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Práticas intersetoriais que favorecem a integralidade do cuidado nos centros de atenção psicossociais

Intersectoral practices that promote an integral care in Psychosocial Care Centers

Prácticas intersectorial que promueven integridad de precaución de los centros de atención psicosocial

Resumos

Objetivou-se descrever duas experiências de inclusão no trabalho desenvolvida pelos usuários e profissionais de um Centro de Atenção Psicossocial de Campina Grande, Paraíba. Pesquisa descritiva-interpretativa realizada com 19 profissionais. A experiência aqui descrita foi relatada por um profissional. O material empírico foi coletado em junho e julho de 2010. A análise fundamentou-se na análise de conteúdo, tendo possibilitado a construção da categoria: a arte como modo de inclusão no trabalho. Constata-se que o curso de pintura em tela e o projeto cultural itinerante favoreceram a inclusão dos usuários no mercado de trabalho, a melhoria da autoestima, a inserção social, interação com outros serviços e usuários, tendo promovido a intersetorialidade e a integralidade do cuidado.

Enfermagem psiquiátrica; Serviços de saúde mental; Apoio social


This research aimed to describe two experiences of inclusion in the work developed by users and providers of a Psychosocial Care Center of the city of Campina Grande, state of Paraíba, Brazil. This was a descriptive, interpretative and qualitative research, with 19 professionals. The experiment described here was reported by a professional. The empirical material was collected in June and July, 2010. The analysis was based on content analysis, and enabled the construction of the category: art as a way of inclusion in the workplace. Results show that the painting on canvas course and the itinerant cultural project favored the inclusion of users in the labor market, improving their self-esteem, social inclusion, interaction with other services and users, and encouraging intersectoral and comprehensive care.

Psychiatric nursing; Mental health services; Social support


Nuestro objetivo es describir dos experiencias de inclusión en el trabajo desarrollado por los usuarios y los proveedores de un Centro de Atención Psicosocial de Campina Grande, Paraíba, Brasil. Descriptivo-interpretativo y cualitativo, con 19 profesionales. Esta experiencia fue reportado por un profesional. El material empírico fue colectado en junio y julio de 2010. El análisis se basó en el análisis de contenido, y ha permitido la construcción de la categoría: el arte para su inclusión en el lugar de trabajo. Tomamos nota de que el curso de pintura sobre tela y proyecto cultural itinerante, a favor de la inclusión de usuarios en el mercado laboral, la mejora de la autoestima, la integración social, la interacción con otros servicios y usuarios, intersectorial y la atención integral.

Enfermería psiquiátrica; Servicios de salud mental; Apoyo social


ARTIGO ORIGINAL

Práticas intersetoriais que favorecem a integralidade do cuidado nos centros de atenção psicossociais1 1 Este artigo é um recorte da dissertação de Mestrado apresentada em 2010 ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Prácticas intersectorial que promueven integridad de precaución de los centros de atención psicosocial

Intersectoral practices that promote an integral care in Psychosocial Care Centers

Elisângela Braga de AzevedoI; Maria de Oliveira Ferreira FilhaII; Priscilla Maria de Castro SilvaIII; Vagna Cristina Leite da SilvaIV; Tatiana Rodrigues da Silva DantasV

IMestre em Enfermagem, Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFPB, Professora do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Ciências Médicas de Campina Grande, Paraíba, Brasil

IIDoutora em Enfermagem, Professora Adjunto IV do Departamento de Enfermagem da UFPB, João Pessoa, Paraíba, Brasil

IIIEnfermeira, Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFPB, Docente do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Campina Grande, Paraíba, Brasil

IVMestre em Enfermagem, Docente da Escola Técnica Nova Esperança, Paraíba, Brasil

VMestre em Enfermagem do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFPB, João Pessoa, Paraíba, Brasil

Endereço para correspondência Dirección del autor / Author's address Endereço da autora / : Elisângela Braga de Azevedo Rua Pedro Soares da Silva, 55, Catolé 58105-411, Campina Grande, PB E-mail: elisaaz@terra.com.br

RESUMO

Objetivou-se descrever duas experiências de inclusão no trabalho desenvolvida pelos usuários e profissionais de um Centro de Atenção Psicossocial de Campina Grande, Paraíba. Pesquisa descritiva-interpretativa realizada com 19 profissionais. A experiência aqui descrita foi relatada por um profissional. O material empírico foi coletado em junho e julho de 2010. A análise fundamentou-se na análise de conteúdo, tendo possibilitado a construção da categoria: a arte como modo de inclusão no trabalho. Constata-se que o curso de pintura em tela e o projeto cultural itinerante favoreceram a inclusão dos usuários no mercado de trabalho, a melhoria da autoestima, a inserção social, interação com outros serviços e usuários, tendo promovido a intersetorialidade e a integralidade do cuidado.

Descritores: Enfermagem psiquiátrica. Serviços de saúde mental. Apoio social.

RESUMEN

Nuestro objetivo es describir dos experiencias de inclusión en el trabajo desarrollado por los usuarios y los proveedores de un Centro de Atención Psicosocial de Campina Grande, Paraíba, Brasil. Descriptivo-interpretativo y cualitativo, con 19 profesionales. Esta experiencia fue reportado por un profesional. El material empírico fue colectado en junio y julio de 2010. El análisis se basó en el análisis de contenido, y ha permitido la construcción de la categoría: el arte para su inclusión en el lugar de trabajo. Tomamos nota de que el curso de pintura sobre tela y proyecto cultural itinerante, a favor de la inclusión de usuarios en el mercado laboral, la mejora de la autoestima, la integración social, la interacción con otros servicios y usuarios, intersectorial y la atención integral.

Descriptores: Enfermería psiquiátrica. Servicios de salud mental. Apoyo social.

ABSTRACT

This research aimed to describe two experiences of inclusion in the work developed by users and providers of a Psychosocial Care Center of the city of Campina Grande, state of Paraíba, Brazil. This was a descriptive, interpretative and qualitative research, with 19 professionals. The experiment described here was reported by a professional. The empirical material was collected in June and July, 2010. The analysis was based on content analysis, and enabled the construction of the category: art as a way of inclusion in the workplace. Results show that the painting on canvas course and the itinerant cultural project favored the inclusion of users in the labor market, improving their self-esteem, social inclusion, interaction with other services and users, and encouraging intersectoral and comprehensive care.

Descriptors: Psychiatric nursing. Mental health services. Social support.

INTRODUÇÃO

A reforma psiquiátrica surge como uma proposta do Sistema Único de Saúde (SUS) para uma reconstrução das políticas de assistência direcionadas à saúde mental no Brasil. Este processo de reconstrução surge em uma época na qual se vivencia necessidades de mudanças econômicas, políticas e culturais. Seu percurso iniciou durante a ditadura militar, período no qual a medicalização e a assistência curativa era o modelo básico de intervenção(1).

Entre 1970 e 1980, o setor saúde foi marcado pelo Movimento dos Trabalhadores da Saúde Mental (MTSM), que exigia do governo, inversão de investimentos, priorizando a saúde pública e a medicina preventiva e social. Tal movimento levou adiante suas reivindicações, construindo paulatinamente o caminho da luta política e ideológica em favor da justiça e equidade no setor saúde.

As modalidades de tratamento as quais os portadores de transtornos mentais tinham acesso contradizia o artigo 196 da Constituição Federal do Brasil que em seu texto prevê a prevenção da doença, a promoção e a recuperação da saúde(2). Com isso, foram impulsionados novas propostas de tratamento, o que vem redirecionando os profissionais a exercerem práticas que visem a promoção da saúde, da cidadania e reinserção dos portadores de transtorno mentais no meio social(3).

Merece destacar, que os principais serviços substitutivos ao modelo psiquiátrico, são os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Os projetos desses serviços, muitas vezes, ultrapassam a própria estrutura física, em busca da rede de suporte social, potencializadora de suas ações, preocupando-se com o sujeito e a sua singularidade, sua história, sua cultura e sua vida cotidiana(4).

Desse modo, os CAPS tornaram-se estruturas alinhadas aos princípios que norteiam os demais serviços de saúde pertencentes ao SUS, que busca garantir acesso, integralidade e resolutividade na atenção prestada, acolhendo diariamente uma clientela constituída de pessoas com transtorno mental grave e seus familiares por uma equipe interdisciplinar(5).

Por sua vez, essa equipe interdisciplinar busca através de sua atuação favorecer a integralidade do cuidado que se manifesta nas práticas oferecidas pelos profissionais de saúde, que são sensíveis as necessidades apontadas, não se limitando apenas as queixas ou sofrimento apresentado pelo paciente e sua família, mas sim, identificam aspectos que permeiam ou agravam a situação como forma de tratamento e prevenção.

Assim, as práticas intersetoriais além de inserir-se em um processo de reconstrução dos direitos e da vida cotidiana de usuários de serviços substitutivos, representam na atualidade um dos maiores desafios dos gestores da saúde, dos profissionais e da sociedade civil na busca da inclusão social.

A descentralização das ações de saúde foi decisiva na efetivação da intersetorialidade, pois os municípios tornaram-se seus espaços territoriais e sociais mais aptos a concretizar essa articulação que pode ser construída através de um processo dinâmico entre os sujeitos, mediada por novos paradigmas, que devem informar a mudança das instituições sociais e de suas práticas(6).

Outros avanços a que cabe destacar foram os dois encontros nacionais promovidos em junho de 2010, representados pelo II Congresso Brasileiro de Saúde Mental no Rio de Janeiro e a IV CNSM em Brasília. Tais eventos destacam-se pelo foco dado a importância da concretização da intersetorialidade entre a rede de serviços de saúde mental e os demais setores sociais e nos quais se reafirmam a necessidade de consolidação da Reforma Psiquiátrica Brasileira(7).

Desse modo, as políticas de saúde mental devem ter como pressuposto básico a inclusão social e a habilitação da sociedade para viver com as diferenças. Assim, as estratégias políticas devem estar articuladas com a educação, trabalho, lazer, cultura, esporte, habilitação, dentre outros, de forma que, se promovam ações intersetoriais favoráveis ao exercício da cidadania(8).

Também se percebeu que a garantia do direito ao trabalho tornou-se uma questão central nos processos de construção de contratualidade, de protagonismo e de um novo lugar social para as pessoas com transtornos mentais. Com isso, verifica-se que os serviços substitutivos têm uma tarefa delicada e complexa que exigirá, nos próximos anos, o empenho no diálogo e articulação com diversos atores e recursos dos territórios para a efetiva produção de empreendimentos econômicos solidários e inclusivos(9).

Contudo, a intersetorialidade remete-nos a uma ação de cuidado nos entornos dos serviços, nos espaços extramuros. Tais iniciativas têm levado a desfechos inesperados, como a efetivação da integralidade do cuidado, ou mesmo, ao enfrentamento dos preconceitos, estigmas e estereótipos construídos ao longo dos tempos no país, levando os profissionais que atuam na assistência a saúde mental a enfrentar vários desafios.

Sendo assim, este estudo remete-nos a um questionamento: Como a rede de atenção a saúde mental está tecendo práticas de cuidado para promover a inclusão no trabalho para as pessoas em situação de sofrimento psíquico?

Nesta perspectiva, objetivou-se com este estudo descrever práticas inovadoras de inclusão no trabalho desenvolvida pelos usuários e profissionais nos CAPS de Campina Grande, Paraíba, tendo em vista a identificação de avanços no processo de reforma psiquiátrica desenvolvida neste município.

MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa empírica, de natureza descritiva – interpretativa e qualitativa. Foi realizada nos CAPS do município de Campina Grande, Paraíba, Brasil.

Para toda pesquisa dissertativa, foram envolvidos 19 profissionais que atuam nos CAPS, escolhidos intencionalmente. Como este artigo trata-se em um recorte da dissertação de Mestrado(10), a prática aqui descrita foi relatada por um entrevistado que, em respeito à confidencialidade, foi identificado pela letra P, seguido de um numeral, que obedeceu a ordem das entrevistas.

Para tanto, teve-se como critério de inclusão na amostra, que a prática fosse considerada inovadora, que promovesse a inclusão no trabalho e que o entrevistado tivesse no mínimo, um ano de atuação profissional na rede de saúde mental do município. Tal critério foi estabelecido pela pressuposição em considerar este, um tempo mínimo, para o sujeito ter conhecimento e domínio sobre sua prática, objeto deste estudo. A coleta do material empírico ocorreu entre junho e julho de 2010.

Como instrumento de coleta do material empírico, utilizou-se um roteiro de entrevista semiestruturada, contemplando as seguintes questões: (1) Você desenvolve alguma prática de inclusão no trabalho? (2) Descreva a prática desenvolvida por você e sua equipe.

O material empírico foi analisado através da técnica de análise de conteúdo categorial temática(11), desta forma, todas as entrevistas foram gravadas e posteriormente categorizadas por: homogeneidade, exaustividade, exclusividade, objetividade e adequação ou pertinência.

A pesquisa foi desenvolvida de acordo com os aspectos éticos da pesquisa, envolvendo seres humanos recomendados pela resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(12). A pesquisa foi submetida à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário Lauro Wanderlei (HULW) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) que emitiu parecer favorável em 01/07/2010, segundo protocolo CEP/HULW nº 264/10.

RESULTADOS E DISCUSSÃO:

a arte como modo de inclusão no trabalho

Esta unidade temática identificada pelas pesquisadoras possibilitou a identificação de duas experiências de inclusão no trabalho, que revelou através da arte o protagonismo dos usuários do CAPS, na qual se descreve a seguir:

Curso de Pintura em Tela

O Curso de Pintura em Tela foi uma prática inclusiva que favoreceu o protagonismo do usuário. O usuário que desenvolveu esta oficina atua no CAPS III - Reviver. Tal CAPS acolhe 417 indivíduos adultos de ambos os sexos, portadores de transtornos mentais graves(13).

O grupo que participou deste curso é atuante, já é assistido a mais de quatro anos e sempre está produzindo e desenvolvendo atividades que geram renda. A oficina tem como facilitador um profissional do CAPS III e um usuário que apresentava habilidade para pintura. A mesma foi realizada com 15 participantes e aconteceu entre 2008 e 2009, durante aproximadamente seis a sete meses. A intenção deste grupo é organizar uma cooperativa social. Estas ideias são sugestões propostas pelo modelo de atenção psicossocial, assim, pode-se identificar, abaixo, possibilidades para sua implementação:

[...] Estamos tentando fazer um trabalho de geração de renda, mas para isso a gente precisa se organizar em grupos, com se fosse uma cooperativa social. Então quinta feira vai ter uma assembleia para discutir o que a gente vai fazer com o dinheiro existente, que é um dinheiro deles, que já foi da venda dos produtos deles [...] (P. 06).

O profissional revela que o processo de trabalho é democrático, criativo e estimulou a autonomia dos usuários, possibilitando o poder de decisão e discussão, bem como a construção de sujeitos ativos e produtivos, participantes de todo o processo de construção de sua cidadania.

A ideia da oficina surge como uma ação desafiadora, tanto para o profissional facilitador, por ele não possuir domínio suficiente da técnica de pintura em tela ou pela dimensão da responsabilidade no que tange os recursos materiais necessários para o seu desenvolvimento, como também, sua concretização tornou-se desafiadora para o usuário que se propôs a ser o verdadeiro facilitador do processo de ensino/aprendizagem dos demais colegas, como dito a seguir:

A gente começou. Vamos fazer pintura em tela! - Mas eu não sou pintor, não sou artista plástico, não sei pintar! Mas no grupo, tinha um usuário que tinha habilidade em pintura, só que estava adormecida [...]. A gente chegou para ele [o usuário]: - Você quer ajudar na pintura? Então, ele se sentiu o máximo! [...] Passou a ser o facilitador da oficina! Mas não tínhamos telas, não tínhamos tintas, não tínhamos pinceis e aí? Nós fizemos uma rifa com os usuários e compramos tinta e pincel. Telas: não conseguimos! [...]. A gente conseguiu quadros antigos da Secretaria Municipal de Saúde e tinha uns retalhos de tecido de uma loja que tinham nos doado. Então surgiu [...] a criatividade, [...] a gente fez uma moldura com esse tecido, fez todo um trabalho artesanal, pintamos e fizemos uma tela branca, pronta para fazer uma pintura em tela e; começamos a fazer essa pintura, foi um processo bem interessante, no final ficaram cada uma mais bela do que a outra [...]. Esses usuários da terça feira, todos tiveram sua obra, [...] todos tinham seu quadro (P. 06).

O entrevistado sinaliza que atuou sendo um despertador de habilidades já existente, considerando a potencialidade do usuário como protagonista do seu processo terapêutico. Observa-se que a vontade de fazer diferente, suscita a criatividade e isso motiva os usuários a superar obstáculos para encontrar alternativas, que atendam à realização do desejo.

Cuidar dos usuários com respeito inclusivo significa colocá-lo no centro do processo terapêutico, acreditando na revitalização da capacidade interna de superação da apatia, que muitas vezes acomete o usuário pelo desacreditamento que a sociedade tem no potencial criativo do usuário com transtorno mental.

A busca por parceiros fora do serviço é extremamente importante para a prática inclusiva na sociedade. Na arte o ser humano se reconhece e descobre seu poder criativo e isto exige dele reconhecimento social, como visto na fala seguinte:

[...] no final eles perguntaram? A gente vai expor aonde? Aí eu voltei e perguntei e aí a gente vai expor aonde? No teatro municipal! Eles pensaram inicialmente, [...] no teatro? Pois é. Aí outro usuário disse: porque não no museu [Assis Chateaubriand]? Que é um local que já tem exposição, lá tem como a gente expor. E aí de imediato um disse: eu tenho o telefone do diretor, então me dê que a gente vai ligar. A gente ligou para o diretor e eu conversei com ele, [ele] se propôs a conversar e eu fui lá, falei da estratégia, ele disse: ótimo [...] (P. 06).

Constata-se que, quando se tem vontade política, as coisas fluem e se desenvolvem. Esta foi uma ação que iniciou com uma oficina de pintura em tela, dentro do serviço, mais que de tão motivadora, germinou avanços para o processo de reabilitação da atenção psicossocial.

A exposição das telas produzidas pelos usuários aconteceu no Museu Assis Chateaubriand em 2009, porém, novos desafios emergiram com esse grupo de usuários do CAPS III - Reviver, pois, para que essas telas fossem expostas foi criado o Projeto Cultural Itinerante (PCI), descritos a seguir.

Projeto Cultural Itinerante

O PCI também tem como facilitador o profissional que atuou no curso de pintura em tela. O projeto teve início em 2009, através de uma construção coletiva de ideias que foram surgindo neste grupo do CAPS III - Reviver, tendo tomado uma dimensão inesperada, como apreciado na fala explicitada a seguir:

No momento era só uma exposição dessas telas, mais começou uma instigação deles mesmos e aí eu fui colocando para equipe, trabalhar outras questões. Quem sabe uma palestra, trazer alguém e nessa iniciativa, eu tive em Recife e a gente aproveitou a oportunidade, divulgou esse projeto e a gente batizou como Projeto Cultural Itinerante e nesse evento o que é que aconteceu? Nós tivemos mais de 15 CAPS da Paraíba presentes, tivemos mais de 300 participantes, palestrantes das Universidades, da UEPB e da Federal [UFCG], familiares, usuários, profissionais, gestores, então toda uma rede se juntou, teve uma mostra de produções, venda de lanches, venda de produtos artesanais, toda produção deles, exposição de telas, palestras, foi um dia todo, no museu, então eles participaram, eles falaram, [...] (P. 06).

Percebe-se, portanto, que a iniciativa realizada dentro de um CAPS, primeiramente começou como uma atividade terapêutica, como forma de ocupação, posteriormente expandiu-se e tomou uma dimensão que resgatou a autoestima dos usuários, levando-os a outros espaços de inclusão social, possibilitando a troca de experiências entre usuários de outras instituições e familiares, tendo o reconhecimento do Ministério da Cultura, como visualizado no discurso a seguir:

[...] O próprio Ministério da Saúde soube, da dimensão que o Projeto Cultural Itinerante foi reconhecido pelo Ministério da Cultura, como estratégia que favoreceu a cultura e a diversidade e a loucura, [...] promoveu todo esse dinamismo, entre a saúde mental, a sociedade como um todo [...] A gestão, profissionais, familiares, vieram para unir-se e disseminar todo esse processo de interação e integração com o usuário na sociedade (P. 06).

Com a efetivação do PCI, os serviços substitutivos avançam no processo de inclusão dos usuários que são tratados e cuidados neste município. Todavia, é importante ressaltar que embora tenham ocorrido melhorias visíveis, proporcionadas por esse projeto, foram identificadas fragilidades no que tange a sua consolidação e continuidade, conforme se pode identificar adiante:

[Este trabalho ainda está sendo desenvolvido?] Não, esse trabalho de pintura em tela, a gente parou, por questão de incentivo, que essa é uma dificuldade também, a dificuldade é exatamente de incentivo, [...] (P. 06).

Como visto, são grandes os desafios que os profissionais encontram para manter vivas, práticas no seu cotidiano, comprometendo o seu compromisso com o verdadeiro objetivo do serviço substitutivo e para com o usuário. Em virtude disso, viu-se que, estes precisam superar essas fragilidades dos recursos materiais, que, por muitas vezes, têm contribuído para não efetivação de ações exitosas como estas, que colaboram para que as pessoas em situação de sofrimento psíquico do CAPS III sejam reconhecidas e inseridas na sociedade.

Não obstante, vale destacar que o grupo de usuários do PCI permaneceu com alguns progressos intersetoriais, buscando novos parceiros que estão possibilitando sua inclusão no mercado de trabalho. Trata-se de um projeto que veio para circular em toda a cidade, sendo assim, eles firmaram uma parceria com a Agência Nacional de Desenvolvimento (ANDE), como dito:

[...] Como este é um projeto que vem para circular no território, na rede, na comunidade, na cidade, nos locais públicos, e expor as produções deles que além de expor, vender e promover um meio de geração de renda, então nós temos uma barraca na praça da bandeira que é apoiada pela ANDE e uma vez por semana, na sexta feira, os usuários tem representante na praça para vender os seus produtos. [...] Esta iniciativa surgiu a partir dessa negociação, desta busca por serviços intersetoriais. [...] Este projeto acontece com outros artesãos, ele deixa de ser usuário e passa a ser artesão, [...] e lá ele está vendendo os produtos, está mostrando que é capaz e os usuários estão se sentindo muito bem com isso (P. 06).

A ação intersetorial promoveu inclusão no mercado de trabalho e mostrou que os CAPS vêm se articulando com os dispositivos dos sistemas sociais vigentes. É fato que tal experiência configura-se uma iniciativa que resgatou a cidadania e independência dos usuários.

A busca de autonomia pelo portador de transtorno mental tem sido impulsionada por práticas assistenciais em saúde garantidas a partir da ressignificação do conceito de internação, através da expansão e fortalecimento da rede extra-hospitalar brasileira, o que tem favorecido uma melhor adesão dos usuários a terapêutica disponível na atualidade(14). A melhoria nos índices de adesão está relacionada também, a intensificação na participação de forma ativa pela família, no processo saúde doença, como é preconizado pela Reforma psiquiátrica(15).

Sobretudo, algumas atitudes ainda representam um desafio para a rede de saúde mental do município, conforme sinalizado a seguir:

[...] A gente está tentando formar o núcleo de geração de renda [...], nós temos grupos que produzem muito bem crochê, [...] embalagem, materiais manuais, ponto cruz. [...] Tem trabalhos de qualidade, muito vendável e a gente está buscando espaços na comunidade para gerar renda para essas pessoas. Agora, o que eu entendo é que o CAPS não é o local de produção, disso, como gerador de renda, mas ter um lugar extra CAPS, como: um núcleo de geração de renda e que eles possam ir trabalhar e produzir. Essa é [...] uma visão que não é só minha, mais uma visão nacional que deixou as cidades do país, que já existe essa prática, então nessa última ida minha a Brasília a gente pode perceber isso, os grupos organizados já em algumas cidades do Brasil. É preciso potencializar essas práticas (P. 06).

Nesta perspectiva, constata-se que embora desafiadora para a equipe, o grupo já iniciou um projeto de geração de renda, através da parceria concretizada com a ANDE, que tem possibilitado que eles produzam e vendam seus produtos na Praça da Bandeira, situada no Centro da Cidade. Tal projeto representa uma oportunidade de promover a dignidade humana, melhoria da autoestima e a inclusão ao trabalho. O profissional deixa evidenciado que o objetivo é a formação do núcleo de geração de renda, que se localize na comunidade, e não intramuros.

Cabe aqui reforçar, a importância de se investir em estilo de vida independente no processo de inclusão, por possibilitar que as pessoas em sofrimento psíquico tenham maior participação na sociedade, beneficiando-se dos bens e serviços que esta oferece, como também por favorecer a contribuição ativa no desenvolvimento social, econômico, cultural e político da nação(16).

Neste sentido, às cooperativas sociais tem se configurado uma forma de superação dos sofrimentos psíquicos, porém, não se trata apenas de criar cooperativas de usuários de serviços de saúde mental, dos jovens em instituições socioeducativas e de populações que vivem nas ruas, é preciso ir mais além. No Brasil, já existem mais de 300 cooperativas sociais formadas por egressos de manicômios(7).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A reforma psiquiátrica configura-se como um processo dinâmico, inacabado que exige políticas de saúde mental efetivas. Este estudo revelou práticas inovadoras para os portadores de transtornos mentais do município que objetivam sua reinserção na sociedade. Com isso, os usuários puderam exercer sua cidadania e definitivamente foram rompidas as barreiras culturais, políticas e econômicas que levantaram muros para estigmatizar o louco, como aquele que carrega consigo, uma patologia excludente.

Viu-se que os CAPS tornaram-se as maiores referências para o tratamento dos usuários portadores de transtornos psíquicos, pois tanto no seu interior quanto nos locais extramuros, o cuidar, volta-se tanto para o indivíduo, quanto para a família, promovendo paulatinamente à melhoria da qualidade de vida e consequentemente a inclusão social, e isto só tem sido possível porque, os profissionais que atuam nesses centros buscam a cada dia resgatar a autonomia dos usuários através de oficinas terapêuticas, cursos profissionalizantes, e práticas intersetoriais que tem favorecido a integralidade do cuidado.

A articulação da rede de cuidado proporcionou a construção de novas formas de cuidar dos indivíduos em situação de sofrimento psíquico dentro do território e a mudança da visão dos profissionais em relação aos paradigmas de cuidado, favoreceu a corresponsabilização da assistência aos usuários da área de abrangência, possibilitando o estabelecimento do vínculo dos usuários com outros setores do município, sem distanciá-los do CAPS como local de tratamento quando precisarem.

Constata-se que o curso de pintura em tela e o projeto cultural itinerante, possibilitaram a inclusão dos usuários no mercado de trabalho, a melhoria da autoestima, a interação com outros serviços e usuários. Para tanto, tais serviços ainda encontram como desafio a formação de cooperativas sociais, dentro das comunidades para que os usuários sejam, a cada dia, mais independentes e socialmente aceitos.

Contudo, viu-se que os profissionais que atuam no município pesquisado avançam na reforma psiquiátrica e contribui com essa prática para inclusão social dos usuários que estão sendo reabilitados e, consequentemente, cuidados, porém, estes ainda permanecem com dificuldades em dar continuidade as suas práticas.

Espera-se que o desenvolvimento desta pesquisa contribua para um maior investimento na questão da consolidação da inclusão social das pessoas em situação de sofrimento psíquico dos demais municípios brasileiros, face à sua dimensão, tendo em vista a necessidade de uma política ampla e expressiva que elimine os preconceitos impregnados culturalmente. Porém, vale novamente ressaltar que a implantação de uma nova política pressupõe mudanças em vários níveis, sejam eles, político, institucional, organizativo, éticos e pessoais, o que exige tempo, vontade política e recursos de várias ordens.

Recebido em: 02/06/2011

Aprovado em: 02/03/2012

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  • 1
    Este artigo é um recorte da dissertação de Mestrado apresentada em 2010 ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012

    Histórico

    • Recebido
      02 Jun 2011
    • Aceito
      02 Mar 2012
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