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Refletindo o cuidado de enfermagem de reabilitação: Teoria do Reconhecimento atravessada pelo Princípio da Esperança

RESUMO

Objetivo

O estudo busca refletir sobre o cuidado de enfermagem de reabilitação, sob a ótica da Teoria do Reconhecimento e do Princípio da Esperança.

Estado da Arte

Estudo de reflexão, fundado na Teoria do Reconhecimento de Axel Honneth atravessada pelo Princípio da Esperança de Ernst Bloch, visando elucidar as potencialidades teórico-metodológicas desses referenciais para as futuras pesquisas em saúde, enfermagem e enfermagem de reabilitação. O cuidado de enfermagem de reabilitação é permeado por influências teórico-filosóficas pouco descritas na literatura. O estudo propoe uma forma de pensar e exercer o cuidado com a perpectiva de construir um cuidado de enfermagem de reabilitação, no qual o enfermeiro prima pela confiança, pelo respeito e estima mútua, exercendo o papel de agenciador de expectativas esperançosas e realísticas.

Conclusão

O estudo evidenciou as principais características de cada eixo teórico filosófico, permeando, separadamente, as definições relevantes para compreender suas implicações na realidade concreta do viver.

Palavras-chave
Cuidados de enfermagem; Reabilitação; Filosofia em enfermagem

ABSTRACT

Objective

The study seeks to reflect on rehabilitation nursing care, from the perspective of the Theory of Recognition and the Principle of Hope.

State of art

Reflection study, based on Axel Honneth’s Theory of Recognition crossed by Ernst Bloch’s Principle of Hope, aiming to elucidate the theoretical and methodological potential of these references for future research in health, nursing and rehabilitation nursing. Rehabilitation nursing care is permeated by theoretical and philosophical influences little described in the literature. The study proposes a way of thinking and exercising care with the perspective of building rehabilitation nursing care, in which the nurse excels in trust, respect and mutual esteem, playing the role of agent of hopeful and realistic expectations.

Conclusion

The study showed the main characteristics of each philosophical theoretical axis, permeating, separately, the relevant definitions to understand its implications in the concrete reality of living.

Keywords
Nursing care. Rehabilitation. Philosophy; nursing

RESUMEN

Objetivo

El estudio busca reflexionar sobre la atención de enfermería en rehabilitación, desde la perspectiva de la Teoría del reconocimiento y el Principio de la esperanza.

Estado del arte

Estudio de reflexión, basado en la Teoría del reconocimiento de Axel Honneth, cruzado por el Principio de esperanza de Ernst Bloch, con el objetivo de dilucidar el potencial teórico y metodológico de estas referencias para futuras investigaciones en salud, enfermería y rehabilitación en enfermería. La atención de rehabilitación en enfermería está impregnada de influencias teóricas y filosóficas poco descritas en la literatura. El estudio propone una forma de pensar y ejercer la atención con la perspectiva de construir la atención de enfermería de rehabilitación, en la que la enfermera se destaca en la confianza, el respeto y la estima mutua, desempeñando el papel de agente de expectativas esperanzadoras y realistas.

Conclusión

El estudio mostró las principales características de cada eje teórico filosófico, que impregna, por separado, las definiciones relevantes para comprender sus implicaciones en la realidad concreta de la vida.

Palabras clave
Atención de enfermería; Rehabilitación; Filosofía en enfermería

INTRODUÇÃO

Esse artigo de reflexão teórica, filosófica e sociológica representa a continuidade de um investimento intelectual dos autores na compreensão do cuidado de enfermagem de reabilitação permeado de contradições, visando aprofundar os paradigmas da enfermagem na ótica da Teoria do Reconhecimento de Axel Honneth1Honneth A. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34; 2003. e do Princípio da Esperança de Ernst Bloch2Bloch E. O princípio esperança. Rio de Janeiro: EdUERJ; 2006. v. 2.

A articulação das duas perspectivas teóricas consolida a complexidade inseparável contida na natureza do cuidado, ao passo que sua personalidade integralizadora pressupõe um conhecimento profundo e singular do outro. Na atitude de cuidar, o enfermeiro age respeitando o outro em suas dimensões pessoais e coletivas, no objetivo de afirmar seu compromisso com a potencialização do sujeito em suas tomadas de decisões3Ribeiro OMPL, Martins MMFPS, Tronchin DMR, Silva JMAV, Forte ECN. Professional practice models used by nurses in Portuguese hospitals. Rev Bras Enferm. 2019;72(Suppl 1):24-31. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0670
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A reabilitação, transcende a natureza humana, através da autonomia e expressão da liberdade como estados de consciência experimentados pessoal e coletivamente. Dessa forma, o cuidado reabilitador incentiva a ação e a reflexão sobre a realidade de vida singular, desvelando criticamente a valorização das relações entre enfermeiro e indivíduo. Em outras palavras, o cuidado reabilitador apresenta um caráter construtivo e processual, envolvendo a autonomia libertadora na tomada de decisão. No caso da enfermagem de reabilitação, isto ocorre após um momento de ruptura da vida, por exemplo a situação de doença ou agravo incapacitante, com comprometimento emocional, social e financeiro a indivíduos e famílias, fundando o cuidado com uma busca pela reconquista e reconstrução de personalidadede forma individualizada4Wernet M, Mello DF, Ayres JRCM. Recognition in Axel Honneth: contributions to research in health care. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e0550017. doi: https://doi.org/10.1590/0104-070720170000550017
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. Neste sentido, esta reflexão faz um convite aos graduandos e profissionais de enfermagem a repensarem e ampliarem horizontes interpretativos.

Esse foco da enfermagem de reabilitação, em valorizar o potencial individual com suas particularidades, consiste na “(re)construção” contínua da identidade coletiva, crítica e responsável2Bloch E. O princípio esperança. Rio de Janeiro: EdUERJ; 2006. v. 2, representando uma lacuna na literatura científica, bem como, uma mudança de paradigma de cuidado e, por isto, torna tão especial este processo na enfermagem5Heidemann IT, Dalmolin IS, Rumor PC, Cypriano CC, Costa MF, Durand MK. Reflections on Paulo Freire's research itinerary: contributions to health. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e0680017. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072017000680017
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. Isto posto, justifica-se a necessidade desta pesquisa pela quebra paradigmática da concepção de cuidado “pelo” outro para um cuidado “com” o outro, repercutindo em um olhar crítico e determinante para o desenvolvimento da consciência plena, ao passo que considera urgente o investimento intelectual direcionado à literatura científica e filosófica sobre o cuidado de enfermagem de reabilitação. Há, de fato, um movimento que questiona a concepção de cuidado atual, insistindo em uma perspectiva contra-normativa da hegemonia médica, inferindo conceitos de amor, direito, solidariedade, autonomia, liberdade e esperança, visando à potencialização do poder da vontade e ao crescimento pessoal através de experiências.

Dessa forma, a pergunta norteadora do estudo é como refletir o cuidado de enfermagem de reabilitação, considerando a Teoria do Reconhecimento1Honneth A. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34; 2003., enquanto viés sociológico, e o Princípio da Esperança2Bloch E. O princípio esperança. Rio de Janeiro: EdUERJ; 2006. v. 2 como viés filosófico? Logo, este artigo se desdobra com a finalidade de refletir sobre o cuidado de enfermagem de reabilitação, calcado nessas premissas teóricas, trazendo à tona as potencialidades teórico-metodológicas desses referenciais para as pesquisas científicas em saúde e enfermagem, bem como a reflexão profunda das concreticidades e das contradições desse eixo filosófico no cuidado em enfermagem de reabilitação.

ESTADO DA ARTE

Trata-se de um estudo de reflexão, o qual se fundamentou em duas bases teóricas, sendo o viés sociológico fundado na Teoria do Reconhecimento de Axel Honneth1Honneth A. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34; 2003.) e o viés filosófico alicerçado no Princípio da Esperança de Ernst Bloch2Bloch E. O princípio esperança. Rio de Janeiro: EdUERJ; 2006. v. 2, além do embasamento literário de bibliografias científicas atuais. Para obter esses dados, foram utilizadas literaturas científicas no estado da arte em conjunto com a multiplicidade6Sousa LMM, Marques-Vieira CMA, Severino SSP, Antunes AV. Metodologia de Revisão Integrativa da Literatura em Enfermagem. Rev Invest Enferm. 2017 [cited 2019 Aug 24];2(21),17-26. Available from: http://hdl.handle.net/20.500.12253/1311
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de propostas, o que gerou um panorama consistente de conceitos complexos sobre a saúde e enfermagem de reabilitação.

Esses estudos são apresentados no corpo desse manuscrito como instrumento para alicerçar a contemporaneidade da temática estudada. Diante dos achados e reflexões inferidas pelas autoras, o texto foi organizado em três tópicos: (Re)conhecendo a Teoria do Reconhecimento de Axel Honneth Esperançar e o Princípio da Esperança de Ernst Bloch; Possibilidades teóricas de pesquisa em saúde, enfermagem e enfermagem de reabilitação. Esses tópicos foram discutidos acerca das dimensões do cuidado de enfermagem de reabilitação enquanto processo de Reconhecimento atravessado pelo Princípio da Esperança.

Os tópicos supracitados foram elaborados tendo por base a intersecção da Teoria do Reconhecimento, do Princípio da Esperança e dos cuidados de enfermagem de reabilitação, precipitando em considerações sobre a prática clínica e possibilidades de aplicação em saúde e reabilitação. Inicialmente a investigação se esforça em embasar os cruzamentos sociológicos e filosóficos para sustentar a proposta de estudo. Em seguida, são refletidos os encontros e desencontros de ambas teorias sobre o alicerce de suas relações de reciprocidades dialéticas. Até que os autores alcançam as propositivas práticas de uma reflexão teórica.

(RE)CONHECENDO A TEORIA DO RECONHECIMENTO DE AXEL HONNETH

Axel Honneth é professor de filosofia pela Universidade de Frankfurt, na Alemanha, país este onde nascido em 1949. Seus trabalhos possuem enfoque na filosofia social-política e moral, especialmente as relações de poder, reconhecimento e respeito. Um de seus principais argumentos é a prioridade das relações intersubjetivas de reconhecimento na compreensão das relações sociais. Isso inclui o não reconhecimento e o reconhecimento errôneo como base de conflitos sociais e interpessoais. Suas elucidações filosóficas possuem fundamentação em Hegel e origem psicossocial em Mead, visando frutificar a compreensão de reconhecimento, enquanto reflexão acerca das relações entre as pessoas1Honneth A. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34; 2003..

Esse Teórico procura explicar a dinâmica das transformações e conflitos sociais, a partir da injustiça conflituosa na sociedade concreta. Porém, essa luta é contra-argumentada através de três eixos centrais: o amor, o direito e a solidariedade. Isto elimina a centralidade das relações na desigualdade econômica, passando a compreendê-la como processo experiencial da formação de identidade pelas relações intersubjetivas7Honneth A, Hartmann M. Paradoxes of capitalism. Constellations. 2006;13(1):41-58. doi: https://doi.org/10.1111/j.1351-0487.2006.00439.x
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Essas formas do reconhecimento constituem dispositivos de proteção intersubjetivos, que asseguram a liberdade humana de maneira íntima, digna, respeitosa e pública para a formação de uma personalidade com estima social. O processo de ação libertadora depende da articulação espontânea de metas individuais, baseadas na história de vida singular. Esta liberdade fruto do reconhecimento, é a real auto-realização humana, englobando o direito civil e da decisão de maneira igualitária na sociedade7Honneth A, Hartmann M. Paradoxes of capitalism. Constellations. 2006;13(1):41-58. doi: https://doi.org/10.1111/j.1351-0487.2006.00439.x
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Isto posto, o sujeito, apenas, compreende a si próprio através da realização objetiva de suas pretensões intersubjetivas, ou seja, o sujeito concebe a si próprio como alguém reconhecido, a partir da relação com o outro, apontando suas habilidades e qualidades, gerando a reconciliação e formação de uma identidade distinta e particular4Wernet M, Mello DF, Ayres JRCM. Recognition in Axel Honneth: contributions to research in health care. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e0550017. doi: https://doi.org/10.1590/0104-070720170000550017
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O primeiro eixo do reconhecimento, o amor, tem início nas relações íntimas e de confiança, promovendo a aceitação e participação de um membro em sua comunidade, a partir do reconhecimento recíproco de autocompreensão generalizada de si. É a partir deste processo relacional primário, que surge a autoconfiança mútua, impulsionando a libertação para a independência de si e do outro8Santos SB. Charles Taylor e a política do reconhecimento: uma tentativa de resolver o dilema entre a igualdade e a diferença. Ideas. 2018[cited 2019 Mar 20];4(4):1-22. Available from:https://p3.usal.edu.ar/index.php/ideas/article/view/4603/5843 .
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O segundo eixo do reconhecimento, o direito, envolve a compreensão de igualdade, respeito e dignidade. Este nível de reconhecimento assume que a pessoa possui a capacidade de decidir racionalmente sobre questões morais, legitimando a imputabilidade moral e o acordo de legitimidade racional entre pessoas em situação de igualdade. É através deste processo de direito, que se permite formar na pessoa aconsciência de ser capaz de respeitar a si mesmo, porque merece o respeito dos outros7Honneth A, Hartmann M. Paradoxes of capitalism. Constellations. 2006;13(1):41-58. doi: https://doi.org/10.1111/j.1351-0487.2006.00439.x
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O último eixo do reconhecimento, denominado solidariedade, refere-se às capacidades individualmente públicas de estima ou status sócio-cultural, que valorizam as diferentes propriedades privadas. A apreciação social acontece por meio de transformações culturais e mudanças dos parâmetros de avaliação coletiva, visando compreender os indivíduos por suas realizações e habilidades individuais1Honneth A. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34; 2003..

ESPERANÇAR E O PRINCÍPIO DA ESPERANÇA DE ERNST BLOCH

Ernst Bloch foi um filósofo marxista alemão, nascido em 1885, influenciado, principalmente, pelas inquietações de Hegel e Marx. Sua obra intitulada “O Princípio da Esperança” foi escrita durante sua imigração para os Estados Unidos da América, onde viveu brevemente em New Hampshire antes de se estabelecer em Cambridge, Massachusetts. Ele escreveu três volumes desta obra, visando fornecer uma descrição enciclopédica da orientação da humanidade e da natureza para um futuro sóciotecnologicamente melhorado, de fundamento dialético e esperançoso, compreendendo que o paralelismo da criação humana envolve questões sociais, subjetivas, plurais, concretas, objetivas e coletivas2Bloch E. O princípio esperança. Rio de Janeiro: EdUERJ; 2006. v. 2.

Este eixo dialético da esperança visa discutir a ruptura da satisfação intelectual, propondo criticamente uma reflexão criativa, dinâmica e interpretativa das transformações dialéticas do mundo, promovendo uma experiência concreta do princípio da esperança em sua totalidade. Nesse sentido, a esperança é vista pelo filósofo como uma angústia antecipadora, ou ainda, como um trampolim para a consciência humana de caráter temporal e sustentável9Renault E. Qual poderia ser o papel do conceito de reconhecimento em uma teoria social da dominação?. Cad Filos Alemã. 2018;23(1):63-78. doi:https://doi.org/10.11606/issn.2318-9800.v23i1p63-78
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O caráter antecipador da esperança tem o objetivo de ampliar e clarificar os horizontes futuros, representado por um apetite de ânimo que surge em meio aos desafios da vida, compreendendo o processo de atualização constante e insaciável da realidade futura. Este olhar para o futuro representa o “sonhar acordado”, ao passo que não se desvia da perspectiva do real, articulando-se como um processo dialético de esperançar através da construção conturbada de contradições inquietas do presente10Vitorino AJ, Silva BC. O modelo intersubjetivo do si mesmo produzido socialmente: mead, educação e luta por reconhecimento. Educ Soc. 2018;39(142):73-88. doi: https://doi.org/10.1590/es0101-73302017167323
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-11Ottaviani C, Shahabi L, Tarvainen M, Cook I, Abrams M, Shapiro D. Cognitive, behavioral, and autonomic correlates of mind wandering and perseverative cognition in major depression. Front Neurosci. 2015;8:433. doi: https://doi.org/10.3389/fnins.2014.00433
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A partir de uma leitura profunda da obra de Ernst Bloch, percebe-se que a esperança se expressa no presente como um inconformismo otimista, autêntico, possível e passível de acontecer. As palavras emergentes da literatura mostram que o esperançar é um senso crítico impulsionado pela angústia vacilante, que implica na aventura da curiosidade de alcançar algo desejado. Nesta ótica, a esperança é a sensação impaciente e modificadora da própria realidade com base na história humana9Renault E. Qual poderia ser o papel do conceito de reconhecimento em uma teoria social da dominação?. Cad Filos Alemã. 2018;23(1):63-78. doi:https://doi.org/10.11606/issn.2318-9800.v23i1p63-78
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Além da personalidade ímpar da esperança, deve-se compreender que a mesma é constituída de relações humanas, ao passo que, sem a força relacional dos seres, a mesma perde seu sabor. Neste sentido, a esperança possui conteúdo individual e coletivo advindo dos processos relacionais, construtivos, inquietos e antecipadores, que negam o conformismo e impulsionam como uma mola a luta libertadora da humanidade12Einstein A, Podolsky B, Rosen N. Can quantum-mechanical description of physical reality be considered complete? Phys Rev. 1935 [cited 2019 Aug 24];47:777-80. Available from: https://journals.aps.org/pr/pdf/10.1103/PhysRev.47.777
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Enfim, a dialética histórica e material, circulante no conceito de esperança, mostra-se possível-vencível e transcendente ao horizonte da práxis, ao passo que conduz à compreensão do mundo estimulante, tendencialmente, concreto. Esse processo implica e é implicado por múltiplas concepções, que tangenciam o conceito de esperança,podendo agir como agente impulsionador ou limitador desse fenômeno13Backes DS, Zamberlan C, Colomé J, Souza MT, Marchiori MT, Erdmann AL, et al. Interatividade sistêmica entre os conceitos interdependentes de cuidado de enfermagem. Aquichan. 2016;16(1):24-31. doi: https://doi.org/10.5294/aqui.2016.16.1.4
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A Teoria do Reconhecimento atravessada pelo Princípio da Esperança

Para explicar os atravessamentos destas duas perspectivas filosóficas, é necessário esmiuçar as contradições de ambas para, então, perceber onde há encontro ou desencontro de uma na outra. Exatamente na busca pelo relacionamento recíproco de respeito, confiança e estima, existem os conflitos intersubjetivos que constroem e reconstroem os sujeitos.

O amor é atravessado pela esperança, ao passo que nas relações vinculantes de confiança é possível revolucionar a experiência recíproca e intersubjetiva partilhada. O amor esperançoso promove o “reconhecer-se a si no outro”, no mesmo tempo que frutifica as elaborações de identidade com segurança, expressando-se na práxis como uma medida indispensável de autoconfiança.

Porém, em meio à incessante contradição dos conflitos interpessoais fortalecidos pela inércia pessimista da conformação e não-reconhecimento do coletivo, tanto a confiança quanto a esperança são enfraquecidas. Fecunda desse momento de insegurança uma provocação inquieta para que o sujeito ultrapasse essa concepção de desrespeito e potencialize a própria compreensão de construção de relações permeadas por conflitos. Essa nova significação atribui a mutabilidade à elaboração de personalidade, identidade, intersubjetividade e autonomia pessoal ou coletiva. Isto é, vê-se a possibilidade de explorar os conflitos concretos da vivência cotidiana como uma luta civilizatória calcada na insegurança e desconfiança entre os sujeitos.

Em continuidade ao processo de experiência social, o direito configura a noção universal da possibilidade de liberdade mútua e recíproca. Nessa luta pela dignidade humana, o direito desenvolve a personalidade de respeito e de valor, contraditas pela concepção particularizadora e desigual da sociedade. A esperança surge como a valorização da historicidade, moralidade e singularidade, compreendendo a liberdade como essência humana, fortalecendo os horizontes jurídicos da coletividade. Ao final do processo de reconhecimento, e configurando o devir, a solidariedade compreende a exposição pública da personalidade jurídica íntima assumida pelo sujeito.

Porém, numa sociedade onde o diferente é desrespeitado a cada esquina, a estima social assimétrica provoca conflitos fragmentados e enfraquecidos. Essa violência pública implica no menosprezo de valor e de afeto, em meio à diversidade de viver os processos de reconstruções e ressignificações. O devir da esperança solidária transcende essa fragmentação social através da noção de diversidade, compreendendo todos como diferentes e, por isso, unificando a todos como um. O respeito esperançoso pela estima surge da valorização pública e social do reconhecimento, influindo diretamente para relações recíprocas e mútuas.

Esse conteúdo da esperança atravessa o reconhecimento, trazendo à tona a temporalidade e a antecipação otimista. Dessa forma, o desrespeito passa a ser entendido como um fenômeno processual e relacional que constitui o reconhecimento, bem como, na angústia do conflito social elabora-se a identidade social. Diante disso, é necessário dizer que o medo do futuro impreciso e incerto corrobora com o caráter insaciável e inconformado da esperança, constituindo um movimento necessário para a transformação criativa do reconhecimento.

Desta forma, a esperança e o reconhecimento parecem possuir cruzamentos no que diz respeito ao processo construtivo e relacional, envolvendo vieses contraditórios que complementam um ao outro. Esse encontro das filosofias decorre da premissa que, através de experiências negativas de desrespeito e angústia, torna-se possível insultar o padrão normativo de sociedade e caminhar em direção às relações dignas e emancipadoras.

Ambas perspectivas caminham para a dignidade integral, que possibilite o exercício da intersubjetividade cognitiva e emancipação. Neste sentido, os encontros e desencontros da Teoria do Reconhecimento e do Princípio da Esperança emergem da concepção da experiência de desrespeito pessoal, com força motriz no processo de desenvolvimento social e construção da intersubjetividade.

Essa relação de vulnerabilidade e integridade dos seres humanos aponta que tanto a esperança quanto o reconhecimento precipitam da interdependência social, cultural e moral, que se constroem individual e coletivamente na prática da própria identidade. Surge, a partir disso, a necessidade de realizar a manutenção do comportamento social bem sucedido para a construção do amor, direito, solidariedade e esperança, visando capacitar o sujeito a ser parceiro nas interações sociais.

No contexto da enfermagem de reabilitação, a emancipação é conquistada através das relações sociais e na atitude de reconhecer o outro e a si com respeito, estima e confiança, por meio das experimentações vividas e construídas em espaços seguros para efetivar as escolhas. A dinamicidade emancipadora das relações sociais retrata, neste contexto, a busca pela formação bem sucedida da personalidade, na qual a finalidade do cuidado consistiria em bem-viver do outro através da solidariedade e do respeito mútuo entre seres humanos.

Logo, esse atravessamento filosófico e sociológico aponta que o processo de emancipação é histórico e conflitante, bem como transversal ao cuidado de enfermagem de reabilitação, construindo uma, não tão nova, meta para a enfermagem: o bem-viver.

POSSIBILIDADES TEÓRICAS DE PESQUISA EM SAÚDE, ENFERMAGEM E ENFERMAGEM DE REABILITAÇÃO

A enfermagem surge como um articulador de confiança e agenciador de esperança, através do vínculo intersubjetivo de confiança, atitudes respeitosas e valorativas, bem como intenção social participativa. O atravessamento das duas filosofias alicerça a concepção de que o profissional de enfermagem deve reconhecer as potencialidades de fomentar esperanças realísticas, visando o reconhecimento completo e emancipatório dos sujeitos envolvidos no cuidado. Neste sentido, o processo de construção da personalidade do sujeito ocorre através da compreensão de cada ser humano como uma unidade biopsicosocial, espiritual e afetiva, determinada pela cultura, política, economia e relações interpessoais.

As ferramentas do enfermeiro para cuidar, sob a ótica da emancipação, envolvem a interpretação do viver humano como um processo relacional, onde são internalizadas as esperanças e intersubjetividades, construídas através da interação social e historicamente determinada.

Logo, o enfermeiro exerce a sua função cuidadosa, visando à formação bem-sucedida da personalidade do sujeito cuidado e, por meio desse percurso, reconhecer-se como satisfeito com seu próprio trabalho. Neste sentido, o enfermeiro alcança a satisfação pessoal simultaneamente ao sucesso da pessoa cuidada, criando uma relação de interdependência e cooperação com o sujeito nesse processo.

Diante dessa interdependência, pode-se refletir acerca das contradições existentes no processo de formação bem-sucedida da personalidade, à medida que ocorre através da promoção, prevenção ou recuperação da saúde, buscando atender às necessidades particularizadas. Porém, essa individualidade de demanda comunica-se com as necessidades coletivas, gerando um conglomerado de demandas, que precisam ser atendidas totalmente para que o enfermeiro se reconheça como satisfeito com seu trabalho.

Nesse agrupamento de necessidades, a questão emergente dessa reflexão é: seria possível o enfermeiro atender todas as necessidades de um ser humano social? A partir da reflexão pautada na Teoria do Reconhecimento atravessada pelo Princípio da Esperança, percebe-se que o profissional precisa possuir suas premissas fundadas na confiança, no respeito, na estima pública e no otimismo realístico, de maneira mútua e recíproca, para alcançar um cuidado em que ambos se reconheçam como satisfeitos.

Considerando o pano de fundo da enfermagem, a construção do processo saúde-doença é permeada por fatores que desafiam a execução de um cuidado pautado nessas premissas. Dentre esses fatores, o tempo reduzido para atendimentos, o elevado número de pessoas e o número reduzido de profissionais competentes para assistir suas necessidades. Diante dos obstáculos da profissão, o enfermeiro parece ter perdido seu foco de trabalho, dirigindo seu cuidado às demandas burocráticas e administrativas, despreocupando-se com as necessidades particulares e, consequentemente, fragmentando seu trabalho em políticas públicas que não se comunicam na rede de atenção à população.

Por outro lado, a enfermagem possui caráter extremamente empático, voltado para a integridade do outro e preocupado com a sua construção natural e social. Prova disso é o trabalho do enfermeiro de reabilitação, focando em ir além da construção vivencial normativa, isto é, objetiva reconstruir as questões influenciadoras da formação bem-sucedida do sujeito na ótica da reinserção desse sujeito na sua rede social, pautando-se nas necessidades individuais e intenções pessoais. Essa perspectiva decuidado unificado e fundamentado em metas pessoais expõe a característica criativa e propulsora de metas em que essa especialidade é fundada.

Esta especialidade do campo da enfermagem é bastante descrita na literatura internacional, sendo que no Brasil ainda mostra-se incipiente e insuficiente, tanto na prática quanto na literatura. Paralelamente, mesmo na literatura internacional, há poucos estudos que concretizam filosoficamente a enfermagem de reabilitação, gerando uma inconsistência teórica, filosófica e sociológica, pautada na prática e no cuidado.

Nesse sentido, a reflexão filosófica acerca dos desafios profissionais dos enfermeiros reabilitadores e a problematização dos horizontes da enfermagem de reabilitação, no contexto global de saúde, tornam-se uma questão emergente nas discussões científicas, ao passo que a enfermagem de reabilitação preconiza essencialmente a autonomia e a independência do indivíduo, adequando as estratégias de promoção do autocuidado e autocontrole em uma lógica centrada na pessoa, na rede de apoio e na comunidade.

Para alcançar a emancipação, autonomia, independência e liberdade, a enfermagem de reabilitação leva em consideração as questões relacionais, biopsicossociais, esperançosas e intersubjetivas do sujeito, considerando a construção social e historicamente determinada como fundamental ao cuidado recíproco pautado na confiança, respeito, estima e esperança.

A ilustração abaixo consolida as interlocuções e inter-relações existentes no processo emancipatório do cuidado de enfermagem de reabilitação, ao passo que todos os eixos se conversam incessantemente, extraindo de cada premissa filosófica as múltiplas combinações e repercussões sociais. Os espaços nomeados por amor, direito, solidariedade e esperança carregam em si influencias construtivistas sobre o viver em sociedade, implicando no otimismo, na confiança, no respeito e na estima, ao passo que todos os eixos interagem incessantemente, por consequência, possibilitando a emancipação. Segue, na Figura 1, a representação das interlocuções das premissas filosóficas e o cuidado de enfermagem de reabilitação.

Figura 1 -
Interlocuções do cuidado de enfermagem de reabilitação com o amor, o direito, a solidariedade, a esperança, e suas repercussões no processo emancipatório

Nesse sentido, a enfermagem de reabilitação ancorada na Teoria do Reconhecimento e atravessada pelo Princípio da Esperança consiste em uma perspectiva crítica emancipadora da interação humana, baseada na luta incessante contra a dominação ou alienação, visando construir nas relações interpessoais um laço indissolúvel de confiança, cumprir publicamente as responsabilidades jurídicas, consolidar as relevâncias sociais e públicas do sujeito coletivo e agenciar a esperança passível e realisticamente possível.

CONCLUSÃO

Essa análise crítica e reflexiva acerca dos atravessamentos da esperança no processo de reconhecimento nega o enrigecimento de processos de trabalho, ousando pensar a enfermagem de reabilitação como emancipadora, possibilitando a criação de autonomia através do respeito às decisões do outro. Para isto é importante, justamente, que ele sinta confiança em si e estima pela sociedade.

REFERENCES

  • Honneth A. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34; 2003.
  • Bloch E. O princípio esperança. Rio de Janeiro: EdUERJ; 2006. v. 2
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    27 Mar 2020
  • Aceito
    09 Set 2020
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