2602
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-19Mayer BLD, Bernardo MS, Nascimento ERP, Bertoncello KCG, Raulino AR. Nurses and patient advocacy: a theoretical reflection. REME. 2019;23:e-1191. doi: https://doi.org/10.5935/1415-2762.20190039
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As competências relacionadas às características pessoais elencadas pelas enfermeiras de ligação foram a gestão do estresse, de prioridades e a criatividade, as quais se relacionam ao referencial teórico Cuidar de Enfermagem Baseados nas Forças, pois para o exercício da sua prática, o enfermeiro deve estar ciente das suas próprias forças, vulnerabilidades e fraquezas. Esta consciência estabelece um entendimento de como o seu comportamento afeta a pessoa e sua família, e como o comportamento destes afetam as respostas12Gottlieb LN. O cuidar de enfermagem baseado nas forças: saúde e cura para a pessoa e família. Sintra: Lusodidacta; 2016. .

O enfermeiro precisa desenvolver algumas qualidades essenciais, tais como a força de mentalidade e as forças de conhecimento e saber. As forças de mentalidade, envolvem as qualidades requeridas para estabelecer um rol de atitudes, perspectivas, filosofias ou valores que afetam a forma de se comportar, presentes na gestão de estresse e de prioridades; as de conhecimento e saber, são necessárias para adquirir e usar informações de fontes formais e da experiência desenvolvendo a criatividade no uso dos recursos em prol do cuidado ao paciente12Gottlieb LN. O cuidar de enfermagem baseado nas forças: saúde e cura para a pessoa e família. Sintra: Lusodidacta; 2016. .

A resposta de estresse depende da mediação de dois processos cognitivos, sendo a avaliação cognitiva que significa o modo de identificar os recursos de que dispõe para fazer face às exigências da situação e; coping, que se refere à forma de lidar com a situação estressante. Este último pode ser orientado para o problema por meio de ações destinadas a alterar as circunstâncias da relação ou orientado para as emoções que correspondem às ações destinadas a alterar a forma de como é avaliada a situação20Lima J, Queirós C, Borges E, Abreu M. Saúde dos enfermeiros: presentismo e stress no trabalho. Int J Work Condit. 2019;17:90-107. doi: https://doi.org/10.25762/5y9p-fj60
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. Esta mediação possibilitará a gestão da situação de estresse, bem como possibilitará condições para a identificação de prioridades.

A criatividade é percebida como uma exigência constante no trabalho. A potência criativa do trabalho implica em cooperação coletiva, uma vez que o trabalho não é individual, mas se organiza na relação com outros. Ser criativo é interferir e agir na concepção do trabalho, ter conhecimento da sua finalidade, dos meios e instrumentos necessários para sua construção e realização21Glanzner CH, Olschowsky A, Hoffmann, DA. Autonomia e criatividade no trabalho de equipes de saúde da família no sul do Brasil. Rev Trabalho Cena. 2017;2(1):40-9. doi: https://doi.org/10.20873/2526-1487V2N140
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. Enfermeiras de enlace apontaram que as competências relacionadas as características pessoais das enfermeiras foram: empatia, autocontrole, iniciativa, responsabilidade e motivação o que vai de encontro com os resultados obtidos nessa pesquisa11Costa MFBNA, Andrade SR, Soares CF, Ballesteros Pérez EI, Capilla Tomás S, Bernardino E. The continuity of hospital nursing care for Primary Health Care in Spain. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03477. doi: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2018017803477
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. No entanto, acredita-se que essas características podem contribuir significativamente para enfermeiras que atuam na transição do cuidado, melhorando a qualidade do trabalho dessas profissionais.

As competências gerenciais das enfermeiras de ligação envolvem a liderança, comunicação e a flexibilidade, o que diverge de um estudo que apontou o trabalho em equipe como uma competência essencial para as enfermeiras que atuam na transição do cuidado. Além disso, esse estudo mostrou que é primordial que essas enfermeiras tenham conhecimento dos recursos disponíveis para a alta do paciente e das características sociodemográficas da área em que atuam11Costa MFBNA, Andrade SR, Soares CF, Ballesteros Pérez EI, Capilla Tomás S, Bernardino E. The continuity of hospital nursing care for Primary Health Care in Spain. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03477. doi: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2018017803477
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o que é necessário para organizar a alta hospitalar de acordo com os recursos disponíveis e, ainda, conhecer a população da sua área de abrangência para melhor gestão das altas hospitalares.

De uma forma geral, a liderança em sua explicação clássica, é uma atitude que requer múltiplas habilidades para ser exercida com eficiência. Trata-se de um conhecimento e não apenas o exercício da autoridade. Liderança é o poder de exercer influência positiva e inspiração em diferentes pessoas em prol de um único objetivo. Para tanto, torna-se necessário a aplicação de ações práticas e objetivas, dentre as quais destacam-se a comunicação efetiva e a flexibilidade22Khoury, K. Liderança é uma questão de atitude. 4. ed. São Paulo: Editora Senac; 2020. -23Amestoy SC, Lopes RF, Santos BP, Dornelles C, Fuculo Junior PRB, Santos EA. Exercício da liderança do enfermeiro em um serviço de urgência e emergência. Rev Eletron G&S. 2016 [cited 2020 Apr 15];7(1):38-51. Available from: https://periodicos.unb.br/index.php/rgs/article/view/3372/3056
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Comunicação, como o ato de comunicar-se, do latim, communicare, tornar comum, envolve a troca de informações entre dois ou mais interlocutores, possui dois códigos, os psicossociais e os psicobiológicos. O primeiro envolve a linguística e o segundo o comportamento e as expressões não verbais. Caracteriza-se por um processo social que permite criar e interpretar mensagens provocando respostas, tornar comum uma mensagem ou informação. Comunicar, neste sentido, é o processo de transmitir a informação e compreensão de uma pessoa para outra24Santos RO. A importância da comunicação no processo de liderança. Rev Adm Saúde. 2018;18(72):e128. doi: https://doi.org/10.23973/ras.72.128
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A transição do cuidado é um processo complexo que demanda coordenação e comunicação entre pessoas de distintas formações, experiências e habilidades. Destaca-se que uma das atividades dos enfermeiros na transição do hospital para o domicílio é a comunicação entre o hospital e os demais serviços da rede de saúde8Weber LAF, Lima MADS, Acosta AM, Maques GQ. Care transition from hospital to home: integrative review. Cogitare Enferm. 2017;22(3):e47615. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v22i3.47615
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) . Assim, a competência comunicação é essencial para uma transição eficaz.

A flexibilidade, por sua vez, é a capacidade de adaptação do indivíduo a mudanças, e é fundamental para que o profissional se mantenha competente. Trata-se de uma das principais competências para o cuidado, pois a flexibilidade permite encontrar caminhos aparentemente não evidentes dentro dos sistemas, envolver efetivamente o paciente e seus familiares, escutá-los e, juntos, encontrar alternativas para situações pré-definidas como intransponíveis ou imutáveis, até mesmo preconceitos enraizados próprios do processo de trabalho do enfermeiro.

O enfermeiro deve desenvolver essas competências gerenciais, pois estão incumbidos da responsabilidade de ajudar os indivíduos e suas famílias a encontrarem as suas próprias forças para lidar com os desafios do cotidiano e as adversidades advindas do seu processo saúde-doença12Gottlieb LN. O cuidar de enfermagem baseado nas forças: saúde e cura para a pessoa e família. Sintra: Lusodidacta; 2016. , sobretudo, quando estão sendo preparados para receber alta e, comumente, são os familiares que passam a cuidar do paciente no domicílio.

Espera-se que os indivíduos e suas famílias sejam responsáveis pela sua saúde, assumam maior responsabilidade por ela e que sejam parceiros nas decisões do cuidado. Eles estão mais propensos a assumir responsabilidades quando são tratados como parceiros nos cuidados, elevam a sua autoconfiança e são ajudados a acreditar que podem conseguir, pois possuem forças e são auxiliados a desenvolvê-las. Beneficiam-se do suporte, ensino, orientação dos enfermeiros quando têm uma compreensão mais ampla das suas próprias forças internas e recursos externos12Gottlieb LN. O cuidar de enfermagem baseado nas forças: saúde e cura para a pessoa e família. Sintra: Lusodidacta; 2016. .

Quando as enfermeiras de ligação estão cientes de suas competências e as usam como norte na sua prática profissional, elas se colocam em uma posição privilegiada para exercer a sua profissão, sendo capazes de articular entre os membros da própria equipe e entre outros serviços rede assistencial, defendendo os direitos dos pacientes, racionalizando as suas escolhas e resistindo às pressões que podem prejudicar ou dificultar a sua prática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As enfermeiras de ligação que atuam na alta hospitalar do paciente possuem um rol de competências de diferentes dimensões, as quais relacionam-se ao cuidado para com o paciente, às características pessoais destas enfermeiras e ao gerenciamento. Isso demonstra que estas enfermeiras avaliam as necessidades singulares de cada paciente, identificam as potencialidades destes, defendem-nos quando necessário, apresentam boa comunicação e liderança.

Evidencia-se que as competências das enfermeiras de ligação estão em consonância com o referencial teórico adotado, sobretudo, as competências relacionadas ao cuidado, julgamento clínico e visão holística do paciente, pois para o referencial Cuidar de Enfermagem Baseado nas Forças estas competências são representadas como atributos essenciais para a prática de Enfermagem centrada no paciente, em sua família, no seu contexto de vida e nas suas potencialidades.

A adoção do referencial teórico Cuidar de Enfermagem Baseado nas Forças contribui para a assistência de enfermagem ao resgatar a essência da Enfermagem, o cuidado centrado na pessoa, o que nos possibilita analisar além dos papéis convencionais da enfermeira, refletir sobre quais competências são prioritárias para enfrentar os atuais desafios em saúde e promover a continuidade dos cuidados após a alta hospitalar.

Com o conhecimento das competências das enfermeiras de ligação possibilita-se a ampliação do campo de atuação da Enfermagem brasileira, proporciona a discussão no campo de ensino acerca das competências que necessitam ser desenvolvidas pelos futuros enfermeiros para atuar no âmbito da transição dos cuidados. Para os serviços de saúde, o conhecimento dessas competências pode orientar a seleção de enfermeiras para comporem equipes ou programas de gestão de alta hospital que trabalhem na perspectiva da transição dos cuidados.

E, ainda, amplia-se a discussão tradicional de competências relacionadas a conhecimentos, habilidades e atitudes, o que possibilita à enfermeira apropriar-se de valores e desenvolver qualidades essenciais ao cuidado, aproximando o referencial teórico à prática assistencial, qualificando-a e tendo o paciente e seus familiares como coparticipes da transição dos cuidados. Além disso, colabora para um novo rumo das pesquisas que envolvem as competências em Enfermagem.

Uma das limitações desse estudo consistiu em não incluir a descrição do cargo da enfermeira de ligação, pois acredita-se que este documento poderia trazer contribuições para melhor discussão acerca das competências da enfermeira de ligação. Todavia, não foi contemplado no projeto inicial deste estudo. Outra limitação consistiu na escassez de artigos científicos sobre a temática o que aponta a necessidade de pesquisas científicas em instituições hospitalares que possuem enfermeiras que atuem na transição do cuidado.

Agradecimentos:

Ao apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil, processo nº 406058/2016-4 e do Programa Affaires Mondiales Canada 2016/2017, com apoio do governo canadense.

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Editado por

Editor associado:

Dagmar Elaine Kaiser

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    02 Jun 2020
  • Aceito
    26 Fev 2021
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